To identify and describe the protocols and clinical outcomes of urotherapy interventions in children and adolescents with bladder bowel dysfunction.
MethodSystematic review carried out in June 2018 on Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Excerpta Medica dataBASE (EMBASE), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Cochrane Library, and PsycInfo databases. Clinical trials and quasi‐experimental studies carried out in the last ten years in children and/or adolescents with bladder and bowel symptoms and application of at least one component of urotherapy were included.
ResultsThirteen clinical trials and one quasi‐experimental study were included, with moderate methodological quality. The heterogeneity of the samples and of the methodological design of the articles prevented the performance of a meta‐analysis. The descriptive analysis through simple percentages showed symptom reduction and improvement of uroflowmetry parameters. The identified urotherapy components were: educational guidance, water intake, caffeine reduction, adequate voiding position, pelvic floor training, programmed urination, and constipation control/management.
ConclusionThis review indicates positive results in terms of symptom reduction and uroflowmetry parameter improvement with standard urotherapy as the first line of treatment for children and adolescents with bladder bowel dysfunction. It is recommended that future studies bring contributions regarding the frequency, number, and time of urotherapy consultations.
Identificar e descrever os protocolos e desfechos clínicos das intervenções de uroterapia em crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal.
MétodoRevisão sistemática realizada em junho de 2018 nas bases Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Excerpta Medica dataBASE (EMBASE), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Cochrane Library e PsycInfo. Foram incluídos ensaios clínicos e estudos quase‐experimentais dos últimos 10 anos, em crianças e/ou adolescentes com sintoma urinário e intestinal e aplicação de no mínimo um componente de uroterapia.
Resultados13 ensaios clínicos e 1 estudo quase‐experimental foram incluídos, sendo a qualidade metodológica moderada. A heterogeneidade da amostra e de delineamento metodológico dos artigos impediu a realização de meta‐análise. A análise descritiva por meio de percentual simples demonstrou redução dos sintomas e melhora dos parâmetros de urofluxometria. Os componentes de uroterapia identificados foram: orientação educacional, ingestão hídrica, redução de cafeína, posicionamento adequado para eliminação, treinamento do assoalho pélvico, micção programada e controle/manejo da constipação.
ConclusãoEsta revisão sinaliza resultados positivos em termos de redução de sintomas e melhora nos parâmetros de urofluxometria com aplicação de uroterapia padrão como primeira linha de tratamento nos casos de crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal. Recomenda‐se que estudos futuros tragam contribuições no que tange a frequência, número e tempo para as consultas de uroterapia.
A disfunção vesical e intestinal (DVI) é definida como a combinação de pelo menos um dos sintomas intestinais (exemplos: constipação e encoprese) associado a um ou mais sintomas de trato urinário inferior (STUI), que incluem sintomas relativos a alterações nas fases de armazenamento (exemplos: incontinência urinária e urgência miccional), esvaziamento vesical (exemplos: hesitação e jato urinário fraco) e/ou outros sintomas (exemplos: manobras de contenção e dor ao urinar).1,2
Em termos epidemiológicos, a prevalência de DVI e STUI tem relevância clínica no contexto pediátrico, pois acomete um percentual expressivo (44,3%) de crianças e adolescentes considerados saudáveis do ponto de vista urológico, ou seja, não apresentam alterações estruturais do sistema de geniturinário ou neurológico.1–3 Eles ficam expostos a complicações como dermatites associadas à umidade, esvaziamento vesical incompleto, infecções do trato urinário (ITU) e refluxo vesicoureteral, coloca‐se em risco a função do trato urinário superior.1,2 Além disso, a DVI impacta negativamente a dimensão psicossocial, podeo levar ao isolamento, ansiedade e depressão.2,4,5
A uroterapia é o tratamento de primeira linha nos casos de DVI e consiste em abordagem não cirúrgica e não farmacológica.2 É classificada em uroterapia‐padrão e uroterapia específica. A uroterapia‐padrão envolve informação e desmistificação a respeito da função do trato urinário inferior (TUI), instruções a respeito de como resolver STUI específicos a cada caso, modificação comportamental (hábito intestinal e urinário regulares, postura adequada no toalete para eliminações etc.), orientações a respeito de estilo de vida saudável (ingestão hídrica adequada, redução de cafeína, dieta rica em fibras etc.), programação de intervalo entre as micções, registro de sintomas e hábitos de eliminação, identificação da musculatura do assoalho pélvico e acompanhamento clínico sistemático. A uroterapia específica inclui técnicas de relaxamento de assoalho pélvico, biofeedback, eletroestimulação e cateterismo intermitente limpo. Intervenções adicionais à uroterapia envolvem psicoterapia e terapia cognitivo‐comportamental.1,2,6,7
Diversos estudos demonstram a efetividade da uroterapia na redução de sintomas da DVI. É uma terapia que se mostra efetiva tanto na redução dos STUI, constipação intestinal funcional (CIF) e ITU quanto na melhoria de parâmetros de urofluxometria.8–13
Esta revisão se fez necessária porque a uroterapia‐padrão é a primeira linha de tratamento na DVI e essa, apesar de ser bastante citada no tratamento de diferentes grupos de sintomas, é pouco descrita de forma a apresentar protocolos específicos para sua aplicação, no que diz respeito a número e frequência das consultas, tempo de consulta, conteúdo abordado em cada sessão ou estratégias adotadas. Faz‐se necessária também uma análise de sua efetividade no controle de sintomas da população estudada, uma vez que os estudos comumente são focados em um grupo específico de sintomas, e não no contexto geral da DVI, e com objetivo de comparar essa terapêutica com técnicas de uroterapia específica, e não a placebo ou controle sem tratamento.
