To evaluate the association of intimate partner violence during the gestational period and the development of externalizing and internalizing behavioral problems in children and adolescents.
Source of dataA meta‐analysis of cohort and case–control studies was performed, using studies selected from electronic databases. Eligible studies included women who experienced intimate partner violence during pregnancy and their children's behavioral problems. These problems encompass two groups: externalizing problems (expressed by hyperactivity, aggressive and challenging behavior, and delinquency) and internalizing problems (represented by depressive moods, anxiety, and somatic symptoms). The risk of bias was assessed by the Newcastle‐Ottawa Quality Assessment Scale (NOS) and the quality of evidence by the Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE). RevMan 5.3 software was used for the meta‐analysis.
Data synthesisOf the 687 eligible articles, only seven met all inclusion criteria and consisted of 12,250 mother/child pairs. The age range of the assessed children varied from 10 months to 16 years. The odds of internalizing problems in children exposed to prenatal violence were two‐fold higher (OR=2.10, 95% CI: 1.17–3.76) and that of externalizing problems were 1.9‐fold higher (95% CI: 1.28–2.83), when compared to children of unexposed mothers.
ConclusionThe results of this study are consistent with the hypothesis that women's exposure to intimate partner violence during pregnancy may be associated with behavioral problems of their children, emphasizing the need for greater understanding about the vulnerability of children to adversity in early ages.
Avaliar a associação da violência por parceiro íntimo durante o período gestacional e o desenvolvimento de problemas comportamentais externalizantes e internalizantes de crianças e adolescentes.
Fontes dos dadosFoi realizada metanálise de estudos de coorte e caso‐controle, selecionados em bases de dados eletrônicas. Os estudos elegíveis incluíram: mulheres que sofreram violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez e problemas comportamentais de seus filhos. Esses problemas englobam dois grupos: os problemas externalizantes (que se expressam por hiperatividade, comportamento agressivo e desafiante e delinquência) e os internalizantes (representados por humor depressivo, ansiedade e sintomas somáticos). O risco de viés foi avaliado pela Newcastle‐Ottawa Quality Assessment Scale (NOS) e a qualidade da evidência pelo ”Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE)“. O software RevMan 5.3 foi usado para a metanálise.
Síntese dos dadosDos 687 artigos elegíveis, apenas sete apresentaram todos os critérios de inclusão e formaram 12.250 pares de mães e filhos. A faixa etária das crianças analisadas variou de 10 meses a 16 anos. A chance de problemas internalizantes das crianças, expostas à violência pré‐natal, foi duas vezes maior (OR = 2,10; IC 95%: 1,17‐3,76) e de problemas externalizantes, foi 1,90 vezes maior (IC 95%: 1,28‐2,83), quando comparada com filhos de mães não expostas.
ConclusãoOs resultados deste estudo são consistentes com a hipótese que a exposição da mulher a violência por parceiro íntimo na gestação pode estar associada a problemas comportamentais dos filhos, destacando a necessidade de maior compreensão sobre vulnerabilidade das crianças a adversidades precoces.
A violência por parceiro íntimo na gravidez (VPIG) é um problema global com altas taxas de prevalência entre mulheres em idade reprodutiva e de baixa renda1,2 e graves consequências para a saúde da mulher, do feto e da criança.3,4 A repercussão para as mulheres, além das lesões físicas5 e dos homicídios,6 inclui morbidade psiquiátrica, com maior risco de transtornos mentais comuns,7 transtorno por estresse pós‐traumático8 e depressão pós‐parto.8 Com relação às crianças, a maioria dos estudos mostra as consequências físicas, que incluem baixo peso ao nascer, prematuridade, abortamento e mortalidade neonatal e perinatal.1 Revisões publicadas até o momento sobre a exposição à VPIG4,9 têm mostrado consequências físicas e não relatam a associação com os problemas comportamentais das crianças e adolescentes.
Enquanto se multiplicam as pesquisas sobre a exposição da criança à violência por parceiro íntimo (VPI) sofrida por sua mãe,10–12 pouco é conhecido sobre as consequências em longo prazo da exposição pré‐natal à violência para o desenvolvimento mental da criança.
