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Vol. 96. Núm. 3.
Páginas 386-392 (maio - junho 2020)
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Vol. 96. Núm. 3.
Páginas 386-392 (maio - junho 2020)
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Brainstem auditory evoked potentials in children with autism spectrum disorder
Potenciais evocados auditivos de tronco encefálico em crianças com transtorno do espectro do autismo
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Mariana Keiko Kamita
Autor para correspondência
marikeikokamita@gmail.com

Autor para correspondência.
, Liliane Aparecida Fagundes Silva, Fernanda Cristina Leite Magliaro, Rebeca Yuko Couto Kawai, Fernanda Dreux Miranda Fernandes, Carla Gentile Matas
Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina (FM), Departamento de Terapia Física, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, São Paulo, SP, Brasil
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Abstract
Objectives

This study aimed to analyze the neural encoding of verbal and nonverbal stimuli in individuals with autism spectrum disorder using brainstem auditory evoked potentials.

Methodology

Thirty individuals between 7 and 12 years of age and of both genders participated in this study. Fifteen were diagnosed with autism spectrum disorder, and 15 had typical development. All subjects had normal hearing and no other impairments. An electrophysiological hearing assessment was performed using brainstem auditory evoked potentials with click and speech stimuli.

Results

In the brainstem auditory evoked potentials with click stimuli, the mean wave I latency was longer for the right ear in both groups, and interpeak intervals III–V were greater for the individuals with autism spectrum disorder. For brainstem auditory evoked potentials with speech stimuli, wave V latency was shorter in individuals with autism spectrum disorder.

Conclusion

These data suggest that individuals with autism spectrum disorder may have a dysfunction of the central auditory nervous system for nonverbal stimuli and faster neural encoding of the initial part of the verbal stimulus, suggesting hypersensitivity to complex sounds such as speech.

Keywords:
Autistic disorder
Electrophysiology
Auditory evoked potentials
Resumo
Objetivos

Este estudo visou analisar a codificação neural de estímulos verbais e não verbais em indivíduos com transtorno do espectro do autismo com o uso de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico.

Metodologia

Participaram 30 indivíduos entre sete e 12 anos e de ambos os sexos; 15 foram diagnosticados com transtorno do espectro do autismo e 15 apresentaram desenvolvimento típico. Todos os indivíduos apresentaram audição normal e nenhuma outra alteração. Foi feita uma avaliação eletrofisiológica da audição com o uso dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico com estímulos de clique e fala.

Resultados

Nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico com estímulos de clique, a média do valor de latência da onda I foi maior para o ouvido direito nos dois grupos e os intervalos interpicos III‐V foram maiores para os indivíduos com transtorno do espectro do autismo. Para os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico com estímulos de fala, a latência da onda V foi menor nos indivíduos com transtorno do espectro do autismo.

Conclusão

Nossos dados sugerem que os indivíduos com transtorno do espectro do autismo podem ter uma disfunção do sistema nervoso auditivo central para estímulos não verbais e codificação neural mais rápida da parte inicial dos estímulos verbais, o que sugere hipersensibilidade a sons complexos, como a fala.

Palavras‐chave:
Transtorno autista
Eletrofisiologia
Potenciais evocados auditivos
Texto Completo
Introdução

O transtorno do espectro do autismo (TEA) é um transtorno central caracterizado pela incapacidade de estabelecer relações interpessoais e reagir normalmente a situações no início da vida, com ênfase no retraimento social.1

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,2 os indivíduos com TEA podem mostrar padrões de comportamento que incluem interesses restritos e comportamentos repetitivos e estereotipados. Adicionalmente, são observadas alterações nas interações sociais recíprocas e formas de comunicações. Além disso, sabe‐se que indivíduos com TEA podem ter distúrbios de atenção perceptivos, cognitivos e relacionados à memória que podem ser confundidos com problemas auditivos.2

