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Vol. 93. Núm. 6.
Páginas 632-638 (novembro - dezembro 2017)
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Vol. 93. Núm. 6.
Páginas 632-638 (novembro - dezembro 2017)
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Do infants with cow's milk protein allergy have inadequate levels of vitamin D?
Lactentes com alergia à proteína do leite de vaca apresentam níveis inadequados de vitamina D?
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Cristiane M. Silvaa,
Autor para correspondência
cris.marrocos@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Silvia A. da Silvaa, Margarida M. de C. Antunesb, Gisélia Alves Pontes da Silvac, Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinhoc,d, Katia G. Brandtb
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Recife, PE, Brasil
b Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento Materno‐Infantil, Serviço de Gastroenterologia Pediátrica HC‐UFPE, Recife, PE, Brasil
c Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento Materno‐Infantil, Programa de Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Recife, PE, Brasil
d Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Departamento Materno‐Infantil, Serviço de Alergologia e Imunologia HC‐UFPE, Recife, PE, Brasil
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Tabela 1. Características socioeconômicas e biológicas dos lactentes com APLV e do grupo controle atendidos ambulatorialmente em hospital universitário, Recife‐PE (2013‐2015)
Tabela 2. Status da vitamina D dos lactentes com APLV e do grupo controle em relação à prática alimentar, atendidos ambulatorialmente em hospital universitário, Recife–PE (2013‐2015)
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Abstract
Objective

To verify whether infants with cow's milk protein allergy (CMPA) have inadequate vitamin D levels.

Methods

This cross‐sectional study included 120 children aged 2 years or younger, one group with CMPA and a control group. The children were recruited at the pediatric gastroenterology, allergology, and pediatric outpatient clinics of a university hospital in the Northeast of Brazil. A questionnaire was administered to the caregiver and blood samples were collected for vitamin D quantification. Vitamin D levels <30ng/mL were considered inadequate. Vitamin D level was expressed as mean and standard deviation, and the frequency of the degrees of sufficiency and other variables, as proportions.

Results

Infants with CMPA had lower mean vitamin D levels (30.93 vs.35.29ng/mL; p=0.041) and higher deficiency frequency (20.3% vs.8.2; p=0.049) than the healthy controls. Exclusively or predominantly breastfed infants with CMPA had higher frequency of inadequate vitamin D levels (p=0.002). Regardless of sun exposure time, the groups had similar frequencies of inadequate vitamin D levels (p=0.972).

Conclusions

Lower vitamin D levels were found in infants with CMPA, especially those who were exclusively or predominantly breastfed, making these infants a possible risk group for vitamin D deficiency.

Keywords:
Milk allergy
Infant
Vitamin D
Breast feeding
Sunlight
Resumo
Objetivo

Verificar se lactentes com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) apresentam níveis inadequados de vitamina D.

Métodos

Estudo transversal, envolveu 120 crianças de até dois anos, um grupo com APLV e outro de comparação, captadas dos ambulatórios de Gastroenterologia Pediátrica, Alergologia Pediátrica e Puericultura de um hospital universitário, no Nordeste brasileiro. Foi aplicado um formulário e foram coletadas amostras sanguíneas para a análise da vitamina D, foram considerados inadequados os níveis<30ng/mL. Níveis de vitamina D foram expressos em média e desvio padrão e a frequência dos graus de suficiência e demais variáveis, em proporções.

Resultados

Lactentes com APLV, quando comparados com os saudáveis, apresentaram uma menor média do nível da vitamina D (30,93 vs. 35,29ng/mL) (p=0,041) e maior frequência de deficiência (20,3% vs. 8,2) (p=0,049). Maior frequência de níveis inadequados de vitamina D foi observada nas crianças com APLV que estavam em aleitamento materno exclusivo/predominante (p=0,002). Independentemente do período de exposição solar, a frequência de um status inadequado de vitamina D foi semelhante entre os grupos (p=0,972).

Conclusões

Menores níveis de vitamina D foram observados em lactentes com APLV, especialmente naqueles em aleitamento materno exclusivo/predominante, que configura esse como um possível grupo de risco para essa deficiência.