Pesquisas têm sido desenvolvidas para entender como a VPI, evento comprovadamente estressante durante a gestação, impede o desenvolvimento de sistemas de regulação emocional e comportamental das crianças.13 Tem sido demonstrado que os efeitos do estresse pré‐natal são mediados pelos níveis de cortisol materno e fetal, que alteram a programação dos neurônios do feto14 e podem exercer um importante papel no desenvolvimento social e emocional da criança.15,16 Há evidências de que a exposição à VPI pode predispor à problemas externalizantes que incluem transtornos do comportamento antissocial, de conduta e do controle de impulsos, que podem ser expressos por hiperatividade, comportamento agressivo e desafiante e delinquência.17–20 A sintomatologia internalizante é representada por depressão, ansiedade, introspecção e sintomas somáticos.17–19
O objetivo desta revisão foi avaliar se a VPIG está associada ao desenvolvimento de problemas comportamentais de crianças e adolescentes em longo prazo.
MétodoA descrição desta revisão seguiu parâmetros do Meta‐analysis of Observational Studies in Epidemiology” (MOOSE)21 e do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐analysis (PRISMA),22 preconizados pela literatura internacional para o relato de revisões sistemáticas de estudos observacionais. O protocolo previamente estabelecido foi registrado em um banco de dados internacional de protocolos de revisões sistemáticas: International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO) sob o número: CRD42015026382, podendo ser acessado pelo link: https://www.crd.york.ac.uk/prospero/display_record.php?RecordID=26382
Critérios de elegibilidadeOs estudos foram elegíveis se seguissem os critérios: a) Tipo: coorte ou caso‐controle; b) População: gestantes em quaisquer trimestres, independentemente da faixa etária c) Exposição: definição clara (dada pelos autores) de violência física, sexual ou psicológica, perpetrada pelo parceiro íntimo durante a gravidez; d) Desfecho: problemas comportamentais, externalizantes e/ou internalizantes em crianças e adolescentes, avaliados com instrumentos validados. Foram excluídos os estudos que avaliaram a violência contra mulheres perpetrada por outros homens, que não eram seus parceiros íntimos, e os que avaliaram exposição direta da criança à violência.
Fontes de informaçõesA estratégia de busca incluiu referências até junho de 2017 das seguintes bases de dados eletrônicas: Medline/PubMed (1966‐2017), Lilacs (1982‐2017), Cinahl (1981‐2017), Web of Science (1945‐2017), Scopus (1950‐2017) e PsycINFO (1887‐2017). Foram usados os termos e entradas do Medical Subject Headings (MeSH) para Medline/PubMed, Web of Science e Scopus; os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para Lilacs; os títulos Cinahl para o Cinahl e o Thesaurus of Psychological Index Terms para PsycINFO. A busca incluiu os termos: “domestic violence” OR “family violence” OR “spouse violence” OR “spouse abuse” OR “partner violence” OR “intimate partner violence” OR “intimate partner abuse” OR “violence against women” OR “partner abuse” OR “verbal abuse” OR “psychological abuse” OR “physical abuse” OR “sexual abuse” OR “antenatal domestic violence” AND “prenatal” OR “antenatal” OR “pregnant women” OR “pregnancy” OR “pregnant” AND “child* behavior disorders” OR “child* behavior problems” OR “child behavior” OR “child development” OR “child development disorders” OR “maltreatment” OR “behavior disorders” OR “behavior problems” OR “conduct disorder”. Para cada base de dados foi adotada estratégia de busca específica.
