O Jornal de Pediatria publicou um artigo de revisão moderno intitulado “Manifestações atípicas do vírus de Epstein‐Barr em crianças: um desafio diagnóstico”.1 Os autores fizeram uma revisão da literatura que incluiu as publicações dos últimos 30 anos a respeito de manifestações atípicas associadas à infecção por vírus de Epstein‐Barr (VEB). Contudo, gostaria de acrescentar a essa revisão um ponto de vista particularmente importante relacionado a infecções por VEB atípicas.
O VEB é um herpesvírus gama‐1 restrito a hospedeiros primatas, caracterizado por sua persistência no sistema linfoide B e sua capacidade de fazer com que as células B cresçam e coordenem a expressão de genes de ciclo latente.2 A maior quantidade de pessoas infectadas por VEB é assintomática ou apresenta síndrome de mononucleose infecciosa com curso benigno, principalmente adolescentes e adultos jovens.2,3 Em uma condição regular, o VEB infecta as células B e o sistema imunológico controla o vírus com o uso de um mecanismo complexo que envolve as células NK, iNKT, CD4 e CD8. As alterações genéticas que levam ao comprometimento funcional das células NK ou T podem gerar uma falha nos mecanismos de controle do VEB.3
As imunodeficiências primárias (IDPs) são um grupo de diferentes doenças que causam alteração no desenvolvimento e/ou na função do sistema imunológico e levam a uma maior susceptibilidade a infecções e, em alguns casos, a maior incidência de autoimunidade e neoplasias. A maior parte dos casos de IDPs trata‐se de doenças genéticas que seguem simples padrões de herança mendeliana, ao passo que alguns outros são considerados doenças complexas.4,5 O avanço nas abordagens genéticas nos últimos anos aumentou o ritmo em que os genes causadores são descobertos para IDPs.5
Recentemente, Palendira e Rickson prepararam, em um método simples e didático, grupos para explicar a susceptibilidade a infecções por VEB em pacientes com IDPs: 1) IDPs seletivamente suscetíveis ao VEB, 2) IDPs com susceptibilidade mais ampla ao vírus, porém doença por VEB frequente, 3) IDPs geralmente suscetíveis a infecções virais e não virais e 4) IDPs com susceptibilidade inerente a linfoma.2
O Grupo 1 inclui doenças linfoproliferativas tipo 1 ligadas ao cromossomo X causadas por mutações genéticas SH2D1A e tipo 2, associadas a mutações genéticas XIAP. Em ambas as doenças os pacientes podem apresentar mononucleose infecciosa grave e a doença aguda pode resultar em uma tempestade de citocinas que levam a ativação macrofágica e linfo‐histiocitose hemofagocítica (HLH).2,4 Em outra revisão, os autores acrescentaram três outras IDPs a esse grupo, incluindo mutações nos genes PRF1 (deficiência de perforina, herança autossômica recessiva [AR]), STXBP2 (deficiência no Munc18‐2, AR) e UNC13D (deficiência no Munc13‐4, AR) também associada a HLH e ao desenvolvimento de doença por VEB grave e crônica.6
O Grupo 2 contém IDP causada por mutações nos genes CD27 (deficiência no CD27, AR), MAGT1 (síndrome de XMEN, ligada ao cromossomo X), ITK (deficiência no ITK, AR), CORO1A (deficiência no Coronin‐1A, AR), FCGR3 (deficiência no CD16, AR) e MCM4 (deficiência no MCM4, AR).2 As doenças nesse grupo mostraram um aumento na susceptibilidade não apenas para VEB, mas também para outra família de herpesvírus, em alguns casos para HPV.4
O Grupo 3 tem certa IDP complexa com diferente tipo de predisposições a vários microrganismos, inclusive infecções por VEB. As IDPs incluídas nesse grupo são resultado de mutações nos genes PIK3CD (Síndrome Delta Ativada pela Proteína Quinase PI3, autossômica dominante [AD]), STK4 (deficiência no MST1, AR), ZAP70 (deficiência no Zap‐70, AR), CTPS1 (deficiência no CTPS1, AR), CARD11 (deficiência no CTPS1, AR), LRBA (deficiência no LRBA, AR), GATA2 (síndrome de MonoMAC ou deficiência no GATA2, AD), LYST (síndrome de Chediak‐Higashi, AR) e mutações hipomórficas na proteína ARTEMIS ou na ligase IV do DNA, ambas associadas à síndrome de Omenn.2,4,6
O Grupo 4 de IDPs apresenta diferentes níveis de deficiência no sistema imunológico, que também estão associados a aumento da incidência de câncer e envolvimento de VEB em alguns desses tumores, principalmente linfomas. Esse grupo inclui IDPs com mutações em genes WAS (síndrome de Wiskott‐Aldrich, ligada ao cromossomo X), ATM (síndrome de Ataxia Telangiectasia, AR) e TNFRSF6 (ALPS‐FAS, AD e AR).2,4,6
A mensagem para todos os pediatras é considerar o VEB como um agente causador em quadros clínicos semelhantes descritos por Bolis et al. Além do comprometimento do sistema imunológico associado ao tratamento de várias doenças, também temos de considerar essas situações um alerta vermelho para imunodeficiências primárias em pacientes pediátricos. Reconhecer as IDPs pode ser essencial para atingir um melhor manejo em pacientes com infecções atípicas por VEB.
FinanciamentoCHILDREN Iniciativa para Pesquisa em Imunodeficiências Primárias da Fundação Jeffrey Modell, bolsista de pós‐doutorado no exterior da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Conflitos de interessesO autor declara não haver conflitos de interesses.
Como citar este artigo: Segundo GR. Atypical manifestations of Epstein‐Barr virus: red alert for primary immunodeficiencies. J Pediatr (Rio J). 2016;92:539–40.