To analyze the results of the audiological evaluation of children with HIV and AIDS.
Data collectionSystematic review carried out in May 2019 in the Web of Science, PubMed, SciELO, and Scopus databases. Case reports and original articles were included, with no limi‐tationsregarding country or year of publication.
Data synthesis278 articles were identified; 26 were included, in which HIV/AIDS was shown to be a risk factor for hearing loss (OR = 5.364; p = 0.00). The studies used different audiological exams, with varying methodologies. There was no difference regarding the type of hearing loss (p = 0.119).
ConclusionLongitudinal studies using the same type of examination at all stages are suggested, to allow better monitoring of the effects of HIV on the child's hearing, and studies that provide more methodological details. The knowledge of the influence of HIV on the child's auditory system may lead to the promotion of measures that minimize the prevalence of hearing loss, allow an early diagnosis and timely rehabilitation, so as not to compromise child development.
Analisar os resultados da avaliação audiológica de crianças com HIV e AIDS.
Coleta dos dadosRevisão sistemática realizada em maio de 2019 nas bases Web of Science, Pubmed, SciELO e Scopus. Relatos de caso e artigos originais foram incluídos, sem limitação quanto ao país ou ano de publicação.
Síntese dos dadosForam identificados 278 artigos, sendo que 26 foram incluídos, nos quais o HIV/AIDS foi mostrado como fator de risco para perda auditiva (OR = 5.364; p = 0.00). Os estudos utilizaram diferentes exames audiológicos, com diferentes metodologias. Não houve diferença com relação ao tipo de perda auditiva (p = 0.119).
ConclusãoSugere‐se estudos longitudinais usando o mesmo tipo de exame em todas as fases para possibilitar melhor acompanhamento dos efeitos do HIV na audição da criança e estudos que tragam mais detalhes metodológicos. O conhecimento da influência do HIV no sistema auditivo infantil pode levar à promoção de medidas que minimizem a prevalência da perda auditiva, possibilitem diagnóstico precoce e permita reabilitação em tempo hábil para não comprometer o desenvolvimento infantil.
A infecção pelo HIV leva a comprometimento progressivo da imunidade dos indivíduos afetados. Com o advento da terapia antirretroviral (TARV), houve prolongamento da sobrevida desses pacientes e, consequentemente, o aumento do espectro de doenças agudas e crônicas, especialmente as infecções de vias aéreas, como as otites.1–3
As otites médias podem causar perda auditiva e podem ser a principal causa de acometimento em pessoas com HIV/AIDS, especialmente na infância, faixa etária mais acometida pelas infecções de vias aéreas superiores.1,2,4 Entretanto, perda auditiva relacionada a dano sensorial ou neural (dano direto, por infecções oportunistas ou neuropatia) também tem sido observada.5,6 É estimado que 20‐50% das pessoas com HIV/AIDS apresentem diferentes graus de perda auditiva sensório‐neural e esse tipo é mais prevalente entre adultos do que em crianças.1
A associação entre HIV/AIDS e perda auditiva requer mais estudos, pois a literatura mostra achados conflitantes, particularmente aqueles relativos ao tipo de perda que a doença causa. Mesmo assim, o HIV/AIDS é reconhecido como fator de risco para dano auditivo.7 Ainda, há poucos estudos que considerem a relação entre os achados auditivos e as características clínicas e laboratoriais da infecção (carga viral e contagens de linfócitos TCD4 e TCD8) ou os efeitos da TARV.3,8,9
As sequelas auditivas relacionadas ao HIV, à AIDS ou à TARV podem ser mais bem entendidas por meio da análise de estudos feitos com a população pediátrica, uma vez que se podem minimizar fatores de confundimento, tais como os efeitos a exposição crônica a altos níveis de pressão sonora, efeitos da senilidade e uso de medicações ototóxicas não relacionadas à TARV.10
Como a integridade do sistema auditivo periférico e central é essencial para o desenvolvimento adequado da linguagem e do aprendizado, é necessário entender melhor os efeitos do HIV na perda auditiva de crianças em ordem de estabelecer medidas de prevenção e implantar medidas de diagnóstico precoce e reabilitação, para reduzir as limitações impostas por essa deficiência.4,11
Por essa razão, propôs‐se o presente estudo, com o objetivo de analisar os resultados da avaliação auditiva de crianças com HIV e AIDS disponíveis na literatura.
