To identify the age of introduction of ultra‐processed food (UPF) and its associated factors among preschool children.
MethodsCross‐sectional study carried out from March to June 2014 with 359 preschool children aged 17 to 63 months attending day‐care centers. Time until UPF introduction (outcome variable) was described by the Kaplan–Meier analysis, and the log‐rank test was used to compare the survival functions of independent variables. Factors associated with UPF introduction were investigated using the multivariate Cox proportional hazards model. The results were shown as hazard ratios with their respective 95% confidence intervals (HR [95%CI]).
ResultsThe median time until UPF introduction was six months. Between the 3rd and 6th months, there is a significant increase in the probability of introducing UPF in the children's diet; and while the probability in the 3rd month varies from 0.15 to 0.25, at six months the variation ranges from 0.6 to 1.0. The final model of Cox proportional hazards showed that unplanned pregnancy (1.32 [1.05–1.65]), absence of prenatal care (2.50 [1.02–6.16]), and income >2 minimum wages (1, 50 [1.09–2.06]) were independent risk factors for the introduction of UPF.
ConclusionUp to the 6th month of life, approximately 75% of preschool children had received one or more UPF in their diet. In addition, it was observed that the poorest families, as well as unfavorable prenatal factors, were associated with early introduction of UPF.
Identificar a idade e os fatores associados com a introdução de alimentos ultraprocessados (AUP) na alimentação de pré‐escolares.
MétodosEstudo transversal feito entre março e julho/2014 com 359 pré‐escolares de 17 a 63 meses matriculados em centros de educação infantil. O tempo até a introdução dos AUP (variável de desfecho) foi descrito por meio do estimador de Kaplan‐Meiere, o teste log‐rank usado para comparar as funções de sobrevida das variáveis independentes. Por fim, analisaram‐se os fatores associados à introdução de AUP por meio de modelo múltiplo de riscos proporcionais de Cox. Os resultados foram apresentados como hazard ratios com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (HR [IC95%]).
ResultadosA mediana de introdução de AUP foi de seis meses. Entre o terceiro e o sexto mês houve um incremento importante na probabilidade de introduzir AUP na alimentação das crianças; enquanto a probabilidade no terceiro mês varia entre 0,15 e 0,25, no sexto mês a variação ocorre de 0,6 e 1,0. No modelo final de riscos proporcionais de Cox identificamos que gravidez não desejada (1,32 [1,05‐1,65]), não feitura do pré‐natal (2,50 [1,02‐6,16]) e renda ≥ dois salários mínimos (1,50 [1,09‐2,06]) se apresentaram como riscos independentes para a introdução de AUP.
ConclusãoIdentificamos que até o sexto mês de vida aproximadamente 75% dos pré‐escolares já haviam recebido um ou mais AUP em sua alimentação. Além disso, observamos que as famílias mais pobres, bem como fatores pré‐natais desfavoráveis, se associaram com a introdução precoce de AUP.
Os primeiros mil dias de vida, contados desde a concepção até os dois anos, representam período fundamental para o pleno crescimento e desenvolvimento infantil, é reconhecido que nessa fase o aleitamento materno exclusivo (AME) até o sexto mês e a introdução adequada e oportuna de alimentos1 contribuem para promoção da saúde e das potencialidades físicas e mentais, traz benefícios que se perpetuam não apenas em curto prazo, mas também na vida adulta.2
A alimentação inadequada desde a primeira infância integra o ranking dos fatores de risco modificáveis para os agravos nutricionais com repercussão mundial no contexto da saúde pública: sobrepeso, obesidade, doenças crônicas associadas3,4 e carências nutricionais específicas,5 dentre as quais se destaca a anemia ferropriva, cuja prevalência global é de 47,4% entre os pré‐escolares.5 No Brasil, 7,8% dos pré‐escolares apresentam excesso de peso, o seu incremento percentual anual (1989‐2006) é superior na Região Nordeste (20,6%) quando comparado com o das demais regiões.6
Esse cenário decorre substancialmente do processo de mudanças no estilo de vida da sociedade contemporânea, que impulsionou alterações no padrão alimentar, caracterizadas pelo expressivo aumento do consumo de alimentos ultraprocessados (AUP), os quais, em decorrência de sua formulação e apresentação, tendem a ser consumidos em excesso e a substituir alimentos tradicionais.4,7
Tais alimentos apresentam elevada densidade energética, altos teores de açúcares livres, gorduras saturada e trans, sódio, além da baixa oferta de vitaminas e minerais, contribuem para o incremento do excesso de peso e suas comorbidades.3,4 Ademais, são caracterizados pelo extenso processamento industrial (que descaracteriza o alimento de origem) e inclusão de aditivos alimentares.7
Dessa forma, diversos pesquisadores têm‐se articulado na tentativa de compreender os fatores que contribuem para o consumo precoce e continuado de AUP em distintos cenários socioeconômicos,8–11 no intuito de subsidiar estratégias para controlar a tendência de consumo desenfreado.
Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar a idade e os fatores associados com o tempo de introdução de AUP na alimentação de pré‐escolares de centros de educação infantil (CEIs) em Maceió/AL.
MétodosDelineamentoEstudo transversal intitulado “Situação nutricional de crianças em creches públicas e ações de alimentação e nutrição na atenção básica: um enfoque intersetorial”, feito no sétimo distrito sanitário de Maceió/AL, caracterizado pela situação de maior vulnerabilidade socioeconômica do município.
A pesquisa ocorreu entre março e julho/2014 e foram incluídos os CEI (n=5) do sétimo distrito. Foram consideradas elegíveis para a pesquisa todas as crianças matriculadas nos CEI (n=366) que não apresentassem deficiências física/motoras e intelectuais. Dentre essas, apenas duas não foram recrutadas devido à recusa dos pais/responsáveis em autorizar a participação na pesquisa e outras cinco crianças cujos pais/responsáveis não compareceram à entrevista, que perfizeram 359 crianças de ambos os sexos, entre 17 e 63 meses.
As avaliações e entrevistas foram feitas por nutricionistas treinadas e supervisionadas e as informações obtidas foram inseridas no software Epi‐Info 7 (CDC, Atlanta, EUA), por meio de dupla digitação independente e posterior validação.
Variáveis estudadasA variável de desfecho foi o tempo até a introdução dos AUP na alimentação da criança, considerando a classificação proposta por Monteiro et al.,7 obtidas retrospectivamente por meio de questionário estruturado, construída a partir dos seguintes alimentos: caldo de carnes, embutidos, refrigerantes e sucos artificiais, bolachas com e sem recheio, queijo tipo petit‐suisse, espessantes industrializados, papinhas industrializadas, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, sorvetes, gelatinas, guloseimas (bala, pirulito e chocolate) e margarina. O “tempo para o evento” foi definido como o menor intervalo entre o nascimento e o mês em que um dos AUP listados anteriormente foi introduzido na alimentação da criança.
Quanto às variáveis independentes, foram selecionadas aquelas que descrevem características sociodemográficas (idadeda mãe, estado civil, renda familiar e acesso a serviços básicos de saneamento), antecedentes gestacionais (desejo pela gravidez, número de consultas pré‐natal, paridade e se teve licença maternidade), comportamentais (prática de aleitamento materno, uso de chupeta e mamadeira, características da alimentação complementar, percepção materna sobre se a alimentação da crianças fora do CEI é saudável e acesso a orientações sobre alimentação infantil) e biológicas (presença de anemia [hemoglobina < 11mg/dl] e excesso de peso [escore‐Z do índice de índice de massa corporal‐para‐idade>+ 2 DP]), as quais representam fatores importantes na análise nutricional de populações, especialmente quanto à relação do padrão alimentar no desenvolvimento da obesidade infantil.
Análise de dadosO banco de dados gerado foi convertido para o formato do Stata/IC 12.0 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA), no qual todas as análises foram conduzidas.
O tempo até a introdução dos AUP foi descrito por meio do estimador de Kaplan‐Meier, o qual possibilita identificar a probabilidade condicional acumulada do “evento” em função de determinado intervalo de tempo (S(t)). Contudo, a fim de melhorar a interpretação das análises e a visualização gráfica das curvas, o estimador foi usado como 1‐S(t), ou seja, o inverso da função de sobrevida acumulada ou função de falha acumulada. Adicionalmente, devido à baixa frequência de eventos entre 12 e 36 meses (n=10), as observações foram censuradas à direita aos 12 meses.