Seleção dos estudos e extração dos dadosNa primeira fase, a seleção dos estudos foi feita por dois pesquisadores (E.P.S. e C.H.S.A.) que avaliaram, independentemente, os títulos e os resumos dos artigos identificados pela estratégia de busca, sem restrição linguística ou de data. Nessa fase houve a inclusão dos artigos de acordo com os critérios de elegibilidade estabelecidos. Os artigos que geraram dúvidas e que eram potencialmente elegíveis foram retidos para posterior análise do texto completo. Na segunda fase, foram avaliados os artigos de texto completo. Foram também avaliadas as listas de referências dos artigos incluídos para averiguar se algum artigo, potencialmente elegível, não estava presente na busca inicial feita nas bases de dados. Os artigos foram excluídos quando não seguiram os critérios de elegibilidade. Na terceira fase, foi feita a extração dos dados de acordo com uma ficha estabelecida previamente. As discordâncias foram resolvidas por consenso e por consulta e orientação de uma terceira pesquisadora (A.B.L.).
Avaliação do risco de viés dos artigosO risco de viés dos estudos incluídos foi independentemente analisado por dois revisores (E.P.S. e C.H.S.A.), com os critérios da Newcastle‐Ottawa Quality Assessment Scale (NOS), que avalia o delineamento e a qualidade dos estudos de coorte e caso‐controle.23 Essa escala facilita a incorporação das avaliações de qualidade na interpretação dos resultados de metanálise, não é usada como critério de inclusão ou exclusão dos artigos. É composta por oito itens, divididos em três dimensões: seleção, comparabilidade e desfecho (para estudos de coorte) ou exposição (para estudos de caso‐controle). A avaliação de cada artigo é dada por uma atribuição em número de estrelas: a) seleção (máximo: quatro estrelas); b) comparabilidade (máximo: duas estrelas); e c) resultados (máximo: três estrelas). Assim, no processamento da análise de qualidade dos artigos, podem ser obtidas, no máximo, nove estrelas para os estudos de alta qualidade. No entanto, a avaliação final não deve ser pela contagem do número de estrelas, e sim, qualitativamente, pelo componente individual de cada item.
A definição de problemas externalizantes e internalizantes17 e a avaliação das crianças e adolescentes por escalas validadas foram consideradas para pontuar os itens de exposição (nos estudos de coorte) e de desfecho (para estudo de caso‐controle).
Como algumas características das mães (saúde mental, uso de álcool e drogas) são consideradas fatores de risco para a saúde mental dos filhos,24,25 para o item averiguação da exposição esses fatores devem ser avaliados por entrevistas estruturadas ou relatos confiáveis. Estudos que controlaram um ou mais desses fatores de risco receberam uma ou duas estrelas no item de comparabilidade.
Avaliação da qualidade da evidência dos artigosA avaliação da qualidade da evidência dos estudos foi feita por dois revisores (E.P.S. e C.H.S.A.), com o Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE). A classificação da evidência é descrita em quatro níveis, os quais representam a confiança na estimativa dos efeitos apresentados: alto (quando há forte confiança de que o verdadeiro efeito esteja próximo daquele estimado), moderado (há confiança moderada no efeito estimado), baixo (a confiança no efeito é limitada) e muito baixo (a confiança na estimativa de efeito é muito limitada e há importante grau de incerteza nos achados).26
A classificação inicial da qualidade da evidência é definida a partir do desenho dos estudos. São definidos os critérios e o julgamento desses aspectos permite reduzir ou elevar o nível de evidência. Os fatores responsáveis pela redução no nível de evidência são: risco de viés, inconsistência, evidência indireta, imprecisão e viés de publicação. Caso o nível não tenha sido rebaixado, a evidência procedente de estudos observacionais pode ter a confiança na estimativa aumentada, considerando três fatores: grande magnitude de efeito; gradiente dose‐resposta e fatores confundidores.27
Análise dos dadosA análise dos dados foi feita com o software RevMan 5.3. A homogeneidade dos estudos foi avaliada pelo teste de heterogeneidade, foi considerado homogêneo quando encontrado um p > 0,05. O índice de heterogeneidade (I2) foi classificado por baixa heterogeneidade, valores até 30% e moderada de 30‐60%. A magnitude do efeito foi calculada pela odds ratio (OR), com o respectivo intervalo de confiança a 95%. Devido à heterogeneidade da população dos estudos e do tempo de avaliação do desfecho, foi conduzida uma metanálise de efeito randômico. Para um estudo que apresentou o número zero para eventos no grupo controle foi feita uma análise de efeito fixo pelo Método Peto. Uma análise de subgrupo por faixas etárias (<1 a 4 anos e 5 a 16 anos) foi feita.
