To analyze the prevalence of ultra‐processed food intake among children under one year of age and to identify associated factors.
MethodsA cross‐sectional design was employed. We interviewed 198 mothers of children aged between 6 and 12 months in primary healthcare units located in a city of the metropolitan region of São Paulo, Brazil. Specific foods consumed in the previous 24h of the interview were considered to evaluate the consumption of ultra‐processed foods. Variables related to mothers’ and children's characteristics as well as primary healthcare units were grouped into three blocks of increasingly proximal influence on the outcome. A Poisson regression analysis was performed following a statistical hierarchical modeling to determine factors associated with ultra‐processed food intake.
ResultsThe prevalence of ultra‐processed food intake was 43.1%. Infants that were not being breastfed had a higher prevalence of ultra‐processed food intake but no statistical significance was found. Lower maternal education (prevalence ratio 1.55 [1.08–2.24]) and the child's first appointment at the primary healthcare unit having happened after the first week of life (prevalence ratio 1.51 [1.01–2.27]) were factors associated with the consumption of ultra‐processed foods.
ConclusionsHigh consumption of ultra‐processed foods among children under 1 year of age was found. Both maternal socioeconomic status and time until the child's first appointment at the primary healthcare unit were associated with the prevalence of ultra‐processed food intake.
Analisar a prevalência do consumo de alimentos ultraprocessados entre crianças com menos de um ano e identificar os fatores associados.
MétodosFoi realizado um estudo transversal. Entrevistamos 198 mães de crianças com idades entre 6 e 12 meses em unidades de atenção primária à saúde localizadas em Embu das Artes, uma cidade da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Alimentos específicos consumidos nas 24 horas anteriores à entrevista foram considerados para avaliar o consumo de alimentos ultraprocessados. As variáveis relacionadas às características das mães e crianças e as unidades de atenção primária à saúde foram agrupadas em três blocos de influência cada vez mais proximal com o resultado. Foi realizada uma análise de regressão de Poisson de acordo com um modelo estatístico hierárquico para determinar os fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados.
ResultadosA prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados foi 43,1%. As crianças que não eram amamentadas apresentaram maior prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados, porém não foi encontrada diferença estatística. Menor nível de escolaridade materna (RP 1,55 [1,08–2,24]) e o fato de a primeira consulta da criança na unidade de atenção primária à saúde acontecer na primeira semana de vida (RP 1,51 [1,01–2,27]) foram fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados.
ConclusõesFoi encontrado consumo elevado de alimentos ultraprocessados entre crianças com menos de um ano. A situação socioeconômica materna e o tempo da primeira consulta da criança na unidade de atenção primária à saúde foram associados à prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados.
A alimentação complementar de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) abrange o processo de transição do aleitamento materno exclusivo para alimentos consumidos pela família. Deve ser algo oportuno e adequado, o que significa que todos os neonatos devem começar a receber alimentos além de leite materno a partir dos seis meses em quantidade, frequência, consistência e com o uso de diversos alimentos para atender às necessidades nutricionais da criança em crescimento.1 Introduzir alimentos complementares adequados favorece hábitos alimentares saudáveis durante toda a vida. Os dois primeiros anos de vida representam uma janela de oportunidade para que os neonatos aprendam, aceitem e gostem de alimentos saudáveis, bem como estabelecer padrões alimentares saudáveis de longo prazo.2,3 Além disso, os hábitos alimentares saudáveis na primeira infância podem proporcionar uma vida inteira de proteção contra doenças crônicas, inclusive sobrepeso e obesidade.4,5
