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Newborn screening for sickle cell disease: necessary but not sufficient
Triagem neonatal para verificar a existência de doença falciforme: necessária, porém insuficiente
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Winfred C. Wang
Departamento de Hematologia, St. Jude Children's Research Hospital, Memphis, Estados Unidos
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Tabela 1. Plano de cuidados para neonatos com doença falciforme no primeiro ano de vidaa
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A doença falciforme é um problema de saúde global que afeta>300.000 recém‐nascidos por ano, predominantemente na África Subsaariana,1 onde a mortalidade está estimada em>50% até os cinco anos em pacientes homozigotos para a hemoglobina S (HbSS).1 No Brasil, estima‐se que haja>30.000 indivíduos com a doença falciforme e 2.500 recém‐nascidos por ano, o que a torna a disfunção genética mais comum no país.2 Os avanços na administração da doença falciforme nos Estados Unidos levaram a uma diminuição da mortalidade de 26% para, aproximadamente, 1‐2% nos primeiros 18 anos de vida, com o maior progresso demonstrado por uma queda do pico de mortalidade nos anos um‐quatro, de 13% para 2%.3,4 A maior parte desse progresso resultou da implementação da triagem neonatal universal em todos os 50 estados dos Estados Unidos após a publicação dos resultados do estudo da penicilina profilática, que demonstrou uma redução dramática na sepse e na mortalidade devido ao S. pneumonia nos primeiros cinco anos de vida.5

Um progresso impressionante também ocorreu no Brasil nas últimas duas décadas, durante as quais a triagem neonatal de hemoglobinopatia foi iniciada em Campinas (1992), Minas Gerais (1998), Rio de Janeiro (2001), Pernambuco (2003) e outras localizações.6‐9 Essa expansão da triagem neonatal foi promovida por um decreto do Ministério da Saúde do Brasil em 2001, que exigiu uma implementação multifásica da triagem de doenças congênitas, incluindo hemoglobinopatias. Esse esforço resultou em um relatório de 2010 que descreveu a heterogeneidade impressionante na prevalência do traço falciforme (HbAS, 1,1‐9,8%) e da anemia falciforme (HbSS, 2,2‐172/população de 100.000) em diferentes regiões do país.2 O relatório da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, elaborado por Sabarense et al. nesta edição do Jornal, atualiza os resultados da triagem neonatal de hemoglobinopatia nesse estado.10 Infelizmente, os autores não encontraram diferença significativa entre a taxa de mortalidade em crianças nascidas entre março de 1998 e fevereiro de 2005 (5,4%) e as nascidas entre março de 2005 e fevereiro de 2012 (5,1%) (p=0,72). As características das 193 crianças que morreram no período estudado (1998‐2012) incluíam: residência em municípios pequenos, idade inferior a dois anos (56,5%), idade média no falecimento de 1,7 ano, 22% de óbitos que ocorreram fora do hospital (em casa ou em trânsito) e situação socioeconômica notavelmente baixa das famílias (91,6% com renda per capita mensal ≤ salário mínimo). No primeiro período, 72% dos óbitos ocorreram antes dos dois anos, em comparação com 77% no segundo período. Em geral, as principais causas de mortalidade foram infecção (incluindo septicemia, síndrome torácica aguda e gastroenterite, 45%) “indeterminada”, talvez devido à falta de ciência do diagnóstico subjacente (28%), e sequestro esplênico agudo. Apesar de não ficar claro a partir dos dados apresentados, uma parte substancial dos óbitos por infecção foi associada a “pneumonia/síndrome torácica aguda”, que foi também a principal causa de mortalidade no relatório do Hemorio no Rio de Janeiro.11 Nenhum registro dos termos “doença falciforme” ou “anemia falciforme” como causa do óbito foi encontrado em 46% dos atestados de óbito. A mortalidade ocorreu nas primeiras 24 horas em mais de 40% dos pacientes. No último período, houve uma ligeira diminuição na proporção de pacientes cujo óbito ocorreu em casa ou em trânsito e um ligeiro aumento nos atestados de óbito que mencionavam o termo “falciforme”. Em geral, a taxa de mortalidade inalterada nos primeiros cinco anos de vida e a ocorrência contínua de infecção e sequestro esplênico como as principais causas de mortalidade indicaram que o exame em recém‐nascidos para verificar a existência da doença falciforme, mesmo quando feito de maneira abrangente e eficaz, era insuficiente para modificar o curso da doença de forma significativa.

