To estimate the coverage of the National Vitamin A Supplementation Program (Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A) in children from Alagoas, to identify factors associated with this coverage, and to analyze the adequacy of nutrition education actions.
MethodsHousehold survey involving a representative probabilistic sample of children aged 6 to 59 months from Alagoas and their mothers (n=509). Coverage was defined by the percentage of children with supplementation records in the last semester. The association between the independent variables (socioeconomic, demographic, and health) and the National Vitamin A Supplementation Program coverage was analyzed based on the prevalence ratio and its 95% CI. The mothers’ knowledge of questions related to vitamin A was considered as an indicator of the adequacy of nutrition education actions.
ResultsProgram coverage was 91.9% in children aged 6‐11.9 months and 38.6% in children aged 12‐59 months. In the adjusted analysis, the factors that were associated with greater coverage were: age between 6‐11.9 months (PR=2.50, 95% CI: 2.10‐2.96), living in rural areas (PR=1.45, 95% CI: 1.20‐1.76) and living in a house with ≤ 4 rooms (PR=1.33, 95% CI: 1.09‐1.63). Only 26.1% of the mothers were able to mention some food source of vitamin A and only 19.2% were aware of the consequences of vitamin deficiency for health.
ConclusionsThe National Vitamin A Supplementation Program coverage is below the targets set by the Ministry of Health (except for children <12 months). The factors associated with greater coverage indicate an adequate focus of the program. The nutrition education activities have not demonstrated satisfactory results. This information should guide actions to improve the program.
Estimar a cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A em crianças de Alagoas, identificar fatores associados a essa cobertura e analisar a adequação das ações de educação nutricional.
MétodosInquérito domiciliar que envolveu amostra probabilística representativa das crianças de 6 a 59 meses de Alagoas e suas mães (n=509). A cobertura foi definida pelo percentual de crianças com registro de suplementação no último semestre. A associação entre as variáveis independentes (socioeconômicas, demográficas e de saúde) e a cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A foi analisada com base na razão de prevalência e seu IC95%. O conhecimento das mães sobre questões relacionadas à vitamina A foi assumido como indicador da adequação das ações de educação nutricional.
ResultadosA cobertura do programa foi de 91,9% entre crianças de 6‐11,9 meses e de 38,6% entre as de 12‐59 meses. Na análise ajustada, os fatores que se associaram à maior cobertura foram ter idade entre 6‐11,9 meses (RP=2,50; IC95%: 2,10‐2,96), residir em zona rural (RP=1,45; IC95%: 1,20‐1,76) e morar em domicílio com ≤ 4 cômodos (RP=1,33; IC95%: 1,09‐1,63). Somente 26,1% das mães souberam citar algum alimento fonte de vitamina A e apenas 19,2% conheciam as consequências da deficiência dessa vitamina para a saúde.
ConclusõesA cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A encontra‐se aquém das metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde (exceto para crianças <12 meses). Os fatores associados à maior cobertura evidenciam adequada focalização do programa. As atividades de educação nutricional não ocorrem de forma satisfatória. Essas informações devem nortear ações de aperfeiçoamento do programa.
A vitamina A é um micronutriente essencial em diversos processos fisiológicos no organismo humano, é necessária para o adequado funcionamento do sistema imunológico, acuidade visual, proliferação/diferenciação celular e na expressão gênica.1–4 Embora de susceptibilidade universal, sua deficiência é mais frequente em crianças menores de cinco anos, gestantes e lactantes, razão pela qual esses grupos são considerados biologicamente mais vulneráveis a essa carência nutricional.5
A deficiência de vitamina A (DVA) é um importante problema de saúde pública em países de baixa e média renda, afeta 190 milhões de crianças.6 Em 2013, 29% das crianças nesses países tinham essa deficiência. Nesse mesmo ano, 94.500 mortes por diarreia e 11.200 mortes por sarampo foram atribuídas à DVA.7 No Brasil, dados de inquérito nacional feito em 2006 revelaram prevalência de 17,4% em crianças menores de cinco anos, no Nordeste, a prevalência foi de 19,0%.8
As principais consequências da DVA são a cegueira e o comprometimento do sistema imunológico, contribuem para o aumento da prevalência de doenças diarreicas e infecciosas, da taxa de mortalidade e da demanda nos serviços de saúde.9 Além disso, por sua participação em diversos processos metabólicos, a DVA tem sido associada a outros distúrbios, tal como a anemia.10
Em 2005, foi implantado no Brasil o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNVITA), com o propósito de diminuir a prevalência de hipovitaminose A nos indivíduos mais susceptíveis, tal como crianças de 6‐59 meses. A principal ação do programa consiste na suplementação semestral com megadoses de vitamina A. Paralelamente, são preconizadas ações de educação nutricional (EN) com vistas a um melhor aporte de vitamina A via consumo alimentar.9,10 Todavia, não foram definidas estratégias relacionadas às atividades de avaliação do programa, razão pela qual, talvez, existam tão poucos trabalhos na literatura1,11–13 que abordem essa questão.
Mesmo que o PNVITA esteja em operacionalização desde 2005, estudos posteriores têm encontrado altas prevalências de DVA.14,15 Em Alagoas, na região semiárida, verificou‐se em 2007 prevalência de 45,4% em pré‐escolares, o que sugere a existência de óbices na condução do programa.15 Identificar esses obstáculos é de grande relevância para a avaliação e reorganização das ações do PNVITA.
O objetivo deste estudo foi estimar a cobertura do PNVITA em crianças de Alagoas, identificar fatores associados a essa cobertura e analisar a adequação das ações de educação nutricional.
MétodosPlano amostral e coleta de dadosEstudo transversal, com dados oriundos de um inquérito denominado “II Diagnóstico de Saúde da População Materno‐Infantil do Estado de Alagoas”, no qual a variável de interesse usada no cálculo do tamanho amostral foi a insegurança alimentar em Alagoas, estimada em 34,7%. Os demais parâmetros foram: população de 841.117 famílias, erro amostral de 2,0%, 120 conglomerados (setores censitários) e 1,5 para correção do efeito de delineamento complexo. Para um IC95% e mais 10% para cobrir possíveis perdas amostrais foram necessárias 3696 famílias. Descrição detalhada desse procedimento encontra‐se disponível em outra publicação.16
Para o presente estudo, foram elegíveis todas as crianças de seis a 59 meses residentes nos domicílios sorteados, ou 509 crianças. Considerando que essa amostra não foi inicialmente planejada, procedeu‐se ao cálculo do erro amostral a posteriori, para o que se usou o módulo StatCalc do software Epi Info. Com base nas taxas de cobertura identificadas neste estudo, o número amostral analisado permitiu estimar coberturas com erros entre 2,3% (6‐59 meses) a 4,2% (12‐59 meses), conforme a faixa etária considerada.
O trabalho de campo foi feito por uma equipe devidamente treinada e supervisionada, de janeiro de 2014 a janeiro de 2015, por meio de visitas domiciliares, com formulários estruturados pré‐testados em estudo piloto, feito em Maceió num bairro de baixa renda e não integrante dos setores censitários sorteados para a pesquisa. Os instrumentos foram elaborados pelos pesquisadores e tiveram como referencial o Manual de Normas do PNVITA17 e foram avaliados criticamente pela equipe após o estudo piloto.
Foram incluídas no estudo as crianças cujas mães responsabilizaram‐se por fornecer as informações após concordar em participar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme os termos do projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (processo n° 09093012.0.0000.5013).
Segundo Donabedian,18 a avaliação da efetividade de um programa pode ser efetuada a partir da análise de sua estrutura, de seus processos e pelos resultados alcançados. Neste trabalho não foram abordados aspectos relacionados à estrutura do programa. Como indicador de processo, foi investigada a cobertura atingida, ou seja, a proporção da população‐alvo que recebeu a suplementação de vitamina A conforme as recomendações do PNVITA. Quanto à análise de resultados, considerou‐se o nível de conhecimento das mães acerca de informações básicas sobre alimentação adequada, especialmente aquelas relacionadas ao foco do programa: prevenir a hipovitaminose A. Assumiu‐se a adequação desse conhecimento como indicador de resultado relacionado às atividades de EN.
Para definição da taxa de cobertura, considerou‐se a proporção de crianças da população‐alvo que tinha registro de suplementação de vitamina A nos últimos seis meses, período esse estipulado no Manual do Programa para que ocorram as suplementações.17 Essa informação foi obtida por consulta às respectivas cadernetas de saúde das crianças.
Para analisar a adequação das ações de EN, as mães responderam perguntas sobre aspectos que deveriam saber, caso tivessem participado de atividades de educação nutricional no âmbito do programa, considerando que a “Promoção da alimentação adequada e saudável, assegurando informações para incentivar o consumo de alimentos fontes em vitamina A pela população” consta no Manual de Condutas do PNVITA17 como uma das medidas mais importantes para a prevenção da DVA. Para evitar viés de informação, somente as mães (biológicas ou não) foram incluídas no estudo.
A questão sobre alimentos ricos em vitamina A foi apresentada de forma aberta e a entrevistada poderia citar até três alimentos. Para classificar a adequação das respostas usou‐se como referencial o Manual de Condutas do programa,17 no qual consta:
“A vitamina A é um micronutriente encontrado em fontes de origem animal (retinol) e vegetal (provitamina A). Entre os alimentos de origem animal, as principais fontes são: leite humano, fígado, gema de ovo e leite. A provitamina A é encontrada em vegetais folhosos verdes (como espinafre, couve, beldroega, bertalha e mostarda), vegetais amarelos (como abóbora e cenoura) e frutas amarelo‐alaranjadas (como manga, caju, goiaba, mamão e caqui), além de óleos e frutas oleaginosas (buriti, pupunha, dendê e pequi) que são as mais ricas fontes de provitamina A”.17
Avaliação socioeconômica, demográfica e de saúdeForam obtidas questões referentes aos fatores demográficos (zona de residência, sexo e idade da criança, número de residentes por domicílio, idade da mãe), socioeconômicos (escolaridade materna, renda familiar mensal per capita, número de bens de consumo duráveis, número de cômodos na casa, número de cômodos usados para dormir, origem da água usada para beber, família cadastrada em programa de transferência de renda) e relacionada à saúde (criança apresentou diarreia nos últimos 15 dias).
Análise dos dadosOs dados coletados foram digitados em dupla entrada em formulário elaborado no software Epi Info 3.5.4 e, após revisão de possíveis erros de digitação, procederam‐se às análises estatísticas com o software Stata (SPSS para Windows, versão 12.0. Chicago, EUA). As variáveis categóricas foram comparadas com base no teste qui‐quadrado de Pearson (χ2). A prevalência da cobertura (variável dependente) segundo as diferentes categorias das variáveis independentes foi comparada com base na razão de prevalência (RP) e seu intervalo de confiança (IC95%). As variáveis independentes cujas RPs brutas tenham indicado associação com a cobertura com grau de significância de até 20% (p < 0,2) foram submetidas a análise multivariável, excluíram‐se paulatinamente aquelas variáveis sem significância estatística (backwardelimination). No modelo final só permaneceram as variáveis que atingiram o nível de p < 0,05. As RPs e respectivos IC95%, tanto na análise bruta como na ajustada, foram calculadas por regressão de Poisson com ajuste substancial da variância. Em todas as situações, a significância estatística foi assumida quando p < 0,05.
ResultadosA amostra analisada foi constituída por 509 crianças/mães. A maioria (74,3%) residia em zona urbana, 6,4% das mães eram adolescentes, 28,7% não tinham acesso à água adequada para beber e 12,5% das famílias tinham renda mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo (o salário mínimo na época do estudo era R$ 724,00, aproximadamente 272 dólares americanos). Cerca de 2/3 das famílias eram usuárias do Programa Bolsa Família. Essas e outras características encontram‐se expressas na tabela 1. Nessa é possível verificar que a incidência de diarreia nas crianças foi de 15,8%. Quanto a esse aspecto, não houve diferença entre crianças suplementadas e não suplementadas com vitamina A.
Dentre as 509 crianças investigadas, verificou‐se que para 216 delas havia nas respectivas cadernetas de saúde registro de suplementação com vitamina A feita realizada em algum momento nos últimos seis meses, o que corresponde a uma cobertura de 42,4%.
Considerando as faixas etárias preconizadas pelo PNVITA, verificou‐se que o percentual de cobertura do programa entre crianças de seis a 11,9 meses foi de 91,9% e entre aquelas com 12 a 59 meses foi de 38,6% (tabela 1). A fig. 1 evidencia as coberturas verificadas por meio da presente investigação em relação aos resultados divulgados para 2014 pelo Ministério da Saúde.19
Características demográficas, socioeconômicas e de saúde em crianças de seis a 59 meses, segundo acesso à suplementação com megadoses de vitamina A nos últimos seis meses. Alagoas, 2015
Variáveis | Amostran (%) | Recebeu suplementação de vitamina A nos últimos 6 meses | p‐valor | RP ajustada (IC95%) | |
---|---|---|---|---|---|
Sim (%) | RP bruta (IC95%) | ||||
Idade das crianças (meses) | |||||
6 a 11,9 | 37 (7,3) | 34 (91,9) | 2,38 (2,05‐2,76) | 0,001e | 2,50 (2,10‐2,96) |
12 a 59,9 | 472 (92,7) | 182 (38,6) | 1 | ||
Sexo | |||||
Masculino | 252 (49,5) | 102 (40,5) | 1,09 (0,89‐1,34) | 0,377 | |
Feminino | 257 (50,5) | 114 (44,4) | 1 | ||
Criança com diarreia nos últimos 15 dias [12 mães (2,4%) não souberam responder] | |||||
Sim | 70 (15,8) | 34 (42,5) | 1,00 (0,75‐1,32) | 0,985 | |
Não | 427 (84,2) | 181 (42,4) | 1 | ||
Idade materna (anos) [28 mães (5,5%) não souberam/quiseram responder] | |||||
≤ 20 | 31 (6,4) | 13 (41,9) | 1,01 (0,65‐1,55) | 0,956 | |
>20 | 450 (93,6) | 191 (42,4) | 1 | ||
Escolaridade materna (em anos de estudo) [32 mães (6,3%) não souberam/quiseram responder] | |||||
≤ 8 | 238 (49,9) | 97 (40,8) | 1,07 (0,86‐1,32) | 0,543 | |
> 8 | 239 (50,1) | 104 (43,5) | 1 | ||
Situação do domicílio | |||||
Rural | 131 (25,7) | 71 (54,2) | 1,41 (1,15‐1,73) | 0,001e | 1,45 (1,20‐1,76) |
Urbano | 378 (74,3) | 145 (38,4) | 1 | ||
Número de membros na família | |||||
≤ 4 | 312 (61,3) | 142 (45,5) | 1,21 (0,97‐1,50) | 0,083 | |
> 4 | 197 (38,7) | 74 (37,6) | 1 | ||
Família usuária de programa de transferência de renda | |||||
Sim | 331 (65,0) | 138 (41,7) | 1,05 (0,85‐1,30) | 0,642 | |
Não | 178 (35,0) | 78 (43,8) | 1 | ||
Renda per capita mensal em número de salários mínimos (R$)a[39 mães (7,7%) não souberam/quiseram responder) | |||||
≤ ½ SM | 59 (12,5) | 24 (40,7) | 1,07 (0,77‐1,48) | 0,683 | |
> ½ SM | 411 (87,5) | 179 (43,5) | 1 | ||
Número de bens de consumo duráveisb | |||||
< 6 | 279 (54,8) | 116 (41,6) | 1,04 (0,85‐1,28) | 0,666 | |
≥ 6 | 230 (45,2) | 100 (43,5) | 1 | ||
Número de cômodos na casa | |||||
≤ 4 | 105 (20,6) | 56 (53,3) | 1,35 (1,08‐1,67) | 0,007e | 1,33 (1,09‐1,63) |
> 4 | 404 (79,4) | 160 (39,6) | 1 | ||
Número de cômodos usados para dormir | |||||
< 2 | 340 (66,8) | 153 (45,0) | 1,22 (0,97‐1,53) | 0,091 | |
≥ 2 | 169 (33,2) | 62 (36,9) | 1 | ||
Proveniência da água usada para beber | |||||
Inadequadac | 146 (28,7) | 81 (55,5) | 1,49 (1,22‐1,82) | 0,001e | |
Adequadad | 363 (71,3) | 135 (37,2) | 1 |
Cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A no estado de Alagoas, em 2014, segundo dados do Ministério da Saúde e de um inquérito domiciliar envolvendo crianças de seis a 59 meses.
Fonte: Ministério da Saúde (Brasil, 2014); Inquérito domiciliar.
Os resultados obtidos por meio do inquérito domiciliar no estado de Alagoas referente à faixa de 12 a 59 meses foram obtidos de forma diferente aos divulgados pelo Ministério da Saúde. Esse considerou a cobertura em relação à aplicação de uma 1a e uma 2a dose da suplementação de vitamina A. Já no inquérito domiciliar a cobertura foi definida segundo o registro de suplementação na caderneta de saúde com data de até seis meses antes da entrevista.
Estratificando‐se ainda mais as faixas etárias, foi possível observar um declínio constante da taxa de cobertura do programa à medida que a criança foi ficando mais velha. Enquanto que a taxa de cobertura entre as mais jovens foi de 91,9%, entre aquelas de 47 a 59 meses foi de 29,5% (fig. 2).
Os fatores que se associaram de forma independente e contribuíram para uma maior cobertura do PNVITA foram ter entre seis e 11,9 meses (RP = 2,50; IC95%: 2,10‐2,96), residir em zona rural (RP = 1,45; IC95%: 1,20‐1,76) e morar em residência com quatro ou menos cômodos (RP = 1,33; IC95%: 1,09‐1,63), conforme consta na tabela 1.
Na tabela 2 constam os resultados relativos às questões sobre o PNVITA aplicadas às mães. Apenas 27,5% ouviram falar sobre o programa e, mesmo assim, somente 16,5% dessas sabiam a sua finalidade (curar ou prevenir carência de vitamina A). Perguntadas se já haviam, alguma vez, recebido informações sobre a vitamina A, 88 entre as 509 entrevistadas responderam afirmativamente (17,7%). Nesse caso, o enfermeiro foi o profissional responsável pelo repasse das informações em 60,2% das vezes.
Frequência de respostas de mães de crianças de seis a 59 meses sobre questões relacionadas ao Programa Nacional de Suplementação de vitamina A. Alagoas, 2015
Questões/Respostas | n | % |
---|---|---|
A senhora já ouviu falar sobre o Programa Nacional de Suplementação de vitamina A? | ||
Não | 366 | 72,5 |
Sim | 139 | 27,5 |
Na sua opinião, para que serve o Programa Nacional de Suplementação de vitamina A?a | ||
Outra resposta/ Não souberam opinar | 116 | 83,5 |
Curar/prevenir a carência da Vitamina A | 23 | 16,5 |
A criança já deixou de receber a dose da Vitamina A por que não tinha no posto de saúde? | ||
Sim | 181 | 36,3 |
Não/ Não lembra | 318 | 63,7 |
Entre outras coisas, nesse programa, alguém da Saúde corta uma cápsula como esta (mostrar) contendo vitamina A e coloca na boca da criança. Seu(ua) filho(a) recebeu essa vitamina A nos últimos seis meses?b | ||
Não/ Não lembra | 163 | 32,5 |
Sim | 339 | 67,5 |
Tempo decorrido desde a administração da última dose (Taxa de cobertura)c | ||
> 6 meses | 293 | 57,6 |
≤ 6 meses | 216 | 42,4 |
A senhora, alguma vez, já recebeu informações sobre a Vitamina A? | ||
Não/ Não lembra | 409 | 82,3 |
Sim | 88 | 17,7 |
A orientação foi dada por qual profissional?d | ||
Enfermeiro | 53 | 60,2 |
Médico | 6 | 6,8 |
Nutricionista | 0 | 0,0 |
Farmacêutico | 2 | 2,3 |
Agente de saúde | 25 | 28,4 |
Não lembra | 2 | 2,3 |
Quais são os alimentos ricos em Vitamina A? | ||
3 acertos | 3 | 1,0 |
2 acertos | 21 | 6,9 |
1 acerto | 55 | 18,2 |
Erro/ Não sabe | 224 | 73,9 |
Quais os problemas de saúde que podem acontecer quando falta vitamina A em nosso corpo? | ||
3 acertos | 3 | 0,6 |
2 acertos | 15 | 2,9 |
1 acerto | 80 | 15,7 |
Erro/ Não sabe | 411 | 80,8 |
Para as questões 1, 3, 4, 6 e 8 algumas mães não quiseram responder, razão pela qual os respectivos percentuais foram calculados considerando apenas o total de respostas obtidas. As frequências de não resposta para essas questões foram, respectivamente: 0,8% (n = 4); 2,0% (n = 10); 1,4% (n = 7); 2,4% (n = 12); 40,5% (n = 206).
Foi verificado que apenas 18,2% das entrevistadas citaram pelo menos um alimento fonte de vitamina A, seja origem animal ou vegetal,17 e que 80,8% delas não souberam referir a existência de algum problema de saúde causado pela deficiência desse nutriente no organismo.
DiscussãoO PNVITA apresenta como meta alcançar uma cobertura de 75,0% para as crianças de seis a 11 meses e de 100% na primeira dose e 60% na segunda dose para aquelas da faixa de 12 a 59 meses.20 Nesse aspecto, os resultados ora divulgados demonstraram que o programa supera a meta de cobertura no caso das crianças mais jovens (91,9%), mas fica muito aquém em relação às crianças a partir dos 12 meses (38,6%). Nessa faixa etária o programa preconiza uma suplementação a cada seis meses.17,21 Dessa forma, uma criança 100% atendida segundo essa recomendação poderia, se considerarmosdo o período dos 12 aos 60 meses, ter recebido oito doses. Diante disso, neste trabalho foi adotado como critério de definição de cobertura o registro de suplementação ocorrido nos últimos seis meses. Independentemente dessa divergência metodológica, a cobertura aqui verificada para a maioria das crianças investigadas demonstra a necessidade de investimentos no sentido de melhorar o alcance do programa.
Quanto ao critério adotado pelo MS para considerar a aplicação de uma 1ª e uma 2ª dose parece incoerente na medida em que o próprio Ministério determina:17 “Os suplementos de vitamina A devem ser oferecidos às crianças de 12 a 59 meses de seis em seis meses”. Essa recomendação tem por base o pressuposto de que as megadoses são suficientes para garantir uma boa reserva hepática de retinol por cerca de seis meses, ocasião em que nova suplementação deveria ocorrer. Portanto, a adequada execução do programa deveria garantir que cada criança apresentasse registro de suplementação ocorrida há, no máximo, seis meses. Diante disso, a comparação com os dados do MS fica prejudicada. De qualquer forma, a cobertura aqui relatada para a faixa etária em questão (38,6%) mostrou‐se inferior em comparação com as coberturas divulgadas pelo MS: 70,6% e 41,2% respectivamente, para a 1a e 2a doses. Considerando que essa “1a dose” pode ter ocorrido há muito tempo (seus benefícios já não estariam vigentes) e que há maior probabilidade de que a “2a dose” tenha ocorrido mais recentemente e se aproximado do critério usado no presente artigo, observa‐se que os valores obtidos são bastante semelhantes: 38,6% e 41,2%.
A adequada cobertura observada entre as crianças de seis a 11 meses poderia decorrer do maior contato dessas com o serviço de saúde. Essa faixa etária constitui a população‐alvo de diversas ações instituídas nas unidades básicas de saúde, tais como as consultas de puericultura e as visitas para cumprimento do calendário de vacinação.22
Tal como na presente investigação, Almeida et al.,12 em um estudo feito no município de Cabedelo (Paraíba), também verificaram maior cobertura do PNVITA entre as crianças mais jovens e tendência declinante com o avançar da faixa etária (estratificada por semestres). A adequada cobertura alcançada em relação às crianças mais jovens é um aspecto bastante interessante por propiciar a proteção conferida pela vitamina A justamente a um dos grupos biologicamente mais vulneráveis à morbimortalidade por infecções.9
Assim, apesar da excelente cobertura verificada na faixa de seis a 11 meses, preocupa a baixa cobertura conferida às crianças com mais de 12 meses, o que sugere falhas na operacionalização do programa. Segundo Paiva,13 uma estratégia para elevar essa cobertura poderia ser melhorar o nível de informação das mães a respeito do programa e reforçar as ações destinadas a aumentar à adesão às visitas ao serviço de saúde mediante agendamento. Além disso, a busca ativa constitui‐se uma opção para o alcance das metas de cobertura nesse grupo etário, uma vez que, ao contrário das crianças mais jovens, aquelas com mais de 12 meses geralmente estão menos envolvidas nas atividades de rotina do serviço de saúde.
Não foram encontrados estudos sobre o impacto econômico da busca ativa. Entretanto, o próprio Ministério da Saúde a indica como estratégia para ampliar a cobertura do programa, pois pode ser incorporada na rotina das equipes de saúde da família e permite adequações na regularidade da suplementação e das ações de EN.11,12,17
No presente estudo identificou‐se maior cobertura do programa na zona rural, situação que pode estar relacionada à busca ativa mais acentuada dos agentes de saúde nessas áreas.12 No Brasil existe na zona rural uma maior proporção de domicílios cadastrados nas unidades de saúde da família.23
Outra variável que se associou à maior cobertura do PNVITA foi residir em casa com até quatro cômodos, uma condição que pode refletir características socioeconômicas desfavoráveis da família e, por esse motivo, receber maior atenção por parte dos profissionais de saúde. O efeito adverso de viver em um domicílio pobre pode ser amenizado quando os indivíduos recebem maior atenção por parte do poder público.24
As variáveis que se associaram à maior cobertura do PNVITA sugerem a adequada focalização do programa: crianças na faixa etária de maior vulnerabilidade biológica, residentes na zona rural e pertencentes a famílias com características socioeconômicas desfavoráveis. A propósito, características socioeconômicas desfavoráveis podem interferir na escolha dos alimentos consumidos pela família, seja pelo poder aquisitivo ou como consequência do conhecimento das mães sobre alimentação adequada. Dessa forma, essas crianças estariam mais sujeitas a uma alimentação inadequada em vitamina A.25
Consta na portaria de criação do PNVITA que em sua operacionalização deve ocorrer o fortalecimento das atividades de EN, com ênfase na promoção da alimentação saudável.21 Para subsidiar essas atividades, são produzidos panfletos, cartazes etc. que contêm informações a respeito do programa, sobre a DVA e suas consequências e sobre alimentos ricos em vitamina A. Se esse material chega ao público‐alvo e se as informações são transmitidas, independentemente das estratégias usadas (orientação individual, reuniões em grupo, palestras, dramatizações, vídeos), as mães deveriam reconhecer a existência do PNVITA e qual o seu objetivo. Todavia, apenas 27,5% delas referiram já ter ouvido falar do programa e, entre essas, somente 16,5% souberam responder corretamente qual a sua finalidade. A maioria referiu já ter presenciado a administração da vitamina A à criança, entretanto desconhecia a vinculação disso com o PNVITA. Considerando essas informações e confrontando‐as com a taxa de cobertura aqui observada, fica evidente que a atividade de suplementação ocorre dissociada de orientações educativas que, além de fugir do escopo do programa, não conferem sustentabilidade ao processo, na medida em que sem uma alimentação adequada haverá sempre o risco de DVA e, consequentemente, a necessidade de manutenção das atividades de suplementação.
Ratificam essas considerações o fato de que somente 17,7% das mães responderam que já receberam informações sobre vitamina A, 73,9% não souberam referir qualquer alimento rico nesse nutriente e 80,8% não sabiam pelo menos um problema de saúde decorrente da carência de vitamina A. Resultados semelhantes foram encontrados em amostra de 2.546 crianças de municípios da Bahia,1 onde 74,6% das mães não tinham qualquer conhecimento sobre vitamina A. Estudando crianças de um município do nordeste do Brasil, Almeida et al.12 observaram que apenas 43,5% das mães já tinham ouvido falar sobre o PNVITA, porém, entre estas, 86,2% não conheciam as atividades do programa. Além disso, somente 22,2% responderam de forma correta alguma função da vitamina A e, entre as que alegaram conhecer os alimentos fontes de retinol (40,7%), apenas 33,4% citaram de forma correta algum alimento com tal característica. Diante de tais achados, argumentaram que a falta de conhecimentos relacionados à vitamina A pode interferir na adesão às ações do PNVITA e dificultar o alcance das metas estabelecidas.
O nutricionista é o profissional de saúde que se distingue dos demais por ter como objeto de trabalho a prestação de atenção dietética em nível individual ou coletivo.26 No entanto, entre as mães que responderam que receberam alguma orientação sobre a vitamina A, nenhuma delas referiu que a informação foi prestada por esse profissional. Nesse caso, em 60,2% das vezes, foi o enfermeiro quem exerceu esse papel. Já num estudo que abrangeu profissionais envolvidos na operacionalização do programa em nove municípios da Paraíba identificou‐se baixa participação dos enfermeiros nas atividades de EN, os agentes de saúde são o principal executor dessa atividade.13
Marques et al.11 usaram abordagem qualitativa para identificar práticas relacionadas ao PNVITA e revelar representações sociais das mães a respeito da vitamina A, de sua deficiência e do programa em um município do Vale do Jequitinhonha. Identificou‐se que a suplementação tem ocorrido de forma vinculada às ações de vacinação, o que pode favorecer o aumento da cobertura da suplementação, mas que pode resultar numa participação passiva no PNVITA, tanto por parte da população‐alvo como por parte dos profissionais, haja vista que a suplementação é feita como ação secundária à vacinação e desacompanhada de um processo educativo, conduz à formação de ideias distorcidas, como, por exemplo, a de que a vitamina A é uma vacina.
A desinformação contribui para que os indivíduos selecionem seus alimentos de forma equivocada. Graebner et al.,27 ao investigar crianças da zona rural do Distrito Federal, verificaram que, mesmo dispondo de acesso a alimentos fontes de carotenoides, as crianças apresentavam alta prevalência de DVA, o que não ocorreria se houvesse o consumo regular desses alimentos.
Rodrigues e Roncada28 argumentaram que, desde sua implantação, a ênfase maior do PNVITA é na distribuição de megadoses de vitamina A e que as atividades de educação nutricional encontram‐se muito aquém do esperado em decorrência de deficiência de recursos humanos qualificados e ausência de estratégias efetivas de implementação. Acreditam que, à medida que a EN progrida e se consolide como parte de uma política pública intersetorial de promoção da saúde, haja uma evolução dos conteúdos e das metodologias propostos, que serão incorporados à sua prática, promoverão a alimentação saudável e prevenirão não apenas as doenças carenciais, tais como a DVA, mas também as doenças crônicas não transmissíveis.
Os resultados obtidos permitem concluir que a cobertura do PNVITA em crianças de 12‐59 meses encontra‐se aquém das metas estabelecidas. No entanto, os fatores associados à sua maior cobertura apontam para uma adequada focalização em relação à população alvo. As atividades de EN não ocorrem de forma satisfatória, comprometem a efetividade do programa. Essas informações devem nortear gestores e profissionais de saúde quando do planejamento de ações de aperfeiçoamento do programa.
FinanciamentoEstudo feito com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo n.° 474381/2011‐0) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Alagoas (Fapeal) (processo n.° 60030.000716/2013).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Lima RB, Ferreira HS, Cavalcante AL, Santos LG, Vieira RC, Assunção ML. Coverage and educational actions related to the national vitamin A supplementation program: a study in children from the state of Alagoas. J Pediatr (Rio J). 2020;96:184–92.
Estudo vinculado à Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Faculdade de Nutrição, Maceió, AL, Brasil.
Artigo baseado na dissertação de mestrado de Riquelane Bezerra Menezes Lima, do Programa de Pós‐Graduação em Nutrição, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.