To describe prevalence of associated defects and clinical‐genetic characteristics of patients with typical orofacial clefts (OFCs) seen at a reference genetic service.
MethodsDescriptive study conducted between September of 2009 and July of 2014. Two experienced dysmorphologists personally collected and coded clinical data using a validated, standard multicenter protocol. Syndromic cases were defined by the presence of four or more minor defects, one or more major defects, or recognition of a specific syndrome. Fisher's exact and Kruskal‐Wallis tests were used for statistics.
ResultsAmong 141 subjects, associated defects were found in 133 (93%), and 84 (59.5%) were assigned as syndromic. Cleft palate was statistically associated with a greater number of minor defects (p<0.0012) and syndromic assignment (p<0.001). Syndromic group was associated with low birth weight (p<0.04) and access to surgical treatment (p<0.002). There was no statistical difference between syndromic and non‐syndromic groups regarding gender (p<0.55), maternal age of 35 years and above (p<0.50), alcohol (p<0.50) and tobacco consumption (p<0.11), consanguinity (p<0.59), recurrence (p<0.08), average number of pregnancies (p<0.32), and offspring (p<0.35).
ConclusionsThere is a lack of information on syndromic clefts. The classification system for phenotype assignment adopted in this study has facilitated recognition of high prevalence of associated defects and syndromic cases. This system may be a useful strategy to gather homogeneous samples, to elect appropriate technologies for etiologic and genotype‐phenotype approaches, and to assist with multi‐professional care and genetic counseling
Descrever a prevalência de defeitos associados e as características genético‐clínicas de pacientes com fendas orofaciais típicas (FOT) em um serviço de referência em genética.
MétodosEstudo descritivo feito entre setembro/2009 e julho/2014. Os dados foram colhidos e codificados por dois observadores clínicos com experiência em dismorfologia, com protocolo validado em estudo multicêntrico. Presença de quatro ou mais defeitos minor, um ou mais defeitos major e diagnóstico de síndrome reconhecida foram critérios usados para classificar o caso como sindrômico. Usou‐se teste exato de Fisher para análise de variáveis categóricas e o de Kruskal‐Wallis para igualdade de médias.
ResultadosEntre 141 sujeitos, 133 (93%) apresentavam ao menos um defeito minor ou major associado, 84 (59,5%) classificados como sindrômicos. As fendas de palato estiveram associadas com maior número de defeitos minor (p<0,0012) e com a classificação sindrômica (p<0,01). O grupo sindrômico apresentou maior taxa de baixo peso (p<0,04) e menor acesso a tratamento cirúrgico (p<0,02). Não houve diferenças entre os grupos quanto ao gênero (p<0,55), idade materna ≥ 35 anos (p<0,50), ingestão de álcool (p<0,50) e tabagismo (p<0,11), consanguinidade (p<0,59), recorrência familial (p<0,08) e média de gestações (p<0,32) e de filhos nascidos vivos (p<0,35).
ConclusõesExiste escassez de informações sobre fendas sindrômicas. O método de classificação fenotípica usado possibilitou a identificação de alta prevalência de defeitos associados e de casos sindrômicos. Esse método seria uma opção para homogeneizar amostras, determinar tecnologias com vistas à investigação etiológica e estudos de correlação genótipo‐fenótipo, além de colaborar para intervenção multiprofissional e aconselhamento genético.
O interesse científico sobre as fendas orofaciais típicas (FOT), representadas por fendas paramedianas que envolvem o lábio, o palato ou ambos, remonta a meados do século XVIII.1,2 O desenvolvimento de ferramentas tecnológicas na era genômica tem possibilitado a ampliação do conhecimento sobre a etiologia, a história natural e os fatores de risco. Todavia, a compreensão das imbricadas relações gene‐gene e gene‐ambiente e suas repercussões sobre o fenótipo permanece como um importante desafio. Esse conhecimento forma a base teórica sobre a qual devem ser construídas propostas de tratamento e prevenção custo‐efetivas.1‐4
FOT são malformações congênitas com grande impacto epidemiológico, social, psicológico e econômico. A prevalência varia de um caso a cada 500‐2.500 nascimentos. Essa variação reflete a interferência de fatores genéticos e ambientais relacionados ao background étnico, à região geográfica e às condições nutricionais e de saúde da população.2–5
No Brasil, existem problemas no registro epidemiológico de defeitos congênitos. A despeito disto, uma estimativa recentemente publicada previu o nascimento de 2.900 a 4.000 crianças com FOT no país em 2011.6 Admitindo‐se a manutenção da taxa de natalidade no país e considerando‐se que o tratamento de uma pessoa com FOT se estende até a idade adulta, essa estimativa de casos novos/ano tem um importante impacto econômico sobre o sistema de saúde.