Coleta dos dadosEm maio de 2019, foi feita uma revisão sistemática a respeito de achados audiológicos entre crianças com HIV/AIDS, por meio de uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados Web of Science, Pubmed, SciELO e Scopus. Os estudos não foram limitados quanto ao país ou ano de publicação.
Os desfechos primários buscados foram: 1) a razão de chances (OR, odds ratio) e o risco relativo (RR, relative risk) para a perda auditiva entre pacientes com HIV; 2) a relação entre a perda auditiva e o status do HIV e 3) otoscopia feita antes dos exames audiológicos.
As palavras‐chave usadas na pesquisa foram os descritores MeSH (medical subjective headings) “HIV” AND “hearing” AND “children OR childhood”. Relatos de caso e estudos prospectivos ou retrospectivos sobre a relação entre a infecção pelo HIV e resultados audiológicos foram incluídos na revisão. Os critérios de exclusão foram: revisões de literatura, short communication, resumos de artigos apresentados em congressos, editoriais, estudos em língua não inglesa ou não portuguesa, trabalhos que incluíram crianças com HIV e outras coinfecções, estudos sobre triagem neonatal, trabalhos sem informações sobre quais exames audiológicos foram feitos e resumos que não responderam ao objetivo desta revisão.
A pesquisa resultou em 445 citações, com refinamento de 278 artigos após eliminação de duplicatas. Em seguida, excluímos 205 artigos pelo resumo, 9 pela língua e 22 pelo tipo de estudo, nessa ordem. No fim, 26 artigos foram selecionados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos, após análise independente por duas autoras e opinião de uma terceira autora em caso de divergência (fig. 1).
Processo decisório dos artigos incluídos neste estudo. Adaptado de Moher et al.12
Os artigos foram avaliados quanto ao número de crianças com HIV estudadas, idade das crianças, exames audiológicos feitos, achados de otoscopia, uso de TARV, contagem de células T CD4 e de carga viral.
Foram seguidas as orientações metodológicas e o checklist estabelecidos pelo PRISMA.12 A avaliação da qualidade dos artigos eleitos foi conduzida com a versão modificada do QATSO (Quality assessment tool for systematic reviews of observational studies).13 Os critérios usados foram: objetividade da medida, validação dos exames audiológicos feitos e amostra probabilística (exceto para relatos de caso).
Os dados foram exportados para o software STATA 12.0 para análise. O efeito randomizado da metanálise foi feito após os testes de heterogeneidade serem calculados pelo método de Mantel‐Haenszel. Valores inexistentes (para estudos que não usaram grupo controle) foram eliminados para maximizar o poder estatístico. Devido à discrepância de amostra entre os estudos, transformação em raiz quadrada para OR foi usada para minimizar o risco de viés estatístico. Calculou‐se o OR e o RR para perda auditiva entre crianças com HIV/AIDS.
Síntese dos dadosA avaliação da qualidade dos artigos detectou que todos os estudos selecionados incluíram exames validados e medidas objetivas de investigação auditiva. Entretanto, nenhum deles usou amostra probabilística.
Exames feitosOs resumos dos exames feitos estão demonstrados na tabela 1. Cinco estudos mostraram apenas um tipo de exame audiológico,14–18 19 usaram audiometria tonal convencional ou condicionada (dependeu da idade da criança), 8 usaram potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) (especialmente em crianças menores) e 8 usaram testes convencionais. Alguns autores relataram audiometria vocal (principalmente testes de discriminação auditiva).19–21 Sete estudos usaram teste de emissões otoacústicas (EOA), dos quais quatro foram do tipo produto de distorção14,22–24 e dois foram transientes evocadas.25,26 A maioria dos estudos que incluíram medidas de imitância acústica as fez em conjunto com audiometria ou PEATE para confirmar o tipo de perda auditiva (tabela 2).
