The objective of the present study is to evaluate whether IL‐6, TNF‐α, IL‐10 are associated with nutritional status in patients with cirrhosis secondary to biliary atresia and compare to healthy controls.
MethodsThe parameters used for nutritional assessment were the standard deviation scores of height‐for‐age and of triceps skinfold thickness‐for‐age. The severity of cirrhosis was evaluated using the Child‐Pugh score and PELD/MELD. Serum cytokines were measured using Cytometric Bead Array flow cytometry.
ResultsIL‐6, TNF‐α, and IL‐10 were significantly higher in the cirrhosis group when compared with the control group 2.4 vs. 0.24 (p<0.001), 0.21 vs 0.14 (p=0.007), and 0.65 vs. 0.36 (p=0.004), respectively. IL‐6 and IL‐10 were positively correlated with disease severity (0.450 [p=0.001] and 0.410; [p=0.002], respectively). TNF‐α did not show a significant correlation with disease severity (0.100; p=0.478). Regarding nutritional evaluation, IL‐6 was negatively correlated with the standard deviation score of height‐for‐age (−0.493; p<0.001) and of triceps skinfold thickness‐for‐age (−0.503; p<0.001), respectively. IL‐10 exhibited a negative correlation with the standard deviation score of height‐for‐age (−0.476; p<0.001) and the standard deviation score of triceps skinfold thickness‐for‐age (−0.388; p=0.004). TNF‐α did not show any significance in both anthropometric parameters −0.083 (p=0.555) and −0.161 (p=0.253).
ConclusionThe authors suggest that, in patients with cirrhosis secondary to biliary atresia, IL‐6 could be used as a possible supporting biomarker of deficient nutritional status and elevated IL‐10 levels could be used as a possible early‐stage supporting biomarker of deteriorating nutritional status.
Avaliar se há associações entre a IL‐6, o TNF‐α, a IL‐10 e a estado nutricional em pacientes com cirrose secundária a atresia biliar e comparar com controles saudáveis.
MétodosOs parâmetros usados na avaliação nutricional foram desvio padrão de estatura para a idade e espessura da prega cutânea do tríceps para a idade. A gravidade da cirrose foi avaliada por meio da classificação de Child‐Pugh e do PELD/MELD. As citocinas no soro foram medidas por citometria de fluxo – técnica de Cytometric Bead Array.
ResultadosA IL‐6, o TNF‐α e a IL‐10 foram significativamente maiores no grupo de cirrose em comparação com o grupo de controle [2,4 em comparação com 0,24 (p<0,001)], [0,21 em comparação com 0,14 (p=0,007)] e [0,65 em comparação com 0,36 (p=0,004)], respectivamente. A IL‐6 e a IL‐10 demonstraram correlação positiva com a gravidade da doença (0,450; p=0,001) e (0,410; p=0,002), respectivamente. O TNF‐α não mostrou relevância na gravidade da doença (0,100; p=0,478). Com relação à avaliação nutricional, a IL‐6 demonstrou correlação negativa com o desvio padrão de estatura para a idade (−0,493; p<0,001) e o desvio padrão de espessura da prega cutânea do tríceps para a idade (−0,503; p<0,001), respectivamente. A IL‐10 demonstrou correlação negativa com o desvio padrão de estatura para a idade (−0,476; p<0,001) e o desvio padrão de espessura da prega cutânea do tríceps para a idade (−0,388; p=0,004), respectivamente. O TNF‐α não mostrou relevância em ambos os parâmetros antropométricos [(−0,083; p=0,555); (−0,161; p=0,253)].
ConclusãoAssim, sugerimos que, em pacientes com cirrose secundária a atresia biliar, IL‐6 pode ser usado como um possível biomarcador de suporte do estado nutricional deficiente e níveis aumentados de IL‐10 podem ser usados como um possível biomarcador de suporte, em fase inicial, de deterioração do estado nutricional.