O reparo cirúrgico da fenda costuma ser percebido pela família como único tratamento necessário. Contudo, uma pessoa com FOT requer suporte continuado de fonoaudiologia, odontologia, otorrinolaringologia e psicologia até a idade adulta e, geralmente, necessita mais de uma intervenção cirúrgica.1‐4
Estudos longitudinais têm revelado outros aspectos importantes de saúde, entre os quais se destacam uma maior taxa de mortalidade em qualquer idade, maior prevalência de distúrbios psiquiátricos e risco aumentado para câncer de mama, cérebro e cólon no indivíduo e em seus parentes. Nos Estados Unidos da América, estima‐se um gasto de 200 mil dólares per capita em cuidados de pessoas com FOT ao longo da vida, considerando tratamento específico, controle e prevenção de comorbidades.2,3,5
A prevalência de associação da FOT com outros defeitos congênitos é um aspecto controverso na literatura. O fato é que, na presença de defeitos associados, a FOT deixa de ser uma malformação isolada (FOT não sindrômica), com etiologia multifatorial, e passa a ser classificada como sindrômica. Estima‐se que isso ocorra em 30% dos casos de fenda de lábio com ou sem fenda de palato (FL/P) e em 50% dos casos de fenda de palato (FP).2,3,5,7
FOT sindrômicas podem ter etiologia reconhecida e ser classificadas como uma síndrome monogênica, cromossômica ou teratogênica, mas também podem não ter etiologia reconhecida e configurar quadros polimalformativos, muitas vezes denominados como defeitos congênitos múltiplos.2,3,5,7,8
A classificação da FOT em sindrômica e não sindrômica e o reconhecimento dos defeitos associados e da etiologia subjacente são importantes para a definição do diagnóstico, a estimativa do prognóstico, o planejamento terapêutico e o aconselhamento genético, todos com impacto primário sobre saúde do indivíduo. Esse conhecimento é também importante para a obtenção de informação epidemiológica e para aumentar o poder dos estudos de correlação genótipo‐fenótipo.2,3,5
O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência de defeitos associados e as características genético‐clínicas de uma coorte de pacientes com FOT atendidos em um serviço de referência em genética clínica.
Material e métodosEstudo descritivo transversal de sujeitos com FOT, em qualquer idade, atendidos no Serviço de Genética Clínica do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes da Universidade Federal de Alagoas (SGC/HUPAA‐Ufal) entre setembro de 2009 e julho de 2014. Casos de FOT medianas, oblíquas, submucosas e úvula bífida foram excluídos.
Para a coleta de dados foi usado o protocolo clínico da Base Brasileira de Dados Clínicos e Familiais.9 A avaliação complementar básica compreendeu cariótipo de sangue periférico com bandeamento GTG e resolução de 400 bandas para todos os pacientes, feito no Laboratório de Citogenética Humana da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas.
Em casos específicos foi feito rastreio de malformações com exames de imagem e aplicadas técnicas complementares de análise genética (hibridação in situ por fluorescência [Fish], multiplex ligation‐dependent probe amplification [MLPA] e hibridação genômica em array [aGH]) no Laboratório de Citogenética e Citogenômica Humana do Departamento de Genética Médica da Universidade Estadual de Campinas.
Classificação e codificação da FOT e defeitos associados foram feitas por dois geneticistas com experiência em dismorfologia, com os métodos descritos por Monlleó et al. (2013).9 As seguintes definições foram adotadas:7,8,10‐13
- ‐
Defeito minor: anormalidades morfológicas que não implicam dano estético ou funcional significativo.
- ‐
Síndrome: quadros compostos por FOT associada a defeitos minor e/ou major com fator etiológico único já demonstrado (ex.: anomalia cromossômica) ou fortemente suspeito com base em sua recorrência em determinado número de casos.
- ‐
Defeito congênito múltiplo (DCM): qualquer combinação de FOT com um ou mais defeitos major para os quais nenhum fator etiológico foi demonstrado ou suspeito.