Palavras‐chave:
Alergia a leite
Lactente
Vitamina D
Aleitamento materno
Luz solar
Texto Completo
Introdução

A deficiência de vitamina D tem sido reconhecida como um problema frequente da atualidade, ocorre em adultos e crianças, nessas por vezes ainda no período neonatal.1 Classicamente a deficiência de vitamina D está relacionada a doenças ósseas, mas nos últimos anos tem sido associada a diversos desfechos extraósseos, inclusive doenças imunes.2 Ela parece ocorrer com maior frequência em determinados grupos de indivíduos, de forma que a Sociedade de Endocrinologia recomenda que o screening para deficiência de vitamina D seja feito apenas no grupo de indivíduos considerado de risco. Nesse grupo de risco estariam os indivíduos da etnia negra, obesos, gestantes, lactantes e portadores de determinadas doenças, como doenças endócrinas e renais, entre outras. Os portadores de alergia à proteína do leite de vaca (APLV) não estão incluídos.3

De outra forma, alguns estudos internacionais, feitos principalmente em crianças com formas imediatas de APLV, mediadas por IgE, sugeriram uma maior frequência de deficiência de vitamina D nesse grupo.4–7 Baixos níveis da vitamina D em crianças são relacionados a fatores como deficiente transferência materno‐fetal por hipovitaminose materna, inadequada exposição solar, uso inadequado de suplementos de vitamina D e baixa ingestão através da dieta.1,8,9

Estudos sobre os níveis de vitamina D em crianças portadoras de APLV são importantes para avaliar a possibilidade de essas serem um grupo de risco para a ocorrência de deficiência de vitamina D. Uma vez que a maioria dos estudos que analisaram níveis de vitamina D em crianças com APLV foi conduzido em crianças sem manifestação gastrointestinal,4–7 restam lacunas em relação ao conhecimento desse problema. Além disso, poucas pesquisas foram feitas em crianças com APLV residentes em regiões ensolaradas onde se pressupõe haver exposição adequada aos raios ultravioletas. O objetivo do nosso estudo foi verificar se os lactentes com APLV apresentam níveis inadequados de vitamina D.

Método

Estudo observacional, de corte transversal, no qual foram comparados os níveis de vitamina D de um grupo de lactentes com diagnóstico clínico de APLV e um grupo de lactentes saudáveis (grupo de comparação). A pesquisa foi feita de março de 2013 a abril de 2015, nos ambulatórios de Gastroenterologia Pediátrica, Alergologia Pediátrica e Puericultura do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE).

O grupo de crianças com APLV foi composto por 59 lactentes de ambos os sexos que apresentaram manifestações clínicas adversas relacionadas à APLV. Para concluir o diagnóstico levaram‐se em consideração a história clínica, o exame físico e os antecedentes e foi confirmado pelo teste de desencadeamento oral aberto, conforme indicado pelas principais diretrizes vigentes.10,11 O teste de desencadeamento foi contraindicado pelos pesquisadores nas seguintes situações: relato de manifestações imediatas associadas a um resultado de IgE positivo; manifestações tardias compatíveis com APLV, associados à desnutrição. O grupo de comparação foi formado por 61 crianças saudáveis. Foram excluídas as crianças com suspeita clínica de outras patologias ou fatores que pudessem influenciar nos níveis de vitamina D, como doenças infecciosas agudas ou crônicas, outras doenças inflamatórias intestinais, doenças renais ou gastrointestinais.

Para a avaliação antropométrica foi obtido o peso do lactente e usado o indicador peso/idade (P/I) proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para avaliação do P/I, foram adotados os seguintes pontos de cortes:<−2 escore z para peso baixo para a idade, ≥ −2 e<+2 escore z para peso adequado para a idade e ≥ +2 escore z para peso elevado para a idade.12

Em relação à vitamina D, foram analisados os níveis e graus de suficiência, categorizados em insuficiente/deficiente e suficiente. Foi considerada deficiência quando a 25(OH)D foi igual ou inferior a 20ng/mL, insuficiência quando os níveis se encontravam entre 21‐29ng/mL e suficiência quando foram iguais ou superiores a 30ng/mL.3,13 Para essa análise, foi coletada uma amostra de sangue (4ml), por profissional capacitado, armazenada em tubo com gel separador e levada para o laboratório conveniado à pesquisa. A dosagem da 25 (OH)D foi feita pela técnica de quimioluminescência e foi usado o kit comercial Liaison®. Para as crianças que cursaram com níveis inadequados de vitamina D, foram prestadas orientações aos pais sobre a necessidade de suplementação.

