O estudo de Grandi et al. fornece informações importantes sobre a prevalência e sobre o impacto da diabetes mellitus materna sobre os desfechos de neonatos com muito baixo peso ao nascer em unidades de terapia intensiva neonatal (UTINs) na América do Sul. Eles relatam uma taxa geral de diabete materna de 2,8% nesse trabalho, com um aumento na prevalência, a partir de 2001‐2005, de 2,4% para 3,2% entre 2006‐2010. Além disso, dos vários desfechos perinatais e neonatais examinados nessa coorte de quase 12.000 neonatos, apenas enterocolite necrosante grave foi associada à diabetes mellitus em regressão multivariada.1 Esses dados diferem de outros resultados publicados. Estudos anteriores sobre a prevalência da diabete gestacional variam de uma estimativa de 2‐6% dos casos em todos os países europeus,2 5‐11% em 15 estados dos Estados Unidos3 e 16% no Catar.4 Vários estudos feitos em países de renda baixa e média5 e em países desenvolvidos6 também apontam a diabete como um fator de risco para desfechos adversos na gravidez e no período neonatal, embora em toda a população em comparação com uma população específica de alto risco, como o estudo de Grandi et al.1 O que esses achados, ou quaisquer achados semelhantes, significam para as autoridades médicas ou órgãos reguladores que supervisionam o cuidado prestado a recém‐nascidos de alto risco, principalmente em vista dos dados que sugerem que as taxas da diabete gestacional em outros países estão aumentando?7 Os médicos devem avaliar a validade dos resultados e, então, determinar o possível impacto desses resultados sobre sua prática.
Em qualquer estudo, devemos examinar se os dados são precisos antes de praticar quaisquer ações. Pode haver imprecisões em três áreas importantes:2 O diagnóstico pode ser feito em todas as mulheres? O teste diagnóstico foi feito adequadamente? Os dados coletados em cada gravidez estão corretos? Para uma doença como a diabete gestacional, as mulheres devem receber assistência pré‐natal e fazer o teste para confirmar a presença ou inexistência da doença. A depender do hospital, do sistema de saúde, da população do país ou da dinâmica social, o acesso à assistência pré‐natal ou às ferramentas necessárias para fazer o diagnóstico poderá ser limitado. Além disso, para a diabete, um regimento padrão de diagnóstico é um teste de glicose de uma ou três horas, feito normalmente às 24‐28 semanas de gestação. Não está claro qual o percentual de mulheres que dão à luz antes das 28 semanas de gestação que pode ter sido diagnosticado. Essas duas situações podem ter reduzido a taxa de diabete relatada nesse ou em qualquer outro estudo semelhante.
Em segundo lugar, é importante que o teste de diagnóstico correto seja usado. Estudos anteriores usaram diferentes testes para diagnosticar a diabete.2 Esse grupo de estudo sugeriu especificamente à Organização Mundial de Saúde o teste oral de tolerância à glicose, porém, observe, com a coleta de dados em todos os vários centros em vários países, que esse critério não foi universalmente seguido. Contudo, o fato de que testes específicos foram incentivados em cada centro é um aspecto positivo da coleta de dados. Por fim, grandes conjuntos de dados de base populacional poderão não conter informações corretas de todos os pacientes. Por exemplo, as taxas de mortalidade poderão diferir dependendo da fonte dos dados,8 provavelmente devido às diferenças na precisão dos dados registrados, a depender de se são usados dados de registro ou de estatísticas vitais. O uso de um registro detalhado de pacientes, como o usado na Neocosur Network, com métodos incorporados para validar os dados registrados, aprimora os resultados relatados. Todas essas questões poderão resultar em variações inter‐hospitalares nos resultados de saúde que nada têm a ver com o cuidado prestado, porém, em vez disso, diferenças na precisão dos dados ou diferenças nos pacientes incluídos, antes de mais nada, na mensuração.9 Com as estruturas de dados em funcionamento, a precisão desses dados é provavelmente muito definida, sem modificar as práticas clínicas em cada hospital individual – algo desafiador em todos os vários sistemas hospitalares em vários países.
