To draw attention to the importance of interaction between caregiver and child during feeding and the influence of parenting style on dietary habit formation.
Source of dataA search was performed in the PubMed and Scopus databases for articles addressing responsive feeding; the articles considered most relevant by the authors were selected.
Synthesis of dataThe way children are fed is decisive for the formation of their eating habits, especially the strategies that parents/caregivers use to stimulate feeding. In this context, responsive feeding has been emphasized, with the key principles: feed the infant directly and assist older children when they already eat on their own; feed them slowly and patiently, and encourage children to eat but do not force them; if the child refuses many types of foods, experiment with different food combinations, tastes, textures, and methods of encouragement; minimize distractions during meals; and make the meals an opportunity for learning and love, talking to the child during feeding and maintaining eye contact. It is the caregiver's responsibility to be sensitive to the child's signs and alleviate tensions during feeding, and make feeding time pleasurable; whereas it is the child's role to clearly express signs of hunger and satiety and be receptive to the caregiver.
ConclusionResponsive feeding is very important in dietary habit formation and should be encouraged by health professionals in their advice to families.
Chamar a atenção para a importância da interação entre cuidador e criança durante a alimentação e a influência do estilo de parentalidade na formação do hábito alimentar.
Fontes dos dadosFoi feita busca nas bases de dados PubMed e Scopus de artigos que abordassem a alimentação responsiva e foram sido selecionados aqueles julgados mais relevantes pelos autores.
Síntese dos dadosO modo de alimentar as crianças é decisivo na formação do hábito alimentar, sobretudo as estratégias que os pais/cuidadores usam para estimular a alimentação. Nesse contexto, a alimentação responsiva tem merecido destaque, tem como princípios‐chave: alimentar a criança pequena diretamente e assistir as mais velhas quando elas já comem sozinhas; alimentar lenta e pacientemente e encorajar a criança a comer, mas não forçá‐la; se a criança recusar muitos alimentos, experimentar diferentes combinações de alimentos, de gostos, texturas e métodos de encorajamento; minimizar distrações durante as refeições; e fazer das refeições oportunidades de aprendizado e amor, falar com a criança durante a alimentação e manter contato olho a olho. Cabe ao cuidador a responsabilidade de ser sensível aos sinais da criança e aliviar tensões durante a alimentação, além de torná‐la prazerosa; enquanto é papel da criança expressar os sinais de fome e saciedade com clareza e ser receptiva ao cuidador.
ConclusãoA alimentação responsiva é muito importante na formação dos hábitos alimentares e deve ser incentivada pelos profissionais de saúde, que orientarão as famílias sobre como praticá‐la.
A alimentação infantil é um tema que nos últimos anos tem despertado grande interesse em várias áreas do conhecimento por envolver diferentes aspectos além dos nutricionais. O conhecimento das repercussões imediatas e de longo prazo de uma alimentação inadequada tem contribuído para a busca de melhor entendimento de como o hábito alimentar é formado e chamado a atenção para a importância das práticas alimentares nos primeiros anos de vida.1,2
Os hábitos alimentares são influenciados por inúmeros fatores de ordem genética, socioeconômica, cultural, étnica, religiosa, entre outros. Com início já no período gestacional, por meio do contato do feto com o líquido amniótico,3 a formação dos hábitos alimentares continua durante a infância, sobretudo nos primeiros 2‐3 anos de vida, e irá sofrer influência de diferentes fatores ao longo da vida: família, amigos, escola, mídia.4–7
Os lactentes, devido a sua imaturidade biológica, dependem totalmente de outras pessoas para se alimentar. Essas pessoas, especialmente as mães, por ser as principais cuidadoras das crianças, têm papel fundamental na construção do hábito alimentar infantil. Além de decidir o que as crianças irão comer, elas determinam como a criança será alimentada.4,6
A interação entre a mãe/cuidador e a criança durante o ato de alimentar/ser alimentado tem sido nos últimos anos foco de interesse em pesquisa, pois características do cuidador e de como ele se relaciona com a criança impactam diretamente na forma como a criança irá lidar com os alimentos. Nessa perspectiva, os hábitos de vida dos pais, os estilos parentais e a forma como eles interagem com seus filhos são importantes para a formação dos hábitos alimentares infantis.4,8,9
No contexto da alimentação infantil, a interação durante a refeição pode ter duas vertentes: positiva e negativa. A vertente positiva corresponde à alimentação do tipo responsiva, na qual, para Black & Aboud,10 “deve haver atenção e interesse na alimentação da criança; atenção aos seus sinais internos de fome e saciedade; a sua capacidade de comunicar suas necessidades com sinais distintos e significativos e a progressão bem‐sucedida para alimentação independente”. A vertente negativa, por sua vez, pode ser chamada de alimentação sem resposta, caracterizada por falta de reciprocidade entre o cuidador e a criança, pois a cada momento um dos dois atores envolvidos torna‐se dominador na situação alimentar, ou seja, ora o cuidador assume o controle e domina, ora a criança controla a situação; ou o cuidador ignora a criança.