O que pode ser feito para melhorar a mortalidade em países “emergentes” ao redor do mundo, onde crescentes recursos e intervenções para o cuidado de pessoas com doença falciforme estão tornando‐se disponíveis? Sabarense et al. sugeriram que o “desenvolvimento socioeconômico” em Minas Gerais foi necessário para alterar o cenário.10 Devem‐se considerar diversas áreas em que o cuidado preventivo com relação a crianças com doença falciforme e a educação das famílias podem ser melhorados. Em setembro de 2014, as diretrizes do Painel de Especialistas (Administração da Doença Falciforme Baseada em Evidências) do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos foram publicadas.12 Essas diretrizes incluíam recomendações para as áreas de profilaxia com penicilina, imunização pneumocócica, resposta adequada à febre, reconhecimento e administração de sequestro esplênico agudo e prevenção de derrame por meio de uma ultrassonografia Doppler transcraniana (TCD). Por exemplo, o painel fez fortes recomendações para a prevenção da infecção pneumocócica invasiva, incluindo a administração de profilaxia com penicilina oral para todas as crianças HbSS no mínimo até os cinco anos, vacinação contra pneumococos para pacientes falciformes de todas as idades, incluindo um cronograma detalhado de vacinação com PCV13 (Prevnar13) e PPSV23 (Pneumovax), e a educação das famílias e dos cuidadores sobre a necessidade de buscar atendimento médico imediato sempre que ocorrer qualquer febre significativa (temperatura>38,5°C). Essas diretrizes também fizeram fortes recomendações sobre a necessidade de uma triagem de alto risco de derrame por meio de exames de TCD de acordo com um cronograma específico. Na administração do sequestro esplênico agudo, as diretrizes reconheceram que não houve ensaios clínicos randomizados para fornecer uma base de comprovação, mas a necessidade de educação das famílias e dos profissionais de saúde a respeito do reconhecimento da sintomatologia, associada ao sequestro esplênico e à necessidade de uma administração emergente, foi enfatizada.

Como essas recomendações podem ser convertidas em uma prática abrangente e consistente que levará à diminuição da mortalidade em Minas Gerais e em outras regiões no mundo com populações de doença falciforme e recursos para o setor de saúde semelhantes? Uma abordagem é o “plano de cuidados” da doença falciforme, que informa as expectativas em cada visita clínica de acordo com a idade do paciente e cria, portanto, expectativas padronizadas tanto para as famílias quanto para os profissionais de saúde. Por exemplo, em nossa instituição, neonatos com doença falciforme são administrados com os objetivos da tabela 1 (entre outros) em consultas clínicas de “rotina” no primeiro ano de vida.

Tabela 1.

Plano de cuidados para neonatos com doença falciforme no primeiro ano de vidaa

Idade  Tópicos 
1 mês  Confirmação do diagnóstico de hemoglobinopatia, introdução à doença falciforme, educação preliminar sobre a administração de penicilina profilática e administração de febre. 
2‐3 meses  Análise do genótipo de hemoglobinopatia e estudos sobre a família; discussão da fisiopatologia falciforme; discussões sobre imunizações, profilaxia com penicilina e febre; educação inicial sobre o sequestro esplênico. 
5‐6 meses  Análise da adesão à profilaxia com penicilina, educação sobre palpação do baço, fornecimento de informações sobre as opções de terapia (hidroxiureia, transfusão crônica, transplante da medula óssea) e pesquisa. 
8‐9 meses  Análise da adesão à profilaxia com penicilina, análise da palpação do baço, discussão sobre dactilite e eventos de dor. 
12 meses  Discussão sobre a síndrome torácica aguda, discussão sobre hidroxiureia (e possível início de tratamento). 
a

Extraído da abordagem padrão usada no St. Jude Children's Research Hospital.

