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Vol. 90. Núm. 5.
Páginas 500-505 (Setembro - Outubro 2014)
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Vol. 90. Núm. 5.
Páginas 500-505 (Setembro - Outubro 2014)
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Study of the association between 3111T/C polymorphism of the CLOCK gene and the presence of overweight in schoolchildren
Estudo da associação entre o polimorfismo 3111T/C do gene CLOCK e a presença de excesso de peso em escolares
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Nayara P. Giovaninnia, Jeanne T. Fulya, Leonardo I. Moraesa, Thais N. Coutinhoa, Ericka B. Trarbachb, Alexander A. de L. Jorgeb, Everlayny F. Costalongaa,
Autor para correspondência
everlayny@gmail.com

Autor para correspondência.
a Universidade Vila Velha (UVV), Vila Velha, ES, Brasil
b Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (2)
Tabela 1. Comparação entre crianças com e sem excesso de peso com relação às variáveis não genéticas
Tabela 2. Comparação dos grupos genotípicos do polimorfismo 3111T/C do gene CLOCK com relação ao excesso de peso e à duração do sono
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Abstract
Objectives

To evaluate the association between 3111T/C polymorphism of the CLOCK gene and the presence of obesity and sleep duration in children aged 6‐13 years. In adults, this genetic variant has been associated with duration of sleep, ghrelin levels, weight, and eating habits. Although short sleep duration has been linked to obesity in children, no study has aimed to identify the possible molecular mechanisms of this association to date.

Methods

Weight, height, and circumferences were transformed into Z‐scores for age and gender. Genotyping was performed using TaqMan methodology. A questionnaire regarding hours of sleep was provided to parents. The appropriate statistical tests were performed.

Results

This study evaluated 370 children (45% males, 55% females, mean age 8.5 ± 1.5 years). The prevalence of overweight was 18%. The duration of sleep was, on average, 9.7hours, and was inversely related to age (p<0.001). Genotype distribution was: 4% CC, 31% CT, and 65% TT. There was a trend toward higher prevalence of overweight in children who slept less than nine hours (23%) when compared to those who slept more than ten hours (16%, p=0.06). Genotype was not significantly correlated to any of the assessed outcomes.

Conclusions

The CLOCK 3111T/C polymorphism was not significantly associated with overweight or sleep duration in children in this city.

Keywords:
Childhood obesity
Duration of sleep
CLOCK
Polymorphism
Resumo
Objetivos

Avaliar a relação entre o polimorfismo 3111 T/C do gene CLOCK (rs1801260) e a presença de obesidade, bem como a duração do sono, em crianças de 6 a 13 anos. Em adultos, essa variante genética foi associada à duração do sono, níveis de grelina, peso e padrão alimentar. Embora, em crianças, a curta duração do sono tenha sido relacionada à obesidade, até o momento nenhum estudo foi direcionado no sentido de identificar possíveis mecanismos moleculares dessa associação.

Métodos

Peso, altura e circunferências foram transformados em escores‐Z para idade e sexo. A genotipagem foi realizada pela metodologia Taqman. Um questionário sobre horas de sono foi entregue aos pais. Testes estatísticos apropriados foram realizados.

Resultados

Foram avaliadas 370 crianças (45% meninos, 55% meninas, idade média 8,5±1,5 anos). A prevalência de excesso de peso foi de 18%. A duração do sono foi, em média, 9,7 horas, sendo inversamente relacionada à idade (p<0,001). A distribuição genotípica foi: 4% CC, 31% TC e 65% TT. Houve uma tendência de maior prevalência de excesso de peso em crianças que dormiam menos de 9h (23%), quando comparadas às que dormiam mais de 10h (16%, p=0,06). O genótipo não se correlacionou significativamente a nenhum dos desfechos avaliados.

Conclusões

O polimorfismo CLOCK 3111 T/C não está significativamente associado ao excesso de peso ou à duração do sono em crianças desta localidade.

