To investigate the factors associated with insulin resistance in children aged 4–7 years, and to identify the cutoff point of the triglyceride‐glucose index for the prediction of insulin resistance in this population.
MethodsA cross‐sectional study was conducted with 403 children from a retrospective cohort. Insulin resistance was also evaluated in a sub‐sample using the HOMA index. Four indicators of body adiposity were assessed: body mass index, waist‐to‐height ratio, and the percentages of total and central body fat. Food habits were evaluated by the identification of dietary patterns, using principal component analysis. Information was also collected on lifestyle, socioeconomic status, and breastfeeding time.
ResultsThe median index observed in the sample was 7.77, which did not differ between the genders. The shorter the time spent in active activities, the higher the triglyceride‐glucose value; and increase in the values of body adiposity indicators was positively associated with triglyceride‐glucose. The cutoff point with the best balance between sensitivity and specificity values was 7.88 (AUC=0.63, 95% CI: 0.51–0.74).
ConclusionThe present study identified that total and central body adiposity and shorter time spent in lively activities was positively associated with insulin resistance, evaluated through the triglyceride‐glucose index. The cutoff point of 7.88 may be used in this population for insulin resistance risk screening, but caution is required when using it in other populations.
Investigar os fatores associados à resistência à insulina em crianças de 4 a 7 anos, e identificar o ponto de corte do índice triglicerídeos‐glicemia (TyG) para predição da RI nessa população.
MétodosEstudo transversal, com 403 crianças pertencentes a uma coorte retrospectiva. A resistência à insulina foi avaliada pelo índice triglicerídeos‐glicemia e também pelo índice HOMA, este em uma subamostra. Avaliou‐se quatro indicadores de adiposidade corporal: o índice de massa corporal, a relação cintura‐estatura e os percentuais de gordura corporal total e central. O hábito alimentar foi avaliado pela identificação dos padrões alimentares, utilizando‐se a análise de componentes principais. Foram coletadas também informações sobre estilo de vida, condição socioeconômica e tempo de aleitamento materno.
ResultadosA mediana observada do índice triglicerídeos‐glicemia na amostra foi de 7,77 e não diferiu entre os sexos. Quanto menor o tempo diário em atividades ativas, maior o valor de triglicerídeos‐glicemia; e o aumento nos valores dos indicadores de adiposidade corporal associou‐se positivamente com o triglicerídeos‐glicemia. O ponto de corte com melhor equilíbrio entre os valores de sensibilidade e especificidade foi o de 7,88 (AUC = 0,63; IC 95% 0,51 ‐ 0,74).
ConclusãoO presente estudo identificou que a adiposidade corporal total e central e o menor tempo diário em atividades ativas associou‐se positivamente com a resistência à insulina, avaliada pelo índice triglicerídeos‐glicemia. O ponto de corte de 7,88 pode ser utilizado nessa população para triagem do risco de resistência à insulina, mas é necessário cautela na sua utilização em outras populações.
A síndrome metabólica (SM), caracterizada pela presença concomitante da resistência à insulina (RI) e outras alterações metabólicas, como obesidade, dislipidemias e hipertensão arterial, tem mostrado elevada prevalência em crianças, principalmente naquelas com excesso de adiposidade corporal.1,2 Sabe‐se que a presença dessa síndrome está associada ao maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e tende a persistir na vida adulta, mas sua definição em crianças ainda é controversa.2,3
A RI, principal indicador adotado no diagnóstico da SM, é caracterizada por reduzida captação celular de glicose para uma dada concentração de insulina. Essa síndrome tem sido apontada como um problema de saúde pública, inclusive na infância.2,4 Estudos têm mostrado forte relação entre RI e excesso de adiposidade corporal, principalmente na região central, visto que o acúmulo de lipídeos intramusculares provenientes da entrada de ácidos graxos de cadeia longa no interior das células inibe a translocação do transportador de glicose (GLUT‐4) e reduz a captação de glicose pelas células, o que favorece a resistência periférica à ação da insulina.4,5
Existem diversos métodos para diagnóstico da RI, mas avaliações biomoleculares dos receptores e pós‐receptores insulínicos e o teste de clamp euglicêmico‐hiperinsulinêmico, considerados “padrão‐ouro”, são caros e de difícil acesso para a maioria da população.6,7 O índice de homeostase glicêmica (Homeostasis Model Assessment – HOMA) tem sido muito adotado em estudos para diagnóstico da RI, é validado para crianças.8 No entanto, para cálculo do índice HOMA é necessária a dosagem da concentração sérica de insulina, que na maioria das vezes não faz parte da rotina nos serviços de saúde, principalmente quando se trata da população pediátrica, o que dificulta o uso desse índice para identificação da RI nessa população.
