The aim of this study was to systematically review the literature and answer the following central question: “What are the risk factors associated with worse clinical outcomes of pediatric bacterial meningitis patients?”
MethodsThe articles were obtained through literary search using electronic bibliographic databases: Web of Science, Scopus, MEDLINE, and LILACS; they were selected using the international guideline outlined by the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐analysis Protocols.
ResultsThe literature search identified 1,244 articles. After methodological screening, 17 studies were eligible for this systematic review. A total of 9,581 patients aged between 0 days and 18 years were evaluated in the included studies, and several plausible and important prognostic factors are proposed for prediction of poor outcomes after bacterial meningitis in childhood. Late diagnosis reduces the chances for a better evolution and reinforces the importance of a high diagnostic suspicion of meningitis, especially in febrile pictures with nonspecific symptomatology. S.pneumoniae as a causative pathogen was demonstrated to be related to clinical severity.
ConclusionsEarly prediction of an adverse outcome may help determine which children require more intensive or longer follow‐up and may provide the physician with rationale for parental counseling about their child's prognosis in an early phase of the disease.
O objetivo deste estudo é revisar sistematicamente a literatura e responder à seguinte questão central: “Quais são os fatores de risco associados a piores desfechos clínicos de pacientes pediátricos com meningite bacteriana?”.
MétodosOs artigos foram obtidos através de pesquisa bibliográfica, nas bases de dados eletrônicas Web of Science, Scopus, Medline e Lilacs, e selecionados com diretriz internacional delineada pela abordagem Prisma (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐Analysis).
ResultadosA pesquisa bibliográfica identificou 1.244 artigos. Após a triagem metodológica, 17 estudos foram considerados elegíveis para esta revisão sistemática. Foram avaliados 9.581 pacientes até 18 anos nos estudos incluídos e vários fatores prognósticos plausíveis e importantes são propostos para a previsão de desfechos piores após meningite bacteriana na infância. O diagnóstico tardio reduz as chances de uma melhor evolução e reforça a importância de uma alta suspeita diagnóstica de meningite, especialmente em quadros febris com sintomatologia inespecífica. S. pneumoniae como patógeno causador demonstrou estar relacionado à gravidade clínica.
ConclusõesA previsão precoce de um desfecho clínico desfavorável pode ajudar a determinar quais crianças necessitam de uma abordagem mais invasiva ou seguimento mais prolongado e pode fornecer ao médico a justificativa para o aconselhamento dos pais sobre o prognóstico de seu filho em uma fase inicial da doença.
A meningite bacteriana aguda é considerada uma emergência médica, pois é uma infecção potencialmente fatal que requer tratamento imediato. O diagnóstico dessa doença nem sempre é fácil, uma vez que os sintomas podem ser inespecíficos, especialmente em lactentes, e a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) nem sempre está disponível devido às condições clínicas e à ausência de tempo para análise de desfechos específicos.1,2 Além disso, embora sinais e sintomas de febre, irritabilidade, letargia, dor de cabeça, vômitos e rigidez da nuca estejam fortemente associados à meningite bacteriana, outras comorbidades ou condições devem ser consideradas no diagnóstico diferencial, como infecções virais, fúngicas e micobacterianas do sistema nervoso central, doenças por rickettsias, arboviroses, leptospirose e abscessos cervicais ou retrofaríngeos. Condições não infecciosas, como vasculite autoinflamatória, doença de Kawasaki, tumores cerebrais e reações a medicamentos, também devem ser consideradas.
O diagnóstico precoce, a identificação do patógeno e o tempo até o início da antibioticoterapia adequada são variáveis importantes que podem melhorar os desfechos clínicos da meningite bacteriana em crianças. No entanto, mesmo com uma abordagem precoce e tratamento adequado com antibióticos eficazes, morte e sequelas neurológicas podem ocorrer como resultado dessa infecção, especialmente em pacientes mais jovens.1–6
As taxas de mortalidade permanecem extremamente altas, variam de 5 a 30% dos casos, e aproximadamente 50% dos sobreviventes evoluem com sequelas neurológicas.5 Em crianças que sobrevivem a um episódio de meningite bacteriana, as sequelas mais frequentes incluem perda auditiva, atraso no desenvolvimento e mau desempenho acadêmico.2,6 O tempo de diagnóstico dessas sequelas pode variar de acordo com o tipo ou a intensidade da lesão neurológica.
