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Vol. 94. Núm. 2.
Páginas 192-199 (março - abril 2018)
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Vol. 94. Núm. 2.
Páginas 192-199 (março - abril 2018)
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Cross‐cultural adaptation and validation of the Karitane Parenting Confidence Scale of maternal confidence assessment for use in Brazil
Adaptação transcultural e validação da Karitane Parenting Confidence Scale para avaliação da confiança materna para uso no Brasil
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Lívia W. Pereiraa,b, Juliana R. Bernardia,b,c,d,
Autor para correspondência
juliana.bernardi@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Salete de Matosa,b,c, Clecio H. da Silvaa,b,c,e, Marcelo Z. Goldania,b,c,e, Vera L. Bosaa,b,d
a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Núcleo de Estudos em Saúde da Criança e do Adolescente (NESCA), Porto Alegre, RS, Brasil
b Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil
c Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Medicina, Pós‐Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Porto Alegre, RS, Brasil
d Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Medicina, Departamento de Nutrição, Porto Alegre, RS, Brasil
e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria, Porto Alegre, RS, Brasil
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Tabelas (4)
Tabela 1. Características socioeconômicas, demográficas e perinatais maternas, Ivapsa, Porto Alegre
Tabela 2. Análises entre a confiança materna e os dados socioeconômicos e demográficos, Ivapsa, Porto Alegre
Tabela 3. Valores de Alpha de Cronbach por questão da ferramenta Karitane Parenting Confidence Scale (KPCS), Ivapsa, Porto Alegre
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Abstract
Objectives

To transculturally adapt and validate the Karitane Parenting Confidence Scale to the Brazilian Portuguese language and culture and verify the combination of the results with the maternal sociodemographic characteristics.

Methodology

This is a validation and transcultural adaptation nestled in a longitudinal and observational study in Porto Alegre, RS, Brazil, assessing mother‐infant pairs from different gestational and perinatal environments. The original authors authorized the translation into Brazilian Portuguese, unified version creation, back‐translation, analysis by specialists, final version implementation, and acceptance. Cronbach's alpha analysis was performed. The Kruskal–Wallis test with post‐hoc Dunn's test was used to compare the study groups. Socioeconomic and demographic characteristics, obtained through a questionnaire in the first 24‐48h of the newborns’ life, were associated with maternal results by the Brazilian version of the scale, using Spearman's correlation and Mann–Whitney's test.

Results

The sample consisted of 251 postpartum women, with the confidence maternal questionnaire being applied at 15 days postpartum. The median score of the mothers’ confidence was 40.00 (37.00–43.00). The protocol obtained a Cronbach's alpha of 0.717. There were significant weak positive correlations between maternal confidence and age (p=0.013, r=0.157) and between maternal confidence and schooling (p=0.048, r=0.125). Additionally, a significant association was observed between maternal confidence and parity (p=0.030).

Conclusion

The transcultural adaptation and validation of the confidence maternal questionnaire into Brazilian Portuguese language and culture showed good reliability for this sample. The results of its use demonstrated that maternal confidence was associated with schooling, age and parity.

Keywords:
Validation studies
Confidence
Postpartum period
Mother–child relations
Resumo
Objetivos

Adaptar transculturalmente e validar a ferramenta Karitane Parenting Confidence Scale para a língua portuguesa e cultura brasileira, além de verificar a associação de seus resultados com as características sociodemográficas maternas.

Metodologia

Trata‐se da validação e adaptação transcultural aninhada a estudo observacional longitudinal feito em Porto Alegre (RS), com puérperas de diferentes condições gestacionais e perinatais. Os processos ocorreram mediante autorização dos autores originais da escala Karitane Parenting Confidence Scale para a tradução para o português brasileiro, montagem de versão unificada, retradução, análise por experts, aplicação da versão final e validação. Realizou‐se a análise Alpha de Cronbach. Para a comparabilidade entre os grupos do estudo utilizou‐se o teste de Kruskal‐Wallis com post hoc de Dunn. As características socioeconômicas e demográficas das puérperas, obtidas através de questionário estruturado nas 24‐48h pós‐parto, foram relacionadas com a confiança materna obtida através da aplicação da escala, utilizando‐se a correlação de Spearman e o teste de Mann‐Whitney.