Recentemente, o índice TyG (produto da concentração sérica de triglicerídeos e glicemia de jejum) tem sido usado em estudos para avaliação da RI em adultos7,9,10 e adolescentes,2,11 demonstra um bom poder discriminatório para diagnóstico da RI. Não foram identificados estudos que testaram o índice TyG em crianças nas fases pré‐escolar e escolar. Além disso, detectou‐se a escassez de pesquisas que avaliam outros fatores, além da adiposidade, que podem estar associados à RI em crianças, como o padrão alimentar e o estilo de vida. Com a identificação dos fatores associados à RI na infância, é possível intervir precocemente, a fim de reduzir o risco de doenças cardiovasculares ao longo da vida e, consequentemente, reduzir os gastos com a saúde pública.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi investigar os fatores associados à RI em crianças de quatro a sete anos e identificar o ponto de corte do índice TyG para predição da RI nessa população.
MétodosDelineamento e amostraEstudo transversal com crianças pertencentes a uma coorte retrospectiva de nascimento no único hospital maternidade de Viçosa, Minas Gerais. As crianças foram acompanhadas pelo Programa de Apoio à Lactação (Prolac) no primeiro ano de vida e reavaliadas aos quatro a sete anos. O Prolac é um programa da Universidade Federal de Viçosa em parceria com o Banco de Leite Humano do município. Tem como principais atividades orientações para as mães no período pós‐parto com vistas à promoção do aleitamento materno e atendimento nutricional a nutrizes e crianças no seu primeiro ano de vida.
Com base em informações coletadas nos prontuários de atendimento do Prolac e considerando dois critérios de inclusão (presença de dados de identificação que permitissem a localização das crianças e data de nascimento compatível com entre quatro e sete anos no momento do estudo), 669 crianças foram elegíveis para o estudo. Dentre as elegíveis para participação, 176 não foram localizadas (mudança de endereço) após, pelo menos, três tentativas de localização mediante visitas domiciliares, 75 não foram autorizadas pelos pais a participar ou não concluíram todas as etapas do estudo e oito apresentavam problemas de saúde que impediam a participação. Além disso, oito crianças foram excluídas por terem dados incompletos de consumo alimentar e/ou de exames bioquímicos. Assim, a amostra do presente estudo foi de 402 crianças.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa (Of. Ref. N° 892476/2014) e adotaram‐se as normas que regulamentam as pesquisas que envolvem seres humanos do Conselho Nacional de Saúde (resolução n° 466/2012). Os pais ou responsável de todas as crianças incluídas no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Adiposidade corporalOs indicadores de adiposidade avaliados foram o índice de massa corporal (IMC) e a gordura corporal total, que estimam a adiposidade total; e a relação cintura‐estatura (RCE) e a gordura central, que estimam o risco associado à adiposidade abdominal.