A comparação entre as funções de sobrevida de acordo com as variáveis independentes selecionadas foi feita por meio do teste log‐rank. Por fim, construiu‐se um modelo múltiplo de riscos proporcionais de Cox a partir das variáveis que apresentaram p<0,20 no teste log‐rank, ajustou‐se o modelo para idade na data do inquérito e sexo. O pressuposto de proporcionalidade dos riscos foi avaliado por meio do teste de Schoenfeld. O método de introdução das variáveis no modelo múltiplo foi o stepwise forward e os resultados apresentados como hazard ratios com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (HR [IC95%]).
Aspectos éticosEsta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (CAAE:18616313.8.0000.5013).
ResultadosForam coletados os dados de 359 pré‐escolares regularmente matriculados nos CEI do sétimo distrito sanitário de Maceió/AL. A idade média da população foi de 45,4 meses, com distribuição similar da frequência entre os sexos. Dentre os desvios nutricionais avaliados na data do inquérito, apenas o excesso de peso se destacou, apresentou prevalência de 7,6% (27/355) (tabela 1).
Características individuais, maternas e domiciliares de pré‐escolares frequentadores de centros de educação infantil de Maceió/AL, 2014
Características | na | x¯(SD) ou %b | Características | na | x¯(SD) ou%b |
---|---|---|---|---|---|
Idade (meses) | 358 | 45,4 (9,9) | Teve licença maternidade (%) | 359 | |
Sexo (%) | 359 | Sim | 25 | 7,0 | |
Masculino | 193 | 53,8 | Não | 75 | 20,9 |
Feminino | 166 | 46,2 | Desempregada | 259 | 72,1 |
Peso ao nascer (kg) | 329 | 3,21 (0,52) | Mãe vive com o pai da criança (%) | 282 | |
ZPI ao nascer (DP) | 329 | −0,24 (1,14) | Sim | 229 | 63,8 |
ZEI ao nascer (DP) | 277 | −0,14 (1,52) | Não (companheiro) | 30 | 8,4 |
ZPI no inquérito (DP) | 353 | −0,02 (1,15) | Não (sem companheiro) | 100 | 27,9 |
ZEI no inquérito (DP) | 355 | −0,14 (1,10) | Escolaridade materna (%) | 358 | |
Baixa estatura (ZEI<−2 DP) (%) | 356 | 3,9 | < 8 anos | 178 | 49,7 |
ZIMC no inquérito (DP) | 355 | 0,15 (1,24) | ≥ 8 anos | 180 | 50,3 |
Magreza (ZIMC<−2 DP) | 7 | 2,0 | Renda familiar (%) | 353 | |
Eutrofia (ZIMC±2 DP) | 321 | 90,4 | < 2 salários mínimos | 304 | 86,1 |
Excesso de peso (ZIMC>+2 DP) | 27 | 7,6 | ≥ 2 salários mínimos | 49 | 13,9 |
Hemoglobina (mg/dl) | 355 | 11,0 (1,38) | N° moradores | 359 | 4 (3‐5)b |
Hb < 11mg/dl | 157 | 44,2 | Recebe auxílio do governo (%) | 357 | |
Hb ≥ 11mg/dl | 198 | 55,8 | Sim | 270 | 75,6 |
Idade materna (anos) | 357 | 28,3 (6,75) | Não | 87 | 24,4 |
Consulta pré‐natal (%) | 358 | Local de moradia (%) | 359 | ||
Não | 7 | 2,0 | Própria | 163 | 45,4 |
Sim | 351 | 98,0 | Alugada | 157 | 43,7 |
N° consultas pré‐natal | 345 | 7 (6‐8)b | Cedida | 39 | 10,9 |
Gravidez desejada (%) | 357 | Coleta de lixo (%) | 357 | ||
Sim | 189 | 52,9 | ≤ 2x/semana | 50 | 14,0 |
Não | 168 | 47,1 | > 2x/semana | 307 | 86,0 |
Primeiro filho (%) | 359 | Rede de esgoto sanitário | 359 | ||
Sim | 115 | 32,0 | Sim | 173 | 48,2 |
Não | 244 | 68,0 | Não | 186 | 51,8 |
%, frequência; x¯, média; DP, desvio‐padrão; ZEI, escore‐Z de estatura‐para‐idade; ZIMC, escore‐Z de índice de massa corporal‐para‐idade; ZPI, escore‐Z de peso‐para‐idade.