A atresia biliar (AB) é uma colangiopatia idiopática infantil caracterizada pela obstrução total das vias biliares. Inflamação progressiva e a fibrose levam a cirrose biliar secundária na maioria dos pacientes.1,2 A cirrose, que representa o estágio terminal de muitas doenças hepáticas, é identificada histopatologicamente como um processo difuso de fibrose hepática e formação de nódulos.3 A progressão da cirrose leva a um fornecimento irregular de nutrientes, oxigênio e metabólitos.4,5 Essas alterações afetam a síntese de energia e o metabolismo, afetam o estado nutricional de pacientes com doença hepática.6 A patogênese da desnutrição na doença hepática é multifatorial e a possível etiologia é uma combinação de doenças como ingestão calórica reduzida resultante de anorexia e restrições alimentares, má absorção intestinal, anormalidades no metabolismo de macronutrientes e aumento das citocinas pró‐inflamatórias.6 De fato, a desnutrição é reconhecida como um fator associado a aumento da morbidez e mortalidade nos períodos pré e pós‐transplante de fígado.7 Crianças e adolescentes com doença hepática crônica apresentam aumento nas necessidades energéticas, correspondem a 120‐150% de sua necessidade estimada de energia (EER).8
As citocinas e os fatores de crescimento conhecidamente desempenham um importante papel na cirrose. A interleucina 6 (IL‐6) tem sido associada a pioria no estado nutricional em pacientes crônicos.9 Em pacientes com cirrose, foi descrita uma associação significativa do fator de necrose tumoral alfa (TNF‐α) e seus receptores com metabolismo energético, sugere que a ativação do sistema TNF‐α contribui para a síndrome da anorexia‐caquexia vista nesses pacientes.10 Por outro lado, a interleucina 10 (IL‐10) é uma citocina com propriedades anti‐inflamatórias e sua expressão na AB é controversa.11
A avaliação nutricional de pacientes com cirrose é prejudicada pela presença de organomegalia e edema e pela complexidade da interpretação dos parâmetros laboratoriais comumente usados para avaliar a nutrição, considerados anormais para doença hepática.8,12 A avaliação nutricional de crianças com cirrose é complicada pela presença de retenção de líquidos, hepatomegalia e esplenomegalia, as quais podem distorcer as medidas antropométricas.6 Considerando as associações entre as citocinas e o estado nutricional, eles podem ser biomarcadores indiretos para auxiliar na avaliação nutricional.
O objetivo deste estudo é avaliar se há associações entre a IL‐6, o TNF‐a, a IL‐10 e a situação nutricional em pacientes com cirrose secundária a AB.
MétodosDe dezembro de 2006 a dezembro de 2011, 53 crianças com cirrose secundária a AB e 33 crianças saudáveis, bem nutridas, e controles pareados por sexo e idade foram recrutados no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A idade dos participantes variou de 4 meses a 17 anos. Todos os participantes foram submetidos a avaliação do estado nutricional e concluíram um questionário destinado a coletar dados clínicos, alimentares e demográficos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O estudo segue as normas da Resolução 466/12 que regem pesquisa em humanos. O número CAEE é 0317.0.001.000‐10. Foi obtido o consentimento informado e por escrito dos pais ou responsáveis legais de todas as crianças e adolescentes participantes.
Grupo de cirroseFoi feita a cirurgia de Kasai em todos os pacientes. Dos 53 pacientes, quatro foram temporariamente submetidos a drenagem (dois com 4 meses e dois com 5 meses); contudo, todos eles apresentaram cirrose confirmada por biópsia feita em cirurgia. Com relação ao diagnóstico de cirrose, 39 (73,6%) foram submetidos a biópsia. O restante dos pacientes não apresentou doenças que os levassem a ser submetidos a um procedimento invasivo; mesmo assim, foram diagnosticados pela avaliação clínica, pelos testes bioquímicos e pelas alterações no ultrassom compatíveis com cirrose.