O peso foi obtido em balança digital eletrônica com capacidade de 150kg e precisão de 10g e a estatura através de estadiômetro vertical acoplado à parede, com extensão de dois metros, dividido em centímetros e subdividido em milímetros. Calculou‐se o IMC por idade (IMC/I) em escore‐z, segundo o sexo, adotou‐se a referência da Organização Mundial da Saúde.12
O perímetro da cintura foi aferido ao nível da cicatriz umbilical, usou‐se fita métrica com extensão de dois metros, flexível e inelástica, dividida em centímetros e subdivida em milímetros. As medidas foram tiradas em triplicata, adotaram‐se as duas mais próximas para o cálculo da média. Procedeu‐se ao cálculo da relação cintura‐estatura (RCE) pela razão da medida do perímetro cintura (cm) e a estatura (cm), consideraram‐se como risco valores >0,5.13
A avaliação da composição corporal foi feita pela técnica Dual Energy X‐ray absorptiometry (DEXA), adotaram‐se para análises os resultados do percentual de gordura total e na região central. Todas as avaliações foram feitas na Divisão de Saúde da UFV.
Resistência à insulina (RI)A coleta de sangue foi feita no laboratório de análises clínicas da Divisão de Saúde da UFV, após jejum de 12 horas. Foi feita dosagem das concentrações séricas de triglicerídeos e da glicemia de jejum. Além disso, avaliou‐se a insulina de jejum em uma subamostra de crianças do estudo (35%, n = 141).
Para avaliação da resistência à insulina (RI) foi calculado o índice TyG como: ln [triglicerídeos de jejum (mg/dL) x glicemia de jejum (mg/dL)/2].9,11 A estimativa da RI também foi obtida por meio do Homeostasis Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA‐IR) na subamostra de 141 crianças, que é o produto da insulina de jejum (μU/mL) e da glicemia de jejum (mmol/L) dividido por 22,5.14 A resistência à insulina foi definida quando o valor de HOMA‐IR foi maior do que o percentil 90da amostra.1,4 Esse método foi adotado como referência para determinação do ponto de corte do índice TyG.
Padrões alimentaresPara avaliação do consumo alimentar das crianças do estudo, foi solicitado aos pais/responsáveis o preenchimento de três registros alimentares, em dias não consecutivos, um de fim de semana. Todos os registros foram conferidos e revisados pelos pesquisadores, junto aos responsáveis, a fim de reduzir os vieses de preenchimento. Os dados foram digitados e processados com o software Dietpro® versão 5i.
Na identificação dos padrões alimentares foi aplicada estatística a posteriori, por meio da análise de componentes principais (ACP). Antes de proceder à ACP, avaliou‐se a adequação do tamanho da amostra e a aplicabilidade da análise, estimaram‐se o coeficiente de Kaiser‐Mayer‐Olkin (KMO=0,561) e o teste de esfericidade de Bartlett (p < 0,001). Para melhor interpretação dos fatores aplicou‐se a rotação ortogonal varimax e o número de fatores/componentes a serem retidos foi determinado com base no gráfico de Catell (screeplot).
Os alimentos/grupos com cargas fatoriais ± >0,25 foram considerados como fortemente associados ao componente, fornecem melhor informação para a identificação de um padrão alimentar. Para a denominação dos padrões consideraram‐se as características dos alimentos/grupos que mais contribuíram para cada componente, bem como as nomenclaturas usadas em outros estudos.15,16
Após a identificação dos padrões alimentares, os escores fatoriais foram calculados para cada criança do estudo. Assim, cada uma apresentou um escore fatorial em todos os padrões identificados.
Variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e aleitamento maternoFoi aplicado ao responsável pela criança um questionário semiestruturado para obtenção de informações sociodemográficas, como idade e renda per capita. As informações sobre hábitos de vida foram obtidas por meio da aplicação de um questionário adaptado de Andaki.17 As variáveis de avaliadas foram: tempo diário de tela (televisão, computador, jogos) e tempo diário em atividades ativas (correr, andar de bicicleta, jogar bola). Os dados sobre tempo de aleitamento materno exclusivo (AME) foram obtidos nos registros dos prontuários do Prolac.
Análise dos dadosA análise descritiva dos dados foi feita por meio de medidas de distribuição de frequências, de tendência central e de dispersão. A distribuição das variáveis foi avaliada por meio do teste de normalidade de Shapiro‐Wilk.