Um terço da população estudada foi composta por primogênitos e embora o número de mães seja pequeno, todas aquelas que não fizeram pré‐natal apontaram a gravidez como indesejada. Ainda em relação às características maternas, 50,3% (180/358) das mães apresentaram mais de oito anos de estudo e aproximadamente 65% (229/282) vivem com o pai biológico da criança (tabela 1).
As condições socioeconômicas e de moradia da população estudada podem ser caracterizadas como de baixa renda, uma vez que 86% (304/353) vivem com menos de dois salários mínimos (SM)/mês – a mediana de moradores no domicílio foi de quatro indivíduos –, 75,6% (270/357) recebe alguma forma de benefício do governo e metade das famílias (186/359) vivia sem tratamento de esgoto adequado (tabela 1).
Na análise global, a mediana de introdução de AUP foi de seis meses. Contudo, é importante destacar que entre o terceiro e o sexto mês há um incremento importante na probabilidade de introduzir AUP na alimentação das crianças; enquanto a probabilidade no terceiro mês varia entre 0,15 e 0,25, no sexto mês a variação ocorre de 0,6 e 1,0 (tabela 2). Ainda, percebe‐se que esse aumento na probabilidade de introdução de AUP na alimentação da criança ocorre principalmente do quinto para o sexto mês; isso é possível de ser notado na tabela 2, quando se observa que, independentemente da variável selecionada, a mediana de introdução dos AUP é seis meses, mas a probabilidade é ∼0,75, ou seja, a probabilidade no quinto mês é <0,50. Na figura 1 estão apresentadas as curvas de Kaplan‐Meier de variáveis associadas com a introdução de AUP.
Mediana e probabilidade acumulada do tempo até a introdução de alimentos ultraprocessados entre pré‐escolares frequentadores de centros de educação infantil em Maceió/AL, 2014
Variável | Categoria | na | Mediana (meses) | Probabilidade de introdução de AUP | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 mês | 3 meses | 6 meses | 9 meses | 12 meses | pb | ||||
Introdução de AUP (global) | – | 338 | 6 | 0,047 | 0,240 | 0,752 | 0,885 | 0,991 | – |
Sociodemográficas | |||||||||
Idade da mãe | < 24 anos | 89 | 6 | 0,090 | 0,315 | 0,832 | 0,910 | 1,0 | 0,034 |
≥ 24 anos | 244 | 6 | 0,032 | 0,215 | 0,729 | 0,879 | 0,988 | ||
Escolaridade da mãe | < 8 anos | 166 | 6 | 0,048 | 0,265 | 0,747 | 0,874 | 0,988 | 0,706 |
≥ 8 anos | 172 | 6 | 0,047 | 0,215 | 0,756 | 0,895 | 0,994 | ||
Mãe vive com o paic da criança | Sim | 243 | 6 | 0,045 | 0,255 | 0,757 | 0,893 | 0,996 | 0,479 |
Não | 95 | 6 | 0,053 | 0,200 | 0,737 | 0,863 | 0,979 | ||
Renda | < 2 SM | 283 | 6 | 0,049 | 0,217 | 0,734 | 0,871 | 0,990 | <0,001 |
≥ 2 SM | 47 | 4 | 0,043 | 0,362 | 0,872 | 1,0 | 1,0 | ||
Recebe auxílio do governo | Sim | 254 | 6 | 0,032 | 0,232 | 0,756 | 0,878 | 0,992 | 0,533 |