Os critérios de exclusão foram presença de qualquer outra doença (crônica ou aguda), infecção aguda, febre no momento da coleta de sangue, terapia antibiótica até 15 dias da coleta de sangue e terapia com esteroides. Todos os participantes receberam vitaminas A, D, E e K, minerais, antiácidos e inibidores da bomba de prótons, se necessário como parte do padrão de cuidado.
A gravidade da cirrose foi avaliada por meio da classificação de Child‐Pugh e dos escores da doença hepática terminal pediátrica (PELD) e do modelo para doença hepática terminal (MELD). Os pacientes foram categorizados em classe de Child‐Pugh A (doença leve), B (doença moderada) e C (doença grave). Para fins de uniformidade, as categorias B e C foram agrupadas. Os indivíduos de 12 anos ou menos também foram avaliados pelos escores PELD, ao passo que os participantes mais velhos foram avaliados por meio dos escores de MELD. Em ambos os casos, os valores mais elevados indicam doença mais grave.
Grupo de controleTodos os participantes atribuídos ao grupo de controle foram crianças e adolescentes saudáveis e bem nutridos, agendados para serem submetidos a coleta de sangue para verificações do bem‐estar das crianças ou procedimentos cirúrgicos menores. Os critérios de exclusão foram: nascimento prematuro, presença de quaisquer outras condições (crônicas ou agudas), dieta restritiva e uso de medicação (exceto ferro e vitaminas em doses profiláticas).
Avaliação do estado nutricionalEm ambos os grupos, o estado nutricional foi avaliado por meio de medidas antropométricas, obtidas conforme descrito no Curso de Formação em Avaliação do Crescimento Infantil da Organização Mundial de Saúde (OMS). O estado nutricional foi classificado com os escores de desvio padrão (EDP), de acordo com as Normas e Referência da OMS. Os parâmetros usados na classificação do estado nutricional foram estatura para a idade (H/A), espessura da prega cutânea do tríceps para a idade (TSF/A) e circunferência do braço médio‐superior para a idade (MUAC/A). O parâmetro do índice de massa corporal para a idade (IMC/A) foi usado para classificar os controles como bem nutridos (dados não mostrados). Os valores de EDP‐IMC/A fora dos limites de −2,0 e +2,0 para crianças abaixo de 5 anos e fora dos limites de −2,0 e +1,0 para crianças acima de 5 anos foram usados para definir boa nutrição no grupo de controle. Subnutrição no grupo de cirrose foi considerada quando EDP‐H/A e ou EDP‐TSF/A foram iguais ou abaixo de −2,0. Os mesmos parâmetros usados na avaliação individual do estado nutricional no grupo de cirrose foram usados para comparar os resultados da avaliação entre os grupos. O software Anthro da OMS, versão 3.0,13 foi usado para calcular os dados antropométricos para crianças abaixo de 5 anos, ao passo que os dados das crianças acima de 5 anos e adolescentes foram calculados no conjunto de softwares de Parâmetros Antropométricos AnthroPlus14 e Frisancho15 da OMS.
As dietas habituais dos participantes foram avaliadas por meio de um recordatório alimentar de três dias (dois dias da semana não consecutivos e um dia de fim de semana). Todos os recordatórios alimentares foram calculados no programa de computador Nutwin (versão 2.5). Após calcular a média de ingestão alimentar durante os três dias registrados, foi determinada a EER, considerando a idade, a estatura e o peso dos pacientes, de acordo com as recomendações de ingestão dietética de referência (IDR) e referência de ingestão diária (RID). Após analisar o registro alimentar de três dias, os pacientes que não atingiram a meta mínima de 120% das necessidades individuais recomendadas receberam complemento. Aqueles que não toleraram as necessidades energéticas oralmente receberam suplementação enteral e aqueles que não puderam se alimentar sozinhos receberam nutrição enteral exclusiva; 50 pacientes receberam alimentação oral (33,9% dos pacientes receberam complemento por fórmula hipercalórica); dois pacientes receberam nutrição enteral e um recebeu os dois (alimentação oral e enteral).