Resultados

A amostra foi composta por 251 puérperas, com a aplicação do questionário sobre confiança materna aos 15 dias pós‐parto. A mediana da pontuação de confiança materna foi 40,00 [37,00‐43,00]. O protocolo obteve valor de Alpha de Cronbach de 0,717. Houve correlações fracas significativas positivas entre confiança e idade materna (p=0,013; r=0,157) e entre confiança e escolaridade materna (p=0,048; r=0,125). Além disso, houve associação significativa entre a confiança materna e a paridade (p=0,030).

Conclusão

A adaptação transcultural e validação da ferramenta sobre a confiança materna para o português brasileiro mostrou boa confiabilidade. Os resultados de sua aplicação demonstraram que a confiança materna esteve associada à escolaridade, à idade e à paridade.

Palavras‐chave:
Estudos de validação
Confiança
Período pós‐parto
Relações mãe‐criança
Texto Completo
Introdução

A confiança materna é uma característica muito importante para o adequado crescimento e desenvolvimento dos recém‐nascidos. A sua ausência no início do período pós‐natal pode influenciar de forma negativa sua capacidade de exercer os cuidados com seu filho. O sentimento de confiança dos pais contribui para a relação criança‐mãe, no empenho e na energia demandada pela puérpera em ensinar, brincar e se relacionar com seu filho, bem como em tantos outros aspectos do desenvolvimento infantil.1

Os sentimentos de confiança e autoeficácia maternos são determinados por uma série de diferentes fatores, dentre eles as características contextuais, tais como apoio social, estilos de comportamentos infantis e alterações mentais maternas.2 Ademais, maiores níveis de confiança materna foram classificados como fator de proteção para depressão materna, dificuldades de relacionamento, competência parental, estresse e comprometimento do desenvolvimento da criança.3

Diante desse contexto se tornam necessárias medidas eficazes para estimar o sentimento de confiança materna e no Brasil ainda são poucos os instrumentos disponíveis para tal finalidade. A Breastfeeding Self‐Efficacy Scale (BSES), que mensura a confiança da mulher no seu potencial de amamentar,4 e o Postpartum Bonding Questionnaire (PBQ), que visa a avaliar a existência de perturbações na relação que mães e pais estabelecem com o seu filho,5 compõem o panorama nacional de escalas voltadas para aferição da relação entre os pais e seus recém‐nascidos.

Assim, a validação de um conteúdo permite ao pesquisador observar se a escala e as questões que a compõem são bons preditores da esfera da temática que se pretende medir.6 Ademais, questionários validados em diferentes idiomas ao serem usados permitem uma coleta de dados confiáveis, facilitam a comparação e discussão de resultados de variados estudos, englobam também os de nível internacional.7

Frente a esse contexto, o uso de um instrumento que possa avaliar a confiança materna pode tornar‐se útil e contribuir para o desenvolvimento saudável da criança. Nesse sentido, a Karitane Parenting Confidence Scale (KPCS),8,9 projetada para medir a autoeficácia parental em pais de crianças até 12 meses, mostra‐se como uma ferramenta capaz de fazer essa avaliação. Trata‐se de um protocolo ainda pouco conhecido e usado no contexto brasileiro, factível para o tema abordado e comprovado uso no país de origem. Além disso, tem sua aplicação recomendada no primeiro ano de vida da criança, momento em que surgem as maiores dúvidas e dificuldades para os pais, pode assim auxiliar no entendimento desse momento. Desse modo, o objetivo do presente estudo foi adaptar transculturalmente e validar tal ferramenta para a língua portuguesa e cultura brasileira em puérperas com diferentes condições gestacionais fisiológicas e/ou metabólicas, permitir avaliar sua aplicabilidade em variados contextos, além de verificar a associação de seus resultados com as características sociodemográficas maternas.

Métodos

Validação e adaptação transcultural de um protocolo aplicado durante um estudo observacional longitudinal intitulado Impacto das Variações do Ambiente Perinatal sobre a Saúde do Recém‐Nascido nos Primeiros Seis Meses de Vida (Ivapsa), uma coorte temática de nascimentos que teve como principal objetivo investigar interações entre o fenótipo materno durante a gestação (com a inclusão de mulheres de diferentes grupos de ambientes intrauterinos e perinatais), o genótipo materno e fetal e sua influência no crescimento, comportamento e neurodesenvolvimento nos primeiros seis meses de vida do recém‐nascido.

A logística da pesquisa foi publicada anteriormente.10 O objetivo deste estudo foi validar a escala e avaliar sua aplicabilidade em puérperas com diferentes condições gestacionais fisiológicas e/ou metabólicas, a fim de confirmar sua aplicabilidade em variados contextos.

A seleção da amostra foi feita em três hospitais públicos de Porto Alegre: Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Hospital Fêmina e Hospital Nossa Senhora da Conceição, os dois últimos pertencentes ao Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do HCPA e do GHC, respectivamente nos protocolos 11‐0097 e 11‐027.

O protocolo KPCS é composto por 15 questões de múltipla escolha com quatro possíveis respostas, cada uma pontuada em 0, 1, 2 ou 3, pode o seu somatório variar de 0 a 45. Com a pontuação total da escala é possível classificar as mães como confiantes ou não em relação aos cuidados com seus filhos. São classificadas como confiantes as mães que apresentam somatório igual ou superior a 40.8

O processo de validação do questionário KPCS, previamente validado em seu idioma de origem, teve início no contato com seus autores originais e sua autorização. A seguir, fez‐se a tradução e adaptação transcultural, a qual foi desenvolvida em cinco etapas: 1ª) tradução, 2ª) montagem de versão unificada, 3ª) retradução, 4ª) análise por experts e autores originais do questionário e 5ª) aplicação da versão final em estudo.

A primeira etapa, tradução para o português brasileiro, foi composta por duas traduções do instrumento original, feitas de forma independente por um profissional experiente na área de interesse de aplicação do questionário, fluente no idioma inglês, e por um profissional de nível superior graduado em letras com especialização em inglês. Como resultado da primeira etapa obtiveram‐se duas diferentes versões do questionário KPCS.

Feitas as traduções, a próxima etapa executada foi a de montagem de uma versão unificada, em que os profissionais da área da temática de aplicação do protocolo discutiram sobre as perguntas e respostas mais adequadas adaptadas ao português, qual o melhor contexto das frases e também o entendimento delas em relação aos diferentes níveis de escolaridade do público alvo. Desse modo foi possível englobar todas as questões, a fim de se obter uma versão unificada apropriada ao objetivo do questionário.

A retradução foi o processo de tradução da versão unificada em português brasileiro para o inglês, a qual foi executada novamente por um profissional de nível superior graduado em letras com especialização no idioma inglês tendo como idioma fluente o português, sem conhecimento do propósito do protocolo.

Por ocasião da interpretação final do questionário montado, com versões em português e retraduzidas para o inglês, o próximo passo executado foi o de análise por experts e autores originais do questionário. Essa etapa se deu por meio de um consenso formado por diferentes opiniões de cinco especialistas na área de aplicação do protocolo, foram discutidos o entendimento do questionário e sua adequação ao propósito a que se destina. Em paralelo a essa discussão, a versão unificada, em inglês, foi enviada por correio eletrônico ao autor principal do protocolo original (Dr. Rudi Črnčec), com a finalidade de avaliar o questionário traduzido da sua versão brasileira, de fazer observações sobre o produto final e autorizar seu uso.

De posse do protocolo traduzido, unificado, retraduzido, discutido e aprovado por todos os envolvidos no processo, a versão brasileira do KPCS, finalmente, foi usada pelos pesquisadores participantes do estudo Ivapsa junto ao público‐alvo a fim de testar a sua aplicabilidade.

O referido estudo selecionou uma amostra por conveniência na qual foram incluídas puérperas residentes em Porto Alegre entre 24 e 48 horas após o parto. Excluíram‐se mulheres HIV/Aids positivas e mães de recém‐nascidos (RNs) de partos gemelares, prematuros, com doenças congênitas ou que necessitaram de internação hospitalar.

As puérperas selecionadas pela pesquisa foram classificadas em cinco grupos, de acordo com as condições apresentadas durante a gestação: 1) Diabetes melittus (DM), 2) Hipertensão arterial sistêmica (HAS), 3) Fumantes, 4) Restrição de crescimento intrauterino idiopático com recém‐nascidos pequenos para idade gestacional (RCIU/PIG) e 5) o grupo controle. As participantes apresentavam, preferencialmente, apenas as condições clínicas‐obstétricas características de cada um dos grupos. Caso houvesse sobreposição em mais de um grupo de estudo, deu‐se preferência à condição gestacional primária. Essa heterogeneidade da amostra permitiu uma avaliação do protocolo em puérperas que desenvolveram diferentes condições clínicas e metabólicas durante a gestação. As informações socioeconômicas e demográficas maternas (idade, escolaridade, renda, situação conjugal e etnia relatada), pré e perinatais (planejamento da gestação, gestação prévia e tipo de parto) foram obtidas por questionário estruturado na entrevista de pós‐parto (PP), entre 24 e 48 horas após o parto, e pela revisão de prontuários médicos hospitalares. A versão final da escala KPCS (anexo 1) foi aplicada as puérperas no 15o dia pós‐parto.

O procedimento de validação do protocolo tornou‐se completo quando feitas as análises de consistência interna da versão traduzida e adaptada à cultura brasileira. Para tanto, seguiram‐se alguns dos procedimentos de análise usados originalmente, previamente descritos no manual do KPCS em sua versão original australiana.8 Assim, com o intuito de avaliar a consistência interna do protocolo KPCS usou‐se o coeficiente Alpha de Cronbach, considerado um dos principais estimadores de confiabilidade de questionários. A escala de variância dessa análise abrange de 0 a 1, 0,7 é o valor mínimo aceitável para se considerar um questionário qualificado para aplicações.11,12 É importante salientar que a questão de número 12 (“Ser mãe é muito estressante para mim”), por apresentar na sua estrutura de respostas um formato contrário às demais da escala, se fez necessária a inversão delas para a análise de Alpha de Cronbach, colocaram‐se aquelas de cunho mais positivo com maior pontuação, se equipararam assim às demais questões.

Para exibição dos dados, conforme o resultado do teste de normalidade de Shapiro‐Wilk, as variáveis contínuas foram apresentadas por meio de mediana e intervalo interquartil [P25P75] e as categóricas por número absoluto e relativo. As análises estatísticas para comparar os dados dos grupos da amostra incluíram correlação de Spearman, Kruskal‐Wallis com post hoc de Dunn e Mann‐Whitney. O programa estatístico usado foi o SPSS (SPSS Inc. Released 2009. Statistics for Windows, versão 18.0. Chicago, EUA). Em todas as análises o nível de significância foi de 0,05.

Resultados

A população do estudo foi composta por 251 puérperas por ocasião da aplicação do protocolo no 15° dia pós‐parto.

Na tabela 1 estão descritos os dados socioeconômicos e demográficos da amostra geral em estudo e a distribuição dos grupos de ambientes intrauterinos e perinatais. Destaca‐se que a mediana de renda familiar (em reais) foi de 1,5 salário mínimo [R$ 1.322 (1.000‐2.000)], o que equivale a U$ 377 mensais, e que a mediana da escolaridade materna foi de 10 anos de estudo.

Tabela 1.

Características socioeconômicas, demográficas e perinatais maternas, Ivapsa, Porto Alegre

Variáveis  Mediana, P25‐P75  Total (n, %) 
Grupos em estudo
DM    49 (19,5) 
HAS    27 (10,8) 
TAB    52 (20,7) 
RCIU/PIG    26 (10,4) 
CTL    97 (38,6) 
Idade (anos)  26,0 [21,0‐32,0]  251 (100,0) 
Escolaridade (anos de estudo)a  10,0 [8,0‐11,0]  250 (100,0) 
Renda (reais)a  1.322 [1.000‐2.000]  225 (100,0) 
Situação conjugal (n, %)
Com companheiro    203 (80,9) 
Sem companheiro    48 (19,1) 
Gestação planejada (n, %)
Sim    91 (36,3) 
Não    160 (63,7) 
Já engravidou antes (n, %)
Sim    151 (60,2) 
Não    100 (39,8) 
Etnia relatada (n, %)
Branca    155 (61,8) 
Não branca    96 (38,2) 
Tipo de parto (n, %)
Cesariana    88 (35,1) 
Vaginal    163 (64,9) 

CTL, Controle; DM, diabetes mellitus; HAS, hipertensão arterial sistêmica; Ivapsa, Impacto das Variações do Ambiente Perinatal sobre a Saúde do Recém‐Nascido nos Primeiros Seis Meses de Vida; P, percentil; RCIU/PIG, restrição de crescimento intrauterino idiopático com recém‐nascidos pequenos para idade gestacional; TAB, Tabaco.

a

O n total foi menor para essas variáveis devido à falta de informações e respostas (não sabe/não respondeu).

As puérperas que obtiveram, na escala KPCS, somatório igual ou superior a 40 foram consideradas confiantes [55,8% (n = 140)], enquanto que as que atingiram pontuação de 39 ou número inferior foram classificadas como não confiantes, [44,2% (n = 111)], conforme a classificação da pontuação do protocolo original (dados não mostrados em tabela).

A tabela 2 demonstra os dados sobre a confiança materna da amostra. A mediana final da pontuação foi de 40 [37‐43]. Destaca‐se que não houve diferença estatisticamente significativa entre a pontuação da escala e os grupos de ambientes intrauterinos e perinatais analisados (p = 0,575). Ao relacionar a confiança materna com os dados socioeconômicos e demográficos houve uma fraca correlação entre confiança e escolaridade materna (p = 0,048; r = 0,125), assim como entre confiança e idade materna (p = 0,013; r = 0,157). Além disso, houve associação significativa entre confiança e paridade (p = 0,030), demonstrou‐se que mães que tinham filhos anteriores apresentaram maior confiança.

Tabela 2.

Análises entre a confiança materna e os dados socioeconômicos e demográficos, Ivapsa, Porto Alegre

Variáveis  Mediana (P25‐P75)  Valor de p  Correlação r 
Confiança maternaa(grupos em estudo)  40,0 (37,0‐43,0)  0,575   
DM  41,0 (38,0‐42,0)     
HAS  39,0 (37,0‐43,0)     
TAB  40,0 (37,0‐43,0)     
RCIU/PIG  39,0 (35,8‐40,3)     
CTL  41,0 (36,0‐43,0)     
Escolaridade maternab  26,0 (21,0‐32,0)  0,048  0,125 
Idade maternab  10,0 (8,0‐11,0)  0,013  0,157 
Paridadec    0,030   

Valores em negrita são estatisticamente significativos.

CTL, Controle; DM, diabetes mellitus; HAS, hipertensão arterial sistêmica; Ivapsa, Impacto das Variações do Ambiente Perinatal sobre a Saúde do Recém‐Nascido nos Primeiros Seis Meses de Vida; P, percentil; RCIU/PIG, restrição de crescimento intrauterino idiopático com recém‐nascidos pequenos para idade gestacional; TAB, Tabaco.

a

Teste Kruskal‐Wallis com post hoc de Dunn.

b

Correlação de Spearman.

c

Teste Mann Whitney.

A análise da consistência interna do protocolo se deu através do coeficiente Alpha de Cronbach. Usaram‐se todas as questões pelas quais o questionário é composto e, no fim, se obteve um valor de 0,717, classificou‐se o protocolo como compreensível e qualificado para aplicações subsequentes na população brasileira. Os valores de Alpha de Cronbach por questão estão descritos na tabela 3.

Tabela 3.

Valores de Alpha de Cronbach por questão da ferramenta Karitane Parenting Confidence Scale (KPCS), Ivapsa, Porto Alegre

Questão  Alpha de Cronbach 
1. Eu me sinto confiante ao alimentar meu bebê  0,714 
2. Eu consigo acalmar meu bebê  0,688 
3. Eu me sinto confiante em ajudar o meu bebê a estabelecer uma rotina de sono adequada  0,709 
4. Eu sei o que fazer quando meu bebê chora  0,689 
5. Eu entendo o que o meu bebê está tentando me dizer  0,678 
6. Eu consigo acalmar o meu bebê quando ele(a) está irritado(a)  0,683 
7. Eu me sinto confiante ao brincar com o meu bebê  0,684 
8. Se o meu bebê tiver um resfriado ou uma febre leve, eu saberei como lidar com isso  0,699 
9. Eu tenho certeza que meu parceiro estará ao meu lado se eu precisar de apoio  0,731 
10. Eu tenho certeza que meu bebê está bem  0,701 
11. Eu consigo tomar decisões a respeito do cuidado com o meu bebê  0,691 
12. Ser mãe é muito estressante para mim  0,754 
13. Eu sinto que estou fazendo um bom trabalho como mãe  0,699 
14. Outras pessoas dizem que eu estou sendo uma boa mãe  0,701 
15. Eu tenho certeza que outras pessoas estarão ao meu lado se eu precisar de apoio  0,713 

Ivapsa, Impacto das Variações do Ambiente Perinatal sobre a Saúde do Recém‐Nascido nos Primeiros Seis Meses de Vida.

Discussão

Este estudo demonstrou que o protocolo KPCS é um instrumento aplicável para a mensuração do nível de confiança materna e adequado para execução na língua portuguesa, dentro do contexto cultural brasileiro. Os níveis de confiança materna mostraram fraca correlação significativa entre idade e escolaridade materna e associação com paridade. Corroborando os achados, em um estudo feito na Austrália com um grupo de mulheres no primeiro ano pós‐natal voluntariamente acompanhadas por equipe multiprofissional em uma unidade privada, fez‐se uso da escala KPCS e encontrou‐se que as mães multíparas eram mais confiantes em relação aos seus filhos, bem como as mães de idade mais avançada. Essas associações podem ser reflexo de apoios sociais mais estabelecidos entre mães mais velhas comparadas com as jovens.13

Numa perspectiva da integralidade em saúde, destacam‐se como aspectos relevantes de atenção ao puerpério a indissociabilidade do cuidado à mãe e à criança, o aleitamento materno, o planejamento familiar e a morbimortalidade materna e infantil.14 Assim, quando levado em conta o fato do sentimento de confiança parental, mensurado por outras características, como a prática do aleitamento materno, um estudo feito em Feira de Santana, na Bahia (Brasil), demonstrou que os filhos de mães multíparas apresentaram maiores chances de ser amamentados exclusivamente e ainda maior prevalência desse tipo de amamentação em relação aos filhos de mães primíparas.15 Em outra coorte de nascimentos feita em Pelotas, no Rio Grande do Sul (Brasil), a qual avaliou nutrição materna e duração da amamentação, a prevalência de amamentação foi significativamente maior conforme aumentou a idade materna, além de as mulheres primíparas amamentarem por menos tempo.16 Ademais, em 2011, Hernandez et al., em uma análise de tendências das taxas de mortalidade infantil e de seus fatores de risco na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (Brasil), verificaram que o aumento da escolaridade materna foi o fator de maior impacto para o declínio das taxas de mortalidade infantil entre 1996 e 2008.17 Esses resultados reforçam a importância de que, nas primeiras semanas de vida da criança, a mãe receba apoio e orientação, diminuam‐se os sentimentos de insegurança e ansiedade, beneficie‐se a prática do aleitamento materno por maior período de tempo18 e, consequentemente, proporcione um melhor cuidado com a saúde infantil.

O processo de tradução e adaptação transcultural do protocolo KPCS possibilitou adequar uma ferramenta e torná‐la útil para aplicação na cultura brasileira. Para tanto, levou‐se em conta que, segundo o International Test Comission,19 ao se adaptar instrumentos é crucial considerar, na nova cultura, a coerência dos conceitos e das propriedades apreendida pela versão original, bem como a adequação de cada item do protocolo inicial em termos de potencial de representação desses quesitos no novo público‐alvo, considerando equivalência semântica, linguística e contextual entre as versões.

A etapa de validação consolidou o processo de forma integral, permitiu informar se o instrumento é, de fato, capaz de avaliar seu objetivo conforme seu público‐alvo original. Especialmente em estudos transculturais, o uso de ferramentas que foram puramente traduzidas não garante resultados confiáveis. Isso porque a mera tradução do instrumento não garante critérios para mensurar se os resultados alcançados se referem a diferenças ou similaridades entre as diversas amostras ou se são oriundos de erros de tradução.20

Ainda em relação à validação de instrumentos em diferentes contextos culturais e linguísticos, alguns autores afirmam que estudos transculturais permitem não apenas verificar diferenças entre indivíduos e culturas, mas também apreender as semelhanças e características comuns entre os mesmos.20 Assim, é imprescindível que existam instrumentos adequadamente adaptados, que possam proporcionar equivalência da medida, independentemente do contexto em que for usado.21

A ferramenta KPCS, previamente validada em seu idioma e local de origem, Austrália, foi também traduzida e validada para aplicação na população mepalesa.22 Desse modo foi possível comparar os procedimentos feitos pelos pesquisadores responsáveis pela atividade no Nepal, bem como no país de origem da escala, e também os resultados encontrados nos diferentes contextos.8–22A população estudada na validação original8,9 e na adaptação transcultural e validação empreendida no Nepal22 para o estudo foi composta por puérperas sem intercorrências gestacionais, pré e pós‐natais. Contrapondo essa realidade, no presente estudo, além de mulheres do grupo controle, houve a participação de puérperas que desenvolveram diferentes condições gestacionais fisiológicas e/ou metabólicas distribuídas em grupos, contemplaram‐se mulheres com DM, HAS, tabagistas e crianças com RCIU/PIG. Vale ressaltar que ao compararmos tais grupos do presente estudo, as variadas condições apresentadas durante a gestação não implicaram diferenças estatisticamente significativas em relação à confiança materna. Assim, o fato de a amostra contemplar participantes com distintas condições gestacionais permitiu avaliar como a escala se comporta em diferentes contextos de saúde, diferenciar a validação para o português brasileiro das validações original e nepalesa, ampliar sua aplicabilidade.

Além das diferenças já relatadas em relação aos processos de tradução e validação nos diferentes contextos, ainda cabe ressaltar que as participantes, no presente estudo, foram recrutadas em três hospitais públicos do mesmo município. Em relação aos outros estudos feitos com a ferramenta KPCS, as participantes foram selecionadas a partir de um único hospital, no ambulatório e/ou unidade pós‐natal da maternidade do Hospital da Mulher de Kathmandu, no Nepal,22 e na clínica médica Karitane, em Villawood, New South Wales, Austrália.8

Os resultados encontrados no presente estudo não se mostraram semelhantes às demais pesquisas no que se refere aos valores de consistência interna, o qual apresentou discrepância em comparação com os da escala original e Nepalesa, quando contrastados com a presente validação para o português brasileiro. Isso poderia ser justificado pelas disparidades entre os métodos adotados na comparação desses estudos. Mesmo assim, os resultados se encontram dentro da margem estatística exigida de uma classificação considerada confiável. Valores de consistência interna medidos pelo coeficiente Alpha de Cronbach igual ou superiores a 0,7 se fazem necessários para uma nova escala.12 Por conseguinte, a exposta adaptação transcultural e validação apresentou neste estudo um resultado de 0,717, enquanto no Nepal foi de 0,87 e na sua forma original foi 0,81.21,22

A relação entre confiança materna, escolaridade, idade e paridade corrobora outros resultados já descritos na literatura. Evidencia‐se que maior nível de educação materna melhora a qualidade do cuidado infantil, enquanto que baixos níveis socioeconômicos e de escolaridade estão ligados a piores quadros de saúde da criança.23,24

Olafsen et al. (2007)25 preconizam que a variável confiança materna seja avaliada logo no período neonatal, posto que a existência de baixos níveis de confiança parental pode representar uma vulnerabilidade que deve ser prontamente manejada tão logo identificada. No presente estudo, conforme sugerido na literatura, a aplicação da escala ocorreu no 15° dia pós‐parto, ainda no período neonatal, no qual os pais estão em fase de adaptação ao recém‐nascido, bem como sensíveis aos novos sentimentos que surgem.

Dentro do contexto envolvido na feitura deste trabalho e considerando que os resultados corroboram a literatura descrita, é elementar reforçar a importância que a confiança materna representa no conceito da maternidade. Ao avaliar‐se que baixos níveis de confiança parental podem vir a acometer a interação pais‐bebê, a promoção no sentimento de competência parental revela‐se muito pertinente. Assim, é imprescindível valorizar a relevância clínica do sentimento de confiança materna, o qual é crucial para o desenvolvimento de uma paternidade e maternidade adaptativa e gratificante.26

Dentre as limitações do presente estudo cita‐se o fato de a amostra ter sido selecionada por conveniência, algo que facilita o alcance do pesquisador ao voluntário e preenche os requisitos instituídos previamente, mas que ocasiona certa ineficiência ao serem feitas generalizações externas e alegações com precisão estatística. Igualmente, o fato de a validação não ter um estudo‐piloto, uma etapa em que poderiam ter sido observados tópicos pertinentes, enriqueceria as discussões e decisões dos experts. Todavia, na literatura existem diversos outros estudos de validação da mesma forma.22,27–29Como pontos fortes da pesquisa evidenciam‐se o tamanho da amostra (n = 251), consideravelmente maior comparado com os outros estudos feitos com a escala, os quais apresentaram n = 187 (validação original) e n = 100 (validação nepalesa). Além da diversidade dos sujeitos de pesquisa, devido a suas diferentes características de saúde, o que ampliou a variância das respostas e mostrou que a ferramenta, em sua versão brasileira, é confiável para aplicações em distintos contextos.

A proposta de adaptação transcultural e validação da ferramenta Karitane Parenting Confidence Scale se mostrou confiável, alcançou os objetivos traçados inicialmente. Os resultados apontaram o questionário como compreensível pelo público‐alvo, foi capaz de atingir os objetivos descritos preliminarmente. Também ao longo de todo o processo observou‐se a relevância do objeto de pesquisa mensurado pela escala dentro da realidade das puérperas, ao relacionar os resultados obtidos com idade, escolaridade e paridade e ao se obterem desfechos já descritos pela literatura em outros momentos e locais. Firmou‐se assim a competência da avaliação da confiança materna desenvolvida nessa importante etapa do ciclo vital da mulher.

Financiamento

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Anexo 1
Versão final da escala aplicada pelos pesquisadores IVAPSA.

KPCS 
Eu me sinto confiante ao alimentar meu bebê? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
(88) Outra pessoa alimenta o bebê (NSA) 
 
Eu consigo acalmar meu bebê? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu me sinto confiante em ajudar o meu bebê a estabelecer uma rotina de sono adequada? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu sei o que fazer quando meu bebê chora? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu entendo o que o meu bebê está tentando me dizer? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu consigo acalmar o meu bebê quando ele(a) está irritado(a)? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu me sinto confiante ao brincar com o meu bebê? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Se o meu bebê tiver um resfriado ou uma febre leve, eu saberei como lidar com isso? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu tenho certeza que meu parceiro estará ao meu lado se eu precisar de apoio? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
(88) Não tenho um parceiro (NSA). 
 
Eu tenho certeza que meu bebê está bem? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu consigo tomar decisões a respeito do cuidado com o meu bebê? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Ser mãe é muito estressante para mim? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu sinto que estou fazendo um bom trabalho como mãe? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Outras pessoas dizem que eu estou sendo uma boa mãe? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 
 
Eu tenho certeza que outras pessoas estarão ao meu lado se eu precisar de apoio? 
(0) Não, dificilmente. 
(1) Não frequentemente. 
(2) Sim, algumas vezes. 
(3) Sim, a maior parte das vezes. 

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Como citar este artigo: Pereira LW, Bernardi JR, Matos S, Silva CH, Goldani MZ, Bosa VL. Cross‐cultural adaptation and validation of the Karitane Parenting Confidence Scale of maternal confidence assessment for use in Brazil. J Pediatr (Rio J). 2018;94:192–199.

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