Não | 82 | 6 | 0,085 | 0,256 | 0,744 | 0,915 | 1,0 | ||
Rede de esgoto sanitário | Sim | 163 | 6 | 0,049 | 0,307 | 0,785 | 0,902 | 0,994 | 0,016 |
Não | 175 | 6 | 0,046 | 0,177 | 0,720 | 0,869 | 0,989 | ||
Coleta de lixo | Sim | 290 | 6 | 0,048 | 0,252 | 0,769 | 0,890 | 0,99 | 0,140 |
Não | 47 | 6 | 0,043 | 0,149 | 0,638 | 0,851 | 1,0 | ||
Gestacionais | |||||||||
Gravidez desejada | Sim | 179 | 6 | 0,028 | 0,189 | 0,678 | 0,839 | 0,994 | < 0,001 |
Não | 155 | 6 | 0,071 | 0,295 | 0,840 | 0,942 | 0,994 | ||
Consulta pré‐natal | Sim | 329 | 6 | 0,048 | 0,233 | 0,749 | 0,885 | 0,994 | 0,004 |
Não | 6 | 3 | 0,000 | 0,667 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | ||
Primeiro filho | Sim | 108 | 6 | 0,046 | 0,241 | 0,750 | 0,889 | 1,0 | 0,784 |
Não | 230 | 6 | 0,048 | 0,239 | 0,752 | 0,883 | 0,987 | ||
Teve licença maternidade | Simd | 269 | 6 | 0,045 | 0,231 | 0,747 | 0,877 | 0,993 | 0,903 |
Não | 69 | 6 | 0,058 | 0,275 | 0,768 | 0,913 | 0,986 | ||
Comportamentais | |||||||||
Alguma vez amamentada | Sim | 316 | 6 | 0,041 | 0,218 | 0,753 | 0,896 | 0,994 | 0,743 |
Não | 22 | 3 | 0,136 | 0,546 | 0,727 | 0,727 | 0,955 | ||
Tempo de AME | ≤ 6 meses | 80 | 5 | 0,025 | 0,300 | 0,825 | 0,888 | 1,0 | 0,066 |
> 6 meses | 235 | 6 | 0,047 | 0,192 | 0,732 | 0,902 | 0,996 | ||
Uso de mamadeira | Sim | 174 | 6 | 0,063 | 0,282 | 0,793 | 0,891 | 0,994 | 0,023 |
Não | 163 | 6 | 0,031 | 0,196 | 0,712 | 0,883 | 0,994 | ||
Uso de chupeta | Sim | 65 | 5 | 0,077 | 0,385 | 0,754 | 0,846 | 0,985 | 0,308 |
Não | 272 | 6 | 0,040 | 0,206 | 0,734 | 0,897 | 0,996 | ||
Considera que a alimentação fora da creche é saudável | Sim | 287 | 6 | 0,045 | 0,230 | 0,742 | 0,878 | 0,993 | 0,025 |
Não | 50 | 5 | 0,060 | 0,300 | 0,820 | 0,940 | 1,0 | ||
Consistência da alimentaçãoe | Inadequada | 117 | 6 | 0,051 | 0,222 | 0,829 | 0,923 | 1,0 | 0,187 |
Adequada | 218 | 6 | 0,046 | 0,252 | 0,720 | 0,876 | 1,0 | ||
Recebeu orientações sobre a alimentação infantil | Sim | 143 | 6 | 0,028 | 0,231 | 0,748 | 0,930 | 0,993 | 0,588 |
Não | 194 | 6 | 0,062 | 0,247 | 0,758 | 0,856 | 0,995 | ||
Biológicas | |||||||||
Anemiaf | Sim | 150 | 6 | 0,047 | 0,240 | 0,713 | 0,860 | 0,980 | 0,191 |
Não | 184 | 6 | 0,044 | 0,239 | 0,783 | 0,902 | 1,0 | ||
Excesso de pesog | Sim | 26 | 6 | 0,115 | 0,231 | 0,615 | 0,846 | 1,0 | 0,310 |
Não | 308 | 6 | 0,039 | 0,240 | 0,766 | 0,890 | 0,990 |
AME, aleitamento materno exclusivo; AUP, alimentos ultraprocessados; SM, salário mínimo.
No modelo final de riscos proporcionais de Cox, identificamos que a gravidez indesejada (1,32 [1,05‐1,65]), a não feitura do pré‐natal (2,50 [1,02‐6,16]) e a renda ≥ 2SM (1,50 [1,09‐2,06]) representaram riscos independentes para a introdução precoce de AUP na alimentação dos pré‐escolares (tabela 3).