Esta revisão foi norteada pela estratégia Pico,14 em que P (Participantes) foram crianças e adolescentes com DVI; I (Intervenções) foram um ou mais componentes de uroterapia‐padrão; C (Comparação) foram grupos‐controle, procedimentos cirúrgicos, terapia medicamentosa, biofeedback, eletroestimulação, alarmes; O (Resultados/Desfechos) foram redução de sintomas e/ou alterações nos padrões de exames diagnósticos. Formulou‐se a seguinte pergunta norteadora “Quais são os resultados/desfechos clínicos das intervenções de uroterapia aplicadas a crianças e adolescentes com DVI e qual o formato ou os componentes do protocolo aplicado?”
Dessa forma, o objetivo desta revisão foi identificar e descrever os protocolos e desfechos clínicos das intervenções de uroterapia aplicadas a crianças e adolescentes com DVI.
MétodoRevisão sistemática de literatura, com protocolo submetido à plataforma Prospero sob registro ID CRD42019121198.
Os critérios de inclusão adotados na busca foram: ensaios clínicos randomizados e controlados e estudos quase‐experimentais; população de estudo composta por crianças e/ou adolescentes; amostra com pelo menos um sintoma urinário associado a pelo menos um sintoma intestinal; aplicação de (no mínimo) um componente de uroterapia‐padrão; artigos publicados nos últimos 10 anos; artigos publicados nos idiomas inglês, espanhol e/ou português; artigos disponíveis em texto completo ou obtidos via solicitação aos autores.
Os critérios de exclusão aplicados foram: amostra composta por crianças com disfunção neurológica de trato urinário inferior e estudos que abordassem apenas intervenções cirúrgicas, medicamentosas ou de uroterapia específica.
A busca foi feita em junho de 2018 nas bases de dados: Medical Analysis and Retrieved System Online (Medline/Pubmed), Cinahl, Embase, Web of Science (Scientific Electronic Library Online [Scielo]), The Cochrane Library e PsycInfo.
Os descritores usados na busca se encontram descritos na tabela 1. Os descritores contidos em cada coluna (DVI, uroterapia e pediatria) foram inseridos com o operador “OR” entre eles. O grupo de descritores de cada categoria foi cruzado com os demais grupos pelo operador “AND”. Foram usados os filtros de período de publicação, idioma, estudo em humanos e tipo de estudo, nas bases que tinham tais comandos.
Estratégia de busca dos estudos sobre uroterapia no tratamento de crianças e adolescentes com disfunção vesical e intestinal: revisão sistemática. Brasília 2019
Descritores de disfunção vesical e intestinal | Descritores de uroterapia | Descritores de pediatria |
---|---|---|
Bladder Bowel Dysfunction (não controlado)Lower Urinary Tract SymptomsUrinary Bladder Overactive,Urinary IncontinenceUrinary RetentionEnuresisUrination DisordersEncopresisConstipationDysfunctional Elimination SyndromeDysfunctional Voiding | Urotherapy (não controlado)Behavioral TherapyPatient Education as TopicBladder Training | ChildAdolescent |
O resultado geral das buscas de cada base de dados foi exportado para uma pasta no gerenciador de referências Mendeley®. Os artigos contidos em todas as pastas foram movidos para uma pasta única, na qual foram excluídas automaticamente as duplicações geradas por periódicos indexados em mais de uma base. Todos os títulos e resumos foram lidos com a aplicação dos critérios de elegibilidade. Partiram para leitura de texto completo, os artigos elegíveis e aqueles nos quais o resumo não deixava claro a presença dos critérios de inclusão adotados.
Os dados extraídos dos artigos selecionados foram organizados em Planilha Excel, de acordo com a lista de verificação Consolidation of the Standards of Reports Trial – Consort,15 por se tratar de ensaios clínicos.
As fases de leitura de título e resumo e posteriormente de leitura de texto completo foram feitas por duas revisoras independentes, os casos de discordância foram resolvidos por meio de discussão do tópico e consenso. Uma terceira revisora atuou na resolução de impasses na seleção dos artigos e em dúvidas durante o processo de extração dos dados.
As variáveis primárias analisadas foram sintomas de DVI (incontinência urinária, enurese noturna, infecção do trato urinário, constipação, incontinência fecal/encoprese, resíduo pós‐miccional, sintomas de esvaziamento, micção postergada e urgência miccional) e parâmetros de urofluxometria (volume urinado, resíduo pós‐miccional, fluxo médio, fluxo máximo, tempo de fluxo e capacidade vesical), de acordo com a análise apresentada em cada estudo.
A avaliação de qualidade e dos riscos de viés dos estudos foi feita por duas revisoras, de maneira concomitante, debateram‐se sobre cada item analisado. Para classificá‐los, foram relidos métodos e resultados de cada publicação e avaliados por intermédio da escala de Jadad modificada (escore de 0 a 5, 5 é a qualidade maior e abaixo de 3 é considerado baixa qualidade)16 e no que tange à avaliação do risco de viés foi usada a ferramenta da Colaboração Cochrane (classifica tipos de viés de seleção, performance, detecção, atrito e relato, classifica em baixo risco, alto risco e risco incerto).17 Ambos os instrumentos avaliam o processo de randomização, cegamento, perda de dados e, na ferramenta da Cochrane, apresentação de desfecho.
Para análise da resolução dos sintomas estudados em cada publicação, após uroterapia‐padrão, calculou‐se a porcentagem de participantes que não mais apresentava o determinado sintoma após a terapia. Para um mesmo sintoma analisado em mais de um artigo, usou‐se a média aritmética das porcentagens de resolução de cada estudo, obteve‐se uma média de resposta positiva à terapêutica, para cada sintoma. Foi aplicado cálculo de porcentagem também para comparação da redução de resíduo pós‐miccional verificada nas publicações que analisaram esse parâmetro na urofluxometria. Quanto aos parâmetros de urofluxometria, os dados foram apresentados em média e desvio‐padrão, anterior e posteriormente à aplicação da uroterapia, seguido de uma análise descritiva das alterações apresentadas.
As variáveis analisadas foram organizadas em duas tabelas, uma de sintomas e outra de parâmetros de urofluxometria. Os dados referentes aos componentes do protocolo de uroterapia aplicado em cada estudo forma analisados de forma descritiva.
ResultadosA amostra desta revisão foi composta por 14 estudos. A figura 1 apresenta o fluxo de seleção dos artigos.
Apenas quatro artigos foram publicados no primeiro quinquênio da busca. Oito artigos compararam uroterapia‐padrão com uroterapia‐padrão + específica.18–25 Um estudo comparou uroterapia‐padrão com uroterapia‐padrão + anticolinérgico.26 Três artigos compararam uroterapia‐padrão de abordagem tradicional (consulta dialogada individual) com técnicas opcionais de aplicação da uroterapia (animação em vídeo e abordagem em grupo).10,27,28 Um artigo comparou redução de sintomas em crianças que receberam uroterapia logo após ao diagnóstico com as que receberam três meses depois do diagnóstico29 e um artigo analisou resposta à uroterapia a cada consulta da criança, bem como o percentual de adesão aos retornos de acordo com o número de consultas.30 Na tabela 2 se encontram descritos os 14 artigos que compuseram a amostra.
Caracterização dos artigos que compuseram a amostra. Uroterapia no Tratamento de Crianças e Adolescentes com Disfunção Vesical e Intestinal: Revisão Sistemática. Brasília, 2019
Título | Ano de publicação | Número de participantes | Grupo experimental | |
---|---|---|---|---|
01 | The evaluation of combined standard urotherapy, abdominal and pelvic floor retraining in children with dysfunctional voiding | 2011 | n. 8643 controle43 experimental | Respiração diafragmática e treinamento muscular de assoalho pélvico. |
02 | Correlation between uroflowmetry parameters and treatment outcome in children with dysfunctional voiding | 2010 | n. 8643 controle43 experimental | Respiração diafragmática e treinamento muscular de assoalho pélvico. |
03 | Transcutaneous interferential electrical stimulation for the management of non‐neuropathic underactive bladder in children: A randomized clinical trial | 2016 | n. 3618 controle18 experimental | Eletroestimulação transcutânea interferencial. |
04 | Management of non‐neuropathic underactive bladder in children with voiding dysfunction by animated biofeedback: a randomized clinical trial | 2015 | n. 5025 controle25 experimental | Biofeedback animado. |
05 | Bladder training video versus standard urotherapy for bladder and bowel dysfunction: a non inferiority randomized, controlled trial | 2017 | n. 15075 controle75 experimental | Animação em vídeo. |
06 | The impact of a bladder training video versus standard urotherapy on quality of life of children with bladder and bowel dysfunction: A randomized controlled trial | 2017 | n. 15075 controle75 experimental | Animação em vídeo. |
07 | Parasacral transcutaneous electrical neural stimulation (PTENS) once a week for the treatment of overactive bladder in children: A randomized controlled trial | 2017 | n. 1608 controle08 experimental | Eletroestimulação transcutânea parassacral. |
08 | Are interferential electrical stimulation and diaphragmatic breathing exercises beneficial in children with bladder and bowel dysfunction? | 2017 | n. 7924 controle25 controle + resp30 experimental | Eletroestimulação interferencial. Respiração diafragmática. |
09 | Efficacy of combined anticholinergic treatment and behavioral modification as a first line treatment for non‐neurogenic and non‐anatomical voiding dysfunction in children: a randomized controlled trial | 2007 | n. 7220 controle20 controle + plac32 experimental | Tolterodina (anticolinérgico). |
10 | A pilot randomized controlled trial evaluating the effectiveness of group vs individual urotherapy in decreasing symptoms associated with bladder‐bowel dysfunction | 2015 | n. 6030 controle30 experimental | Orientações de uroterapia em grupo. |
11 | Animated biofeedback: An ideal treatment for children with dysfunctional elimination syndrome | 2011 | n. 8040 controle40 experimental | Biofeedback animado. |
12 | Two sessions of behavioral urotherapy for bowel and bladder dysfunction: does it get any better? | 2014 | n. 368Não tem grupo controle – avaliação de efetividade por número de consultas | Não se aplica |
13 | Combined functional pelvic floor muscle exercises with Swiss ball and urotherapy for management of dysfunctional voiding in children: a randomized clinical trial | 2014 | n. 6030 controle30 experimental | Exercícios de assoalho pélvico. Swiss ball. |
14 | Long‐term prospective evaluation of an inpatient voiding reeducation program for lower urinary tract conditions in children | 2013 | n. 6432 controle32 experimental | Uroterapia iniciada três meses após diagnóstico |
Os artigos que compararam uroterapia‐padrão com uroterapia‐padrão somada à específica ou medicamento anticolinérgico demonstraram melhores resultados para os grupos que receberam as duas terapias associadas. Por outro lado, os artigos que compararam formas alternativas de aplicação do protocolo de uroterapia (apresentação do conteúdo em vídeo animado e abordagem em grupo) não demonstraram melhores resultados para as modalidades testadas, em comparação com a tradicional.
Quanto à qualidade e ao risco de viés dos estudos, a tabela 3 traz a classificação com discriminação de cada item avaliado, por meio das duas ferramentas adotadas.
Classificação dos artigos quanto à qualidade e risco de viés, segundo os instrumentos de Jadad modificado e da ferramenta Cochrane. Brasília 2019
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12a | 13 | 14 | |
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Escala de Jadad modificada16 | ||||||||||||||
O estudo foi descrito como randomizado? | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Não | Sim | Sim | Sim | NA | Sim | Sim |
O estudo foi descrito como duplo‐cego? | Não | Não | Não | Sim | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | NA | Não | Não |
Houve descrição de exclusões e perdas? | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | NA | Sim | Sim |
O método para gerar a sequência de randomização foi descrito e apropriado? | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim | Não | Não | Sim | Sim | NA | Sim | Não |
O método de duplo‐cego foi descrito e apropriado? | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | NA | Não | Não |
PONTUAÇÃO FINAL | 3 | 3 | 3 | 4 | 3 | 3 | 3 | 1 | 2 | 3 | 3 | NA | 3 | 2 |
Ferramenta da colaboração da Cochrane17 | ||||||||||||||
Geração da sequência aleatória (viés de seleção) | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Alto | Incerto | Baixo | Baixo | NA | Baixo | Incerto |
Ocultação de alocação (viés de seleção) | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Alto | Incerto | Baixo | Incerto | NA | Baixo | Incerto |
Cegamento de participantes e profissionais (viés de desempenho) | Alto | Alto | Alto | Alto | Alto | Alto | Baixo | Alto | Alto | Alto | Alto | NA | Alto | Baixo |
Cegamento de avaliadores de desfecho (viés de detecção) | Alto | Alto | Alto | Alto | Alto | Baixo | Alto | Alto | Alto | Baixo | Alto | NA | Alto | Baixo |
Desfechos incompletos (viés de atrito) | Alto | Alto | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo | Alto | Baixo | Baixo | Baixo | NA | Baixo | Baixo |
Relato seletivo dos desfechos (viés de relato) | Alto | Baixo | Baixo | Baixo | Alto | Alto | Baixo | Baixo | Alto | Baixo | Baixo | NA | Alto | Baixo |
Alto, alto risco de viés; Baixo, baixo risco de viés; Incerto, risco de viés incerto por falta de informações no estudo; NA, não se aplica.
Observa‐se que a maioria dos estudos obteve nota 3 na escala de Jaddad, demonstrou‐se qualidade metodológica moderada. Da mesma forma, na análise de viés, pela ferramenta de colaboração Cochrane, a maior parte dos estudos apresentou alto risco para viés de performance e detecção. Nota‐se pelas duas ferramentas que essa limitação dos estudos está diretamente relacionada ao não cegamento dos participantes e avaliadores de desfecho. Apenas os autores de um artigo o definiram como duplo cego, porém não apresentaram a descrição dos procedimentos de cegamento e o tipo de intervenção aplicada, o que torna o processo de cegamento questionável.
Os estudos 8, 9 e 14 foram os que obtiveram nota abaixo de 3, qualificados como baixa qualidade. O 8 não foi classificado como randômico, a alocação dos participantes foi bastante enviesada, já o 9 e o 14 não descreveram o método de randomização de maneira apropriada.
Quanto à ferramenta da Cochrane, os itens de fragilidade da maioria dos estudos foram relativos aos vieses de desempenho e de detecção, por não serem duplo‐cegos. O artigo 14 obteve baixo risco nesses dois tipos de vies, pois, apesar de não existir cegamento, julgou‐se que não interfere na análise dos resultados (pois ambos os grupos fizeram uroterapia‐padrão). Os estudos 6 e 10 cegaram apenas os avaliadores do desfecho e a publicação 7 conseguiu cegar os participantes.
Quanto ao viés de atrito, os artigos que receberam classificação de alto risco foram aqueles que apresentaram desistência de participantes do grupo controle de forma desproporcional ao grupo experimental (1, 2 e 8). Quanto ao viés de relato, os artigos que receberam classificação de alto risco foram aqueles que não apresentaram o resultado de todas as variáveis citadas no método (1, 5, 6, 9 e 13).
Apesar de todos os artigos serem constituídos por uma amostra com crianças e/ou adolescentes com DVI (com pelo menos um sintoma urinário e um intestinal), alguns deles trataram de disfunções específicas, como hipoatividade ou hiperatividade detrusora. Desse modo, os sinais e sintomas da DVI analisados entre os estudos não foram homogêneos. Assim, a análise e a comparação dos desfechos dos programas de uroterapia entre os artigos dependeram da descrição dos sintomas e da similaridade entre eles.
Os artigos 5, 6, 8, 10, 12 e 14 incluíram pacientes com sintomas gerais de DVI, os artigos 1, 2, 9, 11 e 13 limitaram a amostra em crianças e/ou adolescentes com micção disfuncional, caracterizada por contração pélvica durante a fase de esvaziamento vesical. Os artigos 3 e 4 analisaram pacientes com hipoatividade detrusora não neuropática e o artigo 7 com hiperatividade detrusora.
A tabela 4 apresenta os sintomas, analisados nos artigos, antes e após a aplicação da uroterapia. Nem todas as publicações apresentaram os desfechos dos tratamentos por sintomas, então nem todas elas foram apresentadas na tabela 4. Além disso, nem todos os sintomas foram analisados por todos os artigos apresentados, a depender do perfil da amostra e objetivo do estudo.
Comparação de sintomas anteriormente e posteriormente à aplicação do protocolo. Uroterapia no Tratamento de Crianças e Adolescentes com Disfunção Vesical e Intestinal: Revisão Sistemática. Brasília 2019
Sintoma/Artigo | 01 | 03 | 04 | 08 | 11 | 13 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Incontinência urinária | n. | 32 | 18 | 25 | 20 | 40 | 30 |
Pré. | 18 | 3 | 4 | 4 | 11 | 11 | |
pós | 16 | 1 | 2 | 4 | 3 | 7 | |
Resolução | 11% | 67% | 50% | 0% | 73% | 36% | |
Enurese noturna | n. | 32 | 18 | 25 | 20 | 40 | 30 |
pré | 15 | 7 | 5 | 4 | 9 | 8 | |
pós | 10 | 5 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
Resolução | 33% | 29% | 40% | 0% | 44% | 25% | |
Infecção do trato urinário | n. | 32 | 18 | 25 | 20 | 30 | |
pré | 15 | 11 | 13 | 7 | 13 | ||
pós | 9 | 5 | 7 | 7 | 5 | ||
Resolução | 40% | 54% | 46% | 0% | 62% | ||
Constipação | n. | 32 | 18 | 25 | 20 | 40 | 30 |
pré | 10 | 3 | 5 | 20 | 20 | 6 | |
pós | 4 | 2 | 2 | 17 | 12 | 3 | |
Resolução | 60% | 33% | 60% | 15% | 40% | 50% | |
Incontinência Fecal/Encoprese | n. | 20 | 40 | ||||
pré | 9 | 20 | |||||
pós | 7 | 16 | |||||
Resolução | 22% | 20% | |||||
Resíduo pós‐miccional | n. | 20 | |||||
pré | 12 | ||||||
pós | 07 | ||||||
Resolução | 42% | ||||||
Sintomas de esvaziamento | n. | 20 | |||||
pré | 3 | ||||||
pós | 0 | ||||||
Resolução | 100% | ||||||
Micção postergada | n. | 20 | |||||
pré | 2 | ||||||
pós | 2 | ||||||
Resolução | 0% | ||||||
Urgência miccional | n. | 40 | 30 | ||||
pré | 16 | 11 | |||||
pós | 9 | 8 | |||||
Resolução | 44% | 27% |
n, representa o total de crianças/adolescentes submetidos à uroterapia isolada, não representa o número total da amostra do estudo, composta por grupo controle (uroterapia) e grupo experimental (terapia adjuvante); pré, número de crianças/adolescentes que apresentava o sintoma antes da uroterapia e pós é o número de crianças/adolescentes que permaneceu com o sintoma após o tratamento com uroterapia.
A média percentual de resolução dos sintomas analisados com a aplicação de uroterapia‐padrão foi 39,5% para incontinência urinária, 28,5% para enurese noturna, 43% para constipação (analisados por seis dos 14 artigos), 40,4% para infecção do trato urinário, analisada em cinco artigos, 21% para incontinência fecal e 35,5% para urgência miccional, com análise em dois artigos. Não foi possível calcular a resolução média para resíduo pós‐miccional aumentado, sintomas de esvaziamento e micção postergada, por terem sido analisados em apenas um artigo.
A tabela 5 apresenta os parâmetros de urofluxometria analisados nos artigos, antes e após a aplicação de uroterapia. Nem todos os artigos analisaram parâmetros de urofluxometria e nem todos os que usaram esse dado apresentaram todos os parâmetros do exame.
Parâmetros de urofuxometria anteriormente e posteriormente à aplicação do protocolo. Uroterapia no Tratamento de Crianças e Adolescentes com Disfunção Vesical e Intestinal: Revisão Sistemática. Brasília 2019
Parâmetros/Artigo | 01 | 03 | 04 | 08 | 11 | 13 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Volume urinado (mL) | Pré (média) | 238,4 | 407 | 407 | 270,55 | 230 | 180 |
DP | 123,9 | 129 | 121 | 131,86 | 7,5 | 67‐402 | |
Pós (média) | 204,9 | 361 | 345 | 243,61 | 240 | 203 | |
DP | 114,6 | 105 | 115 | 122,95 | 10,8 | 75‐393 | |
Resíduo pós‐miccional (mL) | Pré (média) | 37,9 | 80 | 83 | ‐ | 13 | 0 |
DP | 36,2 | 48 | 51 | ‐ | 2,5 | 0‐100 | |
Pós (média) | 30,1 | 49 | 41 | ‐ | 11,3 | 0 | |
DP | 33,2 | 23,3 | 34 | ‐ | 1,8 | 0‐50 | |
Redução | 20,6% | 38,7% | 50,6% | ‐ | 13,1% | ‐ | |
Fluxo médio | Pré (média) | 9,7 | 5,2 | 6.3 | 11,85 | 7,5 | 7,3 |
DP | 4,5 | 2,2 | 2.2 | 5,73 | 2,6 | 3,5‐18,7 | |
Pós (média) | 9,5 | 8,8 | 7.8 | 12,25 | 10,2 | 8 | |
DP | 6,8 | 3,2 | 5.3 | 6,96 | 6,7 | 3‐19,5 | |
Fluxo máximo | Pré (média) | 21,3 | 9,5 | 10,3 | 23,88 | 18 | 16,6 |
DP | 11,4 | 2,4 | 2,4 | 8,16 | 6,6 | 8,1‐29 | |
Pós (média) | 18,1 | 11,8 | 12,5 | 24,15 | 23,3 | 16 | |
DP | 11,4 | 5,7 | 5,7 | 9,55 | 12,9 | 5‐37 | |
Tempo de fluxo (seg) | Pré (média) | 29,1 | 65 | 44 | 25,97 | 27,4 | 20 |
DP | 12,5 | 20 | 27 | 9,51 | 10,4 | 7‐72 | |
Pós (média) | 29,5 | 56 | 39 | 23,51 | 18,5 | 21 | |
DP | 20,1 | 21 | 25 | 8,79 | 12,3 | 10‐71 | |
Capacidade vesical | Pré (média) | ‐ | 463 | 475 | ‐ | 237 | ‐ |
DP | ‐ | 121 | 168 | ‐ | 94 | ‐ | |
Pós (média) | ‐ | 366 | 387 | ‐ | 240 | ‐ | |
DP | ‐ | 67 | 123 | ‐ | 80 | ‐ |
pré, valor da média do parâmetro antes da terapia e pós é o valor da média do parâmetro após as crianças/adolescentes terem passado pelo programa.
Como citado anteriormente, os artigos 1, 8, 11 e 13 foram constituídos por amostra de crianças com micção disfuncional, ou seja, que mantinham o assoalho pélvico contraído durante micção, apresentavam dificuldades para esvaziamento total do volume. Nesses casos, uma resposta adequada ao tratamento seria o aumento do volume urinado, o que ocorreu nos artigos 11 e 13.
Os estudos 3 e 4 foram constituídos por amostra de crianças com diagnóstico de hipoatividade detrusora, ou seja, com redução da sensibilidade vesical, alta capacidade vesical, contração de esvaziamento com força e duração reduzidas, micção longa e necessidade de uso de pressão abdominal. Nesses casos, uma resposta adequada ao tratamento seria a diminuição do volume urinado e da capacidade vesical, que foram bem‐sucedidos em ambos os estudos.