Quantificação de citocinasAs amostras de sangue foram coletadas em jejum de pelo menos três horas. O soro foi centrifugado por 10 minutos a 1.000g (4°C) e armazenado a −80°C para análise posterior.
A quantificação de IL‐6, IL‐10 e TNF‐α no soro foi analisada em duplicidade por citometria de fluxo – técnica de Cytometric Bead Array, de acordo com o protocolo do fabricante (BD Biosciences, EUA).
A avaliação dos biomarcadores foi feita juntamente com a avaliação nutricional, e não com a cirurgia de Kasai. A avaliação nutricional e a coleta de sangue foram feitas com um intervalo de no máximo uma semana.
Análise estatísticaAs variáveis são expressas como média±DP ou mediana. O teste de Kolmogorov‐Smirnov foi usado para avaliar a normalidade da distribuição de dados. As variáveis distribuídas normalmente foram comparadas por meio da análise de variância (Anova) e pelo teste t de Student. As variáveis assimetricamente distribuídas foram analisadas por meio dos testes de Kruskal‐Wallis e U de Mann‐Whitney. Os coeficientes de Spearman foram usados para testar a correlação. A análise de covariância (Ancova) foi usada para controlar os fatores de confusão entre as citocinas e os parâmetros nutricionais. Para isso, os parâmetros nutricionais foram estratificados em tercis e os níveis de citocina foram transformados em log para viabilizar o uso de um teste paramétrico. A raiz quadrada do eta quadrado foi usada para estimar o efeito do tamanho e interpretada com base na escala de Pearson. O nível de significância foi estabelecido em 5% para todas as análises.
ResultadosCaracterísticas geraisNão houve diferenças significativas entre os grupos em idade ou sexo. A maioria dos pacientes foi classificada como classe de Child‐Pugh A e apresentou escores de PELD/MELD abaixo de 15 (tabela 1).
Características gerais da cirrose e do grupo de controle
Características | Grupo de cirrose (n=53) | Grupo de controle (n=33) | p |
---|---|---|---|
Idade (meses) | 23,6 (8,4 a 87,5) | 28,6 (16,0 a 89,5) | 0,647a |
Sexo | 0,780b | ||
Masculino | 18 (34,0) | 13 (39,4) | |
Feminino | 35 (66,0) | 20 (60,6) | |
IL‐6 (pg/mL) | 2,40 (0,98 a 6,03) | 0,24 (0,18 a 0,56) | < 0,001a |
TNF‐α (pg/mL) | 0,21 (0,13 a 0,44) | 0,14 (0,12 a 0,16) | 0,007a |
IL‐10 (pg/mL) | 0,65 (0,36 a 1,79) | 0,36 (0,56 a 0,53) | 0,004a |
Escore de Child‐Pugh | |||
A | 31 (58,5) | ||
B+C | 22 (41,5) | ||
PELD n=46 | |||
<15 | 36 (78,3) | ||
≥15 | 10 (21,7) | ||
MELD n=7 | |||
<15 | 7 (100,0) | ||
≥15 | 0 (0,0) |
MELD, modelo para doença hepática terminal; PELD, doença hepática terminal pediátrica.
Os dados são expressos como n (%) ou mediana (intervalo interquartil).
Com relação ao quadro clínico da doença, todos os pacientes (100%) apresentaram esplenomegalia, sete (13,2%) ascite, 19 (35,8%) sangramento de varizes, 31 (58,5%) icterícia evidente e 38 (71,7%) trombocitopenia.
Estado nutricional e avaliação dietéticaOs parâmetros nutricionais de interesse e os resultados da avaliação nutricional são mostrados na tabela 2. Para avaliação da ingestão alimentar por meio da EER (%), os participantes foram divididos em quatro faixas etárias: 0‐2, 2‐5, 5‐10 e >10 anos. A mediana (intervalo interquartil) da EER (%) de cada faixa etária foi de 122 (97‐162), 106 (85‐128), 88 (77‐105) e 81 (63‐95). A avaliação nutricional revelou que a maioria dos pacientes no grupo de cirrose estava bem nutrida (69,2%).