Características gerais dos artigos selecionados
Autores/Ano | País | N | Amostra | Exames audiológicos |
---|---|---|---|---|
Bastos et al., 201031 | Brasil | 1 | 7 anos | Audiometria tonalTestes comportamentais |
Buriti et al., 201329 | Brasil | 23 | 2 anos a 10 anos e 11 meses | Audiometria tonalImitância acústica |
Buriti et al., 201428 | Brasil | 23 | 2 anos a 10 anos e 11 meses | Audiometria tonalImitância acústica |
Chao et al., 20122 | Peru | 139 | 4 a 19 anos | Audiometria tonalImitância acústica |
Chidziva et al., 201617 | Zimbábue | 380 | 5 a 17 anos | Audiometria tonal (359) |
Christopher et al., 20135 | Uganda | 370 | 6 a 60 meses | PEATETimpanograma |
Christensen et al., 199826 | EUA | 1 | Três avaliações:Aos 21, 34 e 43 meses | 21 meses: VRA, EOA‐TE e PEATE34 meses: PEATE43 meses: VRA, PEATE, timpanograma |
Govender et al., 201115 | África do Sul | 78 | 3 meses a 12 anos | PEATE (baseado na suspeita clínica) |
Hrapcak et al., 201625 | Malawi | 380 | 4 a 14 anos | Audiometria tonal (372)VRA (7)TimpanometriaEOA‐TE |
Knox et al., 201824 | South Africa | 61 | 4 a 6 anos | EOA‐PD |
Makar et al., 201220 | India | 67 | 4 a 16 anos | Audiometria tonalImitância acústica |
Maro et al., 201622 | Tanzania | 131 | 1.3 a 18 anos113 HIV‐negative controles | TimpanometriaAudiometria tonal (75)EOA‐DP (97)Gap Detection Test (48)PEATE (90) |
Martins et al., 200134 | Brasil | 22 | 8 meses a 12 anos | Audiometria tonalTestes comportamentaisImitância acústica |
Matas et al., 200021 | Brasil | 18 | 18 meses a 2 anos e 6 mesesControles:‐ Expostos: 34‐ Sero‐revertidos: 91 | Testes comportamentaisVRAImitância acústica |
Matas et al., 20064 | Brasil | 51 | 3 a 10 anos50 controles HIV‐negativos | Audiometria tonalImitância acústicaPEATE |
Matas et al., 20086 | Brasil | 18 | 1 a 30 mesesControles:‐ Expostos: 34 (< 18 meses)‐ Sero‐revertidos: 91 | Audiometria comportamentalVRAImitância acústica |
Matas et al., 201027 | Brasil | 51 | 3 anos a 10 anos e 11 meses50 controles HIV‐negativos | Audiometria tonalAudiometria vocalImitância acústicaPEATE |
Nakku et al., 201716 | Uganda | 148 | 6 a 12 anos79 controles HIV‐negativos | Audiometria tonal |
Palacios et al., 200819 | México | 23 | 5 meses a 17 anos | PEATEAudiometria tonal (> 4 anos: 12)Teste de discriminação de fala |
Rezende et al., 200436 | Brasil | 1 | 10 anos | Audiometria tonalAudiometria vocalImitância acústica |
Romero et al., 201732 | Brasil | 15 | 8 a 9 anos | Audiometria tonalAudiometria vocalImitância acústicaTestes comportamentais |
Smith et al., 201718 | Etiópia | 107 | 7 a 20 anos | Audiometria tonal |
Taipale et al., 201133 | Angola | 78 | 9 a 178 meses78 controles HIV‐negativos | Audiometria tonalPEATE |
Torre et al., 201230 | EUA e Porto Rico | 145 | 7 a 17 anos86 controles HIV‐negativos | Audiometria tonalTimpanometria |
Torre et al., 201523 | África do Sul | 37 | 4 a 14 anos24 controles HIV‐negativos | TimpanometriaEOA‐DPAudiometria tonal |
Torre et al., 201514 | EUA e Porto Rico | 89 | 7 a 16 anos83 controles HIV‐negativos | EOA‐DP |
DP, produto de distorção; EOA, emissões otoacústicas; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico; TE, transiente evocadas; VRA, visual reinforced audiometry (audiometria com reforço visual).