Após avaliar a validade dos dados, essa variação relatada na prevalência da diabetes mellitus e no impacto sobre os desfechos, então, confirma a ideia de que os médicos devem conhecer seus pacientes, principalmente nas áreas que diferem das onde ocorreram vários dos estudos relatados. Em primeiro lugar, a menor prevalência da diabete nas UTINs desses 22 hospitais poderá afetar as decisões quanto a exame adicional de mulheres ou melhoria na qualidade e programas educacionais para abordar o diagnóstico ou o tratamento da diabete nessas unidades. Em segundo lugar, o fato de que a diabete não estava associada a desfechos adversos nesses pacientes confirma outro trabalho que mostra que os tratamentos poderão ter diferentes efeitos sobre a saúde dos pacientes, a depender da localização geográfica em que foram aplicados. Por exemplo, vários estudos em países desenvolvidos mostram o efeito benéfico de corticosteroide antenatal sobre a sobrevida livre da doença de neonatos de alto risco. Um estudo randomizado de cluster sobre a administração de corticosteroides em seis países de renda baixa e média (Argentina, Guatemala, Índia, Quênia, Paquistão e Zâmbia) constatou que a mortalidade neonatal não reduziu em neonatos com baixo peso ao nascer, com aumento da mortalidade neonatal e risco de infecção materna em geral nos clusters randomizados para processar o cuidado prestado a fim de aumentar o uso de corticosteroide antenal.10 Essa diferença pode ter ocorrido devido às diferenças na saúde materna de base aos diferentes recursos de saúde disponíveis para o tratamento de crianças de risco elevado nesses seis países, em comparação com as grávidas incluídas em estudos anteriores em países desenvolvidos.11 Contudo, pode haver também variações no efeito de um tratamento específico em um único país. O impacto do parto em uma unidade de terapia intensiva neonatal de grande porte e de alto nível difere em três estados nos Estados Unidos, com o benefício de sobrevida variando de 30% a 330%, a depender do estado. Diferenças semelhantes foram vistas na redução de complicações comuns de parto prematuro.12 Os três estados estudados diferem na distribuição de antecedentes étnicos, da situação do seguro de saúde e da prevalência de várias complicações pré‐parto da gravidez. Assim, as diferentes populações de pacientes podem apresentar diferentes riscos clínicos e genéticos da doença. Contudo, essas regiões também diferem na organização do cuidado perinatal, com diferentes processos de tratamento, como os sistemas de transporte materno e infantil, na centralização de serviços perinatais e na regionalização do tratamento.
Esses exemplos ilustram as diferenças no case‐mix dos hospitais individuais e como o efeito de tratamentos comuns podem diferir a depender desse case‐mix. Contudo, é provável que os pacientes incluídos nesses estudos acima e no estudo de Grandi et al. também tenham diferido em fatores sociais, como moradia, escolaridade e renda. Apesar de não frequentemente mensuradas em estudos perinatais e neonatais, essas “determinantes sociais de saúde” poderão influenciar a prevalência de doenças como diabete, mas também o resultado definitivo dessas doenças. A América Latina não está imune a essas determinantes sociais de saúde13 e, de fato, os sistemas paralelos de saúde pública/privada comuns em vários países latino‐americanos poderão diferir dos sistemas que estudam pacientes em vários estudos da saúde e tratamento neonatal.14 Mais estudos precisam focar em como esses fatores afetam a saúde e os resultados desses pacientes de alto risco.
Em suma, o estudo de Grandi et al. ilustra a importância de entender os pacientes tratados em grupos de cuidados de saúde, independentemente dos hospitais, dos estados ou dos países e de como eles respondem a tratamentos específicos. Os médicos discutem sobre medicamentos personalizados, nos quais os tratamentos são prestados a depender da herança genética e do histórico médico e social de um paciente. Devemos pensar sobre como as diferentes populações de pacientes apresentam diferentes risco da doença, o que exige mudanças sutis na administração dos planos para aprimorar os desfechos dos pacientes. É necessário entender essas melhores práticas para aprimorar a saúde perinatal e neonatal.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.