Práticas inadequadas de alimentação complementar, como introdução precoce de alimentos (ou seja, antes dos seis meses), dieta pouco diversificada, frequência e consistência inadequadas dos alimentos e consumo frequente de alimentos não saudáveis se tornaram muito prevalentes em idades precoces da vida infantil.6–8 Recentemente, o conceito de alimentos não saudáveis tem sido modificado por um novo sistema de classificação alimentar adotado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira.9 A NOVA é uma classificação alimentar que categoriza os alimentos de acordo com a extensão e a finalidade de seu processamento, em vez de em termos de nutrientes.9 De acordo com a NOVA, os alimentos ultraprocessados (AUP) e bebidas são formulações feitas principal ou exclusivamente de ingredientes industrializados e incluem bolachas, lanches embalados, refrigerantes e macarrões instantâneos; produtos que não são recomendados antes dos dois anos da criança.10 Infelizmente, uma pesquisa nacional recente constatou que 70% das crianças brasileiras entre nove e 12 meses de idade consumiram algum tipo de AUP no dia anterior à pesquisa.8
Embora alguns estudos tenham investigado os fatores determinantes das práticas inadequadas de alimentação complementar entre as crianças,6,7 faltam estudos que explorem os fatores associados ao consumo de AUP em neonatos especificamente no contexto de atenção primária à saúde. A atenção primária à saúde é um ambiente privilegiado para o desenvolvimento de intervenções que visam a impedir e promover hábitos alimentares saudáveis.11 Assim, este estudo visou a analisar a prevalência e os fatores associados ao consumo de AUP entre crianças com menos de um ano em unidades de atenção primária à saúde.
MétodosProjeto e ambientes de estudoEste estudo foi feito em 13 unidades urbanas de atenção primária à saúde (UAP) em Embu das Artes, Brasil. Esse município faz parte da região metropolitana de São Paulo e tem uma população total de 240.230 habitantes.
Os dados utilizados nesta análise são de um levantamento inicial de um estudo de pré e pós‐intervenção. Resumidamente, a intervenção educativa feita com profissionais de atenção primária à saúde visou promover a amamentação e atividades de alimentação complementar, e os achados de sua avaliação serão descritos em outro lugar. Antes da intervenção, foi feita uma pesquisa sobre as práticas de alimentação infantil com as mães das crianças com menos de um ano que compareceram às UAPs.
Estruturas da amostragem e amostra analíticaO cálculo do tamanho da amostra pressupôs uma margem de erro de 5% e poder estatístico de 90% e determinou estimativa de prevalência de consumo de lanches, bolachas, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados (entre crianças entre seis e nove meses) em 67%.12 Isso resultou em um tamanho da amostra de 161 crianças entre seis e 12 meses.
Considerações éticasO protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Todos os participantes receberam uma explicação dos objetivos do estudo e assinaram um formulário de consentimento.
Coleta de dadosOs participantes foram as mães das crianças com menos de um ano que comparecem às UAPs entre junho e setembro de 2015. As entrevistas foram feitas por uma equipe treinada. O instrumento de coleta de dados foi composto de duas partes. A primeira parte incluiu perguntas fechadas relacionadas às condições socioeconômicas, demográficas e biomédicas das mães e crianças e o desempenho da UAP ao verificar o cumprimento das recomendações‐padrão do Ministério da Saúde quanto ao apoio à amamentação e à alimentação complementar (ou seja, primeira consulta na UAP (primeira semana/após primeira semana); a equipe de saúde visitou as residências (s/n); consultas regulares agendadas na UAP (s/n); a UAP presta atendimento sem agenda de consulta (s/n); recebeu orientação sobre alimentação complementar (s/n).13 A segunda parte abrangeu perguntas relacionadas ao consumo de alimentos nas últimas 24 horas da entrevista, adotaram‐se as Orientações para Avaliação de Marcadores de Consumo Alimentar para neonatos entre seis e 24 meses, propostas pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Essa avaliação consiste em perguntas “sim” ou “não” sobre os alimentos ou grupos alimentares, como frutas, verduras e legumes, arroz, macarrão e batatas, leguminosas, carne, leite materno ou leite e laticínios e alimentos ultraprocessados. O questionário pode ser usado para avaliar as práticas de alimentação complementar, bem como o consumo de alimentos ultraprocessados. Embora possibilite avaliar os marcadores de consumo de alimentos saudáveis e não saudáveis, não avalia a quantidade de alimento consumido.14