Ainda, indivíduos com TEA podem ser hiper ou hipossensíveis a estímulos sensoriais e podem ser muito sensíveis a sons; eles podem ficar incomodados com sons altos (hiperacusia) ou não conseguir ouvir e responder a sons altos ou barulhos (hipoacusia). Essas sensibilidades também são observadas com relação à luz e sensação tátil.3 Consequentemente, é importante fazer uma avaliação auditiva completa que investigue as vias auditivas periféricas e centrais.4

Apesar de serem muito úteis nas avaliações de audição de rotina, a audiometria tonal convencional ou condicionada, muito usada para avaliar a acuidade auditiva, e a bateria de testes usada para avaliar o processamento auditivo central têm aplicabilidade clínica limitada em indivíduos com TEA, pois elas exigem respostas ativas dos pais, e os indivíduos com TEA nem sempre conseguem responder precisamente aos estímulos apresentados e/ou cumprir as tarefas necessárias.

Consequentemente, é importante incluir testes eletrofisiológicos na avaliação dos indivíduos com TEA. Esses testes podem prever o limite auditivo desses indivíduos e identificar possíveis alterações nas vias auditivas centrais, ajudam, assim, no diagnóstico e na intervenção precoce.

Dos testes usados para avaliação eletrofisiológica da audição, os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATEs) conseguem refletir a atividade elétrica sincronizada dos elementos neurais do tronco encefálico em resposta a estímulos acústicos e essa atividade neural pode ser observada nos primeiros milissegundos após a apresentação dos estímulos sonoros.5,6

Dois tipos de estímulos acústicos podem ser usados para obter respostas eletrofisiológicas: verbais e não verbais. Esses estímulos têm diferentes características e extraem diferentes respostas; estímulos verbais são compostos de uma estrutura temporal mais complexa e a resposta a esses estímulos exige ativação neural sincrônica.7 A percepção dessas características acústicas está relacionada à codificação neural, uma função essencial do sistema nervoso auditivo central, que deve processar simultaneamente várias dicas para decodificar uma mensagem linguística.8

Vários estudos avaliaram a função da via auditiva no nível do tronco encefálico em indivíduos com TEA com o uso de PEATES.4,9–17 Em geral, a literatura demonstra que essa população pode apresentar alterações nos PEATEs; os achados mais comuns são aumento da latência das ondas III e V4,9,10 e um aumento nos intervalos interpicos para I‐III e I‐V, o que sugere dano ao tronco encefálico desse pacientes.4,10,12,13 Contudo, esses estudos avaliaram essa população com o uso de somente um tipo de estímulo acústico: cliques. Os resultados diferiram e, contudo, são necessários mais estudos nessa área para fortalecer as hipóteses.

Como a avaliação do processamento de informações sonoras é de interesse para pesquisa científica nessa população, o presente estudo é inovador em sua avaliação dos PEATEs com estímulos verbais e não verbais em indivíduos com TEA. Esta pesquisa é de grande importância, pois ela reflete as mudanças na condução sonora por meio das vias auditivas centrais, possibilita um melhor entendimento do processamento de informações acústicas. O presente estudo usou dois tipos de estímulos; ele faz uma importante contribuição para a literatura, pois somente um estudo anterior comparou os dois tipos de estímulos. Apesar de não ser um estudo pioneiro sobre o assunto, a maior parte dos estudos anteriores sobre os PEATEs no TEA usou somente estímulo não verbal.

Considerando que os indivíduos com TEA são hipo e hipersensíveis a sons, a hipótese deste estudo é que essa população apresentará anormalidades nos PEATEs com estímulos de fala e clique. Assim, este estudo visou a analisar a codificação neural de estímulos verbais e não verbais em indivíduos com TEA com o uso de PEATEs.

Material e métodos

Este foi um estudo clínico prospectivo e transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número 227/15. Todos os indivíduos que participaram da pesquisa e seus pais receberam explicações e assinaram formulários de consentimento informado.