A regressão linear foi usada para investigar os fatores associados à RI entre as crianças do estudo, estimaram‐se o coeficiente de regressão e o intervalo de confiança. Na análise bivariada, as variáveis com valor de p < 0,20 foram consideradas para inclusão no modelo múltiplo. As análises foram feitas no software Stata versão 13.0 e a significância estatística considerada foi α = 5%.
Para identificação do ponto de corte do índice TyG na predição da RI entre as crianças do estudo foi feita a análise da curva Receiver Operating Characteristics (ROC), considerou‐se o ponto de corte com melhor equilíbrio entre os valores de sensibilidade e especificidade. O HOMA‐IR foi o método de referência adotado para identificação do ponto de corte do índice TyG. A análise da curva ROC foi feita no software MedCalc®.
ResultadosA maioria das crianças do estudo era do sexo masculino (55%) e com mediana de 73 meses. Não foi observada diferença nos valores índice TyG entre sexos (p = 0,355). A prevalência de excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) e de alteração no índice RCE foi de 25,6% e 26,8%, respectivamente (dados não apresentados).
Quando ao consumo alimentar, identificaram‐se pela ACP cinco padrões alimentares das crianças estudadas, que explicaram 42,3% da variância dos dados (tabela 1). Os padrões alimentares foram intitulados de “Tradicional” (composto por alimentos/preparações típicos da alimentação dos brasileiros, como: arroz branco; feijão; verduras; tubérculos, angu e farinha; e carnes, peixes e ovos); “Não saudável” (representado principalmente por alimentos/grupos com alto teor de açúcares e gorduras: suco artificial e refrigerante, frituras, lanches, embutidos, doces e biscoitos recheados); “Leite e achocolatado” (representado principalmente pelo leite e derivados e o achocolatado); “Lanche” (composto principalmente por alimentos típicos de padaria: pães, bolos e biscoitos, manteiga e margarina; café e chás) e; o “Saudável” (suco natural, frutas, legumes e caldos/sopas).
Padrões alimentares e cargas fatoriais dos grupos alimentares consumidos por crianças de quatro a sete anos
Padrões alimentares | |||||
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Alimentos/grupos | Tradicional | Não saudável | Leite e achocolatado | Lanche | Saudável |
Leite e derivados | −0,038 | −0,234 | 0,738 | 0,164 | −0,018 |
Achocolatado e açúcar | −0,026 | 0,028 | 0,856 | 0,028 | −0,050 |
Café e chás | 0,036 | −0,234 | −0,502 | 0,252 | −0,181 |
Manteiga e margarina | 0,194 | 0,182 | 0,034 | 0,573 | −0,027 |
Pães, bolos e biscoitos | 0,044 | 0,032 | −0,012 | 0,703 | 0,091 |
Biscoito recheado | −0,111 | 0,273 | 0,105 | −0,381 | −0,026 |
Feijão | 0,684 | −0,159 | −0,102 | −0,139 | 0,110 |
Arroz branco | 0,749 | 0,004 | −0,144 | −0,043 | −0,161 |
Verduras | 0,499 | −0,051 | 0,073 | 0,178 | 0,256 |
Legumes | 0,371 | 0,031 | 0,002 | 0,055 | 0,433 |
Tubérculos, angu e farinha | 0,381 | −0,080 | 0,017 | 0,204 | −0,019 |
Frutas | 0,125 | −0,114 | 0,115 | −0,273 | 0,532 |
Suco natural | −0,132 | 0,034 | −0,051 | 0,231 | 0,620 |
Suco artificial e refrigerante | −0,127 | 0,755 | 0,020 | 0,001 | −0,083 |
Carnes, peixes e ovos | 0,408 | 0,329 | 0,093 | 0,122 | −0,142 |
Frituras, lanches e embutidos | −0,088 | 0,631 | −0,106 | −0,028 | 0,067 |
Doces | 0,010 | 0,477 | 0,031 | −0,144 | 0,443 |
Caldos e sopas | −0,090 | −0,334 | −0,021 | 0,049 | 0,306 |
Massas | 0,052 | 0,151 | −0,072 | −0,458 | 0,027 |
Variância explicada (%) | 9,8 | 9,0 | 8,5 | 8,0 | 7,0 |
Total da variância explicada (%) | 42,3 |
Método de extração: Análise por componentes principais. Rotação varimax com normalização de Kaiser.