A variável desfecho‐dependente foi a presença de anormalidades morfológicas associadas à FOT. A amostra foi reagrupada segundo a classificação fenotípica em casos de FOT não sindrômica (presença de até três defeitos minor) e casos de FOT sindrômica (presença de quatro ou mais defeitos minor, diagnóstico de síndrome e diagnóstico de DCM). As variáveis independentes e suas respectivas categorias de análise foram:
Características demográficas: idade, gêneroCaracterísticas maternas, do recém‐nascido e familiais: idade materna no momento da concepção, escolaridade materna, consumo de álcool ou tabaco durante a gestação, número de gestações e de nativivos por mãe, peso ao nascer (< 2.500g e ≥ 2.500g), consanguinidade e história familial de FOT.
Características clínicas: tipo de FOT, gravidade da fenda labial, tipo de defeito associado, distribuição anatômica dos defeitos major e síndromes identificadas, acesso à cirurgia primária da FOT.
Os dados foram tabulados e analisados por meio dos programas Microsoft Excel (Microsoft, 2003. Computer Software, WA, EUA) e Epi‐Info™ versão 3.5.2 (Epi Info™, GA, EUA). Foi feita análise descritiva com distribuição de frequências, medidas de tendência central e dispersão. Teste exato de Fisher foi usado para análise de variáveis categóricas e Kruskal‐Wallis para igualdade de médias. Adotou‐se nível de significância de 5% (p<0,05).
A pesquisa teve as seguintes aprovações éticas: 00907/2009‐66 (CEP/Ufal), 0009838/2009‐56 (CEP/Uncisal), 059/2008(CEP/Unicamp), 14.733 (Conep) e CAAE 35316314.9.1001.5404.
ResultadosEntre setembro de 2009 e julho de 2014 foram atendidos 146 pacientes com diagnóstico de FOT. Desse total, após aplicação dos critérios de inclusão, definiu‐se a amostra de 141 casos.
As idades variaram até 37 anos (média 5±8,48), 94 (67%) sujeitos até 10 anos, 34 (24%) entre 11 e 20 e 13 (9%) acima de 20; 72 (51%) pacientes eram do gênero masculino. A idade materna no momento da concepção variou de 15 a 47 anos (média 24±6,92); 18 (15,7%) mães tiveram gestação na adolescência e 13 (11,3%) estavam acima dos 35 anos. Em 81 (58,7%) casos a mãe não havia concluído o ensino fundamental.
A tabela 1 apresenta o comportamento de variáveis clínicas quanto ao tipo de FOT. Houve predomínio das FL/P, presentes em 113 (80%) sujeitos. Essas foram mais frequentes no gênero masculino, enquanto as FP, no gênero feminino (p<0,001). Quanto à gravidade, as fendas unilaterais ocorreram em 79 (70%) casos, 53 das quais do lado esquerdo, enquanto as bilaterais ocorreram em 34 (30%) sujeitos.
Distribuição das características clínicas dos sujeitos de acordo com o tipo de fenda orofacial típica
FL/P (113) | FP (28) | P | |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 65 (57,5) | 7 (25) | 0,0018a |
Feminino | 48 (42,5) | 21 (75) | |
Defeitos associados | |||
Sem defeitos | 8 (7) | ‐ | |
Apenas defeitos minor | 82 (73) | 18 (64) | 0,10a |
Defeitos minor+major | 23 (20) | 10 (36) | |
Apenas defeitos major | ‐ | ‐ | |
Defeito minor | |||
1‐3 | 48 (46) | 7 (25) | 0,037a |
≥ 4 | 57 (54) | 21 (75) | |
Média | 4,2 (± 2,8) | 6,5 (± 3,3) | 0,0012b |
Defeito major | |||
1‐3 | 21 (91) | 9 (90) | 0,51a |
≥ 4 | 2 (9) | 1 (10) | |
Média | 1,6 (± 0,9) | 1,8 (± 0,9) | 0,44b |
Classificação fenotípica | |||
FOT não sindrômica | 51 (45) | 6 (21) | 0,01a |
FOT sindrômica | 62 (55) | 22 (79) |
FL/P, fenda de lábio ou fenda de lábio e palato; FP, fenda de palato; FOT, fenda orofacial típica.