Palavras‐chave:
Obesidade infantil
Duração do sono
CLOCK
Polimorfismo
Texto Completo
Introdução

A obesidade infantil é um grave problema de saúde pública, sendo epidêmica em todo o mundo. A epidemia preocupa não só pelo fato de crianças obesas serem mais propensas a se tornarem adultos obesos, mas também pela sua forte associação com eventos de alta morbimortalidade, tais como doenças cardiovasculares, diabetes e câncer.1 Diante disso e da ineficiência das formas tradicionais de combate à obesidade, novas abordagens científicas, direcionadas à compreensão dos mecanismos envolvidos nessa epidemia, são de suma importância para que medidas preventivas e terapêuticas inovadoras possam ser implementadas.

Atualmente, está bem estabelecido que a maioria dos casos de obesidade tem origem em mecanismos multifatoriais, onde múltiplas variações genéticas, com frequência variável em diferentes populações, modulam a magnitude com que fatores ambientais e comportamentais influenciam o peso dos indivíduos.2 Embora a compreensão etiopatogênica plena seja dificultada pelas interações gene‐gene e gene‐ambiente, esforços têm sido feitos para que essa complexa rede de influências seja progressivamente compreendida.3

Dentre os fatores ambientais relacionados à obesidade, grande importância tem sido atribuída às mudanças no padrão de alimentação e de atividade física que ocorreram com a modernidade. Entretanto, outras mudanças de comportamento geradas pelo estilo de vida atual podem estar associadas à doença, dentre eles o padrão de sono, apontado como uma importante variável, sobretudo em crianças.4–6 Em 2008, uma metanálise demonstrou que crianças com menor duração do sono apresentam um incremento de até 92% no risco de obesidade. Em crianças abaixo de 10 anos, havia uma nítida relação dose‐resposta entre duração do sono e aumento do peso, e, para cada hora a mais de sono, o risco de excesso de peso era reduzido, em média, em 9%.4

É possível que parte da associação observada entre sono e obesidade seja atribuível a efeitos de interação de fatores ambientais, tais como exposição à luz e ingesta alimentar, e o funcionamento dos chamados relógios biológicos, centrais ou periféricos, que são constituídos por células com expressão gênica oscilatória finamente regulada, e funcionam como “marca‐passos”, ditando o ritmo de hormônios, neurotransmissores e atividades metabólicas, autonômicas e comportamentais. Estudos experimentais evidenciam que o aumento da duração do período de exposição à luz interfere na atividade lipogênica mediada por lipase lipoproteica, sugerindo um papel central do relógio biológico na determinação do peso corporal. Por outro lado, mudanças endógenas do ritmo oscilatório podem influenciar tanto o comportamento alimentar quanto o padrão de gasto energético e de depósito de gordura no tecido adiposo.7–9 Alterações de genes reguladores do ritmo circadiano têm sido associadas a alterações da homeostase metabólica. Entre eles, destaca‐se o gene CLOCK (Circadian Locomotor Output Cycles Kaput; OMIM* 601851), o primeiro gene regulador do ritmo biológico identificado em mamíferos.10 Modelos Knockout para este gene apresentam um fenótipo de hiperfagia, obesidade, hiperlipidemia, esteatose hepática e hiperglicemia, que em muito lembra o quadro de síndrome metabólica observado em humanos.11 Além disso, outros estudos demonstraram sua ação sobre a regulação de processos metabólicos, tais como secreção e ação de insulina e leptina.9,12,13

Recentemente, polimorfismos localizados no gene CLOCK foram associados à ocorrência de obesidade em adultos, às concentrações de adiponectina produzida pelo tecido adiposo, ao padrão de ingestão calórica e a citocinas relacionadas ao sono.14–18 Um interessante estudo envolvendo adultos obesos observou associação entre o polimorfismo CLOCK 3111T/C (rs 1801260) e a capacidade de perda de peso durante o tratamento da obesidade, de forma que portadores de pelo menos um alelo C demonstraram maior resistência à perda de peso que indivíduos homozigotos para o alelo T, além de menor duração de sono, maiores níveis séricos de grelina e alterações do comportamento alimentar, incluindo hábitos noturnos de alimentação.15 Além desse, outros estudos demonstraram associações importantes entre esse polimorfismo e a ocorrência de distúrbios relacionados ao apetite, peso, humor e atenção.18,19

Até o momento, nenhum estudo envolvendo polimorfismos nesse gene foi desenvolvido em crianças. Sendo assim, o objetivo primário do presente estudo foi avaliar a presença de associação entre o genótipo 3111 T/C do gene CLOCK e a presença de excesso de peso, bem como o padrão de distribuição de gordura, em crianças em idade escolar do município. Além disso, procuramos avaliar nessa amostra a presença de associação entre essa variante genética e a duração do sono, assim como da duração do sono e a classificação nutricional.