Variável de resultadoO consumo de AUP nas últimas 24 horas foi determinado para crianças entre seis e 12 meses que haviam comido pelo menos um dos seguintes alimentos organizados em quatro grupos categorizadas como produtos alimentos ultraprocessados de acordo com a classificação NOVA:9 a hambúrgueres, carne processada ou linguiças; (b) bebidas doces (refrigerantes, sucos processados e outras bebidas com adição de açúcar); (c) macarrões instantâneos, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados; e (d) bolachas recheadas, chocolates e doces. O uso de “estado atual” do consumo de alimentos nas últimas 24 horas é recomendado pela OMS para minimizar o viés de memória em estudos transversais.1
CovariáveisAs covariáveis incluídas estão descritas na figura 1. A escolaridade materna foi usada como informação secundária da situação socioeconômica. O fato de prestar serviço de assistência à saúde na primeira semana de vida da criança foi usado como informação secundária para avaliar o desempenho da UAPs. A Primeira Semana Saúde Integral é uma recomendação do Ministério da Saúde desde 2004 para melhorar a saúde materna e da criança após o parto.15 A variável “modelo de atenção primária à saúde” corresponde ao modelo de assistência à saúde oferecida nas UAPs: Tradicionais – equipes formadas por médicos, pediatras, ginecologistas e enfermeiros em geral; Estratégia Saúde da Família – equipes formadas pelo médico da família, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde; e Mistos – unidades de atenção primária à saúde nas quais existem os dois modelos.
A diversidade e a adequação da alimentação complementar foram definidas com base na proposta dos Marcadores de Consumo Alimentar do Ministério da Saúde14 como segue: 1) Diversidade alimentar mínima quando uma criança entre 6‐11 meses recebeu no mínimo um dos seis grupos de alimentos (sim/não): (i) carboidratos complexos (como arroz, raízes e tubérculos); (ii) leite materno ou laticínios; (iii) carnes ou ovos; (iv) feijões; (v) frutas e verduras e legumes ricos em vitamina A e (vi) outras frutas e verduras e legumes. 2) A adequação alimentar (sim/não) foi calculada com base na diversidade alimentar mínima, frequência mínima e indicadores de consistência adequada. Foram consideradas frequência mínima e consistência adequada quando uma criança de seis meses recebeu alimentos sólidos, semissólidos ou amolecidos uma vez ao dia, amassados ou em pedaços, e quando uma criança de 7‐11 meses recebeu alimentos sólidos, semissólidos ou amolecidos duas vezes ao dia, amassados ou em pedaços.
Análise de dadosO software Stata (Stata Software para estatística, versão 14, TX, EUA) foi usado para fazer as análises estatísticas. Primeiro, a análise descritiva explorou o consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) (ou seja, o consumo de pelo menos um AUP avaliado) e calculou a proporção de AUPs, bem como sua distribuição em todos os níveis de covariáveis. Para testar a hipótese de que a amamentação pode influenciar o consumo de AUPs, analisamos os quatro grupos de AUPs por tipo de alimentação (amamentado ou não amamentado).
Segundo, o efeito individualizado das covariáveis sobre o resultado foi avaliado ao multiplicar a regressão de Poisson com uma variável robusta. A regressão de Poisson foi descrita como a opção adequada para analisar os estudos transversais com resultado binários.16
Terceiros, as covariáveis foram agrupadas em três blocos de influência cada vez mais proximais com o resultado. Uma modelagem hierárquica estatística foi usada para selecionar variáveis para inclusão no modelo de regressão de acordo com o modelo teórico apresentado na figura 1.