Defeitos associados de qualquer natureza (minor ou major) foram verificados em 105 (93%) casos de FL/P e em 28 (100%) de FP. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos FL/P e FP em relação ao tipo de defeito associado (p<0,10). Todavia, a presença de quatro ou mais defeitos minor foi maior no grupo de FP (p<0,0012). A localização anatômica, o tipo e o número de sujeitos com defeitos major específicos são apresentados na tabela 2. A região craniofacial, o sistema cardiovascular e musculoesquelético foram os sítios mais frequentemente acometidos.
Localização anatômica, tipo e número de sujeitos com defeitos major
Sítio anatômico | Tipo de defeitos |
---|---|
Crânio e face | Microcefalia (12), anoftalmia/microftalmia bilateral, coloboma de retina, ápice do nariz bífido, orelhas de formato rudimentar (2), hipoplasia de íris e córnea, agenesia de dentes, agenesia de ducto lacrimal, microssomia hemifacial |
Sistema cardiovascular | Comunicação interatrial (7), comunicação interventricular |
Sistema musculoesquelético | Nanismo com membros curtos, artrogripose (3), ausência parcial de membro inferior, fusão de costelas, defeito de segmentação de vértebras |
Trato geniturinário | Hipospádia, ambiguidade genital, agenesia renal, micropênis (2), criptorquidia bilateral |
Mãos e pés | Sindactilia em mãos, hipoplasia de falanges distais de mãos e pés, polidactilia pós‐axial, defeitos transversos terminais |
Pele e anexos | Pterígio (3) |
Trato gastrintestinal | Atresia de esôfago, ânus imperfurado |
Sistema nervoso central | Hidrocefalia |
Com relação à classificação fenotípica, 84 (59,6%) casos foram codificados como FOT sindrômica, mais prevalentes no grupo de FP (p<0,01) (tabela 1). Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de FOT sindrômica e não sindrômica quanto à distribuição por gênero (p<0,55), idade materna de risco para cromossomopatias (p<0,50), ingestão materna de álcool (p<0,50), tabagismo materno (p<0,11), consanguinidade parental (p<0,59), recorrência familial (p<0,08), média de gestações (p<0,32) e média de filhos nascidos vivos (p<0,35). Por outro lado, o grupo de FOT sindrômica apresentou maior taxa de baixo peso (p<0,04) e menor acesso a tratamento cirúrgico (p<0,02) (tabela 3).
Distribuição das características clínicas dos sujeitos de acordo com o tipo de fenda orofacial típica
FOT sindrômica (84) | FOT não sindrômica (57) | P | |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 43 (51) | 29 (51) | 0,55a |
Feminino | 41 (49) | 28 (49) | |
Peso ao nascer | |||
< 2.500g | 19 (31) | 4 (13) | 0,04 |
≥ 2.500g | 43 (69) | 27 (87) | |
Idade materna ≥ 35 anos | 9 (12) | 4 (10) | 0,50 |
Ingestão materna de álcool | 22 (26,5) | 14 (25) | 0,50 |
Tabagismo materno | 16 (19,5) | 17 (29,8) | 0,11 |
Consanguinidade parental | 9 (10,8) | 6 (10,5) | 0,59 |
Recorrência familial | 18 (21,7) | 19 (34) | 0,08 |
Acesso ao tratamento cirúrgico | 46 (54,8) | 41 (71,9) | 0,02 |
Número total de gestações | |||
1 | 13 (15,7) | 11 (19,3) | |
2‐4 | 51 (61,4) | 25 (43,9) | |
≥ 5 | 19 (22,9) | 21 (36,8) | |
Média | 3,5 (± 2,5) | 4,3 (± 3,2) | 0,32b |
Número de nascidos vivos na prole materna | |||
1 | 15 (18) | 10 (17,5) | |
2‐4 | 55 (66,3) | 28 (49,1) | |
≥ 5 | 13 (15,7) | 19 (33,4) | |
Média | 3,1 (± 2,2) | 4 (± 3,1) | 0,35b |
FOT, fenda orofacial típica.
Entre os 84 pacientes codificados como FOT sindrômica, 44 (52%) apresentavam quatro ou mais defeitos minor, 18 (22%) tinham um ou mais defeitos major que compunham quadros de DCM e 22 (26%) apresentavam síndromes reconhecidas.