Nesta revisão, o objetivo será mostrar como a interação entre cuidador e criança durante a alimentação e o estilo de parentalidade influenciam na formação do hábito alimentar.
Alimentação complementar: além dos aspectos nutricionaisOs hábitos alimentares nos primeiros anos irão repercutir de diferentes formas ao longo de toda a vida dos indivíduos. No primeiro semestre de vida recomenda‐se que a criança seja amamentada exclusivamente, pois durante esse período o leite materno é o único alimento capaz de atender a todas as necessidades nutricionais e emocionais do lactente, além de proporcionar intenso vínculo mãe‐filho. Além disso, especula‐se a existência de associação positiva entre duração do aleitamento materno exclusivo e consumo de dieta mais saudável em fases posteriores da infância.11
A partir dos seis meses, o uso exclusivo de leite materno não é suficiente, tendo em vista que as necessidades nutricionais da criança já não são mais alcançadas, é necessária a introdução gradual de outras fontes alimentares, por meio dos alimentos complementares.11,12 A duração da amamentação, cuja recomendação é de 2 anos ou mais, também parece influenciar hábitos alimentares futuros.11
Ultimamente, em todo o mundo, tem‐se observado maior incentivo à prática adequada de introdução dos alimentos complementares; porém, os avanços nesse sentido ainda são incipientes quando comparados, por exemplo, com a promoção da amamentação.13 Essa constatação é corroborada por estudos que mostram a alta prevalência de alimentação complementar inadequada, tais como, segundo o Comitê de Nutrição da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica:14 introdução precoce de alimentos, como o leite de vaca integral; alimentos com consistência inapropriada e baixa densidade calórica; baixa biodisponibilidade de micronutrientes; oferta insuficiente de frutas, verduras e legumes; contaminação no preparo e armazenamento dos alimentos; acréscimo de carboidratos simples ao leite; e oferta de alimentos industrializados ricos em carboidratos simples, lipídeos e sal, consumidos com frequência pela família.