MetodologiaCasuística

O estudo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, foi desenvolvido no modelo transversal, envolvendo crianças de 6 a 13 anos matriculadas em Unidades Municipais de Ensino Fundamental (UMEF) da cidade, no ano de 2012.

O cálculo da amostra foi realizado através do programa Gpower® versão 3.1.6 (Kiel University, Alemanha), utilizando‐se como parâmetros erro probabilístico de 0,05, tamanho de efeito de 0,5 e poder estatístico de 80%, de forma que a amostra mínima determinada foi de 144 crianças no total. As crianças foram recrutadas em cinco escolas do município, sorteadas de forma a representar cada uma das cinco regiões político‐geográficas do município. Em cada escola, a seleção dos alunos ocorreu de maneira sistemática, de acordo com a adesão dos mesmos e consentimento dos responsáveis, uma vez que inúmeras tentativas de aleatorização foram abandonadas devido à dificuldade na obtenção de consentimento por escrito pelos pais. Visando aumentar o poder estimado para o teste, ampliamos o número de pacientes para 370 crianças.

Levantamento de dados

Os responsáveis pelas crianças responderam a questionários, onde foram levantados dados referentes à prática regular de atividade física (definida como atividade com frequência mínima de 1 hora 2x/semana), duração do sono e tempo diário médio despendido com televisão, computador e jogos eletrônicos. As crianças foram examinadas para medidas de estatura, peso e circunferências abdominal, de quadril e cervical. Todas as medidas foram realizadas pelo próprio pesquisador responsável e/ou sua equipe formada por profissionais treinados em técnica de medida antropométrica.

O peso corporal foi determinado por meio de uma balança digital graduada de 0 a 150kg, com resolução de 0,05kg da marca Avanutri® (Avanutri Informática Ltda, Rio de Janeiro, Brasil). As crianças foram pesadas sem calçados ou meias, vestindo os uniformes da escola. A balança foi colocada sobre uma superfície rígida e os alunos foram pesados em pé, com os membros ao longo do corpo, posicionados no centro da balança, olhando para frente.

A estatura foi medida através da utilização de estadiômetro da marca Avanutri® (Avanutri Informática Ltda, Rio de Janeiro, Brasil), graduado de 20 a 200cm, com escala de precisão de 0,1cm e representada pela média de três medidas consecutivas, com o objetivo de minimizar o erro de medição. As crianças foram orientadas a permanecer na posição de ortostase, sem calçados, com quadris e ombros perpediculares ao eixo central do corpo, calcanhares firmemente apoiados no chão, joelhos próximos e estendidos, braços relaxados e próximos ao corpo e a cabeça no plano de Frankfurt.

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado por meio do quociente da massa corporal em Kg pela estatura em m2, e ajustada por idade e sexo da criança de acordo com as distribuições de percentis e cortes propostos pelo Center of Disease Control (CDC), que considera como sobrepeso um IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95, e como a obesidade o IMC igual ou superior ao percentil 95.

A distribuição de gordura corporal foi avaliada através das medidas de circunferências realizadas em duplicata para o controle de erros de medida ou leitura. A medida de circunferência abdominal foi realizada conforme padrão preconizado pela I Diretriz Brasileira de Síndrome Metabólica (I‐DBSM), com uma fita inelástica posicionada na metade da distância entre a crista ilíaca e o rebordo costal inferior ao final da expiração. A medida de quadril foi realizada no plano horizontal, ao nível do ponto de maior circunferência da região glútea, com indivíduo na posição ortostática e os pés juntos. A circunferência cervical foi avaliada tendo como referência uma linha horizontal ao nível da metade da cartilagem tireoide, com o pescoço em posição neutra.