Cariótipo convencional de sangue periférico, feito em 115 (81,5%) sujeitos, identificou sete casos com anormalidades. Entre esses, quatro pertenciam ao grupo de FOT sindrômica e apresentaram anormalidade cromossômica não balanceada, enquanto três apresentaram polimorfismo cromossômico (inversão pericêntrica do cromossomo 9). Dois entre esses últimos preencheram critérios do grupo de FOT não sindrômica e um apresentava quatro sinais minor (hiperextensibilidade dos cotovelos, escoliose, cúbito valgo, geno valgo e recurvatum), sem diagnóstico nosológico estabelecido.
Sete casos de FOT sindrômica (DCM) foram incluídos em um protocolo específico de investigação com aGH. Um paciente mostrou duplicação de 9,2 Mb na região 16p13.2‐16p13.3 (46,XX.ish ins[22;16][q13;p13.2p13.3]) relacionada ao fenótipo. Dois pacientes não apresentaram Copy Number Variation (CNVs) e quatro apresentaram deleções ou duplicações em regiões desprovidas de genes causativos conhecidos. A tabela 4 apresenta a lista de síndromes e recursos laboratoriais usados como evidência para o diagnóstico dos sujeitos.
Síndromes identificadas e respectivas evidências diagnósticas
Síndrome identificada | N | Tipo de FOT | Evidência diagnóstica |
---|---|---|---|
Síndrome do cromossomo 15 em anel: 46,XY,r(15)20 | 1 | FL/P | CTP banda G |
Síndrome de Greig | 1 | FP | Clínica |
Síndrome Del22q11: [46,XY.ish del(22)(q11.2q11.2)(TUPLEI‐)], | 1 | FL/P | Fish e MLPA |
Síndrome oculofaciocardiodental | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome Charge | 1 | FL/P | Clínica |
Associação Vater | 1 | FL/P | Clínica |
Displasia espondiloepifisária | 1 | FP | Radiológica |
Síndrome de Waardenburg | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome de Escobar | 1 | FP | Clínica |
Síndrome acrofrontofacionasal | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome de Emanuel: 47,XX,+der(22)t(11;22)(q23;q11)mat20 | 1 | FP | CTP banda G |
Síndrome da microduplicação16p13.3: 46,XX.ish ins(22;16)(q13;p13.2p13.3) | 1 | FP | FISH e aGH |
Síndrome de Seathre‐Chotzen | 2 | FL/P(2) | Clínica |
Síndrome de Roberts | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome de Goldenhar | 2 | FP e FL/P | Clínica |
Displasia ectodérmica ectrodactilia | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome das bridas amnióticas | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome de Moebius | 1 | FP | Clínica |
Síndrome de Kallmann | 1 | FL/P | Clínica |
Síndrome de Edwards em mosaico: (46,XX/47,XX+18) | 1 | FL/P | CTP banda G |
CTP, cariótipo; Fish, hibridação in situ com fluorescência; MLPA, multiplex ligation‐dependent probe amplification; aCGH, hibridação genômica em array.
É fato que o tratamento cirúrgico é etapa fundamental para o início da reabilitação de indivíduos com FOT. Nesse contexto, é possível que a avaliação genética não seja entendida como necessária em um primeiro momento. Entretanto, o reconhecimento de defeitos associados e da etiologia tem impacto tanto na decisão sobre o plano de tratamento quanto no aconselhamento genético da família.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda atendimento multiprofissional, no qual a avaliação genética está incluída. Essa é baseada na feitura de exame físico minucioso que valoriza o reconhecimento e a análise de sinais dismórficos e permite a distinção entre FOT sindrômica e FOT não sindrômica.14
Apesar da alta prevalência, a oferta de serviços na área das FOT ainda é precária em muitas partes do mundo. No período 1993‐2003 ocorreu significativo avanço nessa área no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o Brasil dispõe de uma rede de serviços multidisciplinares credenciados pelo Ministério da Saúde para reabilitação clínico‐cirúrgica, todavia poucos contam com médicos geneticistas. A regulação do acesso se dá via Central Nacional de Regulação da Alta Complexidade.15
O Estado de Alagoas não dispõe de serviços multidisciplinares para pessoas com FOT. A atenção básica e de média complexidade nessa área também não estão estruturadas. Como consequência, muitos pacientes acessam apenas tratamento cirúrgico oferecido por organizações não governamentais que, embora possam trazer benefícios individuais, não configuram uma política de saúde capaz de modificar o cenário de iniquidade e fragmentação do cuidado.16
Quanto à avaliação diagnóstica e ao aconselhamento genético, o SGC/HUPAA‐Ufal é o único local disponível para atendimento à livre demanda do SUS no estado. Esse serviço tem mantido um ambulatório específico para pacientes e famílias com FOT desde 2009.16 O perfil genético‐clínico descrito neste estudo se refere aos pacientes atendidos por meio desse ambulatório.