Parâmetros e avaliação nutricionais
Características | Grupo de cirrose | Grupo de controle | pd | ||
---|---|---|---|---|---|
n | n (%) | n | n (%) | ||
EDP‐H/A | 53 | 33 | < 0,001 | ||
≤−2,00 | 16 (30,2)c | 0 (0,0) | |||
−1,99 a −1,01 | 17 (32,1)c | 2 (6,1) | |||
−1,00 a +1,00 | 18 (34,0) | 23 (69,7)c | |||
+1,00 a +1,99 | 2 (3,8) | 6 (18,2)c | |||
≥+2,00 | 0 (0,0) | 2 (6,1) | |||
EDP‐MUAC/A | 52b | 33 | < 0,001 | ||
≤−2,00 | 11 (21,1)c | 0 (0,0) | |||
−1,99 a −1,01 | 14 (26,9)c | 0 (0,0) | |||
−1,00 a +1,00 | 21 (40,4) | 31 (93,9)c | |||
+1,00 a +1,99 | 5 (9,6) | 2 (6,1) | |||
≥+2,00 | 1 (1,9) | 0 (0,0) | |||
EDP‐TSF/A | 52b | 33 | 0,002 | ||
≤−2,00 | 9 (17,3)c | 0 (0,0) | |||
−1,99 a −1,01 | 11 (21,2)c | 1 (3,0) | |||
−1,00 a +1,00 | 28 (53,8) | 30 (90,9)c | |||
+1,00 a +1,99 | 4 (7,7) | 2 (6,1) | |||
≥+2,00 | 0 (0,0) | 0 (0,0) | |||
Classificação nutricional (EDP‐H/A e EDP‐TSF/A)a | 52b | 33 | 0,002 | ||
Subnutrido | 15 (28,8)c | 0 (0,0) | |||
Bem nutrido | 36 (69,2) | 33 (100)c | |||
Sobrepeso | 1 (1,9) | 0 (0,0) |
EDP‐H/A, escore de desvio padrão da estatura para a idade; EDP‐MUAC/A, escore de desvio padrão da circunferência do braço médio‐superior para a idade; EDP‐TSF/A, escore de desvio padrão da espessura da prega cutânea do tríceps para a idade.
Os níveis das citocinas estudadas foram significativamente maiores no grupo de cirrose do que no grupo de controle (tabela 1). O escore de Child‐Pugh foi usado para correlacionar os níveis de citocina com a gravidade da cirrose. As correlações foram classificadas de acordo com o coeficiente de Spearman como fracas (< 0,3), moderadas (0,3‐0,59), fortes (0,6‐0,89) ou muito fortes (> 0,9).
Os escores de Child‐Pugh e os coeficientes de Spearman também foram usados para determinar se há correlações entre os parâmetros nutricionais e a gravidade da doença. Todos os parâmetros nutricionais de interesse foram moderadamente correlacionados com a gravidade da doença. A IL‐6 e a IL‐10 demonstraram correlação positiva com a gravidade da doença (0,45; p=0,001) e (0,41; p=0,002), respectivamente. O TNF‐α não mostrou significância (0,0; p=0,478). Com relação aos parâmetros antropométricos, o EDP‐H/A, SDS‐MUAC/A e EDP‐TSF/A mostraram uma correlação inversa com a gravidade da doença, respectivamente: −0,47 (p<0,001), −0,45 (p=0,001) e −0,43 (p=0,002).
Correlação entre as citocinas e os parâmetros nutricionaisOs coeficientes de Spearman revelaram correlação moderada, inversa, estatisticamente significativa dos parâmetros nutricionais de interesse com IL‐6 e IL‐10 (tabela 3).