Uma importante recomendação do relatório do painel de especialistas prevê o uso cada vez maior de hidroxiureia. Os últimos relatos de acompanhamento de longo prazo de pacientes adultos com anemia falciforme do Estudo Multicêntrico de Hidroxiureia nos Estados Unidos (Multicenter Study of Hydroxyurea in Sickle Cell Anemia [MSH]) e o estudo da Academia de Esportes e Ciências da Saúde de Londres (Laikon Study of Hydroxyurea in Sickle Cell Syndromes [LaSHS]) na Grécia apresentaram uma redução substancial na mortalidade relacionada ao uso desse medicamento.13,14 Mais semelhante à população descrita por Sabarense et al.10 é a coorte do Rio de Janeiro, que incluiu 1.760 indivíduos de três‐18 anos, dos quais 267 receberam hidroxiureia por em média dois anos.11 A sobrevida entre as crianças tratadas com hidroxiureia foi significativamente maior do que entre as crianças não tratadas (99,5 em comparação com 94,5%; p=0,01), devido principalmente a um número menor de óbitos por síndrome torácica aguda e infecção. Esses pacientes tiveram internações e visitas ao pronto‐socorro significativamente menores. A toxicidade era predominantemente causada por neutropenia leve reversível. Foi concluído que a hidroxiureia reduz a morbidez e está associada à redução da mortalidade em crianças com doença falciforme. Todos os três estudos acima foram retrospectivos, porém o estudo Baby Hug (estudo de hidroxiureia em crianças), um estudo multicêntrico prospectivo randomizado duplo‐cego, demonstrou que os neonatos que receberam hidroxiureia apresentaram benefício clínico substancial pela redução da dor, da dactilite, da síndrome torácica aguda, internação e transfusão, bem como aumentos significativos da hemoglobina, do volume corpuscular médio (VCM) e dos níveis de hemoglobina F.15 Em parte devido a esses dados, a recomendação do painel de especialistas foi: “Em neonatos de nove meses de idade e mais velhos, crianças e adolescentes com anemia falciforme, ofereça tratamento com hidroxiureia, independentemente da gravidade clínica, para reduzir as complicações relacionadas à DF” (por exemplo, dor, dactilite, síndrome torácica aguda, anemia). Essa foi uma “forte” recomendação com “comprovação de alta qualidade” para os nove‐42 meses e uma “recomendação moderada” com “comprovação de qualidade moderada” para crianças acima dos 42 meses e adolescentes. Deve‐se ressaltar que o painel usou intencionalmente o termo “ofereça”, pois percebeu que os valores e as preferências dos pacientes e de seus cuidadores poderão diferir, principalmente considerando a carga do tratamento (p. ex., monitoramento laboratorial, visitas ao consultório), a disponibilidade do medicamento em forma líquida e os custos. Portanto, o painel incentivou fortemente a tomada de decisões compartilhada e a discussão da terapia com hidroxiureia com todos os pacientes e famílias. Além disso, o painel de peritos forneceu um protocolo de tratamento consensual para a implementação da terapia com hidroxiureia. Essa recomendação, em conjunto com os dados, embora retrospectivos, do Hemorio, sugere que a hidroxiureia poderia ter um grande benefício de longo prazo ao reduzir a mortalidade nas crianças com doença falciforme em Minas Gerais, bem como em outras regiões do mundo onde ela é “emergente”. Obviamente, restam vários obstáculos que devem ser superados para atingir o uso difundido e adequado do tratamento com hidroxiureia, incluindo a educação adequada tanto dos profissionais de saúde quanto das famílias sobre os benefícios e riscos do medicamento, a disponibilidade das clínicas e laboratórios que podem fornecer a infraestrutura necessária para a avaliação regular dos pacientes em tratamento e um apoio financeiro adequado do Ministério da Saúde e de outras fontes. Um incentivo ao apoio do governo ao uso expandido de hidroxiureia é a economia dos custos que resulta principalmente da redução na internação, o que compensa com folga o alto custo de gestão ambulatorial e o custo do medicamento em si.16 Além disso, restam dúvidas a serem abordadas a respeito do uso de hidroxiureia em crianças com doença falciforme, como se uma dose fixa do medicamento (20mg/kg/dia) ou uma intensificação à dose máxima tolerada (DMT) fornecessem uma maior razão risco‐benefício.17 Uma consideração adicional pode ser “baixa dose” de hidroxiureia, que pode exigir menos monitoramento em um ambiente com recursos limitados.18

As abordagens descritas acima fazem a diferença? Será interessante ver os dados de mortalidade de crianças com doença falciforme em Minas Gerais nos próximos 10 anos.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Wang WC. Newborn screening for sickle cell disease: necessary but not sufficient. J Pediatr (Rio J). 2015;91:242–7, 2015;91:210–2.

Ver artigo de Sabarense et al. nas páginas 242–7.

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