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Vol. 96. Núm. 6.
Páginas 763-770 (novembro - dezembro 2020)
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Vol. 96. Núm. 6.
Páginas 763-770 (novembro - dezembro 2020)
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Sleep and restless legs syndrome in female adolescents with idiopathic musculoskeletal pain
Sono e síndrome das pernas inquietas em adolescentes do sexo feminino com dor musculoesquelética idiopática
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Rita Aparecida Ribeiro Amorima, Gustavo A. Moreirab,
Autor para correspondência
gustavo.a.moreira@sono.org.br

Autor para correspondência.
, Flavia Heloisa Santosc, Maria Teresa Terreria, Juliana Molinaa, Lívia de Freitas Keppekea, Simone Guerra Lopes da Silvaa, Melissa Mariti Fragaa, Vanessa Bugni Miotto e Silvaa, Sergio Tufikb, Claudio Arnaldo Lena
a Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Departamento de Pediatria, Seção de Reumatologia, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Instituto do Sono, Departamento de Psicobiologia, São Paulo, SP, Brasil
c University College Dublin, School of Psychology, Dublin, Irlanda
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Tabelas (4)
Tabela 1. Dados demográficos e socioeconômicos das pacientes com DMEI e controles
Tabela 2. Critérios para avaliação diagnóstica da SPI e do histórico familiar em pacientes e controles
Tabela 3. Achados da Escala de Distúrbios do Sono em Crianças e Adolescentes (EDSC)
Tabela 4. Achados polissonográficos dos grupos de controle e DMEI
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Abstract
Objectives

To assess the presence of restless legs syndrome, periodic leg movement, and sleep disorders in female adolescents with idiopathic musculoskeletal pain through a sleep scale and polysomnography, and to compare these data in adolescents without pain history.

Method

Twenty‐six adolescents diagnosed with idiopathic musculoskeletal pain followed in a pain outpatient clinic and 25 healthy controls matched by age and education were recruited. The restless legs syndrome criteria were evaluated according to the International Restless Legs Syndrome Study Group, the Sleep Disturbance Scale for Children was completed, nocturnal polysomnography was performed, and anxiety symptoms were recorded.

Results

The mean age of idiopathic musculoskeletal pain adolescents was 13.9 ± 1.6 years; in controls, it was 14.4 ± 1.4 years. One adolescent in the control group (4%) and nine patients with idiopathic musculoskeletal pain (34.6%) fulfilled the restless legs syndrome criteria (p = 0.011). The authors did not observe significant differences in Sleep Disturbance Scale for Children scores between the groups in all components: disorders of initiating and maintaining sleep (p = 0.290), sleep breathing disorders (p = 0.576), disorders of arousal (p = 0.162), sleep‐wake transition disorders (p = 0.258), disorder of excessive daytime somnolence (p = 0.594), and sleep hyperhidrosis (p = 0.797). The neurophysiological, respiratory, and periodic leg movement parameters were similar in both groups. Having anxiety was not associated with restless legs syndrome (p = 0.11). Three patients with idiopathic musculoskeletal pain (11.5%) presented restless legs syndrome and periodic leg movement simultaneously, which was absent in the control group.

Conclusion

Female adolescents with idiopathic musculoskeletal pain present criteria for RLS more frequently than healthy adolescents. However, this study did not observe relevant changes in objective and subject sleep variables.

Keywords:
Restless legs syndrome
Periodic leg movement
Idiopathic musculoskeletal pain
Adolescents
Polysomnography
Sleep disturbance
Resumo
Objetivos

Avaliar a presença de síndrome das pernas inquietas, movimento periódico das pernas e distúrbios do sono em adolescentes do sexo feminino com dor musculoesquelética idiopática por meio da escala do sono e da polissonografia e comparar esses dados em adolescentes sem histórico de dor.