Inicialmente, a análise bivariada foi feita para estimar a razão de prevalência (RP) e os intervalos de confiança (IC de 95%) para cada covariável e resultado (etapa 1). As covariáveis com p < 0,20 foram incluídas na análise interna múltipla de cada bloco (etapa 2). No bloco 2, nenhuma das covariáveis atendeu aos critérios de inclusão para a etapa 2 (p < 0,20) e, nesse caso, a idade materna foi escolhida para representar esse bloco e ajustada para a próxima etapa. As covariáveis com p < 0,20 em uma análise interna de cada bloco foram usadas como controle na etapa 3 a seguir. As informações secundárias da situação socioeconômica (nível de escolaridade materna) ajustadas para a idade do neonato foram a primeira covariável a ser incluída no modelo e foram usadas como um ajuste para as covariáveis hierarquicamente inferiores. Da mesma forma, as covariáveis do bloco distal (1) “Características da unidade de saúde durante o acompanhamento dos neonatos”, foram as segundas covariáveis a ser incluídas no modelo e foram usadas como um ajuste para as covariáveis hierarquicamente inferiores. De forma análoga, as covariáveis do bloco intermediário (2) “Características familiares e materna”, que atenderam aos critérios de inclusão do modelo multivariado após ajuste para o bloco distal, se tornaram o controle para o bloco subsequente. Um procedimento semelhante foi adotado para analisar o bloco proximal (3) “Características da criança e práticas de alimentação”. As covariáveis selecionadas foram mantidas no modelo apesar de termos perdido relevância estatística após incluir os blocos inferiores. Após o ajuste para as covariáveis do mesmo bloco e dos blocos superiores, a correlação entre as covariáveis e o resultado foi considerada significativa ao adotar um nível de significância de 5% (p < 0,05).
ResultadosEntrevistamos 198 mães de crianças entre seis e 12 meses. A maior parte das mães (54,2%) apresentou menos de 11 anos de escolaridade, 54,6% das crianças eram meninos e o modelo de atenção primária à saúde mais frequente foi tradicional/misto (76,8%). Considerando as práticas de alimentação, 70,2% foram amamentados nas últimas 24 horas, 37,1% apresentaram diversidade na alimentação complementar e somente um quarto apresentou adequação na alimentação complementar (tabela 1).
Descrição da população pelas variáveis do estudo. Embu das Artes, São Paulo, Brasil, 2015
n a | % | |
---|---|---|
Informação socioeconômica secundária: escolaridade materna, anos de estudo | ||
≥ 11 | 81 | 45,8 |
< 11 | 96 | 54,2 |
Características da unidade de saúde durante o acompanhamento | ||
Modelo de atenção primária à saúde | ||
Estratégia de Saúde Familiar | 46 | 23,2 |
Tradicional ou mista | 152 | 76,8 |
Primeira consulta na unidade de atenção primária à saúde (UAP) | ||
Primeira semana de vida da criança | 96 | 49,5 |