Resultados das medidas de imitância acústica nos estudos selecionados
Estudo | Timpanograma (orelhas) | Reflexo acústico |
---|---|---|
Buriti et al., 201329 | Tipo A (10,9%), Tipo B (67,4%), Tipo As/Ar (10,9%), Tipo C (8,7%), Tipo Ad (2,2%) | Ausente em 65,2% |
Buriti et al., 201427 | Tipo A (10,9%), Tipo B (67,4%), Tipo As/Ar (10,9%), Tipo C (8,7%), Tipo Ad (2,2%) | Ausente em 65,2% |
Chao et al., 20122 | Anormal em 46,3%. | ----‐ |
Hrapcak et al., 201625 | 84% das orelhas com perda auditiva apresentaram alterações (maioria Tipo “B”)21% das orelhas sem perda auditiva apresentaram alterações | ----‐ |
Makar et al., 201220 | 32,8% não Tipo “A” | Ausente em 47/67 |
Maro et al., 201622 | Anormal em 25% | ------‐ |
Martins et al., 200134 | Tipo “C” (13,6%) | ------‐ |
A maior parte dos procedimentos (audiometria, PEATE e EOA) foi feita de forma similar nos diversos estudos, embora houvesse falta de detalhes metodológicos por parte de alguns autores.5,15,16,20,24 Alguns demonstraram pequenas diferenças, como as frequências testadas ou os limiares que definiram perda auditiva.4,25–27 Para fins de análise, respeitamos a definição de perda auditiva relatada em cada artigo.
Exame físico: otoscopiaCom o objetivo de fornecer informações mais fidedignas sobre os resultados audiológicos, 14 estudos citaram que fizeram avaliação otoscópica (tabela 3). Entretanto, alguns não relataram detalhes desse exame.6,22,23,28 Hrapcack et al.25 e Smith et al.18 encontraram mais de um achado anormal na mesma criança.
Achados de otoscopia
Estudo | Otoscopia (% orelhas) |
---|---|
Chao et al., 20122 | Otoscopia anormal (59,7%): perfuração timpânica (13,7%), cerume (17,3%) e inflamação timpânica |
Chidziva et al., 201617 | Otoscopia anormal (61%): cerume (37,2%), otite média crônica supurativa (10,4%) otite media crônica inativa (5,2%), otite média com efusão (16%), otite média aguda (3%), retração timpânica (2,2%) |
Hrapcak et al., 201625 | Cerume (25,5%), otorreia (5,4%), perfuração timpânica (6,3%), otite fúngica (1,3%), inflamação timpânica (2,9%), alterações do aspecto do tímpano (31,3%), tímpano não avaliado (10,8%) |
Makar et al., 201220 | Cerume e otite fúngica (56,7%), otite média crônica supurativa (16,4%) |
Martins et al., 200134 | Thickening of ear drum (31,8%), red/bulgin ear drum (9,1%), perforated ear drum (4,5%) |
Matas et al., 200021 | Tympanic retraction and thickening (31,8%), red/bulging eardrum (9,1%), perforated eardrum (4,5%), neomembrane (4,5%) |
Palacios et al., 200819 | Perfuração timpânica (4,3%) |
Rezende et al., 200436 | Perfuração timpânica |
Smith et al., 201718 | Perfuração timpânica (17,75%), otorreia (8,41%), outros achados anormais (16,82%) |
Taipale et al., 201133 | Otite média aguda (10%), otite média crônica (27%), perfuração timpânica (9%), cerume (21%), retração (2%) |
Não consideramos, para definição de perda auditiva os resultados dos exames comportamentais. A infecção pelo HIV ou a AIDS foi considerada fator
de risco para perda auditiva (OR=5.364, p=0,00) (fig. 2). Onze estudos compararam os achados das crianças com HIV/AIDS com grupos controle (HIV‐negativo, perinatalmente expostas, mas não infectadas, ou status desconhecido para o HIV). Nesses, houve maior taxa de perda auditiva entre as crianças com HIV/AIDS comparadas com as dos grupos controles (RR=2.135, IC 95%=1.733–2.631, p=0,00) (fig. 3).
Perda auditiva mista foi o tipo de perda menos encontrada entre as crianças com HIV/AIDS e não foi encontrada diferença estatística entre perda condutiva e sensório‐neural (p=0,119) entre os estudos.