Estudos moleculares

A coleta de material para estudos genéticos foi feita com o uso de swabs de mucosa oral ou escovas citológicas macias, de forma a proporcionar o mínimo desconforto possível para as crianças envolvidas no estudo. A extração de DNA foi desenvolvida com a utilização de dois métodos. Das 370 amostras obtidas, 112 tiveram seu material genético extraído por meio dos cartões FTA (FTA Elute Microcard, Whatman International Ltd., Reino Unido), uma tecnologia de alta praticidade, frequentemente utilizada em genética forense, na qual o tratamento químico do cartão lisa as células e deixa o DNA intacto através da simples eluição em água.20 As demais 258 amostras de DNA foram obtidas por meio da utilização de escovas citológicas, cuja extração de material genético foi realizada por meio da metodologia de saulting‐out, tradicionalmente descrita e utilizada no serviço de Endocrinologia Genética – Laboratório de Investigações Moleculares (LIM)‐25, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).21 Todas as genotipagens foram realizadas no LIM‐25‐FMUSP por meio da metodologia TaqMan (Real Time TaqMan® SNP (polimorfismo de nucleotídeo único) Genotyping Assay C‐8746719‐20, Applied Biosystems, Carlsbad, Estados Unidos), utilizando‐se o equipamento para Real Time Aplied Biosystems, modelo Step One Plus (Applied Biosystems, Carlsbad, Estados Unidos).

Análises estatísticas

Todos os dados coletados foram armazenados em planilhas eletrônicas. As medidas de estatura, peso e IMC foram convertidas em escores‐Z (ajustados para sexo e idade) conforme os parâmetros de referência internacional, através da utilização do programa Growth Analyser versão 3.5 (Roterdã, Países Baixos). Após genotipagem, foi verificada a presença de distribuição compatível com o Equilíbrio de Hardy Weinberg.

As análises de associação entre as variáveis foram realizadas por meio de comparação entre grupos, correlações e regressões lineares. Os grupos de crianças com e sem excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) foram comparados com relação às variáveis genéticas e não genéticas. Os grupos genotípicos foram comparados tanto pelo modelo codominante (CC vs. TC vs. TT) quanto pelo modelo dominante (C* vs. TC). Variáveis quantitativas foram analisadas pelo teste t de Student ou teste de Mann‐Whitney, conforme apropriado. Variáveis qualitativas foram analisadas por meio do teste de Qui‐quadrado. Todas as análises estatísticas foram realizadas com SigmaStat® para Windows® (versão 3.5 – SPSS Inc., San Rafael, Estados Unidos). Foi considerado estatisticamente significante um p < 0,05.

Resultados

Foi estudado um total de 370 crianças, sendo167 meninos (45%) e 203 meninas (55%). Observou‐se uma prevalência de sobrepeso de 10% (n = 38) e de obesidade de 8% (n = 30). Não houve diferença estatisticamente significante da prevalência de excesso de peso entre os sexos feminino ou masculino (p = 0,6).

A prática regular de atividade física foi observada em apenas 27% das crianças, não havendo diferença significativa com relação a sexo ou idade. O número referido de horas dedicadas a televisão, computador ou jogos eletrônicos também foi verificado. Não se observou associação significativa entre esses parâmetros e a presença ou ausência de obesidade nessas crianças. Esses dados estão resumidamente apresentados na tabela 1.

Tabela 1.

Comparação entre crianças com e sem excesso de peso com relação às variáveis não genéticas

  Com excesso de peso  Sem excessode peso 
N  68  302  – 
Sexo (F: M)  36: 32  167: 135  0,83 
Idade (anos)  8,4 (7,2‐9,4)  8,4 (7,3‐9,5)  0,77 
Atividade física regular (sim: não)  15: 40  72: 185  0,96 
Horas de TV, computador ou jogosa  3,0 (2,0‐5,0)  3,0 (2,0‐4,0)  0,95 
Hora que acorda (h)a  6,6 (6,0‐8,5)  7,0 (6,0‐8,5)  0,72 
Hora que dorme (h)a  22 (21,2‐22,5)  22 (21,0‐22,5)  0,23 
Duração do sono (h)a  9,0 (8,5‐10,5)  10,0 (9,0‐10,5)  0,12 
a

mediana (Intervalo interquartílico).