Não há dúvidas de que uma alimentação saudável é fundamental na promoção de saúde da criança. Daí a necessidade de se analisarem os vários aspectos envolvidos na alimentação infantil, os quais vão determinar as práticas alimentares, que, por sua vez, são um reflexo de práticas sociais e culturais.7,15
A prática alimentar do lactente, caracterizada fundamentalmente pelo aleitamento materno e pela introdução de novos alimentos, sofre forte influência do contexto familiar. Nesse, a mãe tem papel predominante, por ser a principal responsável pelos cuidados com a criança. A forma como ela cuida do seu filho é determinante para a saúde desse e se relaciona com o seu grau de escolaridade, as informações recebidas acerca de saúde pelos profissionais e/ou mídia, o apoio social recebido, bem como a disponibilidade para cumprir o papel de cuidadora.2,15–18
Outro fator a ser considerado é a adequação dos alimentos – variedade, consistência, textura – bem como o uso de copo e colher, respeitar o desenvolvimento da criança. É importante estimulá‐la, a partir de certa idade, a se alimentar com as próprias mãos.19
Do ponto de vista da composição nutricional, não é recomendada a introdução de alimentos com altos teores de sal e açúcar refinado e excesso de gorduras saturadas, além dos industrializados, sobretudo os ultraprocessados e os considerados supérfluos, o que inclui os doces e as guloseimas. É consensual que a introdução de frutas, legumes e verduras no primeiro ano de vida contribui para a instalação de hábitos alimentares saudáveis.20,21
À medida que a criança cresce, ela define suas preferências alimentares; daí a importância de se estimular desde o início uma alimentação variada, adequada e que reflita a cultura alimentar regional.7,19,20
A família tem papel decisivo na forma como a criança irá aprender a se alimentar, sobretudo pelas estratégias que os pais/cuidadores usam para estimular a alimentação. O reconhecimento dos sinais de fome e saciedade e a compreensão acerca da capacidade de autocontrole da criança pequena em relação à ingestão alimentar contribuem para a formação de um comportamento alimentar adequado.2,15 Esse processo, como já foi dito, se inicia precocemente e se estabelece ao longo dos primeiros anos de vida.
A Organização Mundial da Saúde22 adota os seguintes princípios para a alimentação complementar saudável de crianças em aleitamento materno:
- 1.
Praticar aleitamento materno exclusivo do nascimento aos 6 meses de idade e, após, introduzir alimentos complementares, mas manter o aleitamento materno.
- 2.
Continuar com o aleitamento materno em livre demanda, frequente, até os 2 anos ou mais.
- 3.
Praticar alimentação responsiva, aplicar o princípio de cuidado psicossocial.
- 4.
Praticar boa higiene e manipulação apropriada dos alimentos.
- 5.
Iniciar aos 6 meses com pequenas quantidades de alimentos e aumentar a quantidade à medida que a criança cresce, mas manter amamentação frequente.
- 6.
Aumentar gradualmente a consistência e variedade à medida que a criança cresce, adaptar aos requerimentos e habilidades da criança.
- 7.
Aumentar o número de vezes que a criança é alimentada com alimentos complementares à medida que ela cresce.
- 8.
Alimentar com uma variedade de alimentos nutritivos para assegurar que todas as necessidades nutricionais sejam atingidas.
- 9.
Usar alimentos complementares fortificados ou suplementos vitamínicos para a criança, se necessário.
- 10.
Aumentar a ingestão de líquidos durante as doenças, incluindo aleitamento materno mais frequente, e encorajar a criança a comer alimentos prediletos, macios. Após a doença, oferecer alimentos com mais frequência que o habitual e encorajar a criança a comer mais.
Observa‐se que um dos princípios é dedicado ao modo de alimentar a criança, tal a importância que é dada a esse aspecto. A interação entre a pessoa que alimenta a criança e essa vai determinar se a alimentação é responsiva ou não e irá influenciar os hábitos alimentares e a relação da criança com os alimentos.
Interação entre pais (cuidadores) e filhos: o ato de alimentar e ser alimentadoA forma como se dá a interação entre pais/cuidadores e filhos nos primeiros anos de vida repercute positiva ou negativamente na nutrição e no crescimento e desenvolvimento cognitivo e social da criança.1,4,10,23,24
O comportamento e a interação que ocorrem durante o momento da refeição entre mãe‐filho/cuidador‐criança foi tipificado como responsivo, autoritário e passivo. Os dois últimos caracterizam a alimentação não responsiva. O estilo responsivo está mais associado à formação de práticas alimentares adequadas, assim como o desenvolvimento da autorregulação do apetite pela criança.25,26
A literatura atual sobre cuidado sensível e receptivo distingue a capacidade de resposta, em que a mãe/cuidador interpreta e responde aos sinais da criança, e de comportamentos ativos, em que a mãe/cuidador se concentra, estimula e incentiva a criança a agir.26 No contexto da alimentação, quando o cuidador apresenta capacidade de resposta e comportamento ativo, diz‐se que a alimentação é do tipo responsiva ou sensível, definida por Black & Aboud10 como a “reciprocidade entre a criança e o cuidador”. Nesse tipo de alimentação, a criança sinaliza por meio de movimentos, expressões faciais e vocalizações; o cuidador reconhece os sinais e responde prontamente sob a forma de apoio; a criança percebe que houve resposta aos seus sinais, estabelece‐se uma comunicação intermediada pela linguagem verbal e não verbal.