Influência da idade e do sexoNenhum estudo relatou influência estatisticamente significativa do sexo para a perda auditiva entre as crianças com HIV/AIDS. Alguns estudos mostraram que crianças com HIV/AIDS mais velhas tendem a apresentar maiores taxas de perda auditiva,4,5,14,17 mas apenas Nakku et al.16 e Buriti et al.28 apresentaram diferença estatisticamente significativa.
Perda auditiva, contagem de linfócitos T CD4 e contagem de carga viralIdentificamos diferentes formas de avaliar o status da infecção pelo HIV nos diferentes estudos (classificação do CDC – Centers for Disease Control, presença de infecções oportunistas, história clínica, duração da infecção pelo HIV, achados laboratoriais como contagem de linfócitos T CD4+e carga viral com diferentes valores de referência para esses). Consequentemente, devido à falta de padronização dessas classificações, não foi possível fazer a metanálise.
Palacios et al.19 concluíram que pacientes com perda auditiva tiveram sintomas relacionados ao HIV manifestados mais precocemente, tiveram maiores valores de carga viral e menores valores absolutos na contagem de linfócitos T CD4+no momento da avaliação auditiva e, também, na época de início da TARV. Carga viral superior a 400 cópias/ml foi relacionada a anormalidades nas EOA do tipo produto de distorção.14 A associação de comprometimento auditivo com a duração da infecção pelo HIV também foi enfatizada por Buriti et al.28 e Makar et al.20
Buriti et al.29 não encontraram correlação entre os achados audiológicos e a carga viral. Uma vez que todos os pacientes avaliados no estudo de Torre et al.23 estavam com valores de carga viral abaixo do limite de detecção, esse parâmetro não foi discutido.
Por outro lado, Chao et al.2 sugeriram que contagens de linfócitos T CD4+inferiores a 500 células/mm3 seriam fatores de risco para perda auditiva em crianças com HIV (OR=3,53; p=0,02). Chidziva et al.17 reportaram que o valor de referência para esse risco seria contagem inferior a 350 células/mm3 (OR=2,1; p<0,037). Ainda, Torre et al.30 demonstraram uma associação indefinida entre perda auditiva e contagem de células CD4 inferior a 20%.
Efeitos da terapia antirretroviralNove estudos não forneceram informação sobre o uso da TARV entre as crianças estudadas e cinco relataram que as crianças avaliadas faziam uso, mas não descreveram os regimes adotados.15,30–33
Alguns regimes de tratamento informados em outros estudos foram baseados e inibidores de transcriptase reversa nucleotídeos e não nucleotídeos. Inibidores de protease foram citados,2,8,23,29,34 bem como as imunoglobulinas.34 Apenas dois estudos relataram regimes com apenas duas drogas.26,34 A perda auditiva não foi correlacionada ao uso de TARV ou a seus diferentes regimes de tratamento,22,25 mas os achados foram conflitantes na literatura.2,29 A duração da TARV foi associada a perda auditiva em três estudos.16,17,28
Devido à heterogeneidade desses dados, não se pôde fazer metanálise a respeito dos efeitos da TARV na saúde auditiva de crianças com HIV na literatura.
DiscussãoObservou‐se que o HIV e a AIDS podem influenciar na saúde auditiva de crianças, de acordo com esta metanálise conduzida sem limitação temporal. Não foi feita diferenciação entre a influência da infecção pelo HIV ou da AIDS separadamente porque os estudos avaliados também não o fizeram. Os critérios de inclusão adotados pela maioria dos estudos eram apenas idade e testagem positiva para o vírus.
Após a triagem auditiva neonatal, não foi observada padronização da avaliação auditiva em crianças quanto ao tipo de exame empregado ou quanto ao tempo em que eles devem ser feitos entre os estudos selecionados. Em alguns desses estudos, o mesmo indivíduo foi submetido a diferentes exames, com achados diferentes, o que dificultou a análise.19,20,22,26,33 Não foi possível fazer comparações até quando o mesmo exame foi empregado, pois os estudos usaram metodologias diferentes,23,25,27 como já destacado no artigo de revisão de Ensink et al.35
Mesmo a classificação da perda auditiva não foi padronizada entre os estudos. Os resultados obtidos no PEATE foram considerados para classificar perdas auditivas em condutiva, sensório‐neural e mista, mas também em central e periférica.4 Perda auditiva periférica pode ser considerada alteração da orelha externa, orelha média e até da cóclea, mas essa definição não foi clara.