As crianças dormiam em média 9,7 horas. Observou‐se uma associação inversa entre a duração do sono e a idade da criança (r = ‐0,4; p < 0,001). Enquanto 47% das crianças entre 6 e 8 anos dormiam mais de 10 horas por dia, apenas 9% das crianças acima dos 10 anos de idade apresentavam esse perfil de duração do sono (p < 0,001) (fig. 1). Não foi observada associação significativa entre a duração do sono e demais variáveis analisadas, tais como sexo ou prática regular de atividade física.

Figura 1.

Associação entre as categorias de duração do sono e a idade.

(0,08MB).

Com relação à associação entre duração de sono e obesidade, observou‐se uma tendência à maior prevalência de excesso de peso entre as crianças que dormiam menos de 9h (23%), com relação às crianças que dormiam mais de 10h (16%; p = 0,06). Além disso, foi observada uma associação significativa entre a duração do sono e as circunferências que traduzem a distribuição de gordura central: circunferência cervical (r = −0,1; p = 0,01) e circunferência abdominal (r = −0,2; p < 0,001). No entanto, essas associações não se demonstraram independentes da associação entre duração do sono e idade, quando analisado por regressões lineares múltiplas.

A distribuição genotípica com relação ao polimorfismo 3111 T/C do gene CLOCK foi de 4% de crianças homozigotas para o alelo C (n = 13), 31% heterozigotas (n = 106) e 65% homozigotas para alelo T (n = 221), estando de acordo com o equilíbrio de Hardy Weinberg (p = 0,98).

Embora tanto a prevalência de excesso de peso (31%) quanto a mediana do escore‐Z de IMC tenha sido maior no grupo de indivíduos homozigotos para o alelo C, essa diferença não atingiu significância estatística. Da mesma forma, não foi observada diferença significativa com relação à duração do sono entre as crianças classificadas nos diferentes grupos genotípicos (tabela 2).

Tabela 2.

Comparação dos grupos genotípicos do polimorfismo 3111T/C do gene CLOCK com relação ao excesso de peso e à duração do sono

  CC  CT  TT 
N  13  106  221   
Sexo (F:M)  6: 7  53: 53  130: 91  0,25 
Idade (anos)  8,5 (7,4‐9,9)  8,4 (7,3‐9,5)  8,2 (7,3‐9,4)  0,70 
Hora que dormea  22 (21,1‐22,7)  22 (21‐22)  22 (21‐22,5)  0,43 
Hora que acordaa  6,5 (6,0‐8,0)  7,0 (6,0‐8,0)  6,6 (6,0‐9,0)  0,75 
Duração do sonoa  9,0 (8,1‐10,0)  10,0 (9,0‐10,5)  9,9 (8,6‐10,5)  0,21 
Z de IMCa  0,6 (−0,1‐1,5)  0,1 (−0,7‐1,0)  0,2 (−0,6‐,5)  0,43 
Excesso de peso (%)  31%  13%  20%  0,66 
a

mediana (Intervalo interquartílico).

Discussão

A duração do sono vem diminuindo paralelamente ao aumento da incidência de obesidade. Considerando‐se que o sono é um fator ambiental modificável que pode ser adotado como uma medida preventiva à obesidade, inúmeros estudos voltados ao impacto na saúde determinado por variações comportamentais e/ou moleculares do ciclo sono‐vigília vêm sendo realizados na última década.4,7 No Brasil, este é o primeiro estudo que busca avaliar a associação entre sono e obesidade em crianças, correlacionando‐a a uma variação genética implicada no controle do ritmo biológico de diversas variáveis hormonais e metabólicas.22

Um dos principais genes envolvidos na modulação do ritmo circadiano é o gene CLOCK, um fator de transcrição expresso em diferentes tecidos que tem sido implicado na regulação de processos metabólicos, tais como secreção de insulina,23 ação hipotalâmica da leptina,13 absorção de nutrientes24 e sensibilidade aos glicocorticoides.25 O polimorfismo 3111 T/C, localizado na região 3’ não traduzida desse gene, foi relacionado ao controle do comportamento alimentar, da secreção hormonal, do humor e do sono, tendo sido, por esse motivo, selecionado como SNP candidato no estudo da associação molecular entre duração do sono e obesidade em crianças.16,18