Alguns dos componentes da alimentação responsiva que são eficazes e estimulam a ingestão de alimentos e incluem: responder positivamente à criança com sorrisos, fazer contato visual e usar palavras de incentivo; alimentar a criança lenta e pacientemente, com bom humor; esperar a criança parar de comer e observar atentamente se a criança expressa sinais de saciedade; oferecer alimentos para que a criança possa se alimentar sozinha.27
É importante analisar o contexto em que a alimentação da criança ocorre, de modo a propiciar um ambiente prazeroso. Para isso, é necessário criar condições para que a criança desenvolva interesse em se alimentar, tais como: sentir‐se confortável; não haver distração; refeição servida em local adequado; cuidador plenamente envolvido no ato e, de preferência, em posição face a face com a criança; alimento saudável e com boa apresentação, de forma a permitir à criança distinguir diferentes sabores e texturas; alimentos saudáveis para todos quando a refeição é compartilhada.28
Dessa forma, pode‐se dizer que a interação alimentar é plena quando os envolvidos conseguem expressar os seus sinais e o outro os reconhecer. Para o cuidador ocorre quando ele alimenta a criança de forma bem‐sucedida e para a criança quando ela é capaz de ter autonomia alimentar, através da emissão de sinais que reflitam seus desejos, de forma clara, o que permite que ela própria regule o cuidado que recebe, constitui dessa forma uma vinculação altamente interativa.29 Mentro e col.30 descreveram os atributos essenciais de uma alimentação responsiva ótima por parte da criança. São eles: contato visual com o cuidador, como indicado pela abertura dos olhos e fixação do olhar no cuidador; expressão agradável de afeto ao cuidador, como evidenciado por sorriso; expressão de vocalizações agradáveis dirigidas para o cuidador, tal como evidenciado pela ausência de choro ou irritação; resposta motora às tentativas de alimentação, como evidenciado pela postura relaxada, movimentos tranquilos e moldagem ao corpo do cuidador. A existência desses atributos contribui para uma interação positiva entre cuidador/criança durante a alimentação da criança.
Outro aspecto que deve ser considerado é o compartilhamento das refeições. Nos dias atuais, é um desafio estimular as crianças para que, no fim do primeiro ano de vida, façam suas refeições junto com os demais membros da família e compartilhem do cardápio familiar, quando esse é adequado. A refeição familiar é um hábito que vem se tornando raro no mundo contemporâneo. Outro fato preocupante é observar que com frequência a criança e os adultos têm a sua atenção desviada durante a alimentação, por se alimentar assistindo televisão ou manuseando aparelhos eletrônicos. Isso contribui para que a sinalização da saciedade pela criança seja negligenciada. Além disso, sabe‐se que o estímulo de propagandas relacionadas a alimentos não saudáveis tem maior impacto quando veiculadas durante as refeições.2,20,31,32
A OMS22 elaborou quatro pontos‐chave para caracterizar os princípios da alimentação responsiva e enfatiza que o alimento da criança deve ser servido em prato separado, para que a mãe ou outra pessoa que esteja alimentando a criança possa ver o quanto de alimento ela está ingerindo. São eles:
- 1.
Alimentar a criança pequena diretamente e assistir as crianças mais velhas quando elas já comem sozinhas. Alimentar lenta e pacientemente e encorajar a criança a comer, mas não forçá‐la.
- 2.
Se a criança recusar muitos alimentos, experimentar diferentes combinações de alimentos, de gostos, texturas e métodos de encorajamento.