Para a classificação da prática atual do aleitamento materno (AM) foi usada a categorização da OMS, foram considerados AM exclusivo (quando a criança recebe só leite materno sem outros líquidos ou sólidos), AM predominante (quando a criança recebe, além do leite materno, água ou bebidas à base de água), AM complementado (quando a criança recebe, além do leite materno, qualquer alimento sólido ou semissólido com a finalidade de complementá‐lo, e não substituí‐lo) e AM misto ou parcial (quando a criança recebe leite materno e outros tipos de leite).14

Na avaliação da exposição solar, foram usadas as orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Ela recomenda que a criança deve receber exposição direta da pele à luz solar a partir da segunda semana de vida, é suficiente a cota semanal de 30 minutos de exposição solar com a criança apenas de fraldas.15

A construção do banco de dados foi feita com o programa Epi‐Info versão 6.04d (Epi‐info 6.04, WHO/CDC, Atlanta, USA). As análises estatísticas foram feitas com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 13.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram testadas quanto à normalidade da distribuição pelo teste de Kolmogorov‐Smirnov, foram expressas por média e desvio‐padrão quando de distribuição simétrica e mediana e quartis se distribuição assimétrica. As diferenças de frequência e a associação entre as variáveis categóricas foram testadas pelo método qui‐quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher quando indicado. O nível de significância empregado em todos os testes foi de 5%.

Os responsáveis foram informados verbalmente sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto de pesquisa foi registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep/Plataforma Brasil) e submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, com CAAE: 12878313.4.0000.5208/2013.

Resultados

A mediana de idade da amostra total foi de 8,5 meses (P25: 6,0; P75: 14,0), nas crianças com APLV foi de sete meses (P25: 4; vs. das crianças com APLV. Verificou‐se também uma maior frequência de atopia entre as mães (62,7% vs. 34,4%) e pais (46,6% vs. 28,3%) das crianças com APLV. Quando avaliado o estado nutricional, observou‐se um maior percentual de eutrofia na amostra, com frequências semelhantes em ambos os grupos (91,5% no grupo com APLV e 96,6% no grupo controle) (tabela 1).

Tabela 1.

Características socioeconômicas e biológicas dos lactentes com APLV e do grupo controle atendidos ambulatorialmente em hospital universitário, Recife‐PE (2013‐2015)

Variáveis  APLV +APLV − 
  n (59)  (%)  n (61)  (%)  pa 
Sexo
Masculino  25  42,4  30  49,2  0,454 
Feminino  34  57,6  31  50,8   
Idade (meses)
≤ 6  26  44,1  19  31,1  0,093 
6 ≤ 12  18  30,5  19  31,1   
12 ≤ 18  13  22  13  21,4   
18 ≤ 24  3,4  10  16,4   
Grau de escolaridade materna
Ensino fundamental/médio  18  30,5  44  72,1  < 0,001 
Ensino superior  41  69,5  17  27,9   
Renda em SM
≤ 2  15  25,9  43  70,5  < 0,001 
2 ≤ 4  13  22,4  11,5   
4 ≤ 10  23  39,6  9,8   
>10  12,1  8,2   
Atopia mãe
Sim  37  62,7  21  34,4  0,002 
Não  22  37,3  40  65,6   
Atopia pai
Sim  27  46,6  17  28,3  0,041 
Não  31  53,4  43  71,7   
Tipo de parto
Transvaginal  10,2  19  31,1  0,005 
Cesáreo  53  89,8  42  68,9   
Idade gestacional
Pré‐termo  10  17,2  11  18  0,612 
Termo/Pós‐termo  48  82,8  50  82   
Suplementação materna com vitamina D durante a gestação
Sim  15,3  6,6  0,15 
Não  50  84,7  57  93,4   
Tempo de AME (meses)
≤ 1  17  28,8  12  20  0,483 
1 ≤ 3  15  25,4  15  25   
3 ≤ 6  27  45,8  33  55   
Avaliação antropométrica (P/I)
Baixo peso  8,5  3,4  0,439 
Eutrófico  54  91,5  57  96,6   
Excesso de peso  –  –  –  –   

AME, aleitamento materno exclusivo; APLV, alergia à proteína do leite de vaca; I, idade; P, peso; SM, salário mínimo nacional.

a

Qui‐quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher.