ResultadosSeleção dos estudosA pesquisa das bases de dados identificou 5.593 estudos, dos quais 687 foram selecionados para uma avaliação mais cuidadosa. Após a seleção e aplicação dos critérios de elegibilidade, sete estudos3,5,16,20,28–30 foram incluídos (figura 1).
Características dos estudosA tabela 1 mostra as características dos estudos incluídos, publicados em quatro países, entre 2006 e 2015, quatro 20,28–30 foram feitos nos Estados Unidos. A predominância foi de estudos de coorte e apenas um estudo5 foi de caso‐controle. Dois estudos descreveram amostras de base populacional3,30 e os outros cinco incluíram amostras de abrigos e serviços jurídicos,29 serviços de saúde16 e vários serviços da comunidade.5,20,28
Características dos estudos sobre exposição à violência por parceiro íntimo na gravidez e problemas de comportamento das crianças, 2006 a 2015
Autor, ano de publicação (País do estudo) | Período do estudo | Tipo de estudo | Idade das crianças e das mães | Avaliação da exposição e período de avaliação | Avaliação do desfecho | Fatores avaliados | Escala de Newcastle‐Ottawaa | ||
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Seleção | Comparabilidade | Desfecho / Exposição | |||||||
Whitaker et al., 200630 (Estados Unidos) | 1998‐2000 | Coorte | Crianças: 3 anos | Perguntas sobre violência física em qualquer momento da gravidez | Child Behaavior Checklist (CBCL) | Fatores socioeconômicos e demográficos, Uso de álcool, fumo e drogas ilícitas na gravidez, Saúde mental materna Peso de nascimento da criança | 1.A* 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* 5.B* | 6.B* 7.A* 8.A* |
Mães: > 18 anos | 01 ano depois parto | ||||||||
McFarlane et al., 201429 (Estados Unidos) | Período não citado. Recrutamento das mulheres e crianças: 13 meses Duração da coorte: 7 anos | Coorte | Crianças: 18 meses a 13anos | Severity of Violence Against Women Scale (SVAWS) | CBCL | Fatores socioeconômicos e demográficos, Saúde mental materna Comparou mulheres com relato na gravidez e fora da gravidez | 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* | 6.B* 7.A* 8.A* |
Mães: 19‐37 anos | A cada 4 meses até 24 meses | ||||||||
Flach et al., 20113 (Reino Unido) | Início: 1991‐1992 Coleta dos dados: 42 meses após o início | Coorte | Crianças: 42 meses | Perguntas sobre violência psicológica e física | Revised Rutter Scale | Fatores socioeconômicos e demográficos, Uso de álcool e fumo na gravidez, Violência pós‐natal Saúde mental materna Peso de nascimento da criança | 1.A* 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* B.* | 6.B* 7.A* 8.B* |
Mães: 29 anos (média) | 18 semanas de gestação | ||||||||
Martinez‐Torteya et al., 201528 (Estados Unidos) | Início: 1999‐2000 Coleta dos dados: de 1 ano até 10 anos após o início | Coorte | Crianças: 10 anos | Conflict Tactics Scales (CTS) e SVAWS | CBCL | Fatores socioeconômicos e demográficos, Eventos de vida, Saúde mental materna Violência pós‐natal Cortisol na saliva da criança | 1.B* 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* | 6.B* 7.A* 8.B* |
Mães: 26,8 anos (média) | Entrevista no último trimestre da gravidez | ||||||||
Zou et al., 201516 (China) | 2006‐2007 | Coorte | Crianças: 10 meses | Abuse Assessment Screen (AAS) | Escala de Bayley | Fatores socioeconômicos e demográficos, Idade gestacional, Gravidez não planejada, Aborto prévio Níveis de Glu, GABA e Cortisol no plasma | 1.B* 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* | 6.B* 7.A* 8.B* |
