To analyze and compare lung function of obese and healthy, normal‐weight children and adolescents, without asthma, through spirometry and volumetric capnography.
MethodsCross‐sectional study including 77 subjects (38 obese) aged 5–17 years. All subjects underwent spirometry and volumetric capnography. The evaluations were repeated in obese subjects after the use of a bronchodilator.
ResultsAt the spirometry assessment, obese individuals, when compared with the control group, showed lower values of forced expiratory volume in the first second by forced vital capacity (FEV1/FVC) and expiratory flows at 75% and between 25 and 75% of the FVC (p<0.05). Volumetric capnography showed that obese individuals had a higher volume of produced carbon dioxide and alveolar tidal volume (p<0.05). Additionally, the associations between dead space volume and tidal volume, as well as phase‐3 slope normalized by tidal volume, were lower in healthy subjects (p<0.05). These data suggest that obesity does not alter ventilation homogeneity, but flow homogeneity. After subdividing the groups by age, a greater difference in lung function was observed in obese and healthy individuals aged >11 years (p<0.05).
ConclusionEven without the diagnosis of asthma by clinical criteria and without response to bronchodilator use, obese individuals showed lower FEV1/FVC values and forced expiratory flow, indicating the presence of an obstructive process. Volumetric capnography showed that obese individuals had higher alveolar tidal volume, with no alterations in ventilation homogeneity, suggesting flow alterations, without affecting lung volumes.
Analisar e comparar a função pulmonar de crianças e adolescentes obesos e eutróficos saudáveis, sem asma, pela espirometria e capnografia volumétrica.
MétodosEstudo transversal com 77 indivíduos (38 obesos) entre cinco e 17 anos. Todos fizeram espirometria e capnografia volumétrica. Os obesos repetiram as avaliações após o uso de broncodilatador.
ResultadosNa avaliação da espirometria, os indivíduos obesos, quando comparados com o grupo controle, apresentaram menores valores no volume expiratório forçado no primeiro segundo pela capacidade vital forçada (VEF1/CVF) e nos fluxos expiratórios a 75% da CVF e entre 25‐75% da mesma (p<0,05). A capnografia volumétrica demonstrou que os obesos apresentam maior volume produzido de dióxido de carbono e volume corrente alveolar (p<0,05). Além disso, a relação entre o volume espaço morto e volume corrente, bem como o slope da fase 3 normalizado pelo volume corrente, foi menor nos indivíduos saudáveis (p<0,05). Esses dados sugerem que a obesidade não altera a homogeneidade da ventilação, mas sim dos fluxos. Ao subdividir os grupos por idade, foi observada maior diferença na função pulmonar entre indivíduos obesos e saudáveis na faixa acima de 11 anos (p<0,05).
ConclusãoMesmo sem o diagnóstico de asma por critérios clínicos e sem resposta ao uso de broncodilatador, os indivíduos obesos apresentaram menores valores no VEF1/CVF e nos fluxos expiratórios forçados, o que indica a presença de processo obstrutivo. A capnografia volumétrica indicou nos indivíduos obesos maior volume corrente alveolar, sem alterações na homogeneidade da ventilação, o que sugere alteração nos fluxos, sem comprometimento dos volumes pulmonares.
A obesidade na infância e na adolescência abrange, atualmente, proporções epidêmicas, é considerada um dos maiores desafios à saúde pública do século XXI.1 Diante dessa prevalência em ascensão, existe uma preocupação peculiar, já que as disfunções consequentes ao excesso de massa gorda têm se desenvolvido de forma cada vez mais precoce e comprometido o bem‐estar desses indivíduos desde a infância.2,3
Dentre as repercussões deletérias oriundas da obesidade está o comprometimento da função pulmonar. Entre os indivíduos obesos na idade adulta, esse comprometimento já está claro na literatura.4–7 Sabe‐se que a deposição de tecido adiposo sobre a caixa torácica leva ao comprometimento de sua complacência e, consequentemente, à redução de sua expansibilidade. O comprometimento mecânico desencadeia alterações nas propriedades elásticas do pulmão, que resulta em redução da capacidade residual funcional, volume corrente (VC) e volume de reserva expiratória (VRE). Além disso, observa‐se redução da capacidade vital forçada (CVF) e, consequentemente, da capacidade pulmonar total.4–7
Todavia, o mecanismo pelo qual a obesidade compromete a função pulmonar parece ser diferente na população jovem. Os resultados apresentados na literatura são divergentes em relação à função pulmonar de crianças e adolescentes obesos. A discordância dos achados pode ser influenciada pelas mudanças na estrutura corporal durante esse período. Além disso, os estudos incluem diferentes faixas etárias e grupos étnicos.8–15
Para a análise da função pulmonar, a espirometria é a ferramenta mais usada. Sua aplicação é descrita em populações cada vez mais jovens.16 Entretanto, é uma avaliação esforço‐dependente, que requer compreensão e cooperação do indivíduo avaliado, o que pode gerar dificuldades em indivíduos mais novos. Assim, a busca por novos métodos de avaliação acessíveis a essa população tem sido fomentada.
Diante desse contexto, a capnografia volumétrica (CV) surgiu como ferramenta opcional na detecção de disfunções pulmonares. É um teste simples e barato, que não usa gases inertes, pois analisa o gás carbônico (CO2) produzido pelo pulmão. O teste consiste em analisar o CO2 em função do VC exalado, o padrão de exalação é dividido em três fases: fase 1, compatível com o ar nas vias aéreas de condução e espaço morto; fase 2, engloba as vias aéreas proximais; e fase 3, conhecida como platô alveolar, relacionada com as vias aéreas periféricas.
A vantagem da CV é que o teste não requer manobras forçadas, é de fácil execução, até mesmo em indivíduos mais novos. A CV foi desenvolvida, primeiramente, para uso em indivíduos submetidos a ventilação mecânica17–23 e seu uso em respiração espontânea é recente, com poucos estudos publicados, especialmente em crianças.24–29 Para a CV, na literatura, não há padronização para a análise dos dados.
Assim, o objetivo do estudo foi avaliar a função pulmonar de crianças e adolescentes obesos (sem asma) pela espirometria e CV e comparar os resultados com um grupo controle de indivíduos eutróficos saudáveis na mesma faixa etária.
MétodosSujeitos do estudoO estudo incluiu 38 indivíduos obesos (20 meninos) entre cinco e 17 anos e 39 saudáveis (17 meninos) na mesma faixa etária. O cálculo do tamanho da amostra foi baseado nos marcadores da espirometria, obtidos em um estudo piloto e considerando erro α de 0,05 e erro β de 0,20. Com esses pressupostos, foi obtido que o valor da amostra era de 31 indivíduos em cada grupo (obesos e controles saudáveis) para a CVF e de 17 para o fluxo expiratório forçado médio entre 25% e 75% da CVF (FEF25‐75%) – variáveis que apresentaram maior oscilação. Nesse contexto, o poder amostral do estudo foi superior a 80%.
Os indivíduos obesos são acompanhados regularmente no Serviço Ambulatorial Multidisciplinar para Crianças e Adolescentes Obesos do hospital. Para definição de obesidade foram usados os critérios do Center for Disease Control and Prevention (CDC) para indivíduos de dois a 20 anos. Foram considerados obesos os indivíduos acima do percentil 95 para o índice de massa corporal (IMC). O estudo incluiu apenas indivíduos com obesidade exógena.
Fizeram parte do grupo controle indivíduos saudáveis, eutróficos, ou seja, com IMC dentro dos padrões de normalidade (IMC entre o percentil cinco e 85), que compõem o banco de dados do Laboratório de Fisiologia Pulmonar do Centro de Investigação em Pediatria da Unicamp.
Para serem incluídos no estudo, os responsáveis pelos participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e nenhum paciente incluído era tabagista e/ou apresentava doenças respiratórias atuais, como resfriado.
A resposta ao uso de broncodilatador (BD) superior a 10% para o volume expiratório forçado no primeiro segundo da CVF (VEF1) foi considerada como critério de exclusão por ser um indicativo de asma. No entanto, nenhum indivíduo teve de ser excluído por essa razão.
Indivíduos com história clínica de outras doenças respiratórias também foram excluídos, como por exemplo, doenças pulmonares obstrutivas crônicas e apneia do sono. Essa avaliação foi feita por meio da análise do prontuário ambulatorial dos sujeitos do estudo.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (#1165/2009).
Desenho do estudoEstudo transversal e analítico com grupo controle que comparou a função pulmonar de crianças e adolescentes obesos e saudáveis por meio da espirometria e da CV.
IMCPara inclusão dos indivíduos no estudo usaram‐se os critérios do CDC (meninas: http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1/chart16.pdf e meninos: http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1/chart15.pdf) para obesidade. Posteriormente, para fins estatísticos do estudo, os dados foram transformados em z‐score, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde.
Avaliação da função pulmonarAntes das avaliações, todos os sujeitos ficaram em repouso por pelo menos 10 minutos. Primeiramente fizeram a CV, por ser uma avaliação passiva, e, posteriormente, a espirometria, por ser esforço‐dependente. Os indivíduos obesos repetiram as avaliações 20 minutos após o uso de BD. Foi administrado albuterol [C13H21NO3 (400mg)] para broncodilatação.
EspirometriaA espirometria foi feita de acordo com os padrões da European Respiratory Society e American Thoracic Society. O critério de aceitação da prova de espirometria foi ao menos três curvas padrão aceitáveis e duas reprodutíveis. Todos os sujeitos do estudo alcançaram os critérios de aceitação.
Foi usado um espirômetro modelo CPFS/D (Medical Graphics Corp., MN, EUA), com software Breeze PF 3.8 (Medical Graphics Corp., MN, EUA). Os dados foram convertidos para z‐score segundo os critérios de normalidade estabelecidos por Quanjer et al. (2012) por meio do software GLI2012, produzido pela Global Lung Initiative (GLI), a Task Force of the European Respiratory Society.16
Foram analisados os z‐scores das seguintes variáveis: CVF, VEF1, VEF1/CVF, fluxo expiratório forçada a 75% da CVF (FEF75%) e FEF25‐75%. Também foi avaliado o VRE pela porcentagem do valor predito.
Capnografia volumétricaA análise da CV foi feita por meio do monitor não invasivo CO2SMO (Dixtal, São Paulo, Brasil), com o software Analysis Plus®, versão para Windows. Os participantes fizeram o teste sentado, com um clipe nasal e sem contato visual com o monitor, para evitar a influência visual no padrão respiratório. Foram orientados a respirar tranquilamente, por cinco minutos, no bucal conectado ao monitor. Os ciclos respiratórios foram corrigidos de modo a não haver variação maior do que 25% do volume expirado (VE) e 5% do CO2 no fim da expiração (EtCO2), de acordo com o padrão de estudos anteriores.25,27 Na análise estatística, foram usadas as médias corrigidas das seguintes variáveis: volume minuto total (VMt), volume minuto alveolar (VMalv), volume corrente (VC), volume corrente alveolar (VCalv), volume espaço‐morto (VEM), razão entre VEM e VC (VEM/VC), volume de CO2 exalado (VCO2), EtCO2, frequência respiratória (FR), saturação periférica de oxigênio (SpO2), slopes das fases 2 e 3 (Slp2 e Slp3), que são representações numéricas da curva de exalação do CO2, a normalização dos slopes pelo VC, para equalizar as diferenças na estatura e no peso corporal (Slp2/VC e Slp3/VC),27 e o índice capnográfico, proposto por Fuchs et al. (2013) (Slp3/Slp2*100) para quantificar a homogeneidade da ventilação.26
Análise dos resultadosPara análise estatística foi usado o software SPSS 21.0 (SPSS Inc., IL, EUA). As comparações entre as variáveis categóricas do estudo foram analisadas pelo teste de qui‐quadrado. A comparação de variáveis numéricas entre dois grupos foi feita pelo teste de Mann‐Whitney. A regressão linear foi usada para quantificar a associação entre as variáveis da função pulmonar e o z‐score do IMC. Todos os dados foram corrigidos pelo teste de Bonferroni, considerando α<0.05/número de testes feitos com cada variável.
ResultadosSujeitos do estudoFizeram parte do estudo 38 indivíduos obesos (20 meninos) e 39 saudáveis (17 meninos) entre 5,56 e 16,54 anos. A análise descritiva dos dados antropométricos dos participantes está apresentada na tabela 1. O peso corporal e o IMC foram diferentes entre os grupos e não houve diferença entre os grupos para a idade, sexo e altura.
Comparação entre os dados antropométricas dos grupos e variáveis da espirometria e capnografia volumétrica que apresentaram associação positiva
Sexo (masc/fem) | Grupo obeso (n=38) | Grupo controle (n=39) | p | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
20/18 | 17/22 | 0,43a | ||||||||
Marcadores | Média±DP | Mediana (min‐max) | IC | Média±DP | Mediana (min‐max) | IC | p | pc | ||
5% | 95% | 5% | 95% | |||||||
Idade (anos) | 11,39±3,15 | 11,32 (5,56 a 16,34) | 10,35 | 12,42 | 11,06±2,09 | 10,99 (6,53 a 15,52) | 10,39 | 11,74 | 0,65 | – |
Altura (cm) | 151,96±15,97 | 151,00 (123 a 182) | 146,71 | 157,21 | 147,61±14,37 | 148,00 (114,50 a 174) | 142,95 | 152,27 | 0,32 | – |
Peso (kg) | 75,85±28,75 | 71,80 (37 a 175) | 66,40 | 85,30 | 44,51±13,96 | 41,60 (18,60 a 69,30) | 39,99 | 49,04 | < 0,01 | 0,01 |
IMC (kg/m2) | 31,88±8,01 | 30,20 (21,22 a 65,87) | 29,24 | 34,51 | 19,91±3,76 | 19,08 (14,19 a 25,92) | 18,68 | 21,12 | < 0,01 | 0,01 |
VEF1/CVF z‐score | −0,61±0,98 | −0,69 (−2,30 a 2,01) | −0,93 | −0,29 | 0,67±0,78 | 0,85 (−1,21 a 2,33) | 0,41 | 0,92 | < 0,01 | < 0,01 |
FEF75%z‐score | −0,26±1,20 | −0,22 (−3,38 a 1,98) | −0,65 | 0,14 | 0,62±0,91 | 0,79 (−1,27a 2,61) | 0,32 | 0,62 | 0,01 | 0,02 |
FEF25‐75%z‐score | −0,51±1,25 | −0,57 (−3,71 a 2,59) | −0,93 | −0,1 | 0,44±0,77 | 0,47 (− 1,07 a 1,76) | 0,19 | 0,68 | < 0,01 | < 0,01 |
VCalveolar | 458,07±273,06 | 379,22 (176,31 a 1341,77) | 368,32 | 547,82 | 347,32±166,33 | 305,03 (133,20 a 919,52) | 291,86 | 402,77 | 0,02 | 0,04 |
VEM/VC | 0,197±0,529 | 0,200 (0,080 a 0,320) | 0,18 | 0,214 | 0,230±0,620 | 0,230 (0,130 a 0,370) | 0,209 | 0,25 | 0,02 | 0,04 |
VCO2 | 255,34±57,68 | 247,79 (147,82 a 422,51) | 236,38 | 274,29 | 217,29±56,91 | 213,23 (127,47 a 344,16) | 198,32 | 236,27 | < 0,01 | 0,01 |
Slp3/VC | 0,04±0,05 | 0,03 (0 a 0,27) | 0,03 | 0,06 | 0,77±0,08 | 0,05 (0 a 0,32) | 0,05 | 0,11 | 0,01 | 0,02 |
CVF, Capacidade vital forçada; DP, desvio padrão; FEF25‐75%, Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF; FEF75%, Fluxo expiratório forçado a 75% da CVF; fem, feminino; IC, intervalo de confiança; IMC, índice de massa corporal; kg/m2, quilogramas por metro quadrado; masc, masculino; max, máximo; min, mínimo; n, número de pacientes; p, valor de p; pc, valor de p corrigido pelo teste de Bonferroni; Slp3/VC, Slope da fase 3 corrigido pelo VC; VC, Volume corrente; VCalv, Volume corrente alveolar; VCO2, Volume de dióxido de carbono exalado; VEF1, Volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEM, Volume espaço morto.
Os valores em negrito indicam correlações estatisticamente significantes.
Os participantes do estudo fizeram a prova de função pulmonar por meio da espirometria e da CV. A tabela 1 apresenta as variáveis, que foram diferentes entre os grupos na análise da função pulmonar. A VEF1/CVF, o FEF75% e o FEF25‐75% foram menores no grupo obeso, mesmo após a correção de Bonferroni. Na amostra, 36,8% dos indivíduos obesos apresentaram o FEF25‐75% abaixo de 70% do valor predito, o que caracterizou distúrbio obstrutivo por fluxos. Nenhum sujeito do grupo controle apresentou qualquer alteração nessa avaliação. Não houve diferença entre os grupos em relação a CVF, VEF1 e VRE.
Em relação a CV, observou‐se diferença entre os grupos para VEM/VC e Slp3/VC, que foram menores nos obesos, e no VCalv e VCO2, que foram maiores. Não houve diferença para o índice capnográfico entre os grupos.
Ao analisar a resposta dos indivíduos obesos ao uso de BD, verificou‐se que nenhum participante apresentou resposta superior a 10% no VEF1, o que refuta o diagnóstico de asma. Em relação a CVF (p=0,05), observou‐se redução após o uso da medicação e, consequentemente, aumento da VEF1/CVF (p=0,02). Na CV, o uso de BD resultou em redução do VMt (p=0,01), VMalv (p=0,01) e VCO2 (p=0.02) e aumento no VEM (p<0,01) e VEM/VC (p<0,01). Assim, os obesos não apresentaram resposta positiva ao uso do BD.
Função pulmonar e massa corporalAs figuras 1 e 2 apresentam, respectivamente, as variáveis da espirometria e da CV que foram influenciadas pelo z‐score do IMC. Na análise da regressão linear verificou‐se que a massa corporal exerce influência sobre CVF, VEF1/CVF, FEF75% e FEF25‐75%. Na CV, as variáveis influenciadas pelo IMC foram: VCalv, VEM/VC, VCO2, Slp3 e Slp3/VC.
Regressão linear das variáveis da espirometria influenciadas pelo z‐score do índice de massa corpórea (IMC). (A) Capacidade vital forçada (CVF) z‐score: y = −0,21 +0,20 x; * p=0,020; (B) Razão entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo e CVF (VEF1/CVF) z‐score: y = 0,64–0,43 x; ** p <0,001; (C) Fluxo expiratório forçado a 75% da CVF (FEF75%) z‐score: y = 0,63–0,31 x; † p=0,001; (D) Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF25‐75%) z‐score: y = 0,34–0,27 x; ‡ p=0,005.
Regressão linear das variáveis da capnografia volumétrica influenciadas pelo z‐score do índice de massa corpórea (IMC). (A) Volume corrente alveolar (VCalv): y = 335,26+47,45 x; * p=0,050; (B) Razão entre o volume espaço morto e o volume corrente (VEM/VC): y = 0,24–0,02 x; ** p=0,003; (C) Volume de dióxido de carbono exalado (VCO2): y = 209,98+18,51 x; † p=0,003); (D) Slope da fase 3 (Slp3): y = 19,32–2,32 x; ‡ p=0,041; (E) Slope da fase 3 corrigido pelo volume corrente (Slp3/VC): y = 0,08–0,01 x; § p=0,044.
Os participantes do estudo foram subdivididos em dois subgrupos de acordo com a faixa etária (entre cinco e 11 anos e outro com maiores de 11 anos), para verificar se as diferenças na função pulmonar ocorrem desde as faixas etárias menores ou se iniciam quando o indivíduo já está em processo de maturação puberal.
Observou‐se que os obesos apresentaram menores valores no VEF1/CVF, desde as faixas etárias mais novas. Já as alterações nos fluxos expiratórios forçados e o aumento nos volumes pulmonares, analisados pela CV, foram significativos apenas no grupo mais velho. A tabela 2 apresenta os valores de p significativos na análise da função pulmonar de acordo com o grupo etário.
Diferenças entre obesos e saudáveis na avaliação da função pulmonar de acordo com a faixa etária
Variáveis | 5 a 11 anos | > 11 anos | ||
---|---|---|---|---|
p | pc | P | pc | |
VEF1/CVFz‐score | < 0,01 | < 0,01 | < 0,01 | < 0,01 |
FEF25‐75% z‐score | < 0,01 | < 0,01 | < 0,01 | < 0,01 |
VMalv | 0,46 | 1 | 0,04 | 0,16 |
VCalv | 0,30 | 1 | 0,03 | 0,11 |
VCO2 | 0,27 | 0,01 | 0,05 |
CVF, Capacidade vital forçada; FEF25‐75%, Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF; p, valor de p; pc, valor de p corrigido pelo teste de Bonferroni; VCalv, Volume corrente alveolar; VCO2, Volume de dióxido de carbono exalado; VEF1, Volume expiratório forçado no primeiro segundo; VMalv, Volume minuto alveolar.
Foi usado o teste de Mann‐Whitney para a análise estatística e considerado alpha igual a 0,05.
Os valores em negrito indicam correlações estatisticamente significantes.
A complexidade da obesidade e sua íntima relação com outras doenças fomenta a busca pela compreensão dos mecanismos envolvidos na cadeia de efeitos deletérios, ocasionados pelo excesso de peso corporal. Quando se estudam as repercussões da obesidade durante a infância e adolescência, a análise deve ser ainda mais criteriosa, pois esse período é marcado por mudanças na estrutura corporal.28
A interação entre processos tão dinâmicos e intensos pode ser a razão da divergência na literatura que aborda a influência da obesidade na função pulmonar de crianças e adolescentes. Além da complexidade do tema, os estudos divergem em relação à faixa etária e às características populacionais.
Entre a população adulta, a literatura é clara ao definir que a obesidade compromete a função pulmonar por um processo restritivo.5,7 Nos jovens, os estudos destacam a relação entre obesidade e asma, mas existem poucas conclusões em relação ao tema em indivíduos sem asma.
No presente estudo, observou‐se que os obesos apresentaram valores menores no VEF1/CVF e nos fluxos expiratórios forçados. Os achados em relação aos fluxos expiratórios devem ser analisados com cautela devido à variabilidade da aplicação da técnica e do método usado. Observou‐se também tendência dos obesos a maiores valores da CVF. Entretanto, após a correção de Bonferroni essa diferença não se manteve significativa.
Dentre os achados, o que é mais frequentemente observado na literatura e que condiz com o presente estudo é o menor valor do VEF1/CVF nos obesos. Em relação a CVF e VEF1, os achados são conflitantes, há estudos com associação positiva, negativa ou nula na comparação de indivíduos obesos e saudáveis. A inconsistência dos achados se mantém para a análise dos fluxos expiratórios e VRE.8–15
Sabe‐se que a capacidade pulmonar é dependente das dimensões corporais e da eficiência dos sistemas que compõe o corpo humano. Dessa forma, tanto o crescimento corporal como o desenvolvimento puberal podem influenciar a função pulmonar. Como existem diferenças no período de início e tempo de duração do crescimento e da puberdade de cada indivíduo, a análise da função pulmonar, subdividindo os grupos por desenvolvimento puberal, poderia trazer maior compreensão de como o crescimento influencia as alterações da função pulmonar. Essa foi uma limitação do presente estudo.28,29
Assim, buscamos aprimorar o rigor e a confiabilidade do estudo com dois mecanismos de avaliação da função pulmonar. Além da espirometria, atualmente a ferramenta mais usada para essa análise, avaliamos os indivíduos pela CV.
O uso da CV na prática clínica iniciou‐se na década de 1980 com Fletcher et al.17 Todavia, sua aplicação deu‐se, principalmente, em indivíduos intubados e submetidos a ventilação mecânica.18–21 O uso da CV para a análise da função pulmonar em indivíduos em respiração espontânea é ainda mais recente e tem sido aplicado em diversas condições clínicas.22–27 Na faixa etária pediátrica, a literatura é ainda mais escassa, encontramos estudos apenas em indivíduos com asma, fibrose cística e displasia broncopulmonar.24–27 No melhor do nosso conhecimento, nosso estudo é o primeiro a avaliar crianças e adolescentes obesos em respiração espontânea pela espirometria e CV, simultaneamente.
Apesar da literatura escassa, a CV é uma opção para a análise da função pulmonar de crianças e adolescentes, uma vez que é um teste de fácil compreensão, sem necessidade de manobras forçadas, barato e que não necessita de gases inertes. Além disso, fornece informações sobre os volumes pulmonares, o espaço morto e a homogeneidade da ventilação, por meio dos slopes da exalação do CO2.
No presente estudo, encontramos que os indivíduos obesos apresentam volumes pulmonares maiores do que os indivíduos saudáveis (VCalv e VCO2) e valores menores na VEM/VC e Slp3/VC.
O Slp3 e Slp3/VC são indicadores de não homogeneidade da ventilação quando estão aumentados, como foi observado na fibrose cística, asma, broncodisplasia pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica e broquiectasia.22–27 Os obesos, portanto, apesar das alterações de fluxo na espirometria, não apresentam alterações na homogeneidade da ventilação, uma vez que apresentam valores menores no Slp3/VC e não há diferenças entre os grupos para o Slp3 e índice capnográfico.
A explicação para valores menores no Slp3/VC, nos indivíduos obesos, condiz com os achados de Ream et al. (1995), que avaliaram crianças e adolescentes intubados e submetidos a pequenas cirurgias e encontraram valores menores do Slp3 em indivíduos com VC maior e associação negativa entre o Slp3 e o peso e superfície corporal.19 Assim, os obesos, que têm maior peso, superfície corporal e VC do que o grupo controle, apresentam menores valores no Slp3/VC.
A razão entre VEM/VC é usada para monitorar a gravidade da doença respiratória em pacientes mecanicamente ventilados.18,21 No presente estudo, os obesos apresentaram valores menores do que os indivíduos saudáveis, o que indica ausência de doença pulmonar. Os menores valores nos indivíduos obesos foram influenciados pelos VC maiores.
A CV se mostrou ferramenta complementar à espirometria, pois detectou o aumento dos volumes pulmonares, durante a respiração espontânea, sem manobras forçadas, achado que não foi detectado pela espirometria. Entretanto, o instrumento não é capaz de detectar alterações nos fluxos respiratórios. Por essa razão, uma avaliação não substitui a outra, porém o uso complementar de ambas pode aprimorar o conhecimento sobre as condições pulmonares dos indivíduos avaliados.
A análise dos volumes pulmonares foi relevante, principalmente após a subdivisão dos indivíduos por grupos etários. A VEF1/CVF e os fluxos expiratórios forçados estavam alterados tanto no grupo de cinco a 11 anos como nos maiores de 11 anos. Entretanto, o VCO2 só foi diferente no grupo mais velho. O aumento do volume pulmonar pode representar uma resposta ao aumento da demanda cardiorrespiratória em indivíduos obesos, principalmente durante o período de desenvolvimento puberal, caracterizado por alterações na estrutura corporal.28,30 Entretanto, possivelmente, os obesos apresentam vias aéreas de menor calibre pelo comprometimento da mecânica respiratória pelo tecido adiposo. Assim, o aumento de volume em uma unidade de menor calibre resulta na redução dos fluxos respiratórios.
Mesmo sem o diagnóstico de asma por critérios clínicos e resposta ao uso de BD, os indivíduos obesos apresentaram menores valores na VEF1/CVF e nos fluxos expiratórios forçados, o que indica a presença de processo obstrutivo, desde as faixas etárias mais novas. Entretanto, pela análise da CV, foram observados nos indivíduos obesos maiores valores de VCalv e VCO2, que é mais significativo nos indivíduos maiores de 11 anos. Não foram observadas alterações no Slp3, Slp3/VC, nem no índice capnográfico. Assim, o estudo sugere que indivíduos obesos apresentam alteração nos fluxos pulmonares, mesmo nas faixas etárias mais novas, sem comprometer os volumes pulmonares e a homogeneidade da ventilação.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
AgradecimentoMSF ao apoio da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
FALM pelo apoio da Fapesp (Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo) [2011/12939‐4]; [2015/12858‐5]; [2015/12183‐8] e Fundo de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Extensão da Universidade de Campinas [648/2015]. JDR pelo apoio da Fapesp [2011/18845‐1]; [2015/12183‐8]
Como citar este artigo: Ferreira MS, Mendes RT, Marson FA, Zambon MP, Antonio MA, Paschoal IA, et al. Spirometry and volumetric capnography in lung function assessment of obese and normal‐weight individuals without asthma. J Pediatr (Rio J). 2017;93:398–405.