Após a primeira semana de vida da criança | 98 | 50,5 |
Visitas domiciliares da equipe de saúde | ||
Sim | 47 | 24,2 |
Não | 147 | 75,8 |
Consultas regulares agendadas na UAP | ||
Sim | 171 | 94,0 |
Não | 11 | 6,0 |
Atendimento de atenção à saúde sem agendar consulta | ||
Sim | 109 | 57,7 |
Não | 80 | 42,3 |
Orientação de alimentação complementar | ||
Sim | 137 | 73,3 |
Não | 50 | 26,7 |
Características familiares e maternas | ||
Idade materna, anos | ||
≥ 20 anos | 161 | 82,1 |
< 20 anos | 35 | 17,9 |
Primiparidade | ||
Não | 91 | 46,4 |
Sim | 105 | 53,6 |
Mãe trabalha | ||
Não trabalha fora | 145 | 74,7 |
Trabalha fora | 49 | 25,3 |
Mora com o pai da criança | ||
Sim | 154 | 79,0 |
Não | 41 | 21,0 |
Mora com a avó da criança | ||
Não | 163 | 83,6 |
Sim | 32 | 16,4 |
Dedicação diária materna aos cuidados da criança | ||
Todos os dias | 147 | 75,8 |
1 ou 2 períodos | 47 | 24,2 |
Características da criança e práticas de alimentação | ||
Sexo do neonato | ||
Feminino | 90 | 45,4 |
Masculino | 108 | 54,6 |
Baixo peso ao nascer (< 2.500 g) | ||
Não | 160 | 86,0 |
Sim | 26 | 14,0 |
Uso de mamadeira | ||
Não | 50 | 27,2 |
Sim | 134 | 72,8 |
Adequação alimentar | ||
Sim | 36 | 22,5 |
Não | 124 | 77,5 |
Diversidade alimentar mínima | ||
Sim | 62 | 37,1 |
Não | 105 | 62,9 |
Amamentação | ||
Sim | 132 | 70,2 |
Não | 56 | 29,8 |
Alimento ultraprocessado | ||
Sim | 78 | 43,1 |
Não | 103 | 56,9 |
Foram registradas 181 respostas na análise de consumo de AUPs. A prevalência de consumo de AUPs foi 43,1% (ou seja, consumo de pelo menos um AUP avaliado nas 24 horas anteriores) (tabela 1). Na avaliação por grupos de AUPs, a prevalência de consumo mais elevada foi bolachas recheadas/chocolates/doces (21,8%), seguida de bebidas doces (20,0%) e macarrões instantâneos/salgadinhos de pacote/biscoitos salgado (18,5%). O grupo de AUP menos consumido foi lanches e carnes processadas. A análise por tipo de alimentação mostrou que os neonatos não amamentados mostraram tendência a maior consumo de AUPs em comparação aos que eram amamentados (53,8% em comparação com 38,9%), porém não foi encontrada nenhuma relevância estatística.
A tabela 2 apresenta a análise bivariada. A maior prevalência de consumo de AUPs foi observada entre os neonatos cujas mães apresentaram menor escolaridade, os que não receberam assistência antecipada na UAP, os acompanhados por uma UAP que não agendaram consultas regularmente e os que haviam sido amamentados nas 24 horas anteriores.
Análise bivariada de Poisson do consumo de alimentos ultraprocessados (AUPs) em neonatos entre seis e 12 meses. Embu das Artes, São Paulo, Brasil, 2015
Variável (n total) | Consumo de AUPs | |||
---|---|---|---|---|
n | % | RPnãoajustado | p | |
Informação secundária socioeconômica: escolaridade materna, anos de estudo (n = 169) | ||||
≥ 11 | 26 | 32,5 | 1 | |
< 11 | 45 | 50,6 | 1,55 [1,07–2,27] | 0,02 |