Correlação entre as citocinas e os parâmetros nutricionais (coeficiente de Spearman)
Características | IL‐6 rs (valor de p) | IL‐10 rs (valor de p) | TNF‐α rs (valor de p) |
---|---|---|---|
EDP‐H/A | −0,493 (< 0,001) | −0,476 (< 0,001) | −0,083 (0,555) |
EDP‐MUAC/A | −0,320 (0,022) | −0,363 (0,008) | −0,129 (0,362) |
EDP‐TSF/A | −0,503 (< 0,001) | −0,388 (0,004) | −0,161 (0,253) |
EDP‐H/A, escore de desvio padrão da estatura para a idade; EDP‐MUAC/A, escore de desvio padrão da circunferência do braço médio‐superior para a idade; EDP‐TSF/A, escore de desvio padrão da espessura da prega cutânea do tríceps para a idade; rs, coeficiente de Spearman.
Para controlar possíveis variáveis de confusão, a análise de covariância (Ancova) foi feita para detectar se esses fatores permaneceram independentemente associados a citocinas. Dos três parâmetros nutricionais avaliados, apenas o EDP‐H/A permaneceu associado a citocinas após o ajuste para o escore de Child‐Pugh, idade e EER (%). Para melhor entender essa associação, o EDP‐H/A foi estratificado em tercis. Os resultados são mostrados na figura 1. As crianças classificadas no primeiro e segundo tercis mostraram maiores níveis de IL‐6 e IL‐10 do que aquelas classificadas no terceiro tercil.
Valores das citocinas estratificadas em tercis de estatura para a idade: a, valores de IL‐6 no soro; b, valores de IL‐10 no soro; c, valores de TNF‐α no soro.
As crianças classificadas no primeiro e segundo tercis mostraram maiores níveis de IL‐6 e IL‐10 do que aquelas classificadas no terceiro tercil, o que demonstra o comprometimento do estado nutricional (conforme representado pela estatura para a idade). A linha dentro da caixa representa a mediana. Os limites superiores e inferiores da caixa representam os percentis 25 e 75, respectivamente. As barras de erro superiores e inferiores representam os valores mínimos e máximos da amostra. Os asteriscos e círculos representam discrepantes.
¿2, eta quadrado; M, mediana (percentis 25 e 75); EDP‐H/A, escore de desvio padrão da estatura para a idade.
De acordo com os valores do eta quadrado, o EDP‐H/A explicou 15,4% e 19,7% da variabilidade nos níveis de IL‐6 e IL‐10, respectivamente, ao passo que o TNF‐α explicou apenas 3,6% (nenhuma relevância estatística).
DiscussãoNo presente estudo, correlacionamos o estado nutricional com as citocinas e a gravidade da doença. A literatura descreve que o um estado nutricional deteriorado aumenta a gravidade da doença, que, por sua vez, piora o estado nutricional.8 Com relação ao estado nutricional, todos os parâmetros antropométricos foram avaliados e estatisticamente analisados como escore z, recomendado pela OMS.13,14 Com relação à gravidade da cirrose, a análise estatística foi feita com o escore de Child‐Pugh (todos os pacientes) e PELD (crianças abaixo de 12 anos)/MELD (crianças acima de 12 anos e adolescentes). Os resultados foram semelhantes em ambos os escores. Assim, a escolha do escore de Child‐Pugh foi feita para padronizar a análise com apenas um escore, pois, devido à ampla faixa etária, teríamos de usar os dois escores juntos (PELD/MELD), o que reduziria a uniformidade. Para avaliar o consumo de alimentos, a escolha foi o uso da EER (obtida por meio de equações que consideram o gasto de energia, idade, sexo, peso, altura e nível de atividade física e suas fórmulas são diferentes para cada estágio da vida). A EER foi calculada individualmente e, após analisar o recordatário alimentar de três dias, foi possível verificar se os pacientes ingeriam o valor energético recomendado para cirrose.
A Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN) publicou recentemente um documento que redefiniu a desnutrição pediátrica e sugeriu a inclusão de citocinas pró‐inflamatórias como adjuvantes na avaliação nutricional.16 A IL‐6 é uma citocina que reflete o estado inflamatório de pacientes com doença hepática crônica e pode ser um possível marcador de progressão da doença.17 Na presente amostra, maiores níveis de IL‐6 foram encontrados em pacientes comparados com o grupo de controle (2,40 em comparação com 0,24pg/mL, p<0,001) e uma correlação moderada foi observada entre IL‐6 e a gravidade da doença (rs=0,45). Em uma publicação recente, nosso grupo já mostrou uma associação entre a IL‐6 e o estado nutricional em crianças e adolescentes com doença hepática crônica. Comparamos os pacientes pediátricos em risco nutricional com pacientes bem nutridos e os valores de IL‐6 foram maiores no primeiro grupo (7,12pg/mL em comparação com 1,63pg/mL; p=0,02).18 Apesar de as amostras em ambos os estudos diferirem (a amostra do presente estudo é constituída apenas de pacientes com cirrose por AB), os resultados são semelhantes, demonstram uma relação entre o estado nutricional e IL‐6. El‐Faramawy et al.1 avaliaram a IL‐6 em uma amostra de crianças mais novas (idade 17,8±4,8 meses) e constataram valores muito semelhantes aos nossos. Kobayashi et al.19 avaliaram a IL‐6 em outras crianças (idade 12,5±3,4 anos) e classificaram a função hepática por gravidade e sexo. Eles demonstraram que a citocina foi maior em pacientes com doença mais grave em todas as faixas etárias. Portanto, nossos resultados confirma o papel da IL‐6 como um possível biomarcador de suporte da gravidade da cirrose em crianças com cirrose secundária a AB.
O TNF‐α é considerado uma citocina pró‐inflamatória.20 Em pacientes adultos com câncer, ela comprovadamente reduz o apetite e a ingestão de alimentos.21 Apesar de o grupo de cirrose mostrar maiores valores de TNF‐α do que o grupo de controle (p=0,004), nossos achados não revelaram correção entre essa citocina e a gravidade da doença (p=0,478), nem qualquer parâmetro antropométrico. Os mesmos resultados foram demonstrados por Santetti et al.18 Em uma amostra de adultos, Shiraki et al.10 encontraram maiores valores em pacientes com cirrose em comparação com o grupo de controle (p<0,001), bem como em pacientes com doença mais grave (p<0,001). Nossos resultados podem ser explicados pelo fato de que nossa amostra foi composta, em grande parte, por pacientes com cirrose classe de Child‐Pugh A (e PELD/MELD abaixo de 15) e pela baixa prevalência de desnutrição (28,3%).
De acordo com Nelson et al., IL‐10 é uma citocina anti‐inflamatória com efeito protetor contra fibrogênese hepática e desempenha um importante papel na regulação da resposta imune.22 A variação nos níveis pode estar associada a polimorfismos no gene que codifica a IL‐10.23 Narayanaswamy et al. avaliaram essa citocina em pacientes com AB submetidos a portoenterostomia e não constataram diferença significativa nos níveis quando comparados com aqueles do grupo de controle (p=0,8); contudo, esses níveis foram maiores do que aqueles encontrados nos controles colestáticos (p=0,05).24 Em nossa amostra, o nível dessa citocina foi maior em pacientes com cirrose do que no grupo de controle (0,65 em comparação com 0,36pg/mL, p=0,004) e mostrou uma correlação moderada com a gravidade da doença (rs=0,41). Por outro lado, Jian et al.11 e Wu et al.25 avaliaram a IL‐10 em pacientes submetidos a portoenterostomia e não constataram diferença entre os pacientes e os controles.