Os valores em negrito indicam as cargas fatoriais ± ≥ 0,25.
Na análise de regressão linear simples, observou‐se que a maior adesão ao padrão alimentar “Não saudável” associou‐se positivamente com o índice TyG; já o tempo diário em que a criança permanecia em atividades ativas associou‐se negativamente com o índice, ou seja, quanto menos ativa a criança, maio o valor de TyG. Além disso, a cada aumento de uma unidade nos quatro indicadores de adiposidade corporal avaliados, maiores os valores de TyG nas crianças do estudo (tabela 2).
Regressão linear bivariada e múltipla para investigar os fatores associados à variação no índice TyG em crianças de quatro a sete anos (n = 402)
Índice TyG (variável resposta) | ||||
---|---|---|---|---|
Variáveis explicativas | β | IC 95% | βajd | IC 95% |
Idade (meses) | 0,001a | −0,001 – 0,006 | 0,001 | −0,002 – 0,004 |
Tempo de AME (meses) | 0,001 | −0,016 – 0,019 | ‐ | ‐ |
Renda per capita (reais) | 0,001a | −0,000 – 0,001 | 0,000 | −0,000 – 0,001 |
Tempo de tela (hora) | 0,013 | −0,007 – 0,034 | ‐ | ‐ |
Tempo em atividades ativas (hora) | −0,032b | −0,060 – ‐0,005 | −0,030b | −0,055 – ‐0,001 |
Padrão “Tradicional” | 0,007 | −0,033 – 0,047 | ‐ | ‐ |
Padrão “Não saudável” | 0,042b | 0,002 – 0,082 | 0,028 | −0,012 – 0,068 |
Padrão “Leite e achocolatado” | 0,031a | −0,008 – 0,071 | 0,031 | −0,008 – 0,071 |
Padrão “Lanche” | 0,011 | −0,029 – 0,051 | ‐ | ‐ |
Padrão “Saudável” | 0,035a | −0,004 – 0,075 | 0,027 | −0,014 – 0,068 |
IMC (escore‐z) | 0,041b | 0,010 – 0,073 | 0,031b | 0,010 – 0,062 |
RCE | 1,336b | 0,451 – 2,220 | 1,191b | 0,279 – 2,104 |
% gordura corporal | 0,010c | 0,005 – 0,015 | 0,010c | 0,002 – 0,013 |
% gordura central | 0,008c | 0,003 – 0,013 | 0,014b | 0,001 – 0,011 |
AME, aleitamento materno exclusivo; IMC, índice de massa corporal; RCE, relação cintura‐estatura; TyG, índice triglicerídeos‐glicemia.
No modelo múltiplo, as variáveis que permaneceram independentemente associadas ao índice TyG foram o tempo diário em atividades ativas e as variáveis de adiposidade corporal. Quanto menor o tempo diário em atividades ativas, maior o valor de TyG; e o aumento nos valores do IMC, RCE, percentual de gordura total e central associou‐se positivamente com o TyG (tabela 2).
Dos pontos de corte do índice TyG testados para predizer a RI entre as crianças do estudo, o com melhor equilíbrio entre os valores de sensibilidade (S) e especificidade (E) foi o de 7,88 (tabela 3). Considerando esse ponto de corte, a prevalência de RI entre as crianças do estudo foi de 42,3% (n = 170).