- 3.
Minimizar distrações durante as refeições se a criança perde interesse facilmente.
- 4.
Lembrar que a hora da alimentação deve ser períodos de aprendizado e amor –falar com a criança durante a alimentação, manter contato olho a olho.
Algumas pesquisas têm abordado as consequências da alimentação não responsiva, em que os cuidadores são poucos sensíveis e receptivos aos sinais da criança, o que gera falta de estímulo à alimentação. Isso ocorre quando os cuidadores assumem o controle da alimentação, não reconhecem ou valorizam os sinais emitidos pela criança em relação à fome e saciedade. Por outro lado, o cuidador pode se tornar negligente ou permitir que a criança domine a situação, por não entender ou valorizar as expectativas da criança.4,8,15,33
Quando a recusa da criança a se alimentar é entendida como uma rejeição e ela é obrigada a consumir a refeição, pode haver tensão e frustração, tanto para quem alimenta a criança quanto para ela. Nessa situação, cada um expressa um desejo que não é compreendido pelo outro, a criança perde sua autonomia e os pais se frustram por não concluírem a tarefa de alimentar o filho. Como consequência, a criança pode deixar de valorizar os seus estímulos internos de saciedade e perder o interesse em se comunicar com os pais. Esse fato também pode contribuir para um comportamento observado com relativa frequência e que se caracteriza pela reação negativa a experimentar novos sabores, a neofobia.7,15
Outro aspecto que merece ser mencionado é o fato de a alimentação não responsiva contribuir tanto para o rápido ganho de peso e, consequentemente, excesso de peso, seja na infância ou na idade adulta, como para a instalação de déficits nutricionais, se o cuidador não ficar atento para os sinais de fome e saciedade emitidos pela criança. Tem sido relatado que o cuidador de crianças menores de 2 anos responde melhor à sinalização da fome do que da saciedade.5,8,26,29,30
Um momento crítico em relação ao comportamento alimentar no primeiro ano de vida está associado à introdução de alimentos com maior consistência, especialmente os sólidos. Com frequência, as crianças inicialmente recusam os alimentos e os pais/cuidadores interpretam os sinais como expressão de “não gostar da comida”. Esse tipo de interpretação pode induzir o cuidador a oferecer alimentos de sua preferência, nem sempre adequados do ponto de vista nutricional.1 Daí a importância do apoio dos profissionais de saúde no sentido de esclarecer e informar as reações esperadas nesse momento e ajudar a superar as dificuldades.34 Em média, são necessárias no mínimo oito exposições a um alimento inicialmente rejeitado para que ele seja aceito pela criança.35
Estilos parentais no cuidado e alimentação infantilParentalidade é entendida como um conjunto de comportamentos que objetivam garantir a sobrevivência e o pleno desenvolvimento da criança, o que permite a ela maior segurança e autonomia. Não depende apenas de fatores individuais, pois sofre influência direta do meio sociocultural.10,29,36
Tornar‐se pai ou mãe pode ser um dos mais exigentes e desafiadores papéis sociais que os indivíduos encontram nas suas vidas, fato que leva a um conjunto de respostas, sejam comportamentais, cognitivas e emocionais, que exigem a adaptação para um novo padrão de vida.36
Em 1961, Recamier propôs, a partir do termo maternidade, o neologismo parentalidade. Porém, por mais de 20 anos esse termo ficou em desuso, reapareceu em 1985, quando René Clement definiu como “estudo dos vínculos de parentesco e dos processos psicológicos que se desenvolvem a partir daí [ressaltando que a parentalidade] necessita de um processo de preparação, até de aprendizagem”.37 A partir da sua definição, pode‐se entender que a parentalidade não é apenas a geração biológica de um filho e nem as representações sociais de ser pai ou mãe, mas é um processo complexo, dinâmico, integrador, consciente e, por vezes, inconsciente. Exige mudanças e adaptações que necessitam de investimento emocional, pois os pais devem conhecer, saber e desejar cuidar dos filhos.38
A necessidade de entender as questões do comportamento dos pais em relação aos filhos, seja no aspecto alimentar ou geral, tem estimulado novas abordagens quanto a essa temática.6,9,10,17,31,36
Há décadas, foi introduzido na literatura o conceito de estilos parentais.4 Nessa perspectiva, Gomide39 descreve os estilos parentais como um “conjunto de atitudes educativas que os cuidadores irão adotar com a criança, com o objetivo de educar, socializar e controlar”. Sete práticas educativas compõem o estilo parental: cinco estão relacionadas com o comportamento antissocial (negligência, violência física e psicológica, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria negativa) e duas ao desenvolvimento de comportamentos pró‐sociais (monitoria positiva e comportamento moral).