Bloco distal (1) – Características da unidade de saúde durante o acompanhamento | ||||
Modelo de atenção primária à saúde (n = 181) | ||||
Estratégia de Saúde Familiar | 21 | 48,8 | 1 | |
Tradicional ou mista | 57 | 41,3 | 0,84 [0,59–1,22] | 0,370 |
Primeira consulta na unidade de atenção primária à saúde (UAP) (n = 178) | ||||
Primeira semana de vida da criança | 30 | 35,7 | 1 | |
Após a primeira semana de vida da criança | 48 | 51,1 | 1,43 [1,01–2,03] | 0,04 |
Visitas domiciliares da equipe médica (n = 178) | ||||
Sim | 19 | 46,3 | 1 | |
Não | 58 | 42,3 | 0,91 [0,62–1,34] | 0,645 |
Consultas regular agendadas na UAP (n = 166) | ||||
Sim | 63 | 40,5 | 1 | |
Não | 7 | 63,6 | 1,56 [0,96–2,55] | 0,071 |
Atendimento de atenção à saúde sem agendar consulta (n = 173) | ||||
Sim | 47 | 48,0 | 1 | |
Não | 27 | 36,0 | 0,75 [0,52–1,08] | 0,125 |
Aconselhamento sobre alimentação complementar (n = 175) | ||||
Sim | 54 | 43,2 | 1 | |
Não | 22 | 44,0 | 1,02 [0,70–1,48] | 0,923 |
Bloco intermediário (2) – Características familiares e maternas | ||||
Idade materna, anos (n = 179) | ||||
≥ 20 | 65 | 43,9 | 1 | |
< 20 | 13 | 41,9 | 0,95 [0,61–1,50] | 0,842 |
Primiparidade (n = 179) | ||||
Não | 37 | 43,5 | 1 | |
Sim | 41 | 43,6 | 1,00 [0,72–1,40] | 0,991 |
Trabalho materno (n = 181) | ||||
Não trabalha fora de casa | 59 | 44,7 | 1 | |
Trabalha fora | 19 | 41,3 | 0,92 [0,62–1,37] | 0,695 |
Mora com o pai da criança (n = 178) | ||||
Sim | 62 | 43,7 | 1 | |
Não | 15 | 41,7 | 0,95 [0,62–1,47] | 0,831 |
Mora com a avó da criança (n = 178) | ||||
Não | 63 | 42,3 | 1 | |
Sim | 14 | 48,3 | 1,14 [0,75–1,74] | 0,538 |
Dedicação diária materna aos cuidados da criança (n = 178) | ||||
Todos os dias | 55 | 41,7 | 1 | |
1 ou 2 períodos | 22 | 47,8 | 1,15 [0,80–1,65] | 0,458 |
Bloco proximal (3) – Características da criança e práticas de alimentação | ||||
Sexo do neonato (n = 181) | ||||
Feminino | 37 | 46,2 | 1 | |
Masculino | 41 | 40,6 | 0,87 [0,63–1,23] | 0,445 |
Baixo peso ao nascer (< 2,500 g) (n = 171) | ||||
Não | 64 | 43,0 | 1 | |
Sim | 9 | 40,9 | 0,95 [0,56–1,63] | 0,859 |
Uso de mamadeira (n = 170) | ||||
Não | 18 | 37,5 | 1 | |
Sim | 56 | 45,9 | 1,22 [0,81–1,85] | 0,339 |
Adequação alimentar (n = 160) | ||||
Sim | 18 | 50,0 | 1 | |
Não | 49 | 39,5 | 0,79 [0,53–1,17] | 0,242 |
Diversidade alimentar mínima (n = 167) | ||||
Sim | 29 | 46,7 | 1 | |
Não | 40 | 38,1 | 0,81 [0,57–1,17] | 0,266 |
Amamentação (n = 173) | ||||
Sim | 47 | 38,8 | 1 | |
Não | 28 | 53,8 | 1,39 [1,00–1,94] | 0,058 |
A análise multivariada hierárquica indicou que o menor nível de escolaridade materna e a falta de assistência antecipada na unidade de atenção primária à saúde foram fatores independentes de consumo de AUPs, usados neste estudo como informações secundárias de situação socioeconômica e desempenho da UAP, respectivamente (tabela 3).