Amostra

O estudo incluiu 30 indivíduos entre sete e 12 anos de ambos os sexos. A amostra foi dividida em dois grupos:

  • GrupoTEA: Foram inicialmente contatadas 26 famílias de indivíduos diagnosticados com TEA. Desses, somente 15 indivíduos participaram e conseguiram concluir todas as avaliações (duas meninas e 13 meninos, com média de 9,07±1,75 anos). Todos os indivíduos com TEA foram diagnosticados por psiquiatras e neurologistas de acordo com os critérios DSM IV. A Lista de Verificação do Comportamento Autista foi usada para garantir a homogeneidade do grupo e a pontuação dos indivíduos participantes foi entre 75 e 85. O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas foi usado para avaliar o desenvolvimento cognitivo; os resultados foram analisados por um psicólogo experiente e indicaram desempenho acerca dos baixos limites de desenvolvimento normal. Todos os indivíduos com TEA se comunicaram verbalmente com importantes déficits no uso funcional da linguagem. A ausência de qualquer transtorno neurológico (como convulsões e/ou síndromes) foi um critério de inclusão.

  • Grupo de desenvolvimento típico (DT): Esse grupo abrangeu 15 indivíduos saudáveis normais que foram combinados por idade e sexo ao grupo TEA. Eles não apresentaram transtorno psiquiátrico, antecedentes neurológicos ou queixas de problemas auditivos e/ou de fala ou linguagem e foram recrutados de forma espontânea e voluntária.

Além dos critérios de inclusão mencionados, somente foram consideradas crianças com audição normal. Para descartar possível perda de audição, foi feita uma anamnese inicial com o pai/mãe ou responsável para investir o histórico de saúde da criança e foi feita uma meatoscopia para descartar possível obstrução do canal auditivo externo.

Posteriormente, foram feitos os seguintes procedimentos e foram aplicados os seguintes critérios de normalidade:

  • Medicação da imitância acústica: Foi feita a timpanometria com um imitanciômetro (Interacoustics®, AT235, Dinamarca) com análise do reflexo acústico ipsilateral e contralateral em frequência de 0,5, 1, 2 e 4kHz. O critério de inclusão foi a presença de uma curva tipo A com reflexos acústicos.

  • Audiometria tonal pura: Foi usado um audiômetro (Grason‐Stadler®, GSI 6, EUA). Esse exame foi feito em frequências de 0,5, 1, 2 e 4kHz e, em alguns casos, foi feita audiometria lúdica. O critério de normalidade aceito foi um limiar de audibilidade de até 20dB HL para todas as frequências medidas.

  • Audiometria da fala: Foi usado um audiômetro (Grason‐Stadler®, GSI 6, EUA). O limiar de reconhecimento da fala (LRF) e o índice percentual de reconhecimento da fala (IPRF) foram avaliados com as listas de palavras sugeridas por Santos e Russo.18 Os critérios de normalidade foram um LRF de até 10dB HL acima da média do limiar tonal puro para as frequências de 0,5, 1 e 2kHz; para o IPRF, mais de 88% das respostas corretas em uma intensidade de 30dB acima do LRF foram consideradas aceitáveis.

Todos os testes foram feitos em uma cabine à prova de sons e os estímulos sonoros foram apresentados por meio de fones de ouvido supra‐auriculares.

Procedimentos

Foram feitas avaliações auditivas eletrofisiológicas com o sistema Smart EP USB Junior (Intelligent Hearing System 5020, EUA) em uma sala acusticamente tratada, com o indivíduo sentado confortavelmente em uma cadeira reclinável.

A pele do participante foi limpa com pasta abrasiva e os eletrodos foram posicionados com o uso de uma pasta eletrolítica e fita micropore de acordo com a norma internacional IES 10‐20.19 Os valores de impedância dos eletrodos foram mantidos abaixo de 5 kOhms. Os PEATEs foram medidos com o uso dos estímulos de clique e fala por meio de fones de ouvido auriculares.