Mães: 27 anos (média) | Durante a internação para o parto | ||||||||
Levendosky et al., 200620 (Estados Unidos) | Início: 1999‐2000 Coleta dos dados: 1 ano após o início | Coorte | Crianças: 1 ano | SVAWS | Infant Toddler Social and Emotional Assessment (ITSEA) | Fatores socioeconômicos e demográficos, Saúde mental materna Apoio Social, Estilo parental Violência pós‐natal | 1.B* 2.A* 3.B* 4.A* | 5.A* | 6.B* 7.A* 8.B* |
Mães: 26,8 anos (média) | Entrevista no último trimestre da gravidez | ||||||||
Tan & Gregor, 20065 (Canadá) | Período não citado | Caso‐controle | Crianças: 3 a 16 anos | Variação do Abuse Assessment Screen (AAS) | Conners’ Parent Rating Scale‐Revised: Long Form (CPRS‐R:L) | As crianças foram pareadas por idade e sexo e sem relato de violência física ou sexual ou presenciar violência na família. As mães foram pareadas por idade, mesma região geográfica, ter sofrido violência na gravidez e sem violência física ou sexual depois da criança ter completado 3 anos de idade. Situação conjugal, Raça, Uso de fumo álcool ou drogas ilícitas na gravidez | 2.A* 3.A* 4.A* | 5.A* 5.B.* | 6.B* 7.A* 8.A* |
Mães: Casos: 33,6 anos Controles: 35,5 anos | Em cada trimestre da gestação |
Escala de Newcastle‐Ottawa (a pontuação é calculada pelo número de *).
Estudos de caso‐controle: Seleção: 1. A definição do caso é adequada?; 2. Representatividade dos casos; 3. Seleção dos controles; 4. Definição dos controles. Comparabilidade: 5. Comparabilidade dos casos e controles com base no desenho de estudo ou na análise. Exposição: 6. Avaliação da exposição; 7. Mesmo método de avaliação dos casos e controles; 8. Taxa de não resposta.
Estudos de coorte: Seleção: 1. Representatividade da coorte exposta; 2. Seleção da coorte não exposta; 3. Determinação da exposição; 4. Demonstração de que o desfecho de interesse não estava presente no início do estudo. Comparabilidade: 5. Comparabilidade das coortes com base no desenho de estudo ou na análise. Desfecho: 6. Avaliação do desfecho; 7. O acompanhamento foi longo o suficiente para que os resultados ocorressem; 8. Adequação do acompanhamento das coortes.
Os estudos incluíram crianças e adolescentes na faixa de 10 meses a 16 anos e a idade das mães variou de 18 a 37 anos. Crianças do sexo masculino foram mais frequentes em cinco estudos.3,5,16,20,28 O nível de cortisol salivar e plasmático das crianças foi avaliado por dois estudos.16,28
O resumo da análise do risco de viés para os estudos de coorte3,16,20,29,30 e caso controle,5 incluídos nesta revisão, está descrito na tabela 1.
A exposição foi avaliada com instrumentos padronizados por cinco estudos5,16,20,28,29 e os outros dois3,30 usaram questionário próprio. Três estudos16,20,29 avaliaram os três tipos de violência (psicológica, física e sexual) e a violência física foi avaliada por todos. Os estudos que não usaram instrumento padronizado para avaliar a exposição3,30 contribuíram com os maiores percentuais na metanálise para problemas comportamentais3 (44,7%), externalizantes30 (60,8%) e internalizantes30 (57,6%), devido ao grande tamanho da amostra, além do pequeno percentual de perdas apresentado.
O tempo das avaliações durante a gravidez foi variado. Quatro estudos3,16,20,28 fizeram só uma avaliação, um estudo5 fez avaliação a cada trimestre e outro29 de quatro em quatro meses. Apenas um estudo fez entrevista um ano depois do parto.30 Assim, a determinação da exposição, a VPIG, foi considerada adequada.