O principal objetivo deste artigo é revisar sistematicamente a literatura e responder à questão principal: “Quais são os fatores de risco associados a piores desfechos clínicos de pacientes pediátricos com meningite bacteriana?” Para isso, a pesquisa foi conduzida pela sigla Pecos: população, exposição, comparação, desfecho (outcome) e tipo de estudo. Pecos foi definido da seguinte forma: P, lactentes com meningite bacteriana; E: fatores de risco; C, sem fatores de risco; O, morte ou sequela; e S, estudos originais.
MétodosOs artigos foram selecionados de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐analysis Protocol (Prisma‐P),7,8 responsável pela coordenação do processo de feitura de metanálises e revisões sistemáticas. O protocolo de revisão (Prospero) foi registrado na York University sob o seguinte número de identificação: CRD CRD42018089133.
População, exposição e desfechosEsta revisão sistemática incluiu estudos com pacientes pediátricos, que foram definidos como crianças com idade < 18 anos, com diagnóstico de meningite bacteriana, que avaliaram a presença de fatores de risco que podem influenciar os desfechos clínicos, desde a morte até diferentes níveis de sequelas.
Os artigos foram selecionados através de uma estratégia de busca estruturada nos bancos de dados Web of Science, Scopus, Medline e Lilacs. Foram usados os seguintes termos do Medical Subjects Heading (MeSH): risk factors, mortality, complications, child, pediatrics, hospitalized child, e bacterial meningitis. Esses termos foram adaptados para uso em outros bancos de dados bibliográficos em combinação com filtros de banco de dados específicos para ensaios controlados. As pesquisas foram feitas em fevereiro de 2019, sem restrições de idioma.
Critérios de seleçãoOs critérios de inclusão refletem aqueles observados acima para os participantes/populações, bem como os seguintes: estudos transversais, caso‐controle, de coorte e diagnósticos feitos tanto com indivíduos do sexo feminino quanto do masculino, com menos de 18 anos, e estudos que avaliaram o agravamento da evolução clínica.
Os critérios de exclusão foram: publicações duplicadas, estudos feitos com adultos e idosos, estudos que avaliaram fatores de risco para meningite bacteriana, mas não associaram esses fatores à pioria do quadro clínico, estudos que avaliaram meningite causada por agentes não bacterianos, estudos de revisão, estudos experimentais com animais e pesquisa cujo tema não estava de acordo com o objetivo desta revisão. Os tipos de estudos mais adequados para esta revisão etiológica foram principalmente estudos observacionais (analíticos) que compararam grupos e produziram odds ratios, valores preditivos ou razões de verossimilhança (estudos de caso‐controle e de coorte, inclusive estudos retrospectivos e prospectivos).
Análise e síntese dos dadosOs resumos de todos os artigos encontrados foram avaliados por dois revisores de forma independente, a fim de identificar e remover possíveis artigos duplicados ou estudos que não respondiam à questão central desta revisão. Aqueles potencialmente elegíveis para inclusão foram submetidos à leitura abrangente do texto completo e, posteriormente, uma decisão sobre a seleção final foi feita durante uma reunião de consenso. Os dados foram extraídos quanto ao ano de publicação, país e desenho dos estudos, características da população, idade da infecção, patógeno causador, duração do seguimento, desfechos e fatores prognósticos estatisticamente significantes.
A análise foi feita de acordo com a abordagem Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐Analyses (Prisma). O número de estudos analisados em cada nível de avaliação foi demonstrado no diagrama Prisma incluído (fig. 1). Os artigos excluídos foram classificados da seguinte forma: grupo 1, duplicados; grupo 2, faixa etária não condizente com a proposta da revisão (adultos ou idosos); grupo 3, artigos que não informaram a associação do evento com o desfecho ou apenas mencionaram uma dessas duas observações; grupo 4, meningite não bacteriana; grupo 5, narrativa, revisão sistemática ou artigos de metanálise; grupo 6, estudos experimentais; grupo 7, tema não adequado para o propósito desta revisão; e finalmente o grupo 8, estudos feitos com outras infecções bacterianas.