Em nossos pacientes, os achados da avaliação antropométrica foram correlacionados com a gravidade da doença (tabela 3). Nossos achados são semelhantes àqueles relatados por Hurtado‐López et al., Saron et al., Elkabbany et al., que compararam TSF/A com a gravidade da doença em crianças com doença hepática crônica e constataram que o grau de deterioração da função hepática estava intimamente relacionado ao estado nutricional.26–28 Nossos dados refletem o fato de que a gravidade da doença leva a uma deterioração do estado nutricional; isso, por sua vez, piora a condição clínica do paciente. Portanto, é essencial que intervenções nutricionais sejam implantadas assim que identificado o risco nutricional em pacientes com AB.
Concordamos com Mehta et al. Eles sugeriram que a IL‐6 pode atuar como um indicador na pioria do estado nutricional em pacientes com doença crônica.9 Shiraki et al. sugeriram que a ativação do TNF‐α leva a um metabolismo anormal, o que contribui para o processo de desnutrição em adultos com cirrose.10 Nossos achados demonstraram uma correlação moderada da estatura com a IL‐6 e IL‐10 (fig. 1). Após dividir as medições de EDP‐H/A em tercis e comparar os valores de IL‐6 e IL‐10 em cada tercil, constatamos diferenças significativas no primeiro e no segundo tercis em comparação com o terceiro tercil. Isso demonstra que quanto maior o comprometimento do estado nutricional (conforme representado pela estatura para a idade), maior o nível de IL‐6 e IL‐10 (fig. 1). Assim, as crianças classificadas no primeiro e segundo tercis mostraram maiores níveis de IL‐6 e IL‐10 do que aquelas classificadas no terceiro tercil, o que demonstra o comprometimento do estado nutricional. Apesar de nossos achados terem mostrado correlação entre as citocinas e a gravidade da doença, alguns fatores devem ser considerados alterações no metabolismo hepático.
Monk et al., em uma publicação recente, estudaram a progressão do peso corporal em ratos desmamados alimentados com diferentes dietas;29 seus achados sugerem que os altos níveis de IL‐10 dependem do metabolismo alterado que ocorre com déficits nutricionais. Na prática, nossos resultados demonstram que o maior atraso no crescimento está associado aos níveis mais elevados de IL‐6 e IL‐10 e como a estatura é um indicador de desnutrição na população pediátrica, pode‐se concluir que as maiores concentrações de IL‐6 e IL‐10 estão associadas a pior desnutrição. Esses resultados confirmam o papel da IL‐6 como um indicador de pioria no estado nutricional e sugere que o nível de IL‐10 pode servir como um sistema de alerta da tentativa de o corpo superar o processo inflamatório que ocorre com a deterioração do estado nutricional. Considerando que há vários polimorfismos gênicos dessas interceulinas,30 estudos adicionais devem avaliar esses alelos nessa população.
O principal ponto forte de nosso estudo foi a análise prospectiva de um grupo de pacientes com uma etiologia homogênea de doença hepática. As limitações de nosso estudo foram: tamanho da amostra relativamente pequeno, limitado a pacientes que deram entrada em nosso hospital, e pequeno número de pacientes com doença grave. As recomendações para pesquisa adicional são reproduzir este estudo com uma amostra maior, inclusive mais pacientes e doenças graves.
Em conclusão, a IL‐6 pode ser usada como um possível biomarcador de suporte do estado nutricional deficiente e níveis aumentados de IL‐10 podem ser usados como um possível biomarcador de suporte, em fase inicial, de deterioração do estado nutricional em pacientes com cirrose secundária a AB.
FinanciamentoCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundo de Incentivo a Pesquisa (Fipe), Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente (PPG‐SCA).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Ao apoio e à ajuda fornecidos pelo Laboratório Experimental de Gastroenterologia e Hepatologia pelo Laboratório de Psiquiatria Molecular, Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Como citar este artigo: Wilasco MI, Uribe‐Cruz C, Santetti D, Fries GR, Dornelles CT, Silveira TR. IL‐6, TNF‐α, IL‐10, and nutritional status in pediatric patients with biliary atresia. J Pediatr (Rio J). 2017;93:517–24.
Estudo feito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós‐graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Porto Alegre, RS, Brasil.