Todos os artigos que analisaram resíduo pós‐miccional foram bem‐sucedidos, com redução de volume ao término do tratamento. Com destaque aos estudos 3 e 4 (crianças com hipoatividade detrusora), que conseguiram diminuir quase à metade o volume residual.
Os artigos 3, 4, 8 e 11 demonstraram melhoria do parâmetro tempo de fluxo, demonstraram melhoria do quadro. Não foram identificadas diferenças significativas nos parâmetros fluxo máximo e fluxo médio nos estudos que analisaram essa variável.
Adicionalmente aos resultados de efetividade da uroterapia, foi feita uma análise descritiva do protocolo aplicado em cada artigo. Grande parte dos estudos analisados não apresentou o protocolo no que diz respeito a número de consultas, tempo de consulta e intervalo entre consultas, não permitiu uma síntese detalhada dessas informações. Apenas o estudo 10 apresenta a informação de que a consulta de uroterapia individual (grupo controle) durava 15 minutos, o estudo 11 menciona consultas com intervalo mensal e o estudo 14 qinforma que o tempo de sessão de orientação foi de 60 minutos e o número de consultas até seis.
A tabela 6 sintetiza as informações a respeito dos componentes de uroterapia aplicados em cada estudo. Nota‐se que nenhum artigo contempla a aplicação de todos os componentes descritos nas recomendações da ICCS.1
Componentes de uroterapia aplicados pelos estudos incluídos na revisão: Uroterapia na Disfunção Vesical e Intestinal Pediátrica: Revisão Sistemática. Brasília 2019
Orientação educacional | Ingestão hídrica | Potenciais irritantes vesicais | Posicionamento para eliminação | Treinamento assoalho pélvico | Micção programada | Controle da constipação | |
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1 | Funcionamento vesicouretral ou ureteral? | 200mL, 5 a 6 vezes/dia | Não descrito | Quadril afastado, abdômen relaxado, apoio dos pés, uso de redutor de assento sanitário | Não descrito | Não descrito | Adequação de postura, dieta e hidratação, lactulose 1 mL/kg, uma a três vezes ao dia até evacuação 1 a 2x ao dia com consistência de milk‐shake |
2a | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM |
3 | Função urinária e gastrointestinal | Ingestão de líquido de acordo com o esvaziamento vesical (a cada 2 a 3h) | Não descrito | Suporte para os pés para crianças pequenas, abertura das pernas e relaxamento dos músculos pélvico e abdominais | Contração de musculatura de Assoalho Pélvico por 10 seg e relaxamento por 30 seg, a cada sessão de tratamento | Não descrito | Dieta rica em fibras. Sentar‐se no vaso sanitário em posição confortável após as três principais refeições, por cinco minutos |
4 | Função urinária e gastrointestinal | Ingestão de líquido de acordo com o esvaziamento vesical (a cada 2 a 3h) | Não descrito | Correção de postura para melhor relaxamento pélvico e abdominal | Não descrito | Não descrito | Lactulose foi administrada para as crianças com constipação refratária à dieta |
5 | Enchimento e esvaziamento vesical. Controle da bexiga e do intestino (material instrucional com orientações escritas). | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Medicamentos para melhora da consistência fecal, de acordo com a avaliação clínica |
6a | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM | IDEM |
7 | Não descrito | Aumentar o consumo de líquidos, evitar ingestão duas horas antes de dormir. | Evitar líquidos cafeinados | Posicionamento confortável para urinar e evacuar | Não descrito | Micção ao acordar e antes de dormir, programar micção com intervalo entre 3 e 4 horas. Evitar retardar a micção quando sente vontade | Ingestão de alimentos ricos em fibras |
8 | Função urinária e gastrointestinal e explicação sobre a coexistência de problemas urinários e intestinais. | 200mL 5 a 6x ao dia | Não descrito | Sentar‐se no vaso sanitário confortavelmente. Quadris em abdução, pés apoiados e abdômen relaxado | Não descrito | Não descrito | Dieta rica em fibras. Posicionar‐se no vaso sanitário 3x ao dia, depois das principais refeições, por 5 a 10 minutos para tentar evacuar |
9 | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Relaxamento do assoalho pélvico durante a micção | Não descrito | Micção programada | Dieta especial e laxativos |
10 | Anatomia e fisiologia do sistema urinário | Não descrito | Não descrito | Relaxamento progressivo | Não descrito | Treinamento vesical | Não descrito |
11 | Função vesical e intestinal | Aumento da hidratação | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Micção programada | Ingestão de fibras. Agentes laxativos quando necessário |
12 | Não descrito | Não descrito | Não descrito | Postura apropriada no vaso sanitário | Não descrito | Intervalo de micção | Ajuste de dieta e água de acordo com o aspecto das fezes |
13 | Função urinária e gastrointestinal | Ingestão hídrica a cada micção (2 a 3h) | Não descrito | Postura ideal para eliminação com suporte para os pés e redutor de assento sanitário. Contração e relaxamento dos músculos abdominais e Musculatura de Assoalho Pélvico antes da eliminação. | Mecanismo de treinamento esfincteriano | Micção programada | Fibras e laxativos suaves. |
14 | Não descrito | Monitoramento da ingestão hídrica | Não descrito | Tempo suficiente para esvaziar a bexiga. Figuras no banheiro podem ajudar. Atenção para postura para meninas (pés apoiados e coluna ereta). Atenção para relaxamento pélvico e continuidade do jato urinário (meninas ouvem e meninos veem). | Exercícios de assoalho pélvico. Crianças (meninos e meninas) com menos de oito anos aprendem o exercício do balão (de frente para o espelho enchem o abdômen até formar um balão, depois desinflam o balão para relaxar assoalho pélvico). Repetem 20 vezes, 3x ao dia. Meninas com mais de oito anos, exercícios de Kegel (contração e relaxamento de assoalho pélvico), 30 repetições 3x ao dia, testar a efetividade cortando o jato de urina. | Micção a cada 2‐3h. Se o desejo miccional for mais frequente, motivar para intervalos mais longos. Evitar micção durante a noite. | Dieta rica em fibras, frutas frescas e vegetais. Laxativo em caso de ausência de evacuação até 16 a 18h |
Tratando especificamente dos componentes da uroterapia, o primeiro item apresentado foi a orientação educacional. Quatro estudos não mencionaram esse componente, todos os que mencionaram abordaram de alguma forma o funcionamento urinário, cinco acrescentaram funcionamento intestinal e um abordou problemas existentes nesses sistemas.