Os PEATEs com estímulo de clique foram feitos com uma polaridade rarefeita a 80dB HL e foram apresentados a uma taxa de 27,7 estímulos por segundo de um total de 2.048 estímulos. A janela de registrou foi 24ms. Foram feitos dois testes em cada ouvido para que a reprodutibilidade do traço e, consequentemente, a presença da resposta pudessem ser verificadas. Após os traços serem coletados, as latências absolutas das ondas I, III e V e os intervalos interpicos I‐III, III‐V e I‐V foram identificados e analisados.

Os PEATEs com estímulos de fala foram feitos com o uso da sílaba /da/, que foi liberada no ouvido direito somente a uma intensidade de 80dB HL, uma taxa de 11,1 estímulos por segundo e uma janela de registro de 60ms. Foram feitas duas varreduras de 3.000 estímulos de um total de 6.000 estímulos. Após coleta, os traços foram somados; no traço resultante dessa soma, as latências absolutas das ondas V, A, C, D, E, F e O e a amplitude V‐A foram identificadas e analisadas.

Após os dados serem coletados, eles foram enviados para análises estatísticas descritivas e inferenciais. Para os PEATEs com um estímulo de clique, a análise descritiva foi feita com medidas resumidas para as latências absolutas das ondas I, III e V em milissegundos (ms) e para os intervalos interpicos I‐III, III‐V e I‐V em microvolts por ouvido (direito e esquerdo) e por grupo (DT e TEA). Na análise inferencial, cada latência e intervalo interpico foi analisado com um modelo misto normal ajustado no qual o efeito do paciente foi considerado aleatório e os efeitos dos grupos e dos ouvidos foram considerados fixos.20 Para cada modelo, a análise de diagnóstico mostrou que o modelo ajustado apresentou bom desempenho.21

Um nível de significância de 0,05 foi adotado para cada teste de hipótese. Primeiro, foi testada a hipótese de que não houve efeito da interação entre os grupos e os ouvidos. Quando essa hipótese não foi rejeitada (valor de p> 0,05), foram testadas as hipóteses de que não houve efeitos nos grupos ou nos ouvidos.

Para os PEATEs com estímulos de fala, foi testada a igualdade das médias dos dois grupos para todas as variáveis com o teste t de Student para duas amostras independentes com a mesma variância.22 Foram verificadas e comprovadas suficientemente as suposições de homocedasticidade e normalidade.

Resultados

Os resultados dos PEATEs foram analisados com medidas descritivas para a latência absoluta das ondas I, III e V nos ouvidos direito e esquerdo dos dois grupos (fig. 1).

Figura 1.

Medidas descritivas das latências das ondas I, III e V (ms) dos PEATEs com estímulos de clique, por grupo e ouvido.

TEA, Transtornos do Espectro do Autismo; DT, Desenvolvimento Típico; ms, milissegundos.

(0.21MB).

Para cada uma das latências absolutas das ondas I, III e V, foi aplicado um modelo ajustado que considerou as variáveis dos grupos e de audição. As interações entre essas variáveis de cada onda (valores de p 0,783, 0,606 e 0,179 para as ondas I, III e V, respectivamente) foram comparadas para cada grupo, independentemente do ouvido, e nos dois ouvidos, independentemente do grupo.

Houve comprovação de um efeito auditivo; a média da latência absoluta da onda I no ouvido direito foi superior à do ouvido esquerdo (valor de p=0,037), independentemente do grupo; a média das latências absolutas das ondas III e V não diferiram entre os ouvidos (valores de p 0,326 e 0,613, respectivamente).

Não houve comprovação de um efeito nos grupos; a média das latências absolutas das ondas I, III e V não diferiu entre os grupos (valores de p 0,666, 0,682 e 0,211, respectivamente) para o ouvido direito ou esquerdo.

Para os intervalos interpicos I‐III, III‐V e IV, foi feita uma análise descritiva dos ouvidos direito e esquerdo com relação aos dois grupos (fig. 2).

Figura 2.

Medidas descritivas dos interpicos I‐III, III‐V e I‐V (ms) dos PEATEs com estímulos de clique, por grupo e ouvido.