O desfecho (problemas de comportamento) foi avaliado com instrumentos padronizados por todos os estudos. Quatro estudos avaliaram os problemas internalizantes e externalizantes,5,28–30 Um estudo avaliou apenas os problemas externalizantes20 e dois estudos3,16 apresentaram o total de problemas. O seguimento dos estudos de coorte3,16,20,29,30 mostra que o tempo foi suficiente para o desfecho ocorrer.
O número de perdas no seguimento foi maior do que 10% em cinco estudos,3,5,20,28,30 mas em três deles3,20,28 foi usada a técnica de imputação de dados para minimizar o viés de perdas.
Todos os estudos selecionaram os expostos e não expostos da mesma amostra. A avaliação dos fatores confundidores variou entre os estudos e incluiu fatores socioeconômicos e demográficos e saúde mental,3,20,28–30 uso de álcool, fumo e drogas ilícitas durante a gravidez,3,5,30 violência pós‐natal,3,5,20,28,29 apoio social e estilo parental,20 gravidez não pretendida,16 eventos da vida estressantes,3 sexo da criança e idade gestacional3,16 e peso de nascimento.16,30
A qualidade da evidência dos desfechos: problemas comportamentais, externalizantes e/ou internalizantes, avaliada pelo GRADE, foi classificada como baixa (tabela 2).
Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation Evidence Profile (GRADE) para violência na gravidez como fator de risco para problemas comportamentais na criança, 2006‐2016
População: Crianças com problemas de comportamento internalizantes e/ou externalizantes Exposição: Violência por parceiro íntimo na gravidez | ||||||
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Desfechos | Riscos comparativos ilustrativos (IC 95%) | Efeito relativo (IC 95%) | No de participantes (estudos) | Quality of the evidence (GRADE) | Comentários | |
Risco assumido | Risco correspondente | |||||
Controle | ||||||
Problemas comportamentais Mensurado pelas escalas CBCL e Rutter Scalea Seguimento: 1‐10 anos | População do estudo | 1,82 (1,28 a 2,6) | 11677 (4 estudos) | ⊕⊕⊝⊝ baixoc,d | ||
143 por 1000 | 261 por 1000 (183 a 373)b | |||||
Baixo | ||||||
137 por 1000 | 250 por 1000 (176 a 357)b | |||||
Alto | ||||||
500 por 1000 | 910 por 1000 (640 a 1000)b | |||||
Problemas Internalizantes Mensurado pelas escalas CBCL e Rutter Scalea Seguimento: 1‐10 anos | População do estudo | OR 2,10 (1,17 a 3,76)e | 2943 (4 estudos) | ⊕⊕⊝⊝ baixoc | ||
122 por 1000 | 226 por 1000 (140 a 343)b | |||||
Baixo | ||||||
213 por 1000 | 362 por 1000 (241 a 504)b | |||||
Alto | ||||||
497 por 1000 | 675 por 1000 (536 a 788)b | |||||
Problemas Externalizantes Mensurado pelas escalas CBCL e Rutter Scalea Seguimento: 1‐10 anos | População do estudo b | OR 1,90 (1,28 a 2,83) | 2943 (4 estudos) | ⊕⊕⊝⊝ baixoc,f | ||
201 por 1000 | 323 por 1000 (243 a 416)b | |||||
Baixo b | ||||||
296 por 1000 | 444 por 1000 (350 a 543)b | |||||
Altob | ||||||
364 por 1000 | 521 por 1000 (423 a 618)b |
A base para o risco assumido (por exemplo, a mediana do risco do grupo controle entre os estudos) é fornecida em notas de rodapé. O risco correspondente (e seu intervalo de confiança de 95%) é baseado no risco assumido no grupo de comparação e no efeito relativo da intervenção (e seu IC 95%).
IC, intervalo de confiança; OR, odds ratio (razão de chances).
GRADE, graus de evidência do Grupo de trabalho. GRADE, Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluations.
Alta qualidade: é improvável que outras pesquisas alterem nossa confiança na estimativa de efeito.
Qualidade moderada: é provável que outras pesquisas tenham um impacto importante sobre a nossa confiança na estimativa de efeito e possam alterar a estimativa.