Características demográficas e maternas revelam discreto predomínio do gênero masculino e ampla variação de idade dos pacientes no momento do primeiro atendimento e das mães no momento da concepção, essas predominantemente com baixa escolaridade.
Apenas 1/4 dos sujeitos estava abaixo de um ano de idade na primeira consulta. Considerando o aspecto facial dismórfico em casos de FOT, seria esperado que a grande maioria tivesse sido encaminhada para avaliação precocemente. O pouco conhecimento da natureza genética das FOT e o limitado acesso aos serviços de genética observado de modo geral no Brasil17 podem ser fatores implicados.
Quase 1/3 das mães estava em faixa etária de risco (≤ 18 e ≥ 35 anos) no momento da concepção. A gravidez na adolescência envolve riscos relacionados com problemas no trabalho de parto, prematuridade, baixo peso e hipóxia, principalmente devido à imaturidade do sistema reprodutivo, má nutrição materna e uso frequente de drogas, lícitas ou ilícitas.18 Por outro lado, as anomalias consequentes às aberrações cromossômicas numéricas aumentam consideravelmente com o avançar da idade das mulheres no momento da gravidez a partir dos 35 anos.19,20 A baixa escolaridade materna, verificada na maioria dos casos desta amostra, é outro fator de risco relacionado com incidência aumentada de prematuridade, baixo peso ao nascer e defeitos congênitos na prole.18
O predomínio de FL/P sobre FP, das fendas unilaterais sobre as bilaterais, do acometimento do lado esquerdo sobre o direito e a associação estatística entre FL/P e gênero masculino e FP e gênero feminino corroboram as características clássicas das FOT.2‐4 Pequenas variações de frequência entre subgrupos podem ser justificadas pelo tamanho da amostra.
A associação das FOT com outros defeitos morfológicos tem sido objeto de vários estudos ao redor do mundo.21–27 Diferenças quanto à experiência do examinador, idade do paciente, variabilidade de expressão clínica, disponibilidade de recursos tecnológicos, especialmente exames de imagem, critérios de inclusão/exclusão, tipo de classificação adotada, entre outros, são aspectos responsáveis por taxas tão discrepantes quanto 3% e 63%.2‐4,7,28
A inclusão de defeitos minor, o tamanho e a origem da amostra – serviço de genética – e a feitura de avaliação clínica por médicos experientes em dismorfologia podem justificar a alta frequência de defeitos associados verificada nesta amostra.
Diversos autores recomendam a exclusão de defeitos minor por considerá‐los uma importante fonte de heterogeneidade para estudos epidemiológicos. Além do reconhecimento de que esses defeitos não implicam prejuízos significativos, outras razões para excluí‐los são a baixa taxa de concordância na forma de registro feito por diferentes profissionais e a variabilidade relacionada a diferenças sexuais, étnicas e de idade de manifestação.10‐13
Por outro lado, está estabelecido o valor preditivo dos defeitos minor tanto para o rastreio de anormalidades major quanto para a definição diagnóstica de síndromes mais facilmente reconhecidas, mediante a análise do conjunto de dismorfias em lugar da valorização excessiva de um sinal clínico isolado.10‐13
A despeito das diferenças metodológicas entre os estudos, admite‐se que em 20% dos recém‐nascidos com três ou mais sinais minor, um major é detectado.10,12 Considerando a ampla variação de idade e a presença de FOT como sinal major presente em todos os casos, optou‐se nesta análise por estabelecer o ponto de corte de quatro ou mais sinais minor para classificar o caso como potencialmente sindrômico. Destaca‐se, também, que no presente estudo os observadores clínicos foram os mesmos em todos os casos (ILM e MIBF), o que reforça a uniformidade da avaliação morfológica.