Pontos de corte, sensibilidade e especificidade do Índice Tyg para predição da resistência à insulina e crianças de quatro a sete anos
Índice TyG | ||
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Ponto de corte | Sensibilidade (%) | Especificidade (%) |
7,70 | 86,7 | 37,3 |
7,73 | 86,7 | 41,3 |
7,74 | 80,0 | 42,9 |
7,88a | 80,0 | 53,2 |
7,90 | 73,6 | 55,6 |
7,93 | 73,3 | 57,9 |
7,96 | 66,7 | 58,7 |
Neste estudo, conduzido com crianças de quatro a sete anos pertencentes a uma coorte retrospectiva, foi observado que o aumento da adiposidade corporal total e central e o menor tempo diário em atividades ativas associaram‐se positivamente com a RI, avaliada pelo índice TyG. A relação da adiposidade com a RI foi descrita em outros estudos feitos com crianças.3,18,19 No entanto, as diferenças metodológicas, principalmente quanto ao método adotado e os pontos de corte para diagnóstico da RI, dificultam a comparação dos resultados.
Um estudo recente feito com crianças japonesas em idade escolar encontrou que o aumento da adiposidade abdominal, avaliada pela RCE, associou‐se ao aumento da prevalência da RI, detectada pelo índice HOMA.20 Nighthingale et al.18 fizeram uma pesquisa com crianças de diferentes regiões do mundo e, assim como o nosso estudo, avaliaram a adiposidade corporal e central por diferentes indicadores. Os autores observaram associação positiva entre todos os indicadores de adiposidade e a RI, quando avaliada pelo índice HOMA.
No Brasil, Ferreira et al.1 fizeram um estudo transversal com crianças e adolescentes de sete a 11 anos e observaram que o IMC foi positivamente associado à RI, avaliada pelo índice HOMA. Não identificamos estudos nacionais que avaliaram a RI apenas em crianças (menores de 10 anos), sem incluir a faixa da adolescência, e sabe‐se da importância de estudar alterações metabólicas em crianças impúberes separadas daquelas já na puberdade, nas quais os efeitos dos hormônios esteroides já são observados. Principalmente com relação à RI e frequência da SM, há evidências de que aumentam com a puberdade.21
Peplies et al.,22 em estudo longitudinal feito com crianças de três a 10 anos residentes em oito países europeus, encontraram associação positiva entre adiposidade corporal (avaliada pelo IMC e perímetro da cintura), comportamento sedentário e presença de RI. Esses achados corroboram o observado no presente estudo, em que após ajuste por outras variáveis o maior tempo diário em atividades ativas associou‐se com menores valores do índice TyG. O comportamento sedentário, cada vez mais presente entre as crianças, tem sido considerado como um importante fator de risco comportamental para o desenvolvimento de alterações metabólicas, como a RI e dislipidemias.22,23 Assim, é de fundamental importância o incentivo à prática regular de atividade e desestímulo ao comportamento sedentário nessa fase.
As prevalências de excesso de peso (avaliada pelo IMC) e adiposidade na região central (quando adotado a RCE) foram elevadas entre as crianças do estudo, em torno de 25%, semelhantemente ao observado em outros trabalhos com faixa etária semelhante16,24 e também pela Pesquisa de Orçamentos Familiares feita no Brasil, na qual as prevalências de excesso de peso nos meninos e meninas de cinco a nove anos foram de 34,8% e 32,0%, respectivamente.25 Na população infantil, a obesidade, principalmente a abdominal, parece ser importante gatilho de resistência insulínica,26 o que torna as crianças obesas um grupo de risco para alterações metabólicas, reforça a necessidade da definição de indicadores clínicos e laboratoriais para diagnóstico nesse grupo.27 Foi observado em estudos que a combinação do IMC com o perímetro da cintura ou RCE melhorou a predição de fatores de risco cardiometabólico em crianças.22,28 Assim, para diagnóstico precoce e mais confiável de alterações da adiposidade em crianças, deve‐se, sempre que possível, adotar mais de um indicador.