Os estudos foram avaliados quanto à avaliação da qualidade das evidências e para fornecer um resumo dos achados dos estudos incluídos com a abordagem Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluation (Grade),9,10 conforme recomendado pela Cochrane Collaboration. Nessa abordagem, os estudos observacionais são considerados como evidências de baixa qualidade e os ensaios randomizados são considerados evidências de alta qualidade. Limitações metodológicas, inconsistências, imprecisões, evidências indiretas e viés de publicação podem reduzir o escore Grade, enquanto a magnitude do efeito, a resposta à dose e o controle de todos os fatores de confusão plausíveis podem aumentar a qualidade das evidências.9,10
ResultadosA pesquisa bibliográfica identificou 1.244 artigos. Após a triagem metodológica, 17 estudos foram elegíveis para esta revisão sistemática. A figura 1 descreve as etapas de inclusão e exclusão do estudo.
Entre os 17 estudos avaliados, 14 eram coortes retrospectivas ou prospectivas, dois eram estudos de caso‐controle e um era estudo transversal. Nenhuma informação de cálculo da amostra estava disponível em qualquer dos artigos e apenas um estudo foi feito no Brasil (Pernambuco). A tabela 1 resume as características do estudo de todas as publicações incluídas.
Características dos estudos incluídos sobre os fatores de risco associados aos desfechos da meningite bacteriana pediátrica
Fonte | Local | Estudo | Idade da coorte | n | Desfechos | Prevalência | Preditores independentes – OR (IC95%) | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 1993, Kilpi | Finlândia | Coorte retrospectiva – 1984 a 1989 | 3 m a 15a | 286 | Morte, anormalidades neurológicas e derrame subdural. | 3% / 15,7% / 8% | Longa duração da doença antes da hospitalização. |
2 | 1995, Kaaresen | Noruega, Tromso | Coorte retrospectiva – 1980 a 1993 | 1 ma 15a | 92 | Morte, sequelas posteriores (persistência por mais de um ano) – hidrocefalia, retardo mental, paralisia cerebral, déficits motores, ataxia, deficiência auditiva, transtorno convulsivo ou achados neurológicos focais. | 4,3% / 15,2% | Duração dos sintomas > 48h – OR 9,9(1,7‐56,6), convulsão antes da hospitalização – OR 11,2 (1,5‐84,7), temperatura na hospitalização > 38oC – OR 0,1 (0,02‐0,9), vasoconstrição periférica – OR 9,4 (2,0‐45,3), Leucócitos no LCR < 1000 x 106 – OR 4,7 (1,1‐21,0). |
3 | 1998, Chang | Taiwan | Coorte retrospectiva – 1989 a 1995 | 101 | Fatalidade precoce (primeiros 3 dias após a internação). | 23% | Acidose metabólica – OR 8,31 (2,48‐27,92), má perfusão cutânea – OR 28,72 (3,06‐268,88), contagem extremamente baixa de leucócitos no LCR – OR 14,63 (1,44‐187,14). | |
4 | 2002, Oostenbrink | Rotterdam, Países Baixos | Caso‐controle – 1988 a 1998 | 1m a 15a | 170 | Morte e sequelas neurológicas – surdez, perda auditiva leve, retardo mental grave com déficits locomotores, epilepsia, déficits locomotores leves, retardo mental leve. | 8,7% / 14% | Sexo masculino – OR 3,5 (1,2‐1,01), presença de convulsões atípicas – OR 5,7 (1,6‐20,3), temperatura corporal mais baixa – OR 0,5 (0,3‐0,7), meningite pneumocócica – OR 9,1 (1,5‐56,3). |
5 | 2005, Farag | Alexandria, Egito | Estudo de coorte prospectiva – 2002 a 2003 | 3m a 15a | 310 | Morte e epilepsia. | 13,9% / 7,1% | Escore de meningite da OMS 9 – OR 22,7 (18,3‐69,2), níveis de glicose noLCR, patógenos: H. influenzae, S. pneumonia e N. meningitides. |