Nove estudos abordaram o componente ingestão hídrica, seis trazem o volume ou frequência de ingestão indicados, foram apresentados como “um copo a cada duas a três horas” ou “200ml cinco a seis vezes ao dia”. Apenas um artigo adotou o item alimentos potencialmente irritantes vesicais, orientou a redução de bebidas cafeinadas.
Onze artigos mencionam o posicionamento no vaso sanitário como parte do programa de uroterapia. Pés apoiados em um suporte aparecem em seis artigos, relaxamento ao se sentar no vaso sanitário é citado em sete estudos. Como estratégias para relaxamento foram citadas técnicas de respiração, treinamento de assoalho pélvico, tempo programado para eliminações e figuras no banheiro, para distração. Abertura dos quadris, retidão da coluna vertebral, redução do assento sanitário e observação de continuidade do jato urinário também aparecem no item “postura”.
O treinamento da musculatura do assoalho pélvico aparece como programa‐padrão de uroterapia em três estudos. Vale ressaltar que esse componente é considerado como “uroterapia específica” nos documentos da ICCS. Desse modo, em alguns estudos o treinamento da musculatura aparece como grupo experimental, em comparação com a uroterapia‐padrão do grupo‐controle, nesses casos os resultados não estão apresentados na tabela que sintetiza os componentes aplicados pelos autores como uroterapia‐padrão.
Sete estudos adotaram o componente de micção programada, o intervalo miccional frequentemente orientado foi entre duas a três horas, com interrupção desse intervalo durante a noite. O controle da constipação intestinal foi o item mais abordado pelos autores na aplicação do protocolo de uroterapia, citado nos 14 artigos. Dieta rica em fibras foi o item mais observado, seguida do uso de laxativos. O laxativo mencionado pelos estudos foi a lactulose, usada em caso de falha com ajuste da dieta ou ausência de evacuação até o fim da tarde. Dois artigos descrevem o condicionamento de eliminação intestinal, sugerem posicionamento no vaso sanitário por cinco minutos, três vezes ao dia, após as principais refeições.
DiscussãoA uroterapia‐padrão foi, predominantemente, aplicada aos grupos controle, para comparação dessa com sua aplicação somada a componentes de uroterapia específica, medicamento anticolinérgico ou maneiras opcionais de orientação quanto aos componentes do programa. Tal resultado demonstra que a uroterapia‐padrão é o grupo de medidas comportamentais considerada a abordagem recomendada como primeira linha de tratamento para controle dos sintomas de DVI em crianças e adolescentes, o que torna ainda mais necessária a compreensão de seus componentes e modalidades de aplicação.
Pela recomendação da ICCS, toda criança com incontinência urinária diurna deve receber uroterapia‐padrão como primeira linha de tratamento e apenas as refratárias devem seguir com aprofundamento da investigação e aplicação de componentes de uroterapia específica.7 Vale mencionar que a aplicação da uroterapia‐padrão como primeira linha de tratamento reduz os custos para os serviços de saúde e responsáveis pela criança/adolescente, uma vez que não depende de equipamentos e materiais específicos, e sim de habilidades educacionais por parte do profissional.
O cálculo percentual demonstrou redução do número de crianças/adolescentes que apresentavam os sintomas analisados, com a aplicação da uroterapia‐padrão. Esse resultado foi descrito também em outros estudos, porém em STUI. Uma metanálise que analisou efetividade da uroterapia em comparação com a remissão espontânea de incontinência urinária diurna demonstrou que a uroterapia‐padrão é uma intervenção cognitivo‐comportamental efetiva no tratamento de crianças e adolescentes com tal sintoma.31 Estudo europeu encontrou uma redução de aproximadamente 40% do sintoma em crianças com incontinência urinária diurna, apenas com a aplicação da uroterapia‐padrão.32
Era esperado o resultado observado de que os grupos que receberam uroterapia‐padrão somada a componentes de uroterapia específica, ou terapia medicamentosa, obtivessem maior taxa de redução de sintomas. Isso porque o grupo experimental recebeu a terapia a ser testada como adicional à uroterapia‐padrão, e não em substituição a ela. Estudos anteriores já haviam descrito resultados semelhantes com a aplicação de biofeedback à crianças com micção disfuncional.33
Em relação aos artigos que compararam formas opcionais de aplicação do protocolo de uroterapia (animação em vídeo e aplicação em grupo), e não demonstraram melhores resultados para as modalidades testadas, resultados semelhantes foram observados por autores que compararam aplicação‐padrão de uroterapia com aplicação por meio de jogos. As crianças não diferiram em termos de motivação e os resultados do treinamento foram iguais em ambos os grupos, com 80% de sintomas resolvidos ou melhorados.34 Esses resultados reforçam a aplicabilidade e efetividade da abordagem‐padrão em que o profissional acolhe, avalia e aborda a criança/adolescente de forma individualizada.
A análise descritiva dos parâmetros de urofluxometria demonstra quadros de melhoria de parâmetros com a aplicação da uroterapia‐padrão. Outros autores já haviam demonstrado normalização de curva de urofluxometria, redução de capacidade vesical (inicialmente aumentada) e de resíduo pós‐miccional, pelo incentivo de ingestão hídrica e controle do intervalo miccional,35 dois componentes aplicados pela maioria dos estudos desta revisão sistemática.