Método

Foram recrutados 26 adolescentes diagnosticados com dor musculoesquelética idiopática acompanhados em um ambulatório de dor e 25 controles saudáveis pareados por idade e escolaridade. Avaliamos os critérios da síndrome das pernas inquietas de acordo com o Grupo Internacional de Estudos de Síndrome das Pernas Inquietas, a Escala de Distúrbios do Sono em Crianças, a polissonografia noturna e os sintomas de ansiedade.

Resultados

A idade média dos adolescentes com dor musculoesquelética idiopática foi 13,9 ± 1,6 anos e dos controles foi 14,4 ± 1,4 anos. Um adolescente no grupo de controle (4%) e nove pacientes com dor musculoesquelética idiopática (34,6%) atenderam aos critérios da síndrome das pernas inquietas (p = 0,011). Não observamos diferenças significativas nos escores da Escala de Distúrbios do Sono em Crianças entre os grupos em todos os componentes: distúrbios do início e da manutenção do sono (p = 0,290), distúrbios respiratórios do sono (p = 0,576), distúrbios do despertar (p = 0,162), distúrbios da transição sono‐vigília (p = 0,258), sonolência diurna excessiva (p = 0,594) e hiperidrose do sono (p = 0,797). Os parâmetros neurofisiológicos, respiratórios e o movimento periódico das pernas foram semelhantes nos dois grupos. Ansiedade não foi associada à síndrome das pernas inquietas (p = 0,11). Três pacientes com dor musculoesquelética idiopática (11,5%) apresentaram síndrome das pernas inquietas e movimento periódico das pernas simultaneamente, situação ausente no grupo de controle.

Conclusão

As adolescentes do sexo feminino com dor musculoesquelética idiopática apresentaram critérios para síndrome das pernas inquietas com mais frequência do que as adolescentes saudáveis. Contudo, não observamos mudanças relevantes nas variáveis do sono objetivas e subjetivas.

Palavras‐chave:
Síndrome das pernas inquietas
Movimento periódico das pernas
Dor musculoesquelética idiopática
Adolescentes
Polissonografia
Distúrbio do sono
Texto Completo
Introdução

Dor musculoesquelética é uma queixa comum em crianças e adolescentes. Várias crianças desenvolvem uma síndrome de dor crônica ou recorrente, que as incapacita gravemente. Situações em que a dor se desenvolve em mais de um sistema do corpo e não é encontrada causa específica são chamadas de dor musculoesquelética idiopática (DMEI). Esse termo é usado pois descreve e reconhece o fato de que a causa é desconhecida.1 O diagnóstico clínico da DMEI é feito de forma a excluir outros tipos de dor. A DMEI é definida pela presença de dor musculoesquelética generalizada em três ou mais áreas do corpo por pelo menos três meses e esses sintomas não serem explicados por outras causas ou doenças. A DMEI pode ser localizada ou difusa e sua etiopatogenia ainda não é totalmente entendida.1–3

De acordo com a literatura internacional, a prevalência de DMEI em crianças em idade escolar varia entre 12% e 37,4%.2,4,5 O envolvimento é mais frequente em meninas, o início dos sintomas é mais comum aproximadamente aos 12‐13 anos3 e algumas comorbidades, como problemas de sono, são comuns em adolescentes com dor. Os problemas mais comumente descritos foram relacionados à privação do sono, à ineficiência do sono e ao sono não restaurador.6 Contudo, podem ser observados outros tipos relacionados ao sono, como a síndrome das pernas inquietas (SPI).

A SPI é caracterizada pelo desejo proeminente de mover as pernas, geralmente associado a outras sensações desconfortáveis e desagradáveis. A SPI apresenta flutuação circadiana, os sintomas geralmente começam ou pioram durante os períodos de inatividade, intensificam‐se à noite e são parcial ou totalmente aliviados pelo movimento. O desconforto físico e a necessidade de mover os membros podem causar dificuldade para iniciar o sono e acordar com frequência de madrugada. A SPI pode ser acompanhada de movimentos periódicos dos membros (MPM) durante o sono, que, por sua vez, podem afetar a qualidade do sono, principalmente nos estágios iniciais.7 O movimento estereotipado dos membros inferiores durante o sono é a principal característica do MPM, caracterizado por contração muscular com duração de 0,5 e 10 segundos e repetição em intervalos de 5 a 90 segundos.8,9 O MPM pode ser avaliado por meio de polissonografia (PSG) em todas as faixas etárias.

