To investigate the occurrence of sarcopenia in children and adolescents with chronic liver disease.
MethodsA series of cases, with patients aged 6‐19 years of both genders, who were treated in Liver Outpatient Clinics. Weight, height, muscle strength (assessed by manual grip strength), and muscle mass (estimated through dual‐energy X‐ray absorptiometry) were measured. Sarcopenia was diagnosed based on the simultaneous presence of muscle mass and muscle strength déficits, defined as the values below the mean for muscle mass and strength of the studied population, according to gender. A descriptive analysis (mean and standard deviation) was performed, and the difference of means was calculated by Student's t‐test.
ResultsA total of 85 patients were studied, mostly females (64.7%), with a mean age of 11.7 (SD=3.4) years. Sarcopenia was identified in 40% of the patients. Muscle strength déficit was found in 54.1% of the subjects, and 50.6% showed muscle mass déficit. The mean muscle mass for males was higher than that for females (6.07; SD=1.22kg/m2vs. 5.42; SD=1.10kg/m2; p=0.016). However, there was no significant difference in sex‐related muscle strength (male=0.85; SD=0.52 kgf/kgm2 and female=0.68; SD=0.30 kgf/kgm2; p=0.113).
ConclusionThe research findings identified that sarcopenia is a condition found in pediatric patients treated at a public referral institution for chronic liver disease.
Investigar a ocorrência de sarcopenia em crianças e adolescentes com hepatopatias crônicas.
MétodosSérie de casos, constituído por pacientes entre 6 e 19 anos, de ambos os sