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Vol. 96. Núm. 2.
Páginas 193-201 (março - abril 2020)
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Vol. 96. Núm. 2.
Páginas 193-201 (março - abril 2020)
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Binge drinking and frequent or heavy drinking among adolescents: prevalence and associated factors
Binge drinking e beber frequente ou pesado entre os adolescentes: prevalência e fatores associados
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Lara Silvia Oliveira Conegundesa, Juliana Y. Valentea, Camila Bertini Martinsb, Solange Andreonib, Zila M. Sancheza,
Autor para correspondência
zila.sanchez@unifesp.br

Autor para correspondência.
a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Seção de Epidemiologia, Departamento de Medicina Preventiva, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Seção de Bioestatística, Departamento de Medicina Preventiva, São Paulo, SP, Brasil
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Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes (n = 6.387)
Tabela 2. Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes em relação ao: 1) hábito de beber frequente/pesado no último mês, e 2) Binge drinking no último ano
Tabela 3. Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para hábito de beber pesado/frequente no último mês, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes
Tabela 4. Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para Binge drinking no último ano, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes
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Abstract
Objective

To analyze the sociodemographic, school, and family factors associated with the patterns of binge drinking and frequent or heavy drinking among adolescents.

Methods

This was a cross‐sectional study, nested in a randomized controlled trial, of 6285 seventh and eighth grade adolescent students from Brazilian public schools. The associations between binge drinking (consumption of five or more doses of alcohol on a single occasion) in the last 12 months and frequent or heavy drinking (alcohol consumption on six or more days) in the last month and the several factors were analyzed through weighted logistic regression.

Results

16.5% of the students reported binge drinking in the year before the interview and 2.2% reported frequent/heavy drinking in the previous month. The factors associated with binge drinking were cigarette smoking (OR=6.7, 95% CI=3.96; 11.23), use of marijuana (OR=2.2, 95% CI=1.17; 4.31), use of inhalant drugs (OR=3.0, 95% CI=1.98; 4.43), exposure to a drunk relative (OR=2.1, 95% C=1.67; 2.53), practice of bullying (OR=1.8, 95% CI=1.47; 2.17), verbal aggression (OR=1.7, 95%CI=1.40; 2.14), and intermediate/low school grades (OR=1.7, 95% CI=1.35; 2.20). The factors associated with frequent/heavy drinking were cigarette smoking (OR=2.5, 95% CI=1.16; 5.22), use of marijuana (OR=3.2, 95% CI=1.32; 7.72), and physical aggression (OR=2.2, 95% CI=1.36; 3.50).

Conclusions

The analyzed outcomes showed an association between the risk consumption of alcohol in early adolescence and low academic performance, involvement with other drugs, aggressiveness, and witnessing episodes of a family member's drunkenness. Considering the impact on public health of the damages caused by alcohol consumption during adolescence, these factors that showed such association should be considered in the development of preventive interventions.

Keywords:
Adolescents
Alcohol
Students
Binge drinking
Resumo
Objetivo

Analisar os fatores sociodemográficos, escolares e familiares associados aos padrões binge drinking, beber frequente ou beber pesado em adolescentes.

Métodos

Estudo transversal aninhado em ensaio controlado randomizado entre 6.387 estudantes do 7° e 8° anos de escolas públicas brasileiras. Associações entre o binge drinking (consumo de cinco ou mais doses de álcool em uma única ocasião) nos últimos 12 meses e o beber frequente/beber pesado (consumo de álcool em seis ou mais dias) no último mês e os diversos fatores foram analisados por meio de regressão logística ponderada.

Resultados

Dos estudantes, 16,5% reportaram ter praticado binge drinking no ano anterior à entrevista e 2,2% praticaram beber frequente/beber pesado no último mês. Os fatores associados ao binge drinking foram consumo de cigarro (OR=6,7, IC95%=3,96; 11,23), maconha (OR=2,2, IC95%=1,17; 4,31), uso de inalantes (OR=3,0, IC95%=1,98; 4,43), exposição a algum familiar embriagado (OR=2,1, IC95%=1,67; 2,53), prática de bullying (OR=1,8, IC95%=1,47; 2,17), agressão verbal (OR=1,7, IC95%=1,40; 2,14), notas médias e baixas (OR=1,7, IC95%=1,35; 2,20). Os fatores associados ao beber frequente/beber pesado foram o consumo de cigarro (OR=2,5, IC95%=1,16; 5,22), maconha (OR=3,2, IC95%=1,32; 7,72), agressão física (OR=2,2, IC95%=1,36; 3,50).

Conclusões

Os desfechos analisados evidenciaram associação do consumo de risco de álcool no início da adolescência com o baixo desempenho escolar, envolvimento com outras drogas, agressividade e vivência de episódios de embriaguez dos familiares. Considerando o impacto na saúde pública dos prejuízos decorrentes do consumo de risco de álcool na adolescência, estes fatores que evidenciaram associação devem ser considerados na construção de intervenções preventivas.

Palavras‐chave:
Adolescentes
Álcool
Estudantes
Binge drinking
Texto Completo
Introdução

No Brasil a média de idade para o primeiro consumo é de 12,5 anos,1 metade dos adolescentes de 13 a 15 anos já bebeu alguma vez na vida.2 Algumas evidências sugerem que quanto mais precoce o início do consumo do álcool, maior a chance de desenvolver padrões nocivos de uso no futuro.3 Para a prevenção desses agravos é fundamental o reconhecimento dos padrões de consumo de álcool que têm despertado maior preocupação no campo da saúde pública: 1) binge drinking (BD) ou beber pesado episódico, definido pelo consumo alcoólico de cinco ou mais doses em uma mesma ocasião;4 2) beber frequente (BF), definido pelo consumo de uma dose de álcool em seis a 19 dias do mês e 3) beber pesado (BP), definido pelo consumo em 20 dias ou mais do mês.5

No Brasil, 32% dos estudantes entre 14 e 18 anos relataram terem feito BD no último ano6 e 8,9% dos estudantes de 10 a 18 anos relataram ter bebido pesadamente no último mês.7 Nos Estados Unidos, o BD já foi apontado como responsável por cerca de 90% do consumo alcoólico entre menores de idade.8 Considerando que o adolescente ainda vive em uma fase de amadurecimento cerebral,9 o consumo de álcool nessa faixa etária pode acarretar sérias consequências: aumento das taxa de atendimentos hospitalares e emergenciais,10 maior risco de suicídio, de envolvimento em acidentes e em episódios de violência conjugal.11

Estudos têm demonstrado que o uso de álcool na adolescência pode estar associado com uma série de fatores individuais e ambientais.1 Dentro dos fatores ambientais, a família tem se mostrado como tendo papel fundamental na proteção e no risco ao consumo alcoólico dos adolescentes.12,13 No âmbito escolar, estudos mostram que o abuso de álcool por adolescentes está associado ao aumento da violência,8 especialmente da prática de bullying,14 e a um pior desempenho escolar.11 Importante destacar que o abuso de álcool na adolescência também está associado ao uso precoce de tabaco e de drogas ilícitas,15 o que potencializa os seus efeitos danosos.

Apesar de os danos causados pelo álcool na adolescência serem bastante evidentes na literatura científica, ainda são poucos os estudos brasileiros que procuram compreender o impacto dos diferentes padrões de consumo de álcool no desenvolvimento dos adolescentes (BF e BP). Considerando que o Brasil tem uma cultura bastante particular relacionada ao consumo de álcool, com alta permissividade de consumo e fraco controle regulatório da promoção e venda de bebidas alcoólicas,16 faz‐se necessário o investimento em estudos brasileiros que deem conta de compreender essa realidade. Pode, assim, fornecer subsídios para a construção de medidas preventivas escolares que sejam baseadas em evidências brasileiras, que levem em conta a influência cultural no consumo de álcool por adolescentes. Para tanto, o objetivo deste estudo foi identificar os principais fatores sociodemográficos, escolares e familiares associados ao BD, BF/BP entre estudantes brasileiros recém entrados na adolescência.

Material e métodos

Este é um estudo transversal, aninhado em um ensaio controlado randomizado, que usou os dados da coleta inicial de uma avaliação de programa escolar de prevenção ao uso de drogas denominado #Tamojunto. A amostra é probabilística de estudantes dos 7° e 8° anos de 72 escolas públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Distrito Federal, São Bernardo do Campo, Florianópolis, Fortaleza e Tubarão). O #Tamojunto é uma adaptação, conduzida pelo Ministério da Saúde em parceria com a UNODC do Brasil (United Nations Office on Drugs and Crime), do programa europeu Unplugged, desenvolvido e testado pela EU‐Dap (European Drug Addiction Prevention Trial).17

Os municípios foram selecionados pelo Ministério da Saúde e as escolas foram selecionadas por sorteio aleatório simples a partir do total de escolas dessas séries, de cada cidade, através de lista do Inep (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em quantidade proporcional ao total de alunos matriculados em cada cidade. Entre as escolas sorteadas para participar o estudo, um segundo sorteio aleatório simples determinou se cada escola seria alocada ao grupo de controle ou intervenção, para manter um índice de alocação de 1:1 por município. O grupo intervenção recebeu 12 aulas do programa #Tamojunto e o grupo controle não recebeu intervenção. A randomização foi feita no nível da escola através de macro do Excel [comando RAND]. Em cada escola, todas as turmas de oitavo ano foram incluídas. Nos municípios de Florianópolis, Tubarão e Fortaleza, a pedido das Secretarias de Municipais Ensino, foram incluídos também os sétimos anos, devido à transição do novo regime escolar estabelecido no Brasil. Os dados iniciais foram coletados nos dois grupos duas semanas antes do início da implantação do programa.

Este estudo foi registrado no Rebec (Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos), do Ministério da Saúde do Brasil, sob o número RBR‐4mnv5g e seu protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (protocolo #473.498).

Amostragem

A amostra foi composta por 6.387 estudantes dos 7° e 8° anos de ensino fundamental II de 261 turmas de 72 escolas públicas das seis cidades.

O tamanho da amostra foi calculado para estudos longitudinais,18 com um poder de 80%, nível de significância de 5% e uma redução média prevista de 1,5% na prevalência de BD estimada em 5%. Como foram 2.835 para cada grupo (intervenção e controle), gerou‐se um total necessário para estudo de 5.670 estudantes. Após definição do tamanho da amostra necessária, calculou‐se uma média de quatro turmas por escolas e assim sortearam‐se 40 escolas em cada braço. O flowchart com dados das primeiras duas coletas foi publicado em estudo prévio.17

Das escolas que aceitaram participar, esperava‐se, considerando o registro de matrículas, a presença de 8.547 estudantes nas salas de aula participantes. Porém, estiveram presentes 6.771 estudantes, dos quais 59 recusaram participar, o que gerou um índice de recusa de 0,8%, apesar de o número de faltantes no dia da coleta representar 20% dos alunos matriculados nessas turmas.

Instrumento e medidas

Os dados foram coletados por meio de questionário anônimo e de autopreenchimento, aplicado por pesquisadores em sala de aula, sem a presença do professor. O instrumento usado para coleta de dados foi desenvolvido e testado pelo EU‐DAP e foi aplicado em estudos anteriores do Unplugged19 No Brasil, foi traduzido e adaptado para o português,20 resultou em algumas alterações baseadas em questões de dois questionários amplamente usados em estudos com estudantes brasileiros: questionário da Organização Mundial da Saúde usado pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas21 para pesquisar o uso de drogas nas escolas e questionário usado pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.2

Para identificar os questionários nas fases do estudo, os estudantes geraram um “código secreto”, com letras e números, formado a partir de informações pessoais. Esses códigos permitiram que os pesquisadores comparassem os questionários em diferentes momentos do acompanhamento e, simultaneamente, protegessem os participantes, fornececem o anonimato e a confidencialidade essenciais para um estudo de comportamento ilícito.22

Para garantir um viés mínimo de informação nos questionários, foi incluída uma questão sobre o uso de drogas fictícias (Holoten e Carpinol). Essa questão levou à exclusão de 49 estudantes na linha de base.

Variável Resposta: As variáveis respostas (desfechos) consideradas nesse estudo foram: 1)BDdurante oúltimo ano, onde BD correspondeu à confirmação para a questão “De um ano para cá, ou seja, nos últimos 12 meses, você tomou 5 doses ou mais de bebida alcoólica em uma única ocasião?”; 2) BF/BP de álcoolnos últimos 30 dias. Essa variável foi o resultado do agrupamento das respostas à questão “De um mês para cá, ou seja, nos últimos 30 dias, você tomou alguma bebida alcoólica?”. As respostas “Não” e “Sim, tomei de um a cinco dias no mês” foram consideradas como Não bebeu BF/BP; e as respostas “Sim, tomei de seis a 19 dias no mês” e “Sim, tomei 20 dias ou mais no mês” como Sim, bebeu BF/BP. BF e BP foram agrupadas devido à baixa prevalência de BP nesta faixa etária.

Covariáveis investigadas: As covariáveis de interesse foram as variáveis 1) sociodemográficas (gênero, idade, classe socioeconômica e composição familiar); 2) prática de violência da escola nos últimos 30 dias (bullying, agressões física e verbal) medida através de três questões dicotômicas (s/n); 3) desempenho escolar dos estudantes no último ano onde o estudante deveria classificar as suas notas como baixas, medias ou altas; 4) uso de álcool esporádico e exposição a episódios de embriaguez dos parentes (pais/irmãos), ambas variáveis coletadas através de questões dicotômicas (s/n); 5) uso de outras drogas (cigarro, inalantes e maconha) no último ano e no último mês medidas através de questões dicotômicas (s/n); 6) BD durante o último ano e consumo BF/BP de álcool nos últimos 30 dias (variáveis de controle).

A avaliação da classe socioeconômica foi feita através da escala da ABEP,23 que leva em conta a escolaridade do chefe da família, bens e serviços usados, com escores de 0 a 46, quanto maior a pontuação, melhor a condição social do aluno.

Análise estatística

Foi conduzida com os dados ponderados para corrigir probabilidades desiguais de seleção na amostra. Os pesos amostrais levaram em consideração a escola como unidade primária de amostragem, estratificação por cidade, o número total de alunos previstos em cada sala de aula e os presentes no dia da pesquisa. Um modelo inicial de regressão logística múltipla que incluiu as variáveis explicativas com valor de p igual ou inferior a 0,20 foi considerado. Um procedimento de remoção de variáveis explicativas do tipo backward foi usado, a fim de se obter um modelo final para cada variável resposta.

Foi aplicado o teste de qui‐quadrado para verificar a associação entre as variáveis resposta e as covariáveis. Para verificar a associação conjunta das variáveis, foram estimados modelos de regressão logística múltipla para cada variável resposta. O nível de significância adotado foi de 5%.

As análises foram feitas em Stata 14 (SPSS para Windows, versão 14.0. Chicago, EUA) como comando svyset para garantir a inclusão dos pesos amostrais e determinar estimativa de variância adequada dessa amostra complexa.

Resultados

A tabela 1 apresenta as principais características dos estudantes. A média de idade dos entrevistados foi 12,6 anos (EP = 0,3), as meninas representavam metade dos entrevistados. No último mês, 2,2% reportaram BF/BP e no último ano, 16,5% reportaram BD. 11% dos estudantes que relataram fazer BD no último ano também relataram BF/BP no último mês. Por outro lado, 80% dos estudantes que relataram fazer BF/BP também relataram o comportamento de BD.

Tabela 1.

Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes (n = 6.387)

Características  wg%  IC 95% 
Sexo
Masculino  3.127  48,8  47,03; 50,56 
Feminino  3.260  51,2  49,44; 52,97 
Idade
11  139  1,7  1,23; 2,22 
12  3.204  52,2  49,30; 55,04 
13  2.199  32,9  31,26; 34,56 
14  628  9,6  8,22; 11,26 
15  217  3,6  2,93; 4,54 
ABEP média (EP)  6.387  27,7 (0,4)  26,92; 28,41 
A (35‐42)  244  3,78  26,92; 28,41 
B (23‐34)  2467  36,64  2,80; 5,11 
C (14‐22)  3343  53,98  33,54; 39,85 
D/E (0‐13)  322  5,6  50,41; 57,50 
Pai mora na mesma casa  3.749  57,1  4,60; 6,80 
Mãe mora na mesma casa  5.691  88,9  87,54; 90,04 
Prática de violência na escola pelo adolescente nos últimos 30 dias
Bullying  1.156  18,8  17,31; 20,42 
Agressão física  501  8,1  7,12; 9,23 
Agressão verbal  725  11,8  10,48; 13,17 
Notas escolares no último ano
Altas  1.869  29,2  27,49; 30,87 
Média/Baixa  4.375  70,9  69,13; 72,51 
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos)  3.187  51,4  48,50;51,23 
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado  858  14,1  12,89; 15,34 
Uso de drogas pelo adolescente nos últimos 30 dias
Beber pesado  141  2,2  1,77; 2,73 
Uso de cigarro  115  1,8  1,39; 2,42 
Uso de inalantes  176  2,8  2,26; 3,35 
Uso de maconha  76  1,2  0,89; 1,67 
Uso de drogas pelo adolescente nos últimos 12 meses
Binge drinking  1.006  16,5  15,10; 18,01 
Uso de cigarro  243  4,0  3,31; 4,86 
Uso de inalantes  525  8,2  7,45; 9,07 
Uso de maconha  156  2,6  2,05; 3,20 

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

A proporção de meninos entre os que praticaram BF/BP (tabela 2) foi de 58,5%. Foram evidenciadas associações positivas comuns entre a prática de BF/BP e de BD e os seguintes comportamentos: consumo de drogas no último mês (cigarro, inalantes e maconha), episódios de violência no último mês (agressão física, verbal e prática de bullying) e o relato de notas médias e baixas no último ano. Além disso, foi encontrado que não morar junto com o pai também está associado com a prática de BF/BP. Ainda foi observada associação do padrão BD (tabela 2) com a exposição a algum parente que consumia álcool ou estava embriagado.

Tabela 2.

Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes em relação ao: 1) hábito de beber frequente/pesado no último mês, e 2) Binge drinking no último ano

  1) BF/BP, mês anterior2) BD, ano anterior
  SimNão  SimNão 
  p‐valor  p‐valor 
Sexo
Masculino  82  58,1  3.031  48,5  0,061  510  49,6  2.570  48,5  0,591 
Feminino  59  41,9  3.188  51,5    496  50,4  2.741  51,5   
Idade  141  12,9(0,03)  6.223  12,6 (0,10)  0,001  1.006  12,9 (0,05)  5.315  12,56 (0,03)  < 0,001 
Pontuação Abep  141  29,8 (1,14)  6.219  27,6 (0,36)  0,031  1.006  28,4 (0,50)  5.311  27,5 (0,38)  0,017 
Pai mora na mesma casa (não)  70  53,4  2.545  42,7  0,015  476  48,8  2.122  41,7  < 0,001 
Mãe mora na mesma casa (não)  22  15,4  661  11,0  0,108  132  13,0  545  10,8  0,023 
Uso de cigarro (sim)a  28  20,5  87  1,4  < 0,001  176  17,5  66  1,3  < 0,001 
Uso de inalantes (sim)a  20  14,7  156  2,5  < 0,001  209  21,8  313  5,5  < 0,001 
Uso de maconha (sim)a  21  15,4  55  0,9  < 0,001  114  11,4  42  0,8  < 0,001 
Notas escolares no último ano
Altas  22  15,5  1.840  29,4  0,004  189  18,8  1.666  31,2  < 0,001 
Média/Baixa  116  84,5  4.246  70,6    792  81,2  3.540  68,8   
Prática de agressão física na escola (30 dias)
Sim  39  28,8  460  7,6  < 0,001  170  16,8  326  6,5  < 0,001 
Prática de agressão verbal na escola (30 dias)
Sim  47  35,0  677  11,2  < 0,001  237  23,7  480  9,4  < 0,001 
Prática de bullying na escola (30 dias)
Sim  65  45,6  1.086  18,2  < 0,001  340  34,5  802  15,7  < 0,001 
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos)
Sim  81  58,7  3.098  51,2  0,311  558  55,4  2.598  50,5  0,020 
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado
Sim  28  16,4  830  14,1  0,582  226  23,0  623  12,3  < 0,001 

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

a

Devido à diferença temporal do desfecho, quando BD era a variável dependente, as variáveis uso de cigarro, inalantes e maconha foram consideradas nos últimos 12 meses. Quando BF/BP eram a variável dependente, as variáveis uso de cigarro, inalantes e maconha foram consideradas nos últimos 30 dias.

No modelo ajustado de regressão logística para a prática de BF/BP (tabela 3), independentemente do BD, os fatores que apresentaram associação foram consumo de drogas (cigarro e maconha), agressão física e BD.

Tabela 3.

Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para hábito de beber pesado/frequente no último mês, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes

  Beber frequente/pesado, mês anterior
  cOR  IC95%  p‐valor  aOR  IC95%  p‐valor 
Sexo (M)  0,7  0,44; 1,02  0,063       
Idade (ano incremento)  1,5  1,23; 1,88  < 0,001       
ABEP (ponto)  1,00; 1,10  0,013       
Pai mora na mesma casa (N)  1,5  1,09; 2,17  0,016       
Mãe mora na mesma casa (N)  1,5  0,91; 2,36  0,110       
Uso de cigarro nos últimos 30 dias  17,8  10,32; 30,61  < 0,001  2,5  1,16; 5,22  0,020 
Uso de inalantes nos últimos 30 dias  6,7  3,72; 12,18  < 0,001       
Uso de maconha nos últimos 30 dias  20  9,46; 42,26  < 0,001  3,2  1,32; 7,72  0,011 
Notas escolares média/baixa no último ano  2,3  1,29; 4,02  0,005       
Agressão física na escola, últimos 30 dias  4,9  3,11; 7,69  < 0,001  2,2  1,36; 3,50  0,001 
Agressão verbal na escola, últimos 30 dias  4,2  2,75; 6,55  < 0,001       
Prática de bullying na escola, últimos 30 dias  3,8  2,62; 5,39  < 0,001       
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos)  1,4  0,75; 2,45  0,313       
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado  1,2  0,62; 2,33  0,583       
Binge Drinking  24,6  13,86; 43,76  < 0,001  19,1  10,44; 35,09  < 0,001 

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

No modelo ajustado de regressão logística para a prática de BD (tabela 4), controlado por BF/BP, os fatores associados foram consumo de cigarro, maconha e inalantes, exposição a parente embriagado, prática de bullying, agressão verbal, notas médias e baixas e idade.

Tabela 4.

Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para Binge drinking no último ano, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes

  Binge drinking, ano anterior
  cOR  IC95%  p‐valor  aOR  IC95%  p‐valor 
Sexo (M)  0,81; 1,13  0,592       
Idade (ano incremento)  1,6  1,43; 1,71  < 0,001  1,4  1,22; 1,49  < 0,001 
ABEP (ponto)  1,00; 1,02  0,015       
Pai mora na mesma casa (N)  1,3  1,15; 1,54  < 0,001       
Mãe mora na mesma casa (N)  1,2  1,03; 1,47  0,023       
Uso de cigarro nos últimos 12 meses  15,6  10,68; 22,68  < 0,001  6,7  3,96; 11,23  < 0,001 
Uso de inalantes nos últimos 12 meses  4,8  3,57; 6,35  < 0,001  3,0  1,98; 4,43  < 0,001 
Uso de maconha nos últimos 12 meses  15,4  10,35; 22,78  < 0,001  2,2  1,17; 4,31  0,016 
Notas escolares média/baixa no último ano  1,61; 2,39  < 0,001  1,7  1,35; 2,20  < 0,001 
Agressão física na escola, últimos 30 dias  2,9  2,32; 3,68  < 0,001       
Agressão verbal na escola, últimos 30 dias  2,53; 3,55  < 0,001  1,7  1,40; 2,14  < 0,001 
Prática de bullying na escola, últimos 30 dias  2,8  2,42; 3,31  < 0,001  1,8  1,47; 2,17  < 0,001 
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos)  1,2  1,03; 1,43  0,020       
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado  2,1  1,79; 2,53  < 0,001  2,1  1,67; 2,53  < 0,001 
Beber pesado/frequente no último mês  24,6  13,86; 43,76  < 0,001  15,0  7,96; 28,28  < 0,001 

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

Discussão

O presente estudo analisou as associações entre os fatores sociodemográficos, escolares e familiares e os padrões de consumo de risco álcool (BD, BF/BP) no início da adolescência, através de uma grande amostra de estudantes de escolas públicas brasileiras. Os principais resultados deste estudo foram: 1) os padrões nocivos de uso de álcool já são prevalentes no início da adolescência; 2) o uso de drogas mostrou estar associado tanto com BD, BF/BP; 3) notas médias e baixas também mostraram associação com BD; 4) violência escolar mostrou associação tanto com os comportamentos de BD como de BF/BP; e 5) episódios de embriaguez dos parentes estiveram associados apenas à prática de BD dos adolescentes.

Este estudo identificou uma prevalência de 16,5% na prática de BD anual e de 2,2% de BP/BF mensal entre os estudantes com idade média de 12,6 anos da rede pública brasileira. Destaca‐se que foi usada a medida anual para avaliar o BD, pois se trata de um consumo mais agudo, com maiores quantidades em menor tempo, mais comum em fins de semana, em festas e bares.4 Estudo anterior revelou uma prevalência de 53% de BD anual entre os adolescentes brasileiros do sexo masculino na faixa de 14 a 19 anos e 9,1% de BF.24 Outro estudo brasileiro feito com adolescentes em faixa de 14 a 18 anos encontrou prevalência de 32% de BD anual.6 Também se observou alta prevalência de BD anual na adolescência em países europeus, tais como Inglaterra (47,0%)25 e na Suécia (30,8%).26 As prevalências dos estudos prévios foram mais elevadas quando comparadas com presente estudo, provavelmente devido ao fato de os estudantes participantes dos estudos anteriores serem mais velhos. O presente estudo é um dos poucos que se atêm a estudantes recém‐entrados na adolescência, o que o torna inovador, por avaliar os padrões de consumos nocivos mais próximo do início de suas ocorrências. Outro ponto importante de ser mencionado é que 80% dos estudantes com padrão BF/BP também apresentaram comportamento BD, dado que aponta para uma associação entre os diversos padrões de consumo de risco de álcool na adolescência.

Os resultados deste estudo apontam que o uso de outras drogas está associado com os diversos padrões de consumo de risco de álcool, tanto com BD, BF/BP. Outro estudo brasileiro também encontrou associação entre o BD e o uso de drogas ilícitas27 e estudos internacionais longitudinais confirmam essa tendência.15 Esses achados sugerem que o consumo de risco de álcool na adolescência pode estar precedendo o uso de outras drogas, o que corrobora evidências anteriores que mostraram que o álcool é a primeira droga consumida pelos adolescentes e que parte deles acaba progredindo para o uso de outras drogas. No entanto, como este estudo tem um desenho transversal, não podemos estabelecer a ordem temporal dos fatos.

No que se refere aos fatores escolares, este estudo encontrou associação dos desfechos de consumo de risco de álcool com a prática de violência. Outros estudos também encontraram essa relação entre álcool e violência entre adolescentes.8,14 Estudantes que praticam bullying podem ter dificuldades emocionais e de adaptação no ambiente escolar, que podem interferir até no processo de aprendizado,28 fazer com que eles fiquem mais vulneráveis a se envolver em outros comportamentos de risco, tais como o uso de risco de álcool. O relato de notas médias e baixas mostrou estar associado ao BD, uma vez que o aluno tirar notas baixas e médias também pode aumentar o risco de consumo problemático de álcool, devido à consequente queda da autoestima,11 relação com pares desviantes29 ou devido à presença de alguma comorbidade psiquiátrica.30 Por outro lado, o baixo rendimento escolar e a prática de violência podem também ser explicados como consequência do uso de álcool, pelas alterações no desenvolvimento cognitivo causadas pelo consumo de risco do álcool na adolescência.31

Importante destacar que a exposição a um dos pais embriagados pareceu ter associação com o BD no início da adolescência. Muitos estudos sugerem que pais podem servir como modelo de comportamento para os filhos, o que reforça os achados deste estudo.3,12 Dessa forma, parece que pais que bebem de forma abusiva são mais tolerantes com a iniciação do consumo de álcool dos filhos e acabam por criar um ambiente favorável para a ocorrência desse consumo.32 Esses achados indicam a necessidade de que programas preventivos sejam direcionados aos pais, em paralelo àqueles destinados exclusivamente aos adolescentes, na busca de alertar para a influência do consumo de risco de álcool dos pais no uso de álcool dos filhos.

A primeira limitação a ser considerada neste estudo se refere ao fato de todas as informações terem sido obtidas através de um questionário de autopreenchimento, o que pode conferir viés de informação ao estudo. Entretanto, esse é um viés comum à grande maioria dos estudos no campo das drogas de abuso21 e que tentou ser minimizado através da garantia do anonimato e através da ausência do professor em sala de aula durante a coleta. Outra limitação é o fato dos resultados se referirem a estudantes de escolas públicas, assim os dados não podem ser extrapolados aos estudantes de ensino privado, para os quais as prevalências de BD podem ser maiores.6 Também precisamos mencionar a perda potencial de 20% dos estudantes que não estavam presentes na sala no dia do estudo. O número inicial de alunos potencialmente inscritos no estudo (n = 8.247) foi estimado a partir da base de dados de estudantes cedida pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira); no entanto, identificou‐se que nem todos os alunos matriculados realmente frequentavam a escola. Essa discrepância é um problema do contexto social brasileiro, no qual a frequência escolar das crianças matriculadas tem sido um desafio. Além disso, o fato de se tratar de um estudo transversal limitou a interpretação causal das associações entre os fatores analisados e os desfechos.

Concluindo, este estudo identificou os padrões de consumo BD e BF/BP entre estudantes brasileiros recém‐entrados na adolescência e uma série de fatores de risco está associada a esses padrões: envolvimento com outras drogas, baixo desempenho escolar, agressividade e embriaguez dos parentes. Compreendendo esses comportamentos associados ao beber de risco adolescência, sugere‐se que programas escolares de prevenção integrem a temática do uso de drogas e da violência em seus currículos, através de intervenções multicomponentes, e que complementarmente possam oferecer intervenção breve aos pais que necessitam de apoio para reduzir seu consumo nocivo de álcool.

Financiamento

Esta pesquisa foi financiada pelo Ministério da Saúde do Brasil (TED 89/2014). Agradecemos à equipe do Ministério da Saúde e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Agradecemos especialmente aos diretores e professores das escolas, pesquisadores de campo e também especialmente aos alunos que participaram do estudo.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

O manuscrito submetido foi lido e aprovado por todos os autores. Todos os autores reconhecem que exerceram o devido cuidado em assegurar a integridade do trabalho. LC foi responsável pela redação do artigo e revisão de literatura; escreveu a primeira versão do manuscrito. CBM fez a análise estatística e escreveu os resultados. SA foi responsável pela amostragem e pelo peso amostral. JYV foi responsável pela revisão crítica de todo o manuscrito e escreveu a segunda versão. ZS supervisionou todas as etapas do manuscrito como investigador principal do estudo e foi responsável pela versão final a ser publicada. Nenhum material original contido no manuscrito foi submetido à consideração de outra revista, nem será publicado em outro lugar.

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Como citar este artigo: Conegundes LS, Valente JY, Martins CB, Andreoni S, Sanchez ZM. Binge drinking and frequent or heavy drinking among adolescents: prevalence and associated factors. J Pediatr (Rio J). 2020;96:193–201.

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