A primeira prática positiva diz respeito à atenção ao local onde o filho está e a atividade que exerce, bem como o apoio e afeto dado pelos pais. A segunda contempla as atitudes dos pais que transmitem justiça, responsabilidade, valores culturalmente aceitos que auxiliam no discernimento do certo e errado.
A prática negativa da negligência envolve ausência de atenção e afeto, falta de atenção dos pais às necessidades dos filhos, ausentam‐se assim da responsabilidade. A violência compreende o uso de ameaça, chantagem e castigos, sejam físicos ou morais. A terceira prática antissocial (disciplina relaxada) implica o não cumprimento das regras preestabelecidas. Os pais ameaçam, mas no momento de aplicação das regras cedem aos filhos. A quarta prática ocorre quando o humor dos pais interfere no comportamento para punir ou reforçar as atitudes dos filhos; assim, é o estado emocional dos pais que determina as ações educativas, e não as ações da criança. A monitoria negativa, por sua vez, compreende o excesso de regras e a fiscalização por parte dos pais e o não cumprimento delas pelos filhos, o que cria um clima de hostilidade e falta de diálogo.
Pode‐se assim constatar que o tipo responsivo ou não de alimentação adotado pelos pais está diretamente associado ao tipo de cuidado parental. Observa‐se que os estilos que parecem mais associados a prejuízos alimentares da criança são os que se relacionam a formas controladoras e/ou negligentes. Por outro lado, o estilo parental de apoio parece ser positivo, pois busca entender os sinais e desejos internos do filho e estimula sua integração com o meio social ao qual está inserido.7,31,36,40–43
Ao analisar em conjunto as práticas de socialização, responsividade materna e escolaridade e renda, percebe‐se que a educação e a condição geral de saúde materna são essenciais no processo de cuidado. Estudos mostram que quanto maior a escolaridade, maior a percepção acerca do desenvolvimento infantil e menos conflituosas as relações com os filhos, o que gera práticas menos punitivas, coercitivas e negligenciais. A baixa renda, a baixa escolaridade, a violência doméstica explicam a maior vulnerabilidade das famílias a não adotar um cuidado mais responsivo e atencioso.6,8,18,41,42
Considerações finaisNão só o que a criança come é importante, como também como, quando, onde e quem a alimenta. Cada vez mais tem sido dada a devida importância à interação entre a pessoa que alimenta a criança e ela. Essa interação deve resultar na chamada alimentação responsiva, cabe ao cuidador a responsabilidade de ser sensível aos sinais da criança e aliviar tensões durante a alimentação, além de fazer das refeições momentos agradáveis; enquanto é papel da criança expressar os sinais de fome e saciedade com clareza e ser receptiva às tentativas de alimentação.
A alimentação responsiva deve ser mais valorizada pela família, profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas em saúde. Aos profissionais de saúde cabe orientar as famílias como praticá‐la, o que exige deles ir além das questões mais gerais em relação à alimentação e procurar entender a inserção sociocultural da família e os aspectos psicossociais do cuidador para fazer uma orientação individualizada. Aos formuladores de políticas públicas cabe dar mais destaque ao modo de alimentar as crianças.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Silva GA, Costa KA, Giugliani ER. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr (Rio J). 2016;92(3 Suppl 1):S2–7.