TEA, Transtornos do Espectro do Autismo; DT, Desenvolvimento Típico; μV, microvolts.

(0.15MB).

Semelhantemente ao método usado para as latências, a análise inferencial dos intervalos interpicos I‐III, III‐V e I‐V usou um modelo ajustado que considerou as variáveis dos grupos e dos ouvidos. Como não houve interação entre essas variáveis (valores de p 0,634, 0,107 e 0,099 para os intervalos interpicos I‐III, III‐V e I‐V, respectivamente), os ouvidos foram comparados independentemente do grupo e os grupos foram comparados independentemente do ouvido.

Os resultados mostraram comprovação de um efeito nos grupos. A média do intervalo interpico III‐V no grupo TEA foi maior do que a do grupo DT (valor de p=0,046). As médias dos intervalos interpicos I‐III e I‐V não diferiram entre os dois grupos (valores de p 0,368 e 0,332, respectivamente). Os intervalos interpicos I‐III, III‐V e I‐V não diferiram entre os ouvidos (valores de p 0,261, 0,918 e 0,069, respectivamente).

Para os PEATEs com estímulos de fala, foram feitas medidas descritivas das latências absolutas das ondas V, A, C, D, E, F e O e a amplitude V‐A nos dois grupos (fig. 3).

Figura 3.

Medidas descritivas das latências das ondas V, A, C, D, E, F e O e da amplitude V‐A dos PEATEs com estímulos de fala, por grupo e ouvido. TEA, Transtornos do Espectro do Autismo; DT, Desenvolvimento Típico; ms, milissegundos; μV, microvolts.

(0.29MB).

Foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos somente para a latência absoluta da onda V (valor de p=0,011) e a média do grupo DT foi maior do que a do grupo TEA.

Discussão

Os PEATEs são medidas objetivas que não exigem a resposta ativa do indivíduo. Consequentemente, uma das principais aplicações clínicas dos PEATEs é a avaliação de populações que são difíceis de ser avaliadas com métodos comportamentais, como os indivíduos com transtornos neurológicos e psiquiátricos, inclusive crianças com TEA.4,6

Este estudo visou a analisar a codificação neural de estímulos verbais e não verbais em indivíduos com TEA com o uso de PEATEs. Para isso, os PEATEs foram obtidos com estímulos de clique e fala em um grupo de crianças com TEA e os resultados foram comparados com os das crianças com DT.

Com relação aos PEATEs obtidos pelos estímulos de clique, não foram observadas diferenças entre os valores de latência absoluta das ondas de indivíduos com TEA e crianças com DT. Com relação aos intervalos interpicos, houve um efeito nos grupos no intervalo interpico III‐V, com relação ao qual o grupo TEA mostrou maiores valores do que o grupo DT.

A literatura científica é incompatível com relação aos achados dos PEATEs. Alguns estudos confiram a falta de alterações nas latências absolutas das ondas dos PEATEs;12,15–17 contudo, outros autores encontraram um aumento nas latências absolutas das ondas III e IV,9 um aumento nas latências das ondas I e V10 e aumento nas latências da onda V no ouvido direito e na onda I no ouvido esquerda em indivíduos com TEA.23

As disfunções observadas nas vias auditivas em indivíduos com TEA também foram destacadas em outros estudos que observaram alterações nos intervalos interpicos. Um estudo que avaliou crianças com TEA também constatou alterações somente no intervalo interpico III‐V nessas crianças, em comparação com as crianças com DT.12 Outros estudos também observaram aumentos nesse intervalo interpico juntamente com outras alterações.10,12,13,23

Estudos adicionais também encontraram alterações nos intervalos interpicos, exceto aquelas observadas neste estudo, como intervalo interpico III‐IV,9 intervalos interpicos I‐III e I‐V15 e intervalo interpico I‐III.24 Em contrapartida, outros estudos não relataram alterações estatisticamente significativas nos PEATEs com estímulos de clique em indivíduos com TEA.16,17

Considerando os achados descritos na literatura, pode ser determinado que os indivíduos com TEA podem ter um padrão distinto de transmissão de sons em todo o sistema nervoso; adicionalmente, alguns estudos descrevem alterações no tronco encefálico inferior e/ou superior; apesar disso, um início prolongado da onda V demonstrou a alteração mais frequente entre indivíduos com TEA. Apesar de os resultados deste estudo mostrarem latência absoluta normal com relação à onda V, o aumento no intervalo interpico III‐V também sugere uma possível alteração na região tronco encefálico superior nesses indivíduos.