Modelos de regressão multivariada de Poisson ajustados para a idade para identificar os fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados (AUPs) em neonatos entre seis e 12 meses, seguindo uma abordagem hierárquica. Embu das Artes, São Paulo, Brasil, 2015
Consumo de AUPs | ||
---|---|---|
RPajustada | p | |
Modelo 1a | ||
Informações secundárias socioeconômicas maternas | ||
Escolaridade materna, anos de estudo | ||
≥ 11 | 1 | |
< 11 | 1,55 [1,08–2,24] | 0,018 |
Modelo 2bCaracterísticas da unidade de saúde durante o acompanhamento | ||
Primeira consulta na unidade de atenção primária à saúde (UAP) | ||
Primeira semana de vida da criança | 1 | |
Após a primeira semana de vida da criança | 1,51 [1,01–2,27] | 0,046 |
Consultas regulares agendadas na UAP | ||
Sim | 1 | |
Não | 1,50 [0,86–2,62] | 0,150 |
Atendimento de atenção à saúde sem agendar consulta | ||
Sim | 1 | |
Não | 0,74 [0,50–1,08] | 0,122 |
Modelo 3cCaracterísticas familiares e maternas | ||
Idade materna, anos | ||
≥ 20 | 1 | |
< 20 | 0,77 [0,44–1,34] | 0,352 |
Modelo 4dCaracterísticas da criança e práticas de alimentação | ||
Amamentação | ||
Sim | 1 | |
Não | 1,18 [0,80–1,72] | 0,401 |
Este estudo investigou as práticas de alimentação complementar das crianças entre seis e 12 meses que moram em uma cidade da região metropolitana de São Paulo, Brasil, com foco no consumo de AUPs e seus fatores associados. Apesar do aumento do interesse no consumo de AUPs, poucos estudos se dedicaram a identificar os fatores associados a seu consumo, principalmente em crianças pequenas. Nosso estudo constatou que os AUPs são amplamente consumidos pelas crianças. O consumo de AUPs entre as crenças com menos de um ano foi associado a menor escolaridade materna e desempenho precário das UAPs.
De acordo com as recomendações da OMS, os neonatos devem começar a receber alimentos complementares adequados aos seis meses, além do leite materno. As práticas de alimentação complementar não oportunas e adequadas podem resultar em resultados ruins com relação à saúde e ao desenvolvimento das crianças.1 Em nosso estudo, somente um quarto dos neonatos atendeu aos padrões de adequação, um indicador que resume três dimensões da alimentação complementar ideal (frequência, consistência e diversidade), demonstrou‐se que estamos muito longe das recomendações da OMS e destacou‐se uma preocupação com relação à qualidade da alimentação complementar já verificada na literatura.6
O alto consumo precoce de AUPs encontrado em nosso estudo corrobora os estudos anteriores nacional e internacionalmente.17–19 Nossos achados corroboram a importância de entender o papel do consumo dos AUPs como um fator alimentar determinante precoce de doenças crônicas, uma vez que foi comprovado que a alimentação complementar inadequada influencia a origem da obesidade em crianças4 e que o consumo de AUPs pode levar a alterações no perfil de lipoproteína nas crianças.20
Apesar de o consumo de AUPs ter sido mais frequente entre as crianças não amamentadas, não foi encontrada associação estatística. Mesmo assim, a relação entre os AUPs e a amamentação não foi especificamente estudada e os achados epidemiológicos indicam que a amamentação está associada a melhor perfil de alimentação infantil.21,22 A não associação encontrada entre o consumo de AUPs e as práticas de amamentação em nosso estudo pode possivelmente decorrer de fortes fatores das variáveis de confusão, como escolaridade materna. Em nosso estudo, as mães com nível de escolaridade mais elevado foram menos propensas a oferecer AUPs para seus neonatos e, da mesma forma, uma comprovação mostrou que as mães com nível de escolaridade mais elevado são mais propensas a amamentar23 e os bebês amamentados apresentaram melhor perfil de alimentação.21,22
A associação do menor nível de escolaridade materna com o maior consumo de AUPs e outras práticas ruins de alimentação complementar foi relatada anteriormente.8,24,25 Uma pesquisa nacional identificou uma associação do baixo nível de escolaridade materna com a alta frequência de consumo de alimentos não saudáveis entre crianças com menos de um ano.8 Coelho et al.25 constataram que nível mais baixo de escolaridade materna (< 8 anos), baixa renda familiar e participar de programas de transferência condicionada de renda foram fatores que aumentaram o consumo de AUPs em crianças com menos de 24 meses. Um nível mais elevado de escolaridade materna pode ser correlacionado a maior nível de renda familiar e possivelmente facilitar o acesso a alimentos mais caros, como verduras, legumes e carnes.26 Por outro lado, no Brasil, o aumento do consumo de AUPs afeta a população com nível de renda mais elevado e mais baixo.27