Análises simples e múltipla dos riscos proporcionais de Cox para a introdução de alimentos ultraprocessados entre pré‐escolares frequentadores de centros de educação infantil de Maceió, Alagoas–2014
Variável | Categoria | Simples | Múltipla | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
HR | IC95% | p | HRa | IC95% | p | ||
Idade da mãe | < 24 anos | 1,24 | 0,97‐1,57 | 0,091 | |||
≥ 24 anos | 1 | ||||||
Gravidez desejada | Não | 1,41 | 1,13‐1,75 | 0,002 | 1,32 | 1,05‐1,65 | 0,016 |
Sim | 1 | 1 | |||||
Consulta pré‐natal | Não | 2,76 | 1,22‐6,22 | 0,014 | 2,50 | 1,02‐6,16 | 0,045 |
Sim | 1 | 1 | |||||
Renda | ≥ 2 SM | 1,58 | 1,16‐2,17 | 0,004 | 1,50 | 1,09‐2,06 | 0,014 |
<2 SM | 1 | 1 | |||||
Rede de esgoto sanitário | Sim | 1,23 | 0,99‐1,53 | 0,057 | |||
Não | 1 | ||||||
Coleta de lixo | Sim | 1,20 | 0,88‐1,63 | 0,247 | |||
Não | 1 | ||||||
Tempo de AME | ≤ 6 meses | 1,21 | 0,93‐1,56 | 0,150 | |||
> 6 meses | 1 | ||||||
Uso de mamadeira | Sim | 1,22 | 0,98‐1,51 | 0,073 | |||
Não | 1 | ||||||
Considera que a alimentação fora da creche é saudável | Não | 1,32 | 0,98‐1,79 | 0,071 | |||
Sim | 1 | ||||||
Consistência da alimentação | Inadequada | 1,13 | 0,90‐1,41 | 0,298 | |||
Adequada | 1 | ||||||
Anemia | Não | 1,12 | 0,90‐1,39 | 0,300 | |||
Sim | 1 |
AME, aleitamento materno exclusivo; HR, hazardratio; IC95%, intervalo de confiança de 95%; SM, salário mínimo.
O propósito deste artigo foi analisar a idade de introdução de AUP na alimentação de pré‐escolares matriculados em CEI da região de maior vulnerabilidade social da capital de Alagoas. As características antecedentes ao nascimento da criança e econômicas se apresentaram como fatores importantes na decisão de introduzir precocemente AUP; além disso, identificamos que o período crítico para a introdução destes alimentos ocorreu entre o terceiro e o quinto mês de vida.
Outro aspecto importante a ser destacado é que esse foi o primeiro artigo a analisar a introdução de AUP por meio do estimador de Kaplan‐Meier e do modelo de riscos proporcionais de Cox, os quais, dentro desse contexto, haviam sido usados apenas para análise da interrupção parcial ou total do aleitamento materno. Identificamos na literatura abordagens similares, contudo focamos no tempo para a introdução da alimentação complementar como um todo, sem especificar um grupo de alimentos reconhecidamente deletérios para saúde, como é o caso das análises feitas por Boudet‐Berquier et al.12 Portanto, no presente artigo foi possível identificar objetivamente o início de um comportamento alimentar considerado não saudável, o que viabiliza o planejamento de ações para a alteração desse fator de risco modificável.
Por outro lado, apontamos como principal limitação de nosso estudo o viés recordatório, inerente às pesquisas transversais, quanto à informação sobre a introdução de AUP na alimentação dos pré‐escolares enquanto ainda lactentes, o qual poderia ocorrer de forma diferencial em função da amplitude da idade das crianças estudadas (17 a 63 meses). Todavia, mesmo que a acurácia da informação seja inferior àquelas coletas prospectivamente, essa limitação é minimizada pela proximidade entre evento de interesse e a idade da criança no inquérito.
A construção dos hábitos alimentares se inicia nos primeiros dois anos de vida, tem profundo impacto nos anos subsequentes, uma vez que é nesse período que crianças descobrem as características sensoriais (textura, sabor e aroma), nutricionais (autorregulação do consumo a partir da densidade energética dos alimentos) e comportamentais (definição dos horários e do ambiente) relativas aos alimentos e o hábito de se alimentar.13 Atualmente, é consenso que AUP devem ser evitados nos primeiros anos de vida e consumidos com restrição em todas as outras fases, pois contribuem para o aumento significativo do aporte energético diário, devido seu conteúdo excessivo de açúcares refinados e gordura saturada; além disso, têm densidade elevada de sódio e aditivos alimentares e reduzida de micronutrientes e fibras alimentares.14
O consumo elevado e crônico desse grupo de alimentos traz consequências clínicas e bioquímicas à saúde infantil em curto prazo, como obesidade e alterações no perfil lipoproteico, representa risco precoce para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis.15 Estudo feito por Pan et al.,11 com crianças americanas acompanhadas desde o último trimestre gestacional até os seis anos, demonstrou que a chance de a criança se tornar obesa era 92% maior naquelas que consumiram bebidas açucaradas no primeiro semestre de vida em comparação com as que não ingeriram. Na mesma perspectiva, Rauber et al.15 evidenciaram associação entre o consumo desses alimentos e elevação dos níveis de colesterol total e LDL da pré‐escola até a idade escolar.