Foi observada elevada frequência de defeitos minor e major na amostra, sem associação preferencial com o tipo de FOT. Por outro lado, o grupo de FP apresentou maior número de defeitos associados. Esse resultado corrobora a literatura, uma vez que as FP têm sido mais frequentemente relacionadas a quadros sindrômicos.2‐4
Destaca‐se que todos os pacientes com defeitos major também apresentavam defeitos minor. Nesses, os sítios anatômicos mais acometidos foram semelhantes aos descritos na literatura, cuja frequência é variável, devido, novamente, ao emprego de diferentes métodos de seleção de amostra.21‐24,27
Considerando a classificação fenotípica, observou‐se que o grupo de FOT sindrômica predominou sobre o grupo de FOT não sindrômica e esteve estatisticamente associado à FP. A frequência de casos de FOT sindrômica foi maior do que a descrita na literatura tanto no grupo FL/P quanto no grupo FP.2‐4 Esses resultados devem estar relacionados à ampliação do critério de definição de casos sindrômicos adotado neste estudo.
A ausência de diferenças entre os grupos de FOT sindrômica e FOT não sindrômica quanto a variáveis maternas e familiais provavelmente reflete a heterogeneidade etiológica do grupo sindrômico e o tamanho amostral. A frequência elevada de uso de álcool e tabaco durante a gestação é preocupante e requer ações de educação em saúde. Consanguinidade e recorrência familial, também importantes nessa amostra, são fatores de risco que devem receber a atenção dos profissionais de saúde para adequada abordagem preventiva.29,30 A associação entre FOT sindrômica e baixo peso ao nascer é esperada em face da maior gravidade clínica observada nesses casos.1,2,4,5
A ausência de diferenças entre os grupos de FOT sindrômica e FOT não sindrômica quanto ao número de gestações pode refletir o desconhecimento da população sobre o caráter hereditário das FOT e a dificuldade de atendimento em genética para diagnóstico e aconselhamento genético. A falta de diagnóstico, condutas antecipatórias e planejamento terapêutico, proporcionados pela avaliação genética, assim como o curso clínico mais grave, podem ser parte dos motivos que justificam o acesso significativamente menor ao tratamento cirúrgico no grupo de FOT sindrômica.
Aberrações cromossômicas são tradicionalmente associadas com FOT.2,3,5,7 Nesta amostra o cariótipo foi elucidativo da etiologia em três casos (46,XY,r(15), 47,XX,+der(22)t(11;22)(q23;q11)mat e 46,XX/47, +18) e indicativo da etiologia em um 46,XX,add(22)(q13). Nesse último, foi reconhecida a síndrome da microduplicação 16p13.3, cujos detalhes clínicos e genéticos serão objeto de publicação específica.
Em um paciente com cariótipo normal, a técnica de MLPA identificou a deleção 22q11.2[46,XY.ish del(22)(q11.2q11.2)], coerente com a suspeita clínica, resultado confirmado por Fish. Os casos de DCM também com cariótipo normal, mas que permaneceram sem diagnóstico etiológico, reforçam a importância do seguimento clínico e do emprego de recursos laboratoriais de maior densidade tecnológica em situações selecionadas. Destaca‐se que entre os casos definidos como síndromes a maioria foi diagnosticada com base em critérios clínicos, o que reforça a importância da avaliação genética.
Ao valorizar defeitos associados (minor e major), este estudo traz uma abordagem inédita e de fácil aplicação prática para a codificação e classificação das FOT. A proposta amplia o conceito e delimita a fronteira entre FOT sindrômica e FOT não sindrômica, com bases clínicas.
Além da possibilidade de planejar a reabilitação clínico‐cirúrgica em consonância com as necessidades de saúde específicas de cada indivíduo, o uso dessa proposta poderia contribuir para homogeneizar a seleção de amostras e ordenar o uso de novas tecnologias para estudos etiológicos e de correlação genótipo‐fenótipo nas FOT. Espera‐se que essa abordagem seja reproduzida em estudos com amostras maiores, a fim de reunir subsídios para avaliar suas limitações e potencialidades.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica (CNPq/Pibic) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Monlleó IL, de Barros AG, Fontes MI, de Andrade AK, Brito GM, do Nascimento DL, et al. Diagnostic implications of associated defects in patients with typical orofacial clefts. J Pediatr (Rio J). 2015;91:485–92.
Trabalho vinculado à Faculdade de Medicina, Serviço de Genética Clínica, Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes, Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.