O diagnóstico da SPI tem como base 5 critérios essenciais: 1) Necessidade ou urgência de mover as pernas devido a desconforto; 2) Os sintomas pioram ou estão presentes exclusivamente em repouso ou inatividade; 3) Os sintomas aliviam total ou parcialmente com movimentos; 4) Os sintomas percebidos durante o repouso e inatividade pioram ou ocorrem exclusivamente à noite e 5) O fato de os sintomas descritos acima não serem mais bem explicados por outras doenças.10 A presença do MPP ajuda no manejo desses pacientes quando o diagnóstico da SPI é duvidoso.9

A comprovação clínica sugere associação entre dor crescente e a SPI em crianças e adolescentes e que também pode haver correlação com outras síndromes dolorosas.11 A frequência e a morbidez da DMEI preocupam os médicos, pois esses adolescentes sofrem cada vez mais risco de dor crônica na fase adulta. Outra hipótese é que haja uma relação entre a SPI, o MPP e os distúrbios do sono em adolescentes com DMEI. O objetivo deste estudo foi avaliar a presença de SPI, MPP e distúrbios do sono em adolescentes com DMEI e compará‐los com adolescentes saudáveis pareados por idade e escolaridade.

Método

Estudo caso‐controle descritivo e transversal.

Participantes

Os adolescentes foram selecionados por conveniência e aleatoriamente entre os participantes tratados em um ambulatório especializado de um centro terciário de referência. De uma população de 180 pacientes do ambulatório de dor musculoesquelética do Setor de Reumatologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo, 78% eram meninas entre 12 e 16 anos diagnosticadas com DMEI. Recrutamos 26 adolescentes do sexo feminino com diagnóstico de DMEI, pois elas se queixaram de dor em 3 ou mais áreas do corpo.1 O grupo de controle consistiu em 25 adolescentes saudáveis voluntárias, sem queixas de dor. Todas as adolescentes e todos os pais foram informados sobre os procedimentos do protocolo de pesquisa, inclusive as exigências necessárias para fazer a PSG noturna. Os grupos foram pareados por idade e escolaridade.

Os critérios de exclusão foram presença de diagnóstico médico de doenças neurológicas ou psiquiátricas, inclusive transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou características dos critérios clínicos desse transtorno. Optamos por considerar o TDAH como um critério de exclusão, devido à associação à SPI, MPP e TDAH.

Procedimentos

A DMEI é mais frequente em meninas e dois meninos convidados a participar do estudo recusaram fazê‐lo. Assim, o estudo incluiu somente adolescentes do sexo feminino. O convite para participar do estudo foi feito por ligação telefônica, durante a qual foram informadas a finalidade e as etapas. A participação voluntária neste estudo foi reforçada posteriormente na entrevista pessoal. As avaliações das pacientes e controles consistiram nas seguintes etapas.

  • 1)

    Para anamneses, usamos a entrevista semiestruturada do participante e dos pais, com o objetivo de descrever e avaliar os aspectos pessoais, juntamente com os aspectos relacionais, sistêmicos e educacionais. Usamos também o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), 2012. A avaliação clínica das pacientes e controles foi feita por reumatologistas pediátricos, com mais de 30 anos de experiência (C.A.L. e M.T.S.L.R.A.T).