6 | 2008, Roine | Multicêntrico | Estudo de coorte prospectiva | 654 | Morte, sequelas neurológicas graves, sequelas neurológicas mais leves. | 13% / 8% / 18% | Glasgow Coma Score – OR 3,67 (1,79‐7,53). | |
7 | 2009, Pelkonen | Luanda, Angola | Coorte retrospectiva – 2004 | 2m a 12a | 403 | Morte, sequelas neurológicas graves na alta hospitalar – cegueira, tetraplegia e/ou paresia, hidrocefalia necessitando de shunt, retardo psicomotor grave. | 33% / 25% | Alterações da consciência ‐ OR 2,61 (1,44‐4,72), dispneia grave – OR 2,42 (1,17‐5,03), convulsões ‐ OR 2,49 (1,36‐4,58), atraso do início dos sintomas – OR 3,73 (1,24‐11,26), febre prolongada, febre secundária, alteração prolongada da consciência, sinais neurológicos focais, foco extrameníngeo de infecção, desidratação. |
8 | 2011, Vasilopoulou | Atenas, Grécia | Coorte prospectiva | 1m a 14a | 2477 | Complicações agudas – artrite ou derrame subdural; Sequelas – perda auditiva grave, ventriculite, hidrocefalia, transtorno convulsivo (durante 3 meses de seguimento). | 6,8% / 3,3% | Idade < 1 ano no momento do diagnóstico – OR 18 (7,7‐42,3), convulsões na hospitalização – OR 5,36 (2,63‐10,90), duração dos sintomas > 24h – OR 2,1 (1,2‐3,8), ausência de rash hemorrágico, baixo nível de glicose e aumento de proteína no LCR, hemocultura positiva, meningite pneumocócica – OR 4,7 (2,5‐8,8). |
9 | 2012, Bargui | Paris, França | Coorte retrospectiva – Jan. 1995 a dez. 2004 | 1m a 18a | -- | Morte, déficit neurológico no momento da última visita de seguimento de 10 anos – perda auditiva, comprometimento motor, retardo de metal, epilepsia, distúrbios do sono, enxaqueca, distúrbios psiquiátricos. | 21% / 40% | Ventilação mecânica – OR 11,54 (2,4‐55,5), trombocitopenia – OR 2,06 (1,07‐6,08), idade mais jovem ao diagnóstico – OR 1,01 (1,01‐1,03), atraso do início dos sintomas até o início da terapia – OR 1,33 (1,05‐1,70), hidrocefalia na TC inicial da cabeça – OR 2,60 (1,12‐6,04). |
10 | 2013, Namani | Repúblicade Kosovo | Coorte retrospectiva – jan. 1997 a dez. 2002, jan. 2009 a dez. 2010. | Up to 16y | 354 | Sequelas persistindo durante o período de seguimento de 2‐3 anos – convulsões, surdez, comprometimento neuropsicológico, quadri/ hemiparesia, amaurose. | 10% | Idade ao diagnóstico (bebês) – OR 2,69 (1,62‐4,59). |
11 | 2013, Theodoridou | Athenas, Grécia | Coorte prospectiva – 1974 a 2005 | 1m a 14a | 2477 | Sequelas – transtorno convulsivo, perda auditiva grave, ventriculite e hidrocefalia. | 3,3% | Tratamento com Gentamicina, Trimetoprima/Sulfametoxazol, Cloranfenicol, meningite pneumocócica – OR 10,47 (3,24‐33,82), idade < 6 meses ao diagnóstico – OR 20,20 (5,55‐73,55). |
12 | 2013, McCormick | Blantyre, Malawi | Coorte retrospectiva – 1997 a 2010 | 2m a 15a | 784 | Morte, sequelas graves. | 28,7% / 26,2% | Diminuição da consciência – Morte OR 14,4 (9,42‐22,1)/sequelas OR 3,27 (2,02‐5,29), soropositividade para HIV – OR 1,65 (1,2‐2,26), meningite por Salmonella sp – OR 2,11 (1,06‐4,08), meningite pneumocócica – OR 1,84 (1,03‐3,29). |
13 | 2013, Namani | Repúblicade Kosovo | Coorte prospectiva – jan. 2009 a dez. 2010. | 1m a 16a | 77 | Complicações neurológicas – derrame subdural, convulsões recorrentes, hemiparesia, hemorragia intracerebral, cerebrite, paralisia do nervo facial, hidrocefalia, hematoma subdural, abscesso cerebral, empiema subdural e ventriculite purulenta. | 43% | Convulsões antes da hospitalização, estado mental alterado ou déficits neurológicos focais no momento da internação, aumento dos níveis de proteína, idade < 12 meses – RR 2,69 (1,62‐4,59). |