Baixa qualidade: é muito provável que outras pesquisas tenham um impacto importante sobre a nossa confiança na estimativa de efeito e é provável que alterem a estimativa.
Muito baixa qualidade: há muita incerteza sobre a estimativa.
Foi adotado como risco assumido no controle, o segundo maior e segundo menor risco do grupo controle dos estudo incluídos.
Houve inconsistência nos resultados. Valor de p = 0,08 e Índice de heterogeneidade de 50%.
Fonte: Elaboração GRADE Working Group ‐ http://porporwww.gradeworkinggroup.org.
Foram feitas três metanálises (figura 2) para avaliar se a exposição da mãe à VPIG aumenta a chance do filho apresentar problemas comportamentais, externalizantes e/ou internalizantes, com análise de dois subgrupos de faixa etária (< 1 a 4 anos e 5 a 16 anos) em comparação com os filhos de mães não expostas.
Quatro estudos3,28–30 possibilitaram uma metanálise que identificou uma chance 1,82 vez maior de a criança ter problemas de comportamento (11.683 participantes; OR = 1,82; IC 95%: 1,28‐2,60; p = 0,0009; efeito randômico; p = 0,14; I2 = 45%). Os outros estudos5,16,20 não forneceram informações suficientes sobre os grupos expostos e não expostos para serem incluídos na metanálise e estão descritos individualmente na tabela 1.
Para os problemas internalizantes foram analisados os dados de quatro estudos5,28–30 e a metanálise demonstrou uma chance 2,10 vezes maior (2.943 participantes; OR = 2,10; IC 95%: 1,17‐3,76; p = 0,01; efeito randômico; p = 0,28; I2 = 21%). Esses mesmos estudos analisaram os problemas externalizantes e a chance foi 1,90 vez maior (2.943 participantes; OR = 1,90; IC 95%: 1,28‐2,83; p = 0,002; efeito fixo Peto; p = 0,11; I2 = 50%). Na tabela 1 estão descritos os estudos3,16,20 que não foram incluídos na metanálise, devido a informações insuficientes sobre os grupos expostos e não expostos.
DiscussãoOs resultados desta revisão mostram que a exposição da mulher à VPIG aumenta a chance de os filhos apresentarem problemas comportamentais em comparação aos filhos de mães não expostas, tanto na análise dos problemas comportamentais como dos problemas internalizantes e externalizantes, analisados separadamente. No entanto, essa evidência deve ser interpretada com cautela, uma vez que tem baixa qualidade. O GRADE,26 inicialmente, já classifica os estudos observacionais com baixa qualidade de evidência e os possíveis fatores que poderiam aumentar essa qualidade não foram preenchidos pelos estudos incluídos, demonstraram uma baixa confiança na estimativa do efeito observado.
Com relação ao desfecho problemas de comportamento, apesar de o resultado mostrar um aumento de 82% no risco, o apoio para essa evidência é baixo, devido, principalmente, à inconsistência dos resultados e limitação dos estudos. Além do mais, os estudos incluídos não atingiram critérios preconizados pelo GRADE para aumentar o nível da evidência, que seria tamanho de efeito grande e gradiente dose‐resposta.27 No entanto, é importante destacar que fatores confundidores, que poderiam interferir nessa associação, como mostra a literatura,12 foram controlados, destacou‐se a violência pós‐natal,3,5,20,28,29 que seria um fator que mostraria a disfunção familiar e a possibilidade da continuidade da violência na vida da criança.
Embora a metanálise para o desfecho problemas externalizantes tenha mostrado um risco de 90%, a qualidade da evidência também foi baixa. No entanto, apesar de os estudos não terem demonstrado homogeneidade e um dos estudos30 não ter usado instrumento padronizado para avaliar a exposição da mulher à VPIG, esse resultado é consistente com um estudo13 que demonstra os efeitos nocivos do ambiente pré‐natal sobre problemas comportamentais na infância e adolescência.