Observações anteriores creditaram ao genótipo C* um fenótipo de excesso de peso e curta duração de sono. Um interessante estudo envolvendo 1.290 indivíduos obesos de ambos os sexos, com idade entre 20 e 69 anos, observou que os portadores de pelo menos um alelo C apresentavam menor duração de sono em comparação com os homozigotos do alelo T, além de uma resistência à perda de peso, maiores níveis séricos de grelina e hábito alimentar noturno.15 Na presente amostra, embora, de forma coerente com resultados anteriores, tenha sido observada maior prevalência de excesso de peso e menor duração do sono nos indivíduos homozigotos para a o alelo C, essa diferença não foi estatisticamente significante. Resultado negativo para esta associação foi descrito por outros estudos.18,26

Uma das possíveis explicações para a divergência de resultados é a limitação do poder estatístico da presente amostra, já que o estudo apresentou restrições em termos de custo e logística para a sua ampliação. Outra possibilidade é que a associação relatada em estudos anteriores não esteja relacionada a um efeito diretamente causal desse polimorfismo. Embora tenha sido demonstrado o papel funcional do polimorfismo sobre a estabilidade do RNAm,27 a possibilidade de haver um desequilíbrio de ligação do mesmo com outro polimorfismo verdadeiramente funcional não pode ser descartada, uma vez que o grau de ligação pode variar conforme o perfil genético próprio de cada população.

Apenas um estudo envolvendo esse polimorfismo em uma amostra da população brasileira foi localizado, o qual não demonstrou associação significativa entre o genótipo e o padrão de sono em adultos.26 Neste estudo, onde 162 adultos de ambos os sexos foram genotipados para o polimorfismo 3111 T/C do gene CLOCK, as frequências genotípicas observadas (7% CC; 40% TC e 53% TT) foram semelhantes ao presente estudo, as quais também são compatíveis com as classicamente descritas no banco de dados do dbSNP (rs 1801260).

Com relação à associação epidemiológica entre duração de sono e excesso de peso em crianças, esta também não foi observada de forma consistente na presente amostra. Embora a metodologia de aferição utilizada, da duração do sono por meio de questionários entregue aos pais, seja uma metodologia sujeita a viés de informação, essa é a metodologia tradicionalmente aplicada nos estudos que demonstraram essas associações,4 e, dessa forma, não se pode afirmar que afete de forma diferenciada o presente estudo. Uma vez que a associação apresentou uma significância marginal (p = 0,06) nas análises categóricas, a limitação de poder estatístico para detecção dessa associação não pode ser descartada. Por outro lado, este não é o primeiro estudo a apresentar um resultado negativo com relação a esta associação.28 Apesar dos inúmeros estudos positivos e da plausibilidade biológica para esta associação,29 o caráter transversal e as limitações metodológicas da maioria dos estudos na área têm levado alguns autores a sugerirem cautela com relação à determinação da natureza de causalidade e a direção dessa associação.30

Concluindo, na presente amostra de escolares do município de Vila Velha/ES não foi observada uma associação significativa entre o SNP 3111T/C do gene CLOCK, a presença de obesidade e a duração do sono. No entanto, é importante realizar outros estudos com poder estatístico ampliado, para esclarecer o papel desse polimorfismo na população. Além disso, é importante investigar outros reguladores moleculares do ritmo circadiano que possivelmente estão envolvidos na modulação do perfil de suscetibilidade à obesidade. A identificação de genótipos de risco relacionados aos genes‐clock representa uma nova área de pesquisa sobre a etiopatogênese da obesidade, o que amplia os conhecimentos sobre o assunto e dá uma nova versão sobre seu controle, possibilitando que terapias individualizadas possam, no futuro, auxiliar no controle dessa complexa e impactante doença.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 304678/2012‐0.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Giovaninni NP, Fuly JT, Moraes LI, Coutinho TN, Trarbach EB, Jorge AA, et al. Study of the association between 3111T/C polymorphism of the CLOCK gene and the presence of overweight in schoolchildren. J Pediatr (Rio J). 2014;90:500–5.

Study conducted at the Universidade Vila Velha (UVV), Vila Velha, ES, Brazil.

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