Nas crianças com diagnóstico de APLV, as manifestações clínicas mais frequentes foram do tipo imediatas (59,3%). As manifestações imediatas observadas foram: angioedema, urticária e hiperemia cutânea, vômitos, diarreia, tosse e sibilância. As manifestações tardias encontradas foram: regurgitações e vômitos compatíveis com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), diarreia, diarreia com sangue (compatível com colite), proctite, baixo ganho ou perda de peso, choro excessivo e distensão abdominal, dificuldade evacuatória e eczema atópico. Entre as manifestações imediatas destacaram‐se urticária em 28,8%, angioedema em 15,3% e tosse em 15,3%. No grupo com manifestação tardia, 40,7% apresentaram vômito e diarreia, sinais de colite em 35,6% e sintomas compatíveis com DRGE em 22%.

A média dos níveis de vitamina D entre as crianças com APLV foi de 30,93±12,33ng/ml e de 35,29±10,74ng/ml nas crianças saudáveis (p=0,041). A figura 1 mostra as frequências dos diferentes graus de suficiência da vitamina D nos dois grupos, nos quais se observou que dentre o total das crianças houve uma maior frequência de níveis deficientes naquelas com APLV (20,3% vs. 8,2%; p=0,049). Vale salientar que nenhuma criança se encontrava em uso de suplemento de vitamina D no momento da entrevista e apenas nove das mães de crianças com APLV relataram ter feito suplementação com vitamina D durante o período gestacional.

Figura 1.

Frequências dos graus de suficiência da vitamina D nos lactentes com APLV e no grupo controle, atendidos ambulatorialmente em hospital universitário, Recife–PE (2013–2015).

a Teste exato de Fisher.

(0.08MB).

A tabela 2 mostra que dentre as crianças com APLV as que eram submetidas a AM exclusivo/predominante no momento da entrevista tiveram uma maior frequência de deficiência de vitamina D, foi observado que 25,9% de crianças foram deficientes e apenas 3,1% delas apresentaram níveis suficientes. O mesmo foi observado naquelas em AM parcial (25,9% vs. 6,3%; p=0,002). Crianças com APLV e não amamentadas, ou seja, que estavam em uso de fórmulas infantis, apresentaram em sua maioria níveis de suficiência (78,1%). No grupo comparativo, não houve associação das diferentes práticas alimentares e os graus de suficiência da vitamina D (p=0,189).

Tabela 2.

Status da vitamina D dos lactentes com APLV e do grupo controle em relação à prática alimentar, atendidos ambulatorialmente em hospital universitário, Recife–PE (2013‐2015)

Variável  APLV+APLV‐
  Vitamina Dpa  Vitamina Dpa 
  Deficiência/Insuficiência n %
IC 95% 
Suficiência
n %
IC 95% 
  Deficiência/Insuficiência
n %
IC 95% 
Suficiência
n %
IC 95% 
 
Prática atual do AM
Exclusivo/Predominante  7 (25,9)
11,9‐46,6 
1 (3,1)
0,2‐18,0 
0,002  3 (15,7)
4,2‐40,5 
1 (2,4)
0,1‐14,1 
0,189 
Parcial  7 (25,9)
11,9‐46,6 
2 (6,3)
1,1‐22,2 
  –  2 (4,7)
0,8‐17,4 
 
Complementar  4 (14,9)
4,8‐34,6 
4 (12,5)
4,1‐29,9 
  4 (21,1)
7,0‐46,1 
12 (28,6)
16,2‐44,8 
 
Não amamenta  9 (33,3)
17,2‐54,0 
25 (78,1)
59,6‐90,1 
  12 (63,2)
38,6‐82,8 
27 (64,3)
48,0‐78,0 
 
TOTAL  27 (100)  32 (100)    19 (100)  42 (100)   

AM, aleitamento materno.

a

Qui‐quadrado de Pearson.

No grupo das crianças alérgicas, a frequência da exposição solar não interferiu no grau de suficiência da vitamina D, os resultados foram semelhantes naquelas com graus de deficiência/insuficiência e nas suficientes (entre os deficientes/suficientes, 14 eram expostas adequadamente ao sol, enquanto 12 não eram; entre os suficientes 17 eram adequadamente expostos e 13 não eram; p=0,972).