A metanálise mostrou que os filhos de mães expostas à VPIG tiveram uma chance duas vezes maior de problemas internalizantes. Os estudos apresentaram homogeneidade, consistência e evidência direta, mas um dos estudos30 não usou instrumento padronizado para avaliar a exposição da mulher à VPIG, não foi possível elevar o nível da evidência.
A idade de avaliação das crianças foi muito variada nos cinco estudos incluídos,3,5,28–30 portanto a decisão de se fazer análise de subgrupo para duas faixas etárias. Os resultados foram mais consistentes na faixa de < 1 a 4 anos. Uma provável explicação é a contribuição do tamanho da amostra dos estudos que avaliaram essa faixa etária. Outro aspecto que pode ser considerado é que, apesar da plasticidade cerebral nos estágios iniciais do desenvolvimento, os circuitos neurais são mais vulneráveis às perturbações no ambiente pré‐natal do que em outros períodos do desenvolvimento14 e que crianças mais jovens processam as experiências emocionais e os eventos traumáticos de formas diferentes em cada idade.15
A maioria dos estudos foi feita em países desenvolvidos e de cultura ocidental. No entanto, estudos em países em desenvolvimento, como América Latina e Caribe,1 mostram elevada frequência de VPIG, indicam que as repercussões para as crianças dessas e outras regiões podem ser ainda piores. Portanto, os resultados mostram a necessidade de estudos que avaliem as consequências da exposição pré‐natal à VPI para o desenvolvimento de crianças de países em desenvolvimento e também de culturas orientais, onde a VPI é sub‐relatada.16
Outro aspecto importante é que os estudos não avaliaram se os tipos diferentes de violência (física, psicológica e sexual) tiveram impacto diferente sobre o comportamento das crianças. Já é bem consolidado na literatura que a violência psicológica na gravidez aumenta a chance de depressão materna.7,8 Apesar de a maioria dos estudos ter controlado a saúde mental materna, como fator de confundimento, seria importante também avaliar que tipo de violência tem maior impacto sobre o comportamento das crianças.
Possível limitação desta revisão foi o não acesso à base de dados Embase e ao banco de teses e dissertações. Apesar das diversas bases pesquisadas, em toda revisão sistemática sempre haverá a possibilidade de não ser incluído um estudo difícil de ser encontrado em determinada base pelo não alcance da estratégia de busca. Também é preciso considerar o viés de atraso (estudos feitos, mas ainda não publicados).
Embora a estratégia de busca tenha sido conduzida de forma ampla e cuidadosa, um achado importante desta revisão é a escassez de estudos que analisem a associação entre os problemas de comportamento de crianças e a exposição de suas mães à VPIG, apesar da sua elevada frequência.1,2
Do nosso conhecimento, até o momento, não há revisões sistemáticas sobre a associação entre problemas de comportamento de crianças, cujas mães foram expostas à VPIG. Destacam‐se ainda como pontos fortes desta revisão a inclusão de artigos que avaliaram fatores de confusão e a avaliação da qualidade da evidência usando o GRADE. No entanto, é importante ressaltar que os resultados são baseados numa qualidade de evidência baixa e que, portanto, há necessidade de ponderação na sua interpretação.
ConclusãoOs resultados deste estudo mostram, com base em uma baixa qualidade de evidência, que a VPI no pré‐natal aumenta a chance de a criança ter problemas comportamentais, internalizantes e/ou externalizantes, com resultados mais consistentes na faixa de um a quatro anos.
Este estudo também indica a necessidade de futuras pesquisas, com alto rigor metodológico, usa instrumentos padronizados em faixas etárias bem delimitadas (por exemplo, lactentes, pré‐escolares, escolares e adolescentes) e com avaliação de tipos diferentes e frequência da violência. Ademais é importante o controle dos fatores confundidores (como sexo da criança, peso de nascimento e idade gestacional, apoio social e eventos de vida estressores) e a análise dos biomarcadores do estresse.
É necessário analisar as associações entre reações a adversidades precoces e fatores contextuais, para que seja possível identificar as influências ambientais e susceptibilidades biológicas que colocam o funcionamento infantil em risco nos diferentes estágios de desenvolvimento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.