Até onde sabemos, é a primeira vez que o desempenho das UAPs é associado ao consumo de AUPs. O desempenho das UAPs foi relacionado à melhoria na mortalidade infantil,28 bem como a outros resultados a respeito das práticas de alimentação infantil, como amamentação exclusiva, introdução de alimentação complementar e consumo de alimentos não recomendados entre os neonatos.29,30 Nossa hipótese para explicar a associação encontrada em nosso estudo é que a atenção inicial nas UAPs na primeira semana de vida dos bebês pode ser um indicador do vínculo da família com a equipe médica. O vínculo entre a família e as UAPs possibilita que os profissionais conheçam melhor seus clientes e as prioridades dos indivíduos, facilita o acesso e melhora a qualidade da assistência prestada.11 Essa atenção inicial é considerada um bom momento para incentivar e auxiliar as famílias com dificuldade na amamentação, as imunizações, os exames neonatais e para estabelecer ou fortalecer a rede de apoio familiar, inclusive a relação com a UAP.15 É importante reconhecer que outra covariável relacionada ao desempenho das UAPs investigadas, o “aconselhamento sobre a alimentação complementar”, não foi significativamente associada ao resultado, o que pode estar relacionado ao viés de memória.
Nosso estudo tem a limitação de incluir um único município, o que reduz a generalização de nossos achados. Por outro lado, esse tipo de estudo é útil para formular novas hipóteses sobre esse assunto. Além disso, o instrumento de coleta de dados não permitiu detalhar a frequência e a idade de introdução dos alimentos. Por outro lado, o questionário tem importantes vantagens: aplicação fácil e rápida, mostra os Marcadores de Consumo Alimentar com menos chance de viés de memória e foi usado pelas equipes de saúde para monitorar os indicadores de alimentação dos neonatos nas UAPs no Brasil, o que possibilita comparabilidade com outros estudos e com dados produzidos pelas UAPs.14
Nosso estudo mostrou que o maior nível de escolaridade materna e o melhor desempenho das UAPs reduzem o consumo de AUPs entre as crianças com menos de um ano. Algumas recomendações do Ministério da Saúde incluem: as intervenções efetivas nas configurações de atenção primária à saúde que visam a melhorar as práticas de alimentação dos neonatos devem incluir estratégias para fortalecer o vínculo das mães e dos cuidadores, principalmente os de situação socioeconômica mais baixa. O aconselhamento dos profissionais de saúde tem um papel fundamental na adoção e no entendimento dos fatores que influenciam as mães durante a transição para a alimentação complementar da criança. Um caminho a seguir é fortalecer a implantação da política nacional Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, que, por meio de uma metodologia da problematização, visa a promover a educação contínua para profissionais de saúde sobre amamentação e alimentação complementar nas configurações de atenção primária à saúde.13 A necessidade de incentivo para incorporar o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) como uma rotina na atenção primária à saúde para monitorar sistematicamente os indicadores de alimentação dos neonatos.
FinanciamentoSecretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A Lucimeire de Sales Magalhães Brockveld (Secretária de Saúde do Embu das Artes, São Paulo, Brasil) por seu apoio incondicional na coleta de dados, Regina Tomie Ivata Bernal (Universidade de São Paulo) por seu apoio no cálculo da amostra e Milena Nardocci Fusco (Faculdade de Saúde Pública, Universidade de Montreal, Canadá) por sua contribuição na revisão em inglês. Gostaríamos de agradecer também aos gerentes da Secretaria de Saúde do Embu das Artes e à equipe do Ministério da Saúde do Brasil pelo apoio ao projeto de estudo.
Como citar este artigo: Relvas GR, Buccini GS, Venancio SI. Ultra‐processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of São Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2019;95:584–92.
Estudo realizado na Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Programa de Pós‐Graduação Nutrição em Saúde Pública, São Paulo, SP, Brasil.