Sabe‐se que as alterações nos valores de latência, nos intervalos interpicos e nas amplitudes das ondas dos PEATEs refletem as alterações na mielinização, no diâmetro axonal e na eficácia sináptica das vias auditivas no tronco encefálico.25,26 Assim, os resultados deste estudo sugerem que as crianças com TEA têm estruturas corticais anormais no tronco encefálico, o que prejudica a condução dos impulsos neuroelétricos dos estímulos não verbais entre os núcleos cocleares e o lemnisco lateral.

Com relação aos PEATEs obtidos por estímulos de fala, foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos na latência absoluta da onda V, que é menor no grupo TEA do que no grupo DT. Contudo, as latências absolutas das ondas A, C, D, E, F e O e a amplitude V‐A não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Os estímulos de fala são complexos e consistem em várias características acústicas.8 Para captar esses sinais, a codificação deve ocorrer no início do estímulo no tronco encefálico.7

Alguns indivíduos com TEA podem ser hipersensíveis a sons e outros estímulos sensoriais, o que pode torná‐los mais sensíveis às características acústicas de um som. Essa hipersensibilidade pode explicar a redução na latência da onda V no grupo TEA, o que sugere codificação neural mais rápida da parte inicial (início) dos estímulos de fala. Essa possível hiper‐responsividade ao processamento do início imediato dos estímulos acústicos não parece ser mantida até o término do estímulo (término), pois essa diferença não foi observada nos outros componentes (ondas A, C, D, E, F e O).3

Os achados deste estudo diferem dos de outro estudo no qual as latências absolutas das ondas V, A, C e F dos PEATEs foram maiores no grupo TEA do que no grupo DT.27

Um estudo que usou estímulos de clique e fala em crianças com TEA constatou que as crianças com TEA apresentaram PEATEs normais em resposta aos estímulos de clique; contudo, ao usar estímulos de fala, aproximadamente 20% das crianças com TEA mostraram codificação anômala em comparação com os controles. Os autores sugerem que os estímulos de fala foram mais sensíveis do que os estímulos de clique na detecção de dificuldades sutis no processamento da linguagem.28

Essa variação não foi considerada em todos os estudos comparativos acima, o que pode ter resultado em uma amostra de pesquisa muito heterogênea. Atualmente, indivíduos com TEA podem ser subdivididos em grupos de baixo e alto funcionamento.25 Essa variação não foi considerada em todos os estudos comparativos acima, o que pode ter resultado em uma amostra de pesquisa muito heterogênea. Além disso, as diferenças nos resultados podem ser devido às diferenças nos mecanismos da disfunção da via auditiva no espectro desse transtorno ou às diferenças nos mecanismos usados para processar os estímulos (clique em comparação à fala).29,30

O presente estudo recrutou os participantes de um único centro e ele foi feito com uma pequena amostra; assim, a generalização de seus achados é limitada. Portanto, estudos futuros devem fazer exames eletrofisiológicos de audição em um maior número de indivíduos com TEA e devem usar esses potenciais para investigar a plasticidade neural antes da intervenção terapêutica.

Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp 2015/13239‐7.

Conflitos de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

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Como citar este artigo: Kamita MK, Silva LA, Magliaro FC, Kawai RY, Fernandes FD, Matas CG. Brainstem auditory evoked potentials in children with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2020;96:386–92.

Estudo feito na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, São Paulo, SP, Brasil.

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Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate jped2@sbp.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact jped2@sbp.com.br.
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