Outro aspecto que não pode ser negligenciado nesse panorama é o impacto negativo sobre a cultura (desvalorização das práticas alimentares locais e a relação da população com os alimentos), a vida social (perda dos aspectos da comensalidade e do repartir das refeições, uma vez que os produtos são de consumo individual e podem ser consumidos em qualquer local, desfaz‐se a necessidade de dedicar um período para viver a experiência social da alimentação) e o ambiente (ameaça sobre a sustentabilidade do planeta, desde a produção e o descarte das embalagens, passando pelas extensas monoculturas dependentes de sementes transgênicas, do uso agressivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos e de água, até as cadeiras de distribuição logísticas, o que aumenta os níveis de poluição devido à escassez de sistemas de transportes com alta eficiência energética).15,16
Por mais que estejam claros os malefícios associados a esse comportamento alimentar, tal situação parece não estar perto de ser solucionada tanto no Brasil quanto no resto do mundo, uma vez que tendências mundiais indicam a disseminação de AUP na sociedade, sobretudo entre o público infantil, em distintos cenários geográficos e socioeconômicos.9–12
Numa análise ecológica, Moodie et al.17 compilaram tendências na aquisição de AUP em países de diferentes situações econômicas, revelaram crescimento anual do volume per capita consumido equivalente a 2,0% nos países de baixa e média renda e 1,4% nos de alta renda entre 1997 e 2009; em decorrência desse aumento, 75% da venda de alimentos mundialmente é constituída por alimentos processados ou ultraprocessados, 1/3 desde mercado é controlado por corporações transnacionais. No Brasil, as principais empresas/conglomerados envolvidas com a produção e venda desses alimentos, até para crianças, são Nestlé, Brasil Foods, Kraft Foods, Unilever e Danone.17
Para o enfrentamento desse panorama, a literatura destaca como estratégia potencial a implantação de impostos para alimentos não saudáveis e subsídios em alimentos considerados saudáveis.18 Tem‐se como exemplo a Hungria, que implantou imposto sobre alimentos ricos em açúcar, sódio ou cafeína, a França, que aplicou imposto sobre refrigerantes, e a Finlândia, em alimentos de confeitaria.19 O México, que tem a segunda taxa mundial de obesidade, implantou impostos sobre bebidas adoçadas e alimentos ricos em gordura saturada, açúcar e sódio.20
Complementarmente, é necessário concentrar‐se em esforços para aumentar a disponibilidade de frutas e vegetais, dispor de pontos de venda em pequenos e grandes centros, inclusive bairros periféricos, o que favorece a aquisição de alimentos perecíveis com maior frequência.21 No Brasil, não dispomos de tributação ou precificação de alimentos ou desestímulo ao consumo de AUP.
Portanto, considerando as consequências biológicas, sociais e econômicas do consumo precoce e continuado de AUP, é urgente que profissionais da saúde envolvidos na atenção básica se mobilizem em relação a essa problemática, adicionem o cuidado com a alimentação da criança ao repertório de orientações durante o pré‐natal e o puerpério.1,22 É importante salientar que, dentro desse contexto, o potencial efeito benéfico do aleitamento materno na manutenção do ganho de peso saudável e na prevenção do excesso de peso pode ser mitigado na presença de um padrão alimentar não saudável.6,23
Dentre as variáveis associadas à introdução dos AUP, identificamos como mais relevantes aquelas relacionas ao acesso ao pré‐natal, ao desejo de engravidar e à renda familiar.