Discussão

Nesta pesquisa, feita entre crianças em sua maioria eutrófica e submetidas a tempos semelhantes de aleitamento materno, as crianças com APLV imediata e tardia apresentaram um maior percentual de deficiência quando comparadas com as crianças saudáveis (20,3% vs. 8,2%; p=0,049). Embora as médias de vitamina D se encontrassem dentro da normalidade em ambos os grupos, uma menor média foi observada nas crianças alérgicas (30,93 vs. 35,29; p=0,041), o que reforça a tendência das crianças alérgicas de terem menores níveis da vitamina. Alguns estudos já investigaram a relação entre a deficiência de vitamina D e alergia alimentar, mas a maioria deles foi conduzido em crianças com APLV forma imediata, mediada por IgE.4–7 Este estudo desperta para esse problema também nas formas tardias, não mediadas por IgE e usualmente manifestas por sintomas gastrointestinais. Existe embasamento empírico para se acreditar que níveis insuficientes de vitamina D nos períodos iniciais da vida podem interferir no desenvolvimento da imunidade, podem colaborar para o surgimento de doenças alérgicas, inclusive a alergia alimentar.16 O principal mecanismo através do qual ela atuaria na regulação imune seria ao favorecer uma maior diferenciação de linfócitos T naive em células T reguladoras (Tregs), que inibiriam as respostas imunes danosas tanto TH1 quanto TH2.16,17 Deve ser considerado que, apesar de terem sido verificados níveis de deficiência de vitamina D nos lactentes com APLV, o desenho do estudo, transversal, não permitiu estabelecer a existência de uma relação causal entre a deficiência de vitamina D e o surgimento de alergia. Pode‐se até especular que a relação possa ser oposta, se considerarmos que a própria patogênese da APLV pode ter favorecido as baixas concentrações de vitamina D, tanto por possibilitar má absorção quanto pelo fato de poder se associar à resposta inflamatória.18 A resposta inflamatória sistêmica, que pode ser gerada durante o processo alérgico, pode estar associada às baixas concentrações de vitaminas lipossolúveis, inclusive a vitamina D.18,19 Os baixos níveis poderiam ainda estar relacionados ainda ao fato de as mães das crianças com APLV em AM exclusivo fazerem dieta de restrição de leite de e vaca e derivados, sem suplementação de vitamina D, fato já relacionado a deficiências desse e de outros micronutrientes.20

As principais fontes de vitamina D para os lactentes são a dieta, exposição solar e os suplementos vitamínicos.21 O LM pode conferir um efeito protetor no desenvolvimento de vários tipos de alergias devido à presença de fatores imunológicos e nutrientes funcionais que favorecem um microambiente saudável para o desenvolvimento imunitário e maturação intestinal.22 Entretanto, como tem baixas concentrações de vitamina D,23 crianças em AM, principalmente quando amamentadas de forma exclusiva e sem receber exposição solar adequada, podem representar um grupo de maior risco para a deficiência de vitamina D.24

Baixos níveis de vitamina D foram observados nas crianças alérgicas submetidas ao AM, foi observada maior frequência de níveis deficientes/insuficientes da vitamina D dentre as crianças com APLV submetidas ao AM exclusivo/predominante (25,9%). Evidências sugerem que crianças que desenvolvem APLV, mesmo em AM exclusivo, têm fatores genéticos que as predispõem a esse desfecho.24 É possível que no lactente em AM exclusivo que já tem uma predisposição genética para a APLV, a ocorrência de deficiência de vitamina D atue como um gatilho para o desenvolvimento da doença. Nesse sentido, foi observado que dos oito bebês que estavam em AM exclusivo/predominante e desenvolveram APLV (a maioria colite alérgica), sete encontravam‐se com níveis inadequados de vitamina D.

Estudos feitos em diferentes países sugerem a necessidade de suplementação do bebê em AM, e por vezes de sua mãe, mesmo quando residente em região ensolarada.25 Nenhuma das crianças desse estudo fazia suplementação vitamínica e apenas nove mães das crianças com APLV (15,3%) e quatro mães das crianças saudáveis (6,6%) estavam em uso de suplemento. Foi verificado que em nosso meio a indicação de suplemento de vitamina D no período pré‐natal e durante o aleitamento ainda não é uma prática comum e talvez fosse necessário considerá‐la.