14 | 2014, Roine | Luanda, Angola | Análise descritiva post hoc – jul. 2005 a jun. 2008 | 2m a 12a | 553 | Risco de morrer muito rapidamente (0‐4 horas), rapidamente (4‐8 horas) ou após longos períodos. | 37% | Histórico de doença curta, choque, hipoglicemia – OR 4,47 (1,72‐11,6), resposta ruim das células brancas do líquido cefalorraquidiano – OR 4,46 (1,72‐11,5). |
15 | 2015, Corrêa | Pernambuco Brasil | Estudo retrospectivo de caso‐controle – jan. 2004 a dez. 2008. | 1m a 14a | 289 | Convulsão sintomática aguda | 23% | Estado mental prejudicado na hospitalização – OR 3,47 (1,66‐7,26), meningite pneumocócica – OR 4,55 (1,88‐11,0), baixa contagem de células no LCR (< 1000 células/mm3) – OR 2,14 (0,99‐4,60). |
16 | 2015, Olson | Guatemala | Coorte prospectiva – 2000 a 2007 | 0 a 59m | 383 | Morte, sobrevivência com morbidade maior – hidrocefalia, convulsões, derrame cerebral, paralisia do nervo craniano. | 23,7% / 27,3% | Convulsão – OR 101,5, glicose no LCR < 20mg/dL – OR 5,3, duração dos sintomas > 3 dias – OR 3,7, coma – OR 6,3. |
17 | 2016, Wee | Singapura | Coorte retrospectiva – 1998 a 2013 | 3 dias a 15a | 121 | Internação na UTI, sequelas residuais cinco anos após a meningite – perda auditiva neurossensorial, cegueira cortical, atraso no desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, paralisia cerebral ou outros déficits neuromotores, hidrocefalia, epilepsia, dificuldade alimentar necessitando de alimentação assistida. | 44% | Meningite pneumocócica – OR 5,2 (1,5‐18,2), leucopenia no hemograma inicial – OR 5,6 (1,7‐17,9), LCR: razão de glicose sérica < 0,25 – OR 4,5 (1,4‐14,4), meningite por Hib – OR 29,5 (2‐429), convulsões durante internação necessitando de medicamentos antiepilépticos – OR 10,6 (1,9‐60,2), choque séptico – OR 8,4 (1,1‐62,1). |
Foram avaliados 9.581 pacientes até 18 anos nos estudos incluídos e um grande número de fatores prognósticos potencialmente importantes foi apresentado. A prevalência de desfechos clínicos desfavoráveis, como sequelas ou óbito, variou entre 3 e 44%, com média aritmética calculada de 17,6%. As estimativas de prevalência de desfechos desfavoráveis incluíram dados de todos os estudos; no entanto, Chang et al.11 e Roine et al.12 não mencionaram as idades das crianças em suas coortes e Bargui et al.13 não mencionaram o tamanho da amostra e, portanto, foram excluídos desta análise. Os resultados da avaliação da qualidade são apresentados na tabela 2.
Resumo dos estudos considerando os fatores de risco associados ao desfecho da meningite bacteriana pediátrica
Avaliação de Qualidade | Qualidade | ||||||
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Estudos | Desenho do estudo | Viés metodológico | Inconsistência | Evidências indiretas | Imprecisão | Viés de publicação | |
Fatores de risco associados ao desfecho da meningite bacteriana pediátrica | |||||||
17 | 8 coortes prospectivas | Nenhuma limitação gravea | Grave inconsistênciab | Nenhuma evidência indireta importantec | Grave imprecisãod | Nenhum viés de publicação importantee | Muito baixaf |
6 coortes retrospectivas | |||||||
2 estudos de caso‐controle | |||||||
1 estudo transversal |
Embora os estudos apresentem diferenças metodológicas entre si e com base na questão Peco (Population, Exposure, Comparator, and Outcomes) da revisão, nenhuma evidência indireta importante foi observada.