Ainda, quatro estudos consideraram o número de orelhas em vez do número de crianças afetadas28–30,32 e foram excluídos em algumas metanálises. Parece ser mais adequado considerar o número de crianças afetadas, uma vez que o acometimento de uma ou ambas as orelhas não necessariamente reflete a gravidade da infecção HIV na audição humana. Ao mesmo tempo, observou‐se que uma mesma criança pode apresentar diferentes tipos de perda auditiva em cada orelha.36
A colaboração da criança e seus pais ou cuidadores poderia limitar a fidedignidade dos achados entre os exames, especialmente os subjetivos, mas nenhum estudo discutiu esse possível viés. O exame mais confiável, nesse aspecto, seria o PEATE, mas se trata de um exame mais difícil pela sua maior duração, seu maior custo e, por vezes, com necessidade de sedação da criança.
Outra crítica que se faz é que a presença de cerume no canal auditivo externo, otite média aguda e até otite externa fúngica foi considerada como causa de perda auditiva em alguns estudos, em vez de serem tratadas anteriormente à avaliação auditiva, o que influenciou claramente no resultado obtido.
Pouco se sabe sobre os efeitos da TARV na saúde auditiva de crianças e adolescentes com HIV.30,37 Como demonstrado, diferentes regimes de drogas, tempo de uso, idade de início e até mesmo a informação incompleta levaram a achados inconsistentes.2,22,27 Alguns pesquisadores citaram que algumas drogas podem causar dano ao DNA mitocondrial.1,38 Os efeitos ototóxicos de algumas medicações comumente administradas em pacientes com HIV (como antibióticos) também podem ser considerados fatores de confundimento.16,33,34 Nenhum estudo selecionado avaliou os limiares auditivos em frequências mais agudas, as quais são mais comumente comprometidas em casos de ototoxicidade.11
Poucos estudos avaliaram a correlação entre o status laboratorial da infecção pelo HIV (principalmente a contagem de carga viral e de linfócitos T CD4+) e a perda auditiva. Mais uma vez, achados conflitantes na literatura foram observados, especialmente relacionados aos diferentes valores de referência para linfócitos T CD4+. Por outro lado, deve‐se ressaltar que todos os estudos usaram medidas transversais, as quais podem não refletir o real comportamento da infecção pelo HIV, principalmente em se tratando de carga viral. Ainda, alguns regimes de tratamento foram iniciados imediatamente após o nascimento, não permitiram que a reprodução viral pudesse alcançar níveis suficientes para que o vírus levasse a dano direto.22
ConclusãoA perda auditiva na infância pode levar a importantes limitações linguísticas, sociais, educacionais e psicológicas. É sabido que o HIV é fator de risco para a perda auditiva, mas a literatura demonstra achados conflitantes nessa relação. Ainda, não há padronização quanto aos melhores testes auditivos a serem empregados ou a idade de início para avaliação após a triagem auditiva neonatal.
Mais estudos são necessários para explicar os efeitos do HIV/AIDS na audição de crianças, bem como o seu manejo. Sugere‐se que sejam feitos estudos prospectivos nos quais se usem os mesmos exames audiológicos em todas as fases, com maior detalhamento metodológico. Dessa forma, poderia ser observado o comportamento da audição humana em pessoas com HIV de forma longitudinal. Esse conhecimento pode contribuir com medidas preventivas para a perda auditiva na infância.
Como o HIV/AIDS afeta crianças e todo o mundo, sugere‐se, ainda, a elaboração de protocolos para avaliação auditiva periódica nessas crianças após a triagem neonatal. O diagnóstico precoce leva à reabilitação a tempo de prevenir as limitações impostas pela perda auditiva.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Agradecimento especial às professoras Monica Gama e Vanda Simões por suas contribuições a este trabalho. E à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) pelo apoio técnico.