  • 2)

    Foi feita uma avaliação clínica do sono com base nos critérios essenciais da Academia Norte‐Americana de Medicina do Sono, 2005, e do Grupo Internacional de Estudos da Síndrome das Pernas Inquietas (IRLSSG), 2012.9,10 O critério de 2003 estabelece que a criança deve atender a todos os quatro critérios da SPI usados para adultos: 1) necessidade de mover os membros associada a desconforto; 2) alívio dessa sensação com o movimento; 3) pioria ou ocorrência de sintomas na posição em repouso; 4) pioria dos sintomas à noite; e mais um aspecto. A criança deve informar, com suas próprias palavras, sensação desagradável e/ou desconforto nas pernas ou apresentar duas das três características: movimento periódico das pernas mais de 5 vezes por hora durante o sono, distúrbio do sono e pais ou irmãos com diagnóstico de SPI. Em 2012, o IRLSSG excluiu duas das três características e incluiu o 5° critério, que exige que os sintomas descritos acima não sejam mais bem explicados por outras doenças.12 Recursos de suporte e aspectos clínicos também são considerados importantes na avaliação diagnóstica.9,10,12

  • 3)

    Avaliamos a presença de problemas de sono com a Escala de Distúrbios do Sono em Crianças (EDSC).13 Além disso, a avaliação do estado nutricional por meio de peso e altura, o cálculo do índice de massa corporal (IMC) com o uso das curvas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e o software Anthro Plus, versão 3.2.2, 2009.

  • 4)

    Avaliamos ainda os sintomas de ansiedade no grupo de adolescentes com DMEI e no grupo de controle por meio da Escala de Avaliação da Ansiedade‐Traço Infantil, que avalia a forma de reação ansiosa em crianças, sem constituir transtorno de ansiedade.14

  • 5)

    A polissonografia (PSG) de base consistiu em eletroencefalograma (F3 / A2, F4 / A1, C3A2, C4 / A1, O2 / A1, O1/ A2), eletro‐oculograma, eletromiograma do queixo e das pernas, eletrocardiograma, cânula nasal, termistororonasal, movimento torácico e abdominal (pletismografia indutiva), microfone, saturação de oxigênio e posição corporal (sistema computadorizado EMBLA® S7000, Broomfield, CO, EUA).15 O estadiamento do sono e do movimento periódico das pernas segue o consenso internacional, de acordo com o Manual da Academia Norte‐Americana de Medicina do Sono.16 A PSG foi pontuada por um Médico Certificado em Medicina do Sono (GAM).

Os critérios de exclusão também foram confirmados por meio do questionário de SNAP‐IV,17 instrumento de exame para TDAH que avalia o primeiro critério (critério A) do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM‐V).

Análise de dados

O tamanho da amostra foi calculado com o software estatístico Power Analysis and Sample Size System (NCSS‐ PASS, 2008. UT, EUA). O software estatístico SPSS (IBM SPSS Statistics for Windows, Version 20.0. NY, EUA) foi usado para análise. As variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e relativas, ao passo que as variáveis numéricas foram descritas como médias e desvio‐padrão. Considerando o tamanho da amostra, as associações entre duas variáveis categóricas foram testadas com o teste exato de Fisher. O teste t de Student para amostras independentes ou, alternativamente, o teste U não paramétrico de Mann‐Whitney foi usado para comparar os dados numéricos entre os grupos. Testes não paramétricos foram usados em situações de grupos com pequenos números de casos (menos de 10 casos) ou violação da suposição de normalidade, que foi testada com o teste de Kolmogorov‐Smirnov. Um nível de significância de 5% foi adotado para todos os testes estatísticos.

Aprovação ética e consentimento para participar

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, parecer n° 304.751. Os termos de consentimento informado e termo de consentimento foram obtidos dos pais e adolescentes, respectivamente.

Resultados

Todos os indivíduos recrutados para este estudo foram do sexo feminino. Não observamos diferenças significativas entre a DMEI e os grupos de controle com relação à idade (p=0,220), aos anos de escolaridade (p=0,217), à renda familiar (p=0,397), à situação socioeconômica (p=0,147) e ao tipo de escola (p=0,465). A idade na menarca foi equivalente entre os grupos (p=0,220), bem como a distribuição do estado nutricional (p=0,132), que não mostrou diferenças estatisticamente significativas (tabela 1).

Tabela 1.