Aprofundando a questão dos componentes aplicados pelos autores na uroterapia‐padrão, os componentes identificados vão ao encontro das recomendações da ICCS,1 como é o caso da ingestão hídrica e do intervalo miccional, mencionados. Porém, os autores não aplicaram o conjunto completo apresentado por tal documento. Em uma visão geral dos artigos, os componentes aplicados foram: orientação educacional, com maior foco na função urinária e intestinal; controle da função intestinal, especialmente pela orientação de dieta rica em fibras e uso de laxativos quando a adequação da dieta não apresentar resultado satisfatório; posicionamento no vaso sanitário, com relaxamento da musculatura pélvica que pode ser promovido pelo apoio dos pés em um suporte, uso de redutor de assento (quando necessário) e exercícios de respiração diafragmática; ingestão hídrica, um copo a cada duas a três horas (cinco a seis vezes ao dia) e micção programada, a cada duas a três horas durante o dia.
O controle da constipação intestinal foi o componente mais abordado pelos autores, em seus programas de uroterapia. Na DVI fica evidente que a abordagem intestinal é necessária, uma vez que os pacientes apresentam alterações evacuatórias. Porém, sabe‐se que o controle da função intestinal tem efeito positivo também na redução de sintomas urinários. Um estudo demonstrou bons resultados ao se usarem enemas como parte inicial do tratamento de crianças com STUI. O autor defende a tese de que o problemas miccionais podem ter início em uma evacuação dolorosa, levam a retenção de fezes, dilatação retal, reto disfuncional e simultaneamente um assoalho pélvico contraído de forma exacerbada e reflexiva, resultam em micção disfuncional.36 Assim, ao trabalhar na melhoria da função intestinal, a criança apresentaria redução da tensão muscular pélvica e melhor padrão de esvaziamento vesical.
Citando um componente negligenciado nos estudos, a redução de cafeína foi abordada por um único artigo incluído na revisão, embora citada pelo consenso da ICCS.1 Sabe‐se que a cafeína é um potencial irritante vesical e que sua redução pode controlar sintomas irritativos como a urgência. É possível que os profissionais não priorizem essa orientação em programas de uroterapia aplicados a crianças por associarem cafeína ao café, bebida não comumente consumida por crianças. Porém, vale lembrar que, além do café, outras bebidas são potencialmente irritantes vesicais, como bebidas gaseificadas ou saborizadas artificialmente.37 A negligência desse componente de uroterapia nos estudos analisados merece destaque e indica a necessidade de estudos que investiguem sua ação na redução dos sintomas de DVI no contexto pediátrico.
Poucos estudos apresentaram duração, frequência ou número de consultas para programa de uroterapia. Pelos estudos que trouxeram esses dados é possível sugerir que sejam pelo menos duas consultas, com abordagem individual e duração entre 15 e 60 minutos. Nem mesmo consensos1 e revisões2 a respeito de uroterapia trazem dados referentes a tais informações, todos abordam os componentes de um programa. Porém, tendo em vista a quantidade de informação sugerida, dificilmente a criança/adolescente conseguirá absorver, assimilar e aderir a todas as medidas comportamentais esperadas com uma única abordagem ou sessão. Portanto, a pergunta a respeito de quantas consultas, com que duração e frequência e quais informações trabalhar em cada uma continua sem resposta.
Por fim, ressalta‐se o papel do profissional em contexto de atenção primária. A aplicação da uroterapia por tal profissional reduziria filas para serviços especializados, aprimoraria atendimento a casos complexos ou refratários.
Como implicações para pesquisas futuras, sugere‐se a feitura de ensaios clínicos, controlados e randomizados, que comparem diferentes componentes ou modalidades do protocolo de uroterapia, tanto no que diz respeito a tempo, frequência e número de consultas quanto a conteúdo a ser abordado em cada consulta.
LimitaçõesUma limitação do estudo foi a heterogeneidade metodológica, que impediu a soma amostral para análise estatística complexa, como metanálise na avaliação de alteração de sintomas com a aplicação isolada da uroterapia. Outras limitações foram relacionadas aos parâmetros de urofluxometria, além de não haver a análise estatística comparativa entre antes e depois da aplicação de uroterapia‐padrão, os grupos analisados eram distintos quanto a diagnóstico. Dessa forma, o resultado esperado divergia, dificultou uma análise numérica que contemplasse todos os estudos que analisaram esses parâmetros. Por exemplo, para amostras com hiperatividade detrusora era esperado um aumento do volume urinado. Por outro lado, em casos de hipoatividade detrusora, uma redução do volume demonstraria melhoria do quadro.
De maneira geral, os estudos foram bem descritos metodologicamente, porém na avaliação de qualidade dos ensaios clínicos demonstraram uma qualidade moderada e risco para viés devido à falta de cegamento dos estudos. Vale citar a dificuldade na feitura de estudo duplo‐cego para a intervenção proposta, pois tanto a uroterapia quanto as terapias adjuvantes são claramente identificadas pelo aplicador ou pelo participante. Ainda assim, teria sido possível em casos isolados (medicamento e eletroestimulação) e em todos os estudos teria sido possível o cegamento do avaliador dos resultados, o que foi observado apenas em três estudos.
ConclusãoEsta revisão sistemática sinaliza resultados positivos em termos de redução de sintomas e melhoria nos parâmetros de urofluxometria com aplicação de uroterapia‐padrão como primeira linha de tratamento nos casos de DVI apresentada por crianças e adolescentes. Os estudos foram frágeis na descrição detalhada dos componentes e da forma de aplicação do protocolo, não permitiram inferir a respeito de frequência, número e tempo para as consultas de uroterapia.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Assis GM, Silva CP, Martins G. Urotherapy in the treatment of children and adolescents with bladder and bowel dysfunction: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2019;95:628–41.