Crianças prematuras apresentam maior risco de problemas de neurodesenvolvimento.1 O aleitamento materno exclusivo para todas as crianças, inclusive nascidos a termo, foi recomendado para a obtenção de benefícios à saúde, bem como para o bem‐estar geral.2 Além disso, a melhoria dos resultados do desenvolvimento foi relatada em crianças nascidas a termo exclusivamente amamentadas.3 Em crianças prematuras, as vantagens do leite materno para a proteção contra enterocolite necrosante e sepse e seus efeitos tróficos foram bem estabelecidos.4 Entretanto, foi reconhecido que em crianças prematuras somente o leite materno pode não favorecer o crescimento ideal, devido ao índice insuficiente de nutrientes nessas crianças.5 Neonatos prematuros nascem em um período de desenvolvimento significativo dos órgãos e estão em risco de deficiência de nutrientes essenciais e fatores tróficos que promovem o crescimento e o desenvolvimento do cérebro, como o uso de ácidos graxos poli‐insaturados de cadeia longa e possivelmente outros.6 Sem o fortificante, as crianças prematuras poderão ter retardo do crescimento, que tem sido associado com o neurodesenvolvimento prejudicado.7 Portanto, tem sido recomendado que todos os neonatos prematuros com peso ao nascer<1.800 g devem receber leite materno fortificado, adicionar uma fortificação de nutrientes complementares, com foco em proteínas e minerais, e principalmente vitaminas, durante a estada na unidade de terapia intensiva neonatal para garantir o crescimento adequado.8 Esse fortificante recebeu diferentes componentes comercialmente disponíveis e produtos disponíveis de diferentes qualidades. Algumas unidades usam uma abordagem mais padronizada, ao passo que outras usam uma abordagem mais individualizada.9
A melhoria do resultado do neurodesenvolvimento e o uso de leite materno para crianças prematuras foram relatados em grandes estudos retrospectivos majoritariamente observacionais;10 uma análise mais recente não concluiu que houve melhoria do resultado do neurodesenvolvimento quanto ao uso de leite materno para crianças prematuras em suas metanálises.11 Contudo, nessa análise, os estudos incluídos não tinham muitas informações sobre o uso de fortificantes. Um estudo12 relatou um paradoxo entre neonatos prematuros com leite materno que crescem menos durante a internação em comparação com neonatos alimentados com fórmulas, porém com melhor neurodesenvolvimento nos primeiros anos de vida; contudo, o grupo amamentado apresentou maior peso ao nascer, apesar do controle de restrição de crescimento e da situação socioeconômica.
O uso de fortificantes no leite materno durante a estada na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) apresentou melhoria no crescimento em neonatos prematuros;12 contudo, estudos sobre resultados do neurodesenvolvimento de longo prazo não são conclusivos. Uma análise observou especificamente os efeitos de fortificantes no leite materno após a alta com relação ao desenvolvimento13 e não encontrou diferenças no resultado do neurodesenvolvimento.
Existem fortificantes de leite materno divulgados para uso em leite materno de neonatos prematuros;5 além disso, alguns hospitais usam fórmulas em pó para prematuros para fornecer minerais e outros nutrientes necessários para crianças prematuras. O custo dos fortificantes comercialmente disponíveis é alto, além dos problemas com uma possível contaminação ou o uso excessivo de fortificantes e os efeitos sobre a saúde no longo prazo.
Esse artigo de da Cunha et al.14 relata um ensaio clínico randomizado que usa uma fórmula em pó (Nestlé®, Vevey, Suíça) no leite materno em comparação com o leite materno sem suplementação em neonatos inferiores a 1.500 g após terem alta do berçário. Esse estudo tem diversos pontos fortes, como usar um modelo randomizado válido e avaliadores de desenvolvimento cegos em relação ao grupo de intervenção. Entretanto, existem variáveis que serão difíceis de controlar. Neonatos prematuros representam uma população heterogênea cujo cuidado nutricional poderá ter de ser cuidadosamente individualizado. Além disso, há uma grande variação entre o conteúdo do leite materno de uma mãe para outra. Embora tenha sido um estudo randomizado, o conteúdo do leite materno não foi analisado, portanto é possível uma grande variabilidade entre as diferentes mães incluídas no estudo. Se foram usados fortificantes de maior qualidade e suplementação de vitaminas e minerais do leite materno, os resultados poderão ter sido estatisticamente significativos entre os grupos.
Embora não descrito no estudo, podemos supor que os neonatos foram alimentados diretamente no peito e apenas crianças suplementadas receberam leite materno extraído por outros meios.
Este estudo aborda uma importante questão sobre se a fortificação do leite materno deve ser recomendada após a alta para neonatos prematuros pelas vantagens teóricas de mais proteína e conteúdo de nutrientes para melhorar os resultados de neurodesenvolvimento. Isso se torna particularmente importante em neonatos nascidos em prematuridade extrema com internação mais longa que poderão ter um déficit acumulado significativo de nutrientes antes da alta. É possível que, com diretrizes mais novas sobre fortificação durante a estada na UTIN, as crianças não estejam em desvantagem, como presumimos. Várias investigações são contínuas e visam à qualidade e duração da fortificação de leite materno. Além disso, a fortificação após a alta tem suas dificuldades, considerando o alto custo dos fortificantes com multicomponentes, talvez disponibilidade limitada e possível contaminação durante a mistura, principalmente em áreas com recursos limitados e, talvez, até mesmo desencorajando o aleitamento materno quando os neonatos estão em casa.
Resta‐nos a dúvida sobre se é necessário fortificar o leite materno para neonatos prematuros após a alta para melhorar os resultados de neurodesenvolvimento. Contudo, podemos ficar tranquilos com esse estudo: se existe uma indicação clínica para fotificação, isso não deve interferir no aleitamento materno exclusivo, método desejado de alimentação de prematuros considerando todas as vantagens que a aleitamento materno fornece.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.