Embora se observe aumento na cobertura da assistência pré‐natal no Brasil desde a década de 1990,24 persistem as iniquidades no acesso aos serviços de saúde, verifica‐se que mulheres com menor escolaridade, renda, assim como as residentes nas regiões Norte e Nordeste, têm menor acesso à assistência pré‐natal.25 Como consequência, a partir de dados de uma coorte de nascimento do Recôncavo Baiano/BA, observou‐se que na ausência do pré‐natal houve aumento em 173% do risco de diminuir a duração do AME e em 38% quanto à descontinuidade do aleitamento materno.
No que concerne à condição socioeconômica, achados similares aos nossos foram constatados em uma coorte em Diamantina/MG. Concluiu‐se que os filhos de mães com maior renda per capita (> 1/2 SM) apresentaram o dobro de chance, quando comparados com os das de menor renda, de consumir alimentos não saudáveis mais frequentemente.26 Contudo, vale a relativização em função do contexto geográfico e social do papel da renda elevada no consumo de alimentos não saudáveis, pois na comparação entre famílias afluentes e de baixa renda o consumo foi significativamente maior dentre os mais ricos;23 assim, dentro de grupos com menor poder aquisitivo, quanto maior a renda, maior será o consumo. Contudo, essa afirmação não se faz verdadeira na comparação entre classes econômicas bem distintas.
A interpretação e o uso dos resultados devem ser feitos com parcimônia e considerar a natureza multifatorial do processo de formação do comportamento alimentar – o que reflete na magnitude das associações observadas no modelo múltiplo de Cox. No caso da associação entre gravidez indesejada e a introdução precoce de AUP, tem‐se essa variável como fator negativo para desfechos de saúde,27,28 sugere‐se assim sua relação com o desinteresse materno por informações relativas ao cuidado da criança, nesse contexto, sobre a alimentação adequada e saudável. Por outro lado, essa pergunta apenas corresponde à intenção inicial da mãe, e não à manutenção dessa reação diante da gestação; alternativamente, a mulher pode não ter desejado a gravidez, contudo não implica o recebimento negativo dessa nova condição por ela e pela família.
Assim, dentro de um panorama de elevada vulnerabilidade socioeconômica, nossas análises sugerem que o acesso a serviços de saúde (consultas pré‐natal) tem papel importante no retardo da introdução de AUP, o que pode estar diretamente relacionado com o aumento da duração do AME. Adicionalmente, a variabilidade do IC95% pode fornecer outra leitura do fenômeno, apontar, por exemplo, o efeito não apenas do acesso, mas também da qualidade do pré‐natal. Desse modo, destacamos a relevância do contato humanizado pelos profissionais de saúde com a gestante, identificamos a percepção dela sobre a gestação, a fim de proporcionar integralidade no cuidado.
Por fim, em estudo caso‐controle feito em Maceió, observou‐se que crianças cujas mães eram acompanhadas pela Atenção Básica do Sistema Único de Saúde apresentavam mediana do escore de consumo de alimentos industrializados significativamente maior do que aquelas acompanhadas em clínicas particulares. Contudo, essa diferença não se dá necessariamente pela qualidade do serviço prestado (a qual não temos dados para avaliar), mas provavelmente pelo abismo social existente no município, refletido nas diferenças entre o nível de escolaridade dos responsáveis pela criança, renda familiar e vulnerabilidade a influências midiáticas.29
Diante dos objetivos de nosso estudo, concluímos que a mediana de introdução dos AUP foi de seis meses. Contudo, até essa idade ∼75% dos pré‐escolares já haviam recebido um ou mais AUP em sua alimentação. Além disso, observamos que a gravidez não planejada, a não feitura de consulta pré‐natal e a renda familiar<2 SM se associou com a introdução precoce de AUP na alimentação de pré‐escolares frequentadores de CEI de Maceió/AL. Portanto, nossos resultados se alinham com o crescente corpo de evidências que indicam o período pré‐natal como momento oportuno para estratégias de educação alimentar e nutricional que visem não apenas ao prolongamento do tempo de aleitamento materno, mas também à introdução da alimentação complementar saudável e adequada.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), processo n° 60030000692/2013.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Longo‐Silva G, Silveira JA, Menezes RC, Toloni MH. Age at introduction of ultra‐processed food among preschool children attending day‐care centers. J Pediatr (Rio J). 2017;93:508–16.
Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Faculdade de Nutrição (Fanut), Programa de Pós‐Graduação em Nutrição, Maceió, AL, Brasil.