O efeito absoluto (diferença entre os grupos exposto e não exposto) não foi calculado porque os estudos não apresentaram medidas de efeito.
A previsão precoce de um desfecho adverso pode ajudar a determinar quais crianças necessitam de um seguimento mais intensivo ou mais longo e pode fornecer ao médico a justificativa para o aconselhamento dos pais sobre o prognóstico de seu filho na fase inicial da doença. A idade, duração dos sintomas no momento do diagnóstico e sintomas/sinais sugestivos de gravidade clínica na hospitalização, como taquipneia, instabilidade hemodinâmica e acidose metabólica, mostraram‐se fatores prognósticos independentes na grande maioria dos estudos. Idade inferior a 12 meses no momento do diagnóstico foi considerada um fator de risco para complicações neurológicas precoces, como hidrocefalia, ventriculite, derrame subdural e artrite, e para sequelas em longo prazo, como distúrbio convulsivo e perda auditiva, por Vasilopoulou et al.2 e Namani et al.,5 que fizeram estudos de coorte com uma amostra muito significativa. A idade do paciente no momento do diagnóstico não foi associada à maior mortalidade, como seria esperado se o estado imunológico imaturo resultasse em infecções mais graves.5,8
Verificou‐se que a vasoconstrição periférica é um preditor independente de pior desfecho nos estudos de Chang e Kaanesen.11,14 Como essa condição é considerada um sinal mais precoce de comprometimento cardiovascular do que a pressão arterial em crianças, ela deve ser considerada um preditor valioso de desfechos piores. Aproximadamente dois terços das mortes prematuras em casos de meningite bacteriana pediátrica são resultado de choque séptico.11 Esse achado reforça a ideia de que a presença de sinais ou sintomas sugestivos de gravidade clínica no momento da internação hospitalar pode definir um desfecho pior, independentemente do tratamento instituído. Os principais sinais de gravidade avaliados no momento do atendimento inicial que posteriormente foram associados a sequelas ou óbito nos estudos analisados foram acidose metabólica [odds ratio (OR) 8,31 (intervalo de confiança de 95% (IC95%) 2,48‐27,92)] e má perfusão cutânea [OR 28,72 (IC95% 3,06‐268,88)] em um estudo de coorte retrospectivo com 101 pacientes feito por Chang et al.,11 alterações da consciência em quatro outros estudos [OR 3,67 (IC95% 1,79‐7,53),12 OR 2,61 (IC95% 1,44‐4,72),15 OR 14,4 (IC95% 9,42‐22,1)16 e OR 3,47 (IC95% 1,66‐7,26)17], e dispneia grave [OR 2,42 (IC95% 1,17‐5,03)] em uma coorte retrospectiva com 403 pacientes estudada por Pelkonen et al.15
O atraso desde o início dos sintomas até o início da terapia, que variou de 24 a 72 horas, foi independentemente associado à morte, derrame subdural e sequelas, tais como hidrocefalia, paralisia cerebral, deficiência auditiva e transtorno convulsivo, em seis estudos.2,3,13–15,18 Esses foram estudos de coorte desenvolvidos por Kilpi et al.,18 Kaaresen et al.,14 Pelkonen et al.,15 Vasilopoulou et al.,2 Bargui et al.13 e Olson et al.,3 com uma amostra de 3.641 pacientes. Em nossa opinião, esse achado pode estar diretamente associado à apresentação clínica e aos sinais e sintomas de gravidade, pois o atraso no tratamento permite o aumento da multiplicação bacteriana e maior fluxo de compostos bacterianos, leva a danos cerebrais ou choque séptico.
Pelkonen et al. fizeram um grande estudo de coorte em Angola com 403 pacientes e relataram que febres secundárias e prolongadas eram fatores de risco independentes para sequelas neurológicas graves na alta hospitalar, inclusive cegueira, tetraplegia ou paresia, hidrocefalia que necessitou de shunt e retardo psicomotor grave.15 Entretanto, febres secundárias e prolongadas não foram definidas e poderiam ser consideradas uma fonte de viés. Kaaresen et al. relataram em uma coorte retrospectiva menor, desenvolvida na Noruega durante 13 anos, que 42% de 92 pacientes desenvolveram febre secundária, definida como recorrência da febre após um período afebril de 24 horas ou mais durante a internação hospitalar; no entanto, nesse caso, a febre secundária não foi associada à morte ou a sequelas posteriores [OR 0,6 (IC95% 0,2–1,9)].14 Além disso, os autores não mencionaram se essa febre secundária ou prolongada determinou uma alteração no tratamento antibiótico (isto é, fármaco ou tempo) ou se estava associada a complicações supurativas, como derrame subdural, ventriculite purulenta, abscesso cerebral ou artrite, o que explicaria a diferença entre os resultados.