Na análise bivariada o padrão alimentar “Não saudável” associou‐se positivamente com o índice TyG, ou seja, crianças com maior consumo de alimentos ricos em açúcares simples e gorduras, apresentaram maior risco de RI. No entanto, após ajuste por variáveis de estilo de vida e adiposidade essa associação não foi mantida, em função da forte associação entre a adiposidade corporal e a RI. Assim como no presente estudo, Peplies et al.22 não encontraram associação entre consumo de alimentos ricos em açúcares e RI em crianças (avaliada pelo índice HOMA), após ajuste pelo estado nutricional. No entanto, é consenso que a adoção de um padrão alimentar saudável, caracterizado pelo consumo de frutas, hortaliças, carnes magras e baixa ingestão de açúcares e gorduras, é um fator determinante para um menor risco de doenças crônicas como a obesidade, a síndrome metabólica e as doenças cardiovasculares. Esse efeito benéfico pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo papel modulador da dieta sobre biomarcadores da sensibilidade insulínica, da aterogênese, bem como os de inflamação e de função endotelial.29,30
Outro resultado relevante do estudo é ponto de corte apresentado para crianças de quatro a sete anos. Na análise de curva ROC, a AUC de 63% indicou moderada precisão do índice TyG para identificar RI entre as crianças do estudo. No entanto, vale ressaltar que não há consenso quanto ao uso do índice HOMA (método de referência usado) na faixa etária avaliada, principalmente em relação ao melhor ponto de corte a ser adotado,18,27 o que pode ter influenciado na acurácia do índice teste. O ponto de corte de corte superior a 7,88 foi o que apresentou melhor equilíbrio entre os valores de sensibilidade (80,0%) e especificidade (53,2%). Optou‐se pelo ponto de corte com maior valor de sensibilidade em relação à especificidade a fim de usar o índice TyG para identificação precoce de RI. Dessa forma, crianças com índice TyG superior a 7,88 devem ser consideradas com maior risco para o desenvolvimento da RI, comparadas às com valores de TyG inferiores, e não como portadoras da RI. Se identificado risco de RI pelo TyG, outro método mais preciso e com maior especificidade pode ser adotado, para confirmação do diagnóstico.
Um estudo feito com adolescentes coreanos de 10 a 18 anos identificou pontos de corte para o índice TyG na predição da síndrome metabólica, adotou diferentes critérios diagnósticos da síndrome. Os pontos de corte variaram de 8,41 a 8,66, todos os valores de sensibilidade foram superiores aos de especificidade, sugeriu, assim como em nosso estudo, o uso do índice para screeening de risco metabólico.2
Este estudo apresenta limitações, principalmente o fato de o ponto de corte do índice TyG ser específico da amostra avaliada, o que compromete a extrapolação dos resultados e o uso em outras populações. Assim, é necessária a feitura de estudos multicêntricos com crianças para o estabelecimento de pontos de corte para o índice TyG, considerando diferentes etnias. Contudo, nosso resultado é ainda de grande relevância científica, visto que é o primeiro apresentado para um grupo etário específico, podem ser usados como ponto de partida para estudos futuros um mesmo ponto de corte nos estudos e a comparação dos resultados, bem como o entendimento dos fatores associados à RI na infância.
Em conclusão, o presente estudo identificou que a adiposidade corporal total e central e o menor tempo diário em atividades ativas associou‐se positivamente com a RI, avaliada pelo índice TyG em crianças de quatro a sete anos, indicou a importância da adoção de hábitos de vida saudáveis, como a prática regular de atividade e alimentação adequada desde a infância, bem como manutenção do estado nutricional adequado, uma vez que a adiposidade corporal e o estilo de vida estão associados ao risco cardiovascular ao longo da vida. Além disso, o ponto de corte de 7,88 de TyG foi identificado e poderia ser analisado para aplicação futura na triagem do risco de RI e doenças crônicas relacionadas nessa população.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Número do processo: Fapemig 02055‐13. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Número do processo: CNPQ 485124/2011‐4.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Às crianças participantes do projeto e aos seus pais/responsáveis. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa de doutorado concedida. Este projeto tem o apoio financeiro da Fapemig e do CNPq.
Como citar este artigo: Vieira‐Ribeiro SA, Fonseca PC, Andreoli CS, Ribeiro AQ, Hermsdorff HH, Pereira PF, et al. The TyG index cutoff point and its association with body adiposity and lifestyle in children. J Pediatr (Rio J). 2019;95:219–25.
Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG, Brasil.