Dados demográficos e socioeconômicos das pacientes com DMEI e controles

  Grupos 
  Controle (n=25)  DMEI (n=26) 
  Média (DP)  Média (DP)   
Idade (anos)  13,9 (1,6)  14,4 (1,4)  0,220b 
Escolaridade (anos)  9,6 (2,5)  10,3 (1,7)  0,217b 
Renda familiar (salário mínimo)  4,9 (3,7)  3,0 (2,5)  0,397b 
Classe econômica  N (%)  N (%)   
3 (12)  1 (3,8)  0,147a 
11 (44)  6 (23,1)   
11 (44)  17 (65,4)   
D/E  0 (0)  2 (7,7)   
Tipo de Escola
Pública  22 (88)  20 (76,9)  0,465a 
Privada  3 (12)  6 (23,1)   
Menarca
Não  4 (16)  5 (19,2)  1,000a 
Sim  21 (84)  21 (80,8)   
Estado Nutricional
Abaixo do peso  2(8)  2(8)  0,132a 
Eutrófico  17 (68)  19 (73)   
Sobrepeso/Obesidade  6 (24)  5 (19)   

DMEI, dor musculoesquelética idiopática; DP, desvio‐padrão.

a

Nível descritivo do teste exato de Fisher.

b

Nível descritivo do teste t de Student ou teste de Mann‐Whitney.

As adolescentes com DMEI apresentaram os critérios de diagnóstico da SPI com mais frequência do que o grupo de controle, com relação aos critérios de diagnóstico usados (tabela 2). Ao usar os critérios de avaliação das crianças de 2003,7 observamos que um indivíduo no grupo de controle apresentou diagnóstico definitivo de SPI, ao passo que nove no grupo de DMEI apresentaram diagnóstico definitivo de SPI (4,0% em comparação a 34,6%; p=0,011). Quando usamos os critérios atuais de 2012,12 observamos que um indivíduo no grupo de controle apresentou SPI com diagnóstico provável, ao passo que nove no grupo de DMEI apresentaram diagnóstico provável ou definitivo de SPI (4,0% em comparação a 34,6%; p=0,013). Foi identificada SPI nos mesmos indivíduos dos grupos de DMEI e controle com os critérios de diagnóstico de 2003 e 2012. Não observamos diferenças com relação ao histórico familiar para SPI nos grupos estudados.

Tabela 2.

Critérios para avaliação diagnóstica da SPI e do histórico familiar em pacientes e controles

  Grupopa 
  Controle (n=25)  DMEI (n=26)   
  n (%)  n (%)   
SPI
Critério anterior (2003)b
Sem SPI  24 (96,0)  17 (65,4)  0,011 
Com diagnóstico definitivo de SPI  1 (4,0)  9 (34,6)   
SPI
Critério atual (2012)c
Sem SPI  24 (96,0)  17 (65,4)  0,013 
Diagnóstico provável de SPI  1 (4,0)  4 (15,4)   
Diagnóstico definitivo de SPI  0 (0,0)  5 (19,2)   
Histórico familiar de SPI
Não  22 (88,0)  25 (96,2)  0,350 
Sim  3 (12,0)  1 (3,8)   
a

nível descritivo do teste exato de Fisher; b, de acordo com o Grupo Internacional de Estudos de Síndrome das Pernas Inquietas (IRLSSG), Allen et al.7; c, de acordo com o IRLSSG: critérios de diagnóstico da doença, Allen et al.12; SPI, síndrome das pernas inquietas;

Não observamos diferenças significativas entre os grupos de DMEI e controle com relação a qualquer componente da Escada de Distúrbios do Sono em Crianças, inclusive distúrbios do início e da manutenção do sono (p=0,290), distúrbios respiratórios do sono (p=0,576), distúrbios do despertar (p=0,162), distúrbios da transição sono‐vigília (p=0,258), sonolência diurna excessiva (p=0,594) e hiperidrose do sono (p=0,797). Os dados completos são apresentados na tabela 3.

Tabela 3.