A exposição solar é considerada um dos determinantes mais importantes do status da vitamina D. Os níveis de vitamina D do bebê tendem a diminuir ao longo dos primeiros meses de vida, caso ele não seja exposto à luz solar ou receba, por via digestiva, o adequado aporte de vitamina D.26 No Nordeste do Brasil, ocorrem raios solares abundantes durante quase toda parte do ano. Entretanto, o fato de residir em região ensolarada pode não proteger os lactentes dessa deficiência vitamínica. Ao analisar a relação da exposição solar com os níveis de vitamina D nessa pesquisa, foi verificado que a exposição solar adequada não assegurou níveis suficientes de vitamina D. Em estudo recente feito nessa mesma região, níveis insuficientes de vitamina D também foram observados no binômio mãe/recém‐nascido,27 corroboraram outros dados que apontam para o fato de que mesmo em cidades com elevada irradiação solar podem ocorrer frequências elevadas de hipovitaminose D. O fato de a exposição solar não ter se relacionado aos níveis adequados de vitamina D nesta pesquisa pode ter sido devido à influência de outros fatores, como o horário em que a criança foi exposta, a cor da pele e o uso de protetor solar, os quais não foi possível analisar. É provável que pese contra uma exposição solar adequada o temor dos efeitos maléficos do sol sobre a pele. De fato, os dermatologistas recomendam que bebês até seis meses não devam ser expostos à luz solar direta.28

Na análise dos resultados deste estudo devem ser consideradas as suas limitações. A complexidade do problema a ser estudado constituiu uma das principais dificuldades encontradas e outros fatores que poderiam estar relacionados aos níveis de vitamina D não foram controlados, como a restrição de leite e derivados na dieta materna, o uso da vitamina D durante a gestação e a adesão a essa orientação, o tipo de parto e outros aspectos associados à microbiota intestinal do bebê. A heterogeneidade da amostra foi considerada um dos problemas devido às diferenças individuais da doença. Também pode ter ocorrido viés de classe social devido à procura do ambulatório de Gastropediatria por famílias de melhor condição socioeconômica com o objetivo de obter laudo médico para receber as fórmulas especializadas fornecidas pelo serviço público. Dificuldades inerentes à aplicação do questionário também podem ter ocorrido, já que foi aplicado por duas pesquisadoras, assim como relacionadas à fidedignidade das informações prestadas pelas mães. O número amostral é pequeno, talvez insuficiente para subsidiar mudanças nas orientações previamente estabelecidas pelas sociedades regulamentadoras, porém suficiente para servir de alerta e despertar estudos complementares randomizados e prospectivos sobre o assunto. Um maior número amostral poderia permitir que os lactentes com APLV fossem agrupados e analisados de acordo com as manifestações clínicas apresentadas (imediatas e tardias) e fossem levados em conta os diferentes mecanismos imunológicos envolvidos na patogênese da APLV.

A falta de um consenso em relação aos pontos de corte que definem o status de vitamina D também foi considerado um dos vieses, dificultou o entendimento sobre quais valores teriam efeito patogênico e comprometeu a comparação com estudos que usaram outros valores de referência. Enquanto que Sociedade de Endocrinologia Norte‐Americana estabelece que níveis deficientes são aqueles inferiores a 20ng/ml e suficientes os iguais ou acima de 30ng/ml,29 o Instituto de Medicina dos EUA (2010) considera como adequados os níveis superiores a 20ng/ml.30 Nesta pesquisa, os níveis suficientes foram aqueles a partir de 30ng/ml.

Os achados deste estudo sugerem uma maior frequência de níveis inadequados de vitamina D nos lactentes com diferentes manifestações clínicas de APLV. Apesar das diversas limitações do estudo, os dados podem alertar para a necessidade de investigar os níveis de vitamina D em lactentes com APLV. A prática do AM exclusivo/predominante se relacionou com os níveis inadequados principalmente nas crianças com diagnóstico de APLV, enquanto que a exposição solar parece não ter conferido um efeito protetor nesse grupo. O fato de os lactentes alérgicos não usarem suplemento de vitamina D pode ter contribuído com os achados do estudo. Assim, não é possivelmente seguro confiar na exposição solar como fonte de vitamina D, principalmente nos bebês em aleitamento materno exclusivo, é sugerido que se avalie a suplementação rotineira. Sugere‐se que outros estudos sejam conduzidos para comprovar a associação e melhor elucidar os fatores associados aos níveis inadequados de vitamina D nos lactentes com APLV.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de auxílio financeiro do edital universal de 2012/2013 sob o número de registro 488488/2013‐3.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Silva CM, da Silva SA, Antunes MM, Silva GA, Sarinho ES, Brandt KG. Do infants with cow's milk protein allergy have inadequate levels of vitamin D? J Pediatr (Rio J). 2017;93:632–8.

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