Foi observado que convulsões foram fatores independentes de risco para um desfecho pior, como morte, derrame subdural, hidrocefalia e transtorno convulsivo, em sete dos estudos. Entretanto, esse fator de risco potencial foi abordado de diferentes maneiras. Por exemplo, Kaaresen et al., Vasilopoulou et al., Namani et al. e Olson et al. especificaram que o risco de um desfecho pior estava associado à convulsão precoce que estava presente antes ou no momento da internação hospitalar.2,3,14,19 Para Wee et al., a internação na UTI ou sequelas residuais após cinco anos do episódio de meningite foram associadas ao desenvolvimento de convulsões durante a internação e necessitaram de drogas antiepilépticas [OR 10,6 (IC95% 1,9‐60,2)].20 Pelkonen et al. associaram convulsões a qualquer tempo – antes, durante ou após a admissão hospitalar – como um preditor independente de sequelas neurológicas graves [OR 9,34 (IC95% 3,49‐25,00)].15 Oostenbrik et al. encontraram uma associação entre morte, surdez e retardo mental com convulsões atípicas [OR 5,7 (IC95% 1,6‐20,3)].21 É importante ressaltar que, nesse estudo, os autores excluíram todos os casos de meningite por Haemophilus influenzae tipo B, que representaram quase 31% dos pacientes inicialmente selecionados. Essa estratégia de exclusão iria interferir não apenas com a prevalência de sequelas e letalidade, mas também com os fatores de risco identificados, especialmente quando comparados com estudos desenvolvidos antes da introdução da imunização rotineira de crianças contra esse patógeno.
A análise do risco associado ao organismo causador da meningite bacteriana foi difícil, porque a maioria dos estudos incluiu pacientes com achados laboratoriais e clínicos sugestivos de meningite, mas que não fizeram o isolamento do agente etiológico com testes microbiológicos ou moleculares.2,5,14,21–23 Além disso, estudos mais antigos avaliaram preditores independentes do prognóstico durante um período anterior à introdução de vacinas, o que modificou a epidemiologia dos agentes envolvidos na doença.24 Entretanto, a meningite pneumocócica foi identificada como um fator de risco independente para convulsão sintomática aguda, internação na UTI, complicações agudas, como derrame subdural, ventriculite e hidrocefalia, e sequelas graves, como perda auditiva e retardo mental ou morte, em sete dos estudos.16,17,19–22,24 Wee et al. fizeram um estudo retrospectivo de crianças menores de 18 anos hospitalizadas com meningite bacteriana aguda, com identificação positiva do organismo causador no líquido cefalorraquidiano. A análise multivariada mostrou que os fatores de risco associados à internação na UTI, usados como indicadores da gravidade da doença, incluíam o pneumococo como o organismo causador [OR 5,2 (IC95% 1,5‐18,2)].20 O único estudo brasileiro incluído nesta revisão, feito por Correa et al., avaliou apenas pacientes com meningite bacteriana com um organismo causador identificado a partir do líquido cefalorraquidiano ou hemocultura positiva. Esse estudo descobriu que pacientes com meningite pneumocócica tinham aproximadamente quatro vezes mais chances de desenvolver convulsões agudas [OR 4,55 (IC95% 1,88‐11,00)].12
Oostenbrink et al. desenvolveram um estudo de caso‐controle com 170 pacientes, entre um mês e 15 anos e encontraram uma incidência de meningite causada por Streptococcus pneumonia de 17%. Após uma análise multivariada pelo método stepwise, o patógeno S. pneumonia foi considerado um preditor independente de sequelas neurológicas, com OR de 9,1 (IC95% 1,5‐56,3). Entretanto, esse estudo tem duas limitações importantes: a inclusão de pacientes com irritação meníngea com aumento da contagem de leucócitos no LCR e cultura bacteriana negativa, atribuída ao uso de antimicrobianos antes da punção lombar, e a exclusão de casos de meningite causada por H. influenzae.21 Theodoridou et al. fizeram um estudo de coorte prospectivo com a maior amostra, que incluiu 2.477 pacientes entre um mês e 14 anos internados no Hospital Infantil Agia Sofia, em Atenas, de 1974 a 2005. A meningite pneumocócica foi um fator de risco independente para o desenvolvimento de transtorno convulsivo [OR 10,47 (IC95% 3,24‐33,82)], embora Oostenbrink et al. tenham incluído dados de pacientes com achados laboratoriais consistentes com meningite bacteriana aguda, sem isolar o patógeno (29,6%). A longa duração dessa coorte também contribui para o viés devido às diferenças na prevalência de patógenos após a introdução da vacina conjugada contra H. influenzae tipo b.22
A principal preocupação com a interpretação dos nossos achados é que eles são limitados pela qualidade da idade e heterogeneidade da literatura. Embora todos esses estudos tenham como objetivo principal a avaliação dos fatores prognósticos associados com a meningite em pacientes pediátricos, os desfechos avaliados são muito diferentes, variam de perda auditiva leve a complicações neurológicas graves, complicações supurativas ou morte. O tempo desses desfechos também varia muito. Alguns estudos avaliaram complicações apenas durante a hospitalização ou até a alta hospitalar,11,12,15,21,24 enquanto outros foram capazes de garantir o seguimento dos pacientes por longos períodos; por exemplo, Bargui et al. apresentam um seguimento médio dos pacientes por 10 anos após a alta hospitalar.5,13,14,19,20 Essa diferença no seguimento e avaliação dos desfechos também tem um impacto sobre as diferenças na prevalência de complicações encontradas nos diferentes estudos. A maioria dos estudos avaliou adequadamente os valores independentes dos preditores com análise multivariada para minimizar o viés. Apenas Kilpi et al., Namani et al. e Roine et al. não citam ajustes multivariados.12,18,19
Outra razão para possíveis diferenças entre os estudos são as diferentes populações estudadas. Embora todos os estudos tenham sido feitos sobre as características de crianças com meningite bacteriana, os casos foram selecionados com diferentes critérios de idade, tipo de patógeno ou gravidade da doença e diferentes definições de meningite bacteriana foram aplicadas. Finalmente, o pequeno número de pacientes com sequelas ou morte incluídos nesses estudos introduziria um importante viés, o que implica a necessidade de outros estudos se concentrarem nesses aspectos.
ConclusãoVários fatores prognósticos plausíveis e importantes são propostos para a previsão de piores desfechos após meningite bacteriana na infância. A evolução desfavorável e o diagnóstico tardio reduzem as chances de uma melhor evolução do paciente e reforçam a importância de uma alta suspeita diagnóstica de meningite, especialmente em quadros febris com sintomatologia inespecífica, quando um foco infeccioso claro não é identificado. A suspeita precoce e o tratamento antimicrobiano melhoram a chance de cura sem sequelas. A doença ainda apresenta alta letalidade e tem alta prevalência de sequelas associadas em sobreviventes, que variam de sequelas neurológicas leves, como perda auditiva parcial e déficits cognitivos leves, até sequelas neurológicas graves, como epilepsia e retardo mental ou morte, mesmo no era pós‐vacinação.
Outro fator prognóstico que demonstrou estar relacionado à gravidade foi o S. pneumoniae como patógeno causador, que apresentou maior ação patogênica do que as outras espécies bacterianas. Complicações neurológicas leves apresentaram prevalência variável e não foram avaliadas em todos os estudos, pois estavam associadas a dificuldades com os critérios diagnósticos, que exigiam seguimento ambulatorial especializado por período prolongado após a alta hospitalar. No entanto, essas complicações não devem ser negligenciadas, pois são responsáveis por grande parte das ocorrências em crianças.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Teixeira DC, Diniz LM, Guimarães NS, Moreira HM, Teixeira CC, Romanelli RM. Risk factors associated with the outcomes of pediatric bacterial meningitis: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2020;96:159–67.