Achados da Escala de Distúrbios do Sono em Crianças e Adolescentes (EDSC)

  Grupo
  Controle  DMEI   
  Média (DP)  Média (DP)   
Distúrbios de Início e Manutenção do Sono  15,1 (5,1)  18,6 (15,5)  0,290 
Distúrbios Respiratórios do Sono  5,0 (1,9)  6,0 (3,4)  0,576 
Distúrbios do Despertar  3,9 (1,3)  4,7 (2,0)  0,162 
Distúrbios da Transição Sono‐Vigília  12,6 (4,2)  14,3 (5,8)  0,258 
Sonolência Diurna Excessiva  13,6 (4,3)  13,0 (4,2)  0,594 
Hiperidrose do Sono  3,2 (2,0)  3,4 (2,4)  0,797 

O resumo dos achados da PSG é apresentado na tabela 4. Não observamos diferenças significativas nos parâmetros neurofisiológicos, respiratórios e MPP entre os grupos de controle e DMEI.

Tabela 4.

Achados polissonográficos dos grupos de controle e DMEI

  Grupo
  Controle (n=25)  DMEI (n=26)   
Latência do Sono (min)  21,8 (21,3)  26,6 (26,8)  0,947a 
Latência do Sono REM (min)  130,9 (65,7)  109,8 (44,2)  0,182 
Tempo Total de Sono (min)  361,7 (67,2)  377,6 (60,3)  0,379 
Eficiência do Sono (%)  80,8 (12,2)  86,3 (9,7)  0,083 
Índice de Despertar (ev/h)  7,5 (2,8)  6,4 (2,9)  0,139 
Índice de MPP (ev/h)  0,8 (1,6)  3,3 (5,3)  0,244a 
Índice de MPP associado ao despertar (ev/h)  0,1 (0,2)  0,2 (0,4)  0,255a 
Índice de Apneia‐Hipopneia (ev/h)  1,3 (1,9)  0,6 (0,6)  0,265a 
Índice de Apneia (ev/h)  0,6 (0,8)  0,4 (0,4)  0,805a 
SpO2 de Base (%)  97,7 (0,7)  97,6 (0,8)  0,797 
Média daSpO2 (%)  97,0 (1,0)  96,8 (1,0)  0,574 
SpO2 Mínima (%)  92,4 (2,7)  93,2 (1,6)  0,257 
Tempo Total de Sono com SpO2<90%  0,03 (0,12)  0,0 (0,0)  0,145a 

Dados expressos como médias e desvios‐padrão.

ev/h, eventos por hora; MPM, movimentos periódicos dos membros; p, nível descritivo do teste t de Student ou do teste de Mann‐Whitney (a); SpO2, saturação percutânea de oxihemoglobina.

De acordo com a correlação entre os índices de MPP nos grupos de controle e DMEI, observamos um indivíduo do grupo de controle com índice> 5/hora e seis pacientes no grupo de DMEI com índices> 5/hora. Esses achados não foram estaticamente diferentes entre os grupos (p=0,099).

Ao avaliar a presença simultânea dos critérios de SPI e a presença de MPP, observamos que três (50%) dos seis pacientes com SPI no grupo de DMEI apresentaram MPP. No grupo de controle, não houve adolescentes com SPI e MPP.

Discussão

Este é o primeiro estudo que avaliou a presença de SPI e a qualidade do sono em um grupo de adolescentes do sexo feminino com DMEI. As pacientes e controles foram avaliados com o questionário de distúrbios do sono,13 além da PSG. Esse modelo fez uma avaliação mais completa do sono, comumente envolvido na etiopatogenia da dor. Observamos que as adolescentes com DMEI atenderam com mais frequência aos critérios atuais de diagnóstico definitivo de SPI.12 Em contrapartida, não observamos diferenças significativas entre as pacientes e os controles com relação aos distúrbios do sono.

A associação entre os problemas de sono, SPI e dor musculoesquelética foi relatada em estudos que envolveram crianças e jovens.18 Contudo, neste estudo, avaliamos essas variáveis no mesmo grupo de pacientes pediátricos acompanhados por um centro terciário de referência para dor musculoesquelética. Nossos resultados têm implicações práticas e clínicas, pois, nas consultas médicas das pacientes com DMEI, o sono é um fator de suma importância na conduta terapêutica das pacientes e de suas famílias, fornecida pelo médico clínico ou por outro profissional da equipe multidisciplinar.

Como as pacientes fazem parte do ambulatório de DMEI, elas já foram submetidas a tratamento que inclui orientações a respeito da dor e principalmente explicações a pacientes e seus cuidadores a respeito de como lidar com a dor, bem como técnicas de relaxamento e medidas de não supervalorização da dor. Além disso, orientamos a prática de atividades físicas aeróbicas reativas. De acordo com as necessidades individuais, as pacientes foram encaminhadas para tratamento psicológico especializado. Em geral, não usamos medicamentos como analgésicos, anti‐inflamatórios ou com ação sobre o sistema nervoso, pois não há comprovação do uso dessas terapias para manejo da DMEI.

Devido à mudança nos critérios essenciais a serem considerados no diagnóstico em 2012,19 mostramos os resultados de acordo com os critérios de diagnóstico da SPI anteriores e atuais.7,12 Nessa pequena amostra, não encontramos diferenças entre os dois critérios de SPI. A literatura mostra que a SPI afeta 1,3% a 5,9% dos adolescentes19–21 e não há estudos sobre sua prevalência em crianças e adolescentes com DMEI. Observamos diagnóstico definitivo de SPI em 4% das adolescentes saudáveis e 34,6% das pacientes com DMEI. A diferença nas frequências de SPI entre as adolescentes com e sem dor foi significativa, corroborou o estudo dos critérios de SPI em crianças e adolescentes com DMEI.

Os distúrbios do sono, como sono não restaurador, avaliados por questionários, foram descritos em mulheres adultas com fibromialgia.22

Um estudo recente com adolescentes avaliou fatores que influenciam a sonolência diurna excessiva e os autores observaram com a EDSC uma maior prevalência de distúrbio de sonolência excessiva, hiperidrose do sono e maior restrição de sono durante a semana.23 Sander et al. constataram um impacto negativo sobre a qualidade do sono em crianças e adolescentes no que diz respeito à dificuldade de voltar a dormir em despertares noturnos, presença de movimentos excessivos e sonolência diurna.21 Por sua vez, em crianças e adolescentes com DMEI, foram observados com a EDSC distúrbios do sono, como dificuldades de iniciar e manter o sono e problemas na transição sono‐vigília.24 No presente estudo, não observamos diferenças entre os grupos com relação aos componentes dos distúrbios do sono avaliados por meio do questionário ou da PSG. Acreditamos que isso pode resultar do fato de que as adolescentes com DMEI são acompanhados em uma clínica especializada, onde elas recebem orientação sobre a importância da boa higiene do sono. Ao fazermos uma subanálise, que incluiu as dez meninas com queixas de dificuldade de iniciar e manter o sono (sete DMEI e três controles), foi observado que apenas duas meninas no grupo de DMEI apresentaram critério de SPI e queixa de distúrbio do sono (p=0,17).

Apesar de não termos observado diferenças significativas entre os grupos na frequência do índice de MPP, seis pacientes no grupo de SPI apresentaram índice de MPP> 5 eventos/hora, ao passo que, no grupo de controle, apenas uma adolescentes apresentou esse achado. Apesar de não significativa, a diferença pode existir, porém não a detectamos, considerando o pequeno tamanho da amostra (erro tipo II). Ao avaliar as pacientes com DMEI, observamos que três apresentaram SPI e MPP simultaneamente durante o sono. Outro ponto importante é que o MPP não é a principal causa de distúrbio do sono noturno na SPI e o distúrbio do sono não é necessariamente uma consequência do aumento do MPP durante o sono, apesar de a SPI estar frequentemente associada ao MPP.25 Além disso, o MPP durante o sono ocorre em uma variedade de distúrbios do sono, inclusive narcolepsia, apneia obstrutiva do sono e transtorno comportamental do sono REM (REMSBD).26

A presença de SPI e/ou MPP durante o sono é relevante em adolescentes com DMEI, pois o tratamento desses distúrbios do sono tem o potencial para reduzir a dor.2 Esse achado sugere um mecanismo patofisiológico comum entre os três distúrbios.27 Gravar os eventos de MPP, um item importante para melhorar a precisão do diagnóstico, é um fator prático a considerar na detecção de MPP na SPI. Nosso estudo não demonstrou grandes alterações polissonográficas nessa amostra de indivíduos, o que pode ser explicado pelo fato de que os resultados referem‐se apenas a uma PSG de base feita durante uma noite. Estudos com adultos e crianças sugerem que um período de avaliação mais longo de pelo menos 2 dias seria adequado, pois há uma grande variabilidade de uma noite para a outra nos registros de MPP. O MPP evidente em uma noite específica pode variar significativamente em qualquer indivíduo com SPI, o que nos leva a concluir que a extensão da variabilidade noturna do MPP pode levar a resultados falso‐negativos na caracterização da SPI.28,29

O grupo de DMEI apresentou 15 adolescentes com traços de ansiedade, de acordo com a Escala de Avaliação de Traços de Ansiedade em Crianças.14 Delas, quatro apresentaram SPI. No grupo de controle, encontramos 11 adolescentes com ansiedade, nenhuma com SPI. A ansiedade não foi associada à SPI (p=0,11). Em um estudo feito em nosso serviço,30 avaliamos estresse, ansiedade e depressão em um grupo de pacientes com DMEI de nosso ambulatório. Observamos aumento do estresse, porém não ansiedade nem depressão.

Nosso estudo tem certas limitações com relação ao tamanho da amostra. É importante salientar que as pacientes com DMEI já foram acompanhadas em uma clínica especializada e, portanto, receberam orientações que incluem higiene do sono. Limitações adicionais incluem a variabilidade noturna do MPP e o uso de questionários nos quais o entrevistado precisa lembrar para responder as informações, o que leva a certa imprecisão ou perda de informações.

Nossos achados têm importância prática, pois observamos que as adolescentes com DMEI apresentaram maior frequência de SPI em comparação aos controles saudáveis sem dor. Os pediatras precisam ter conhecimento a respeito dos aspectos do sono, principalmente no que diz respeito à dificuldade de iniciar e manter o sono e aos sintomas da SPI. É preciso investigar a presença de privação do sono e, em alguns casos, fazer polissonografia. Nesse sentido, acreditamos que são necessários estudos sobre a presença de SPI e MPP que envolvam um número maior de pacientes com DMEI, bem como para uma avaliação mais detalhada do manejo da dor com esses achados clínicos.

Neste estudo, concluímos que as adolescentes com DMEI apresentaram SPI com maior frequência em comparação aos controles saudáveis sem dor. Contudo, não observamos diferenças significativas na frequência dos distúrbios do sono, nem parâmetros não objetivos do sono. Estudos adicionais com amostras maiores e avaliações do sono de indivíduos ingênuos, bem como uma avaliação de longo prazo, que incluam mais dados que abordem a variabilidade noturna do MPP, podem fornecer informações úteis sobre a correlação entre os distúrbios do sono e a presença de dor.

Financiamento

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Conflitos de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

Agradecimentos

Ao diretor e à equipe de coordenação da Escola João Evangelista, aos voluntários e seus pais pela participação neste estudo e aos funcionários do Instituto do Sono pela feitura dos exames. E aos amigos da equipe de reumatologia infantil da Unifesp e à Acredite (Amigos da Criança com Reumatismo) pela colaboração e por tornar esta pesquisa viável.

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Como citar este artigo: Amorim RA, Moreira GA, Santos FH, Terreri MT, Molina J, Keppeke LF, et al. Sleep and restless legs syndrome in female adolescents with idiopathic musculoskeletal pain. J Pediatr (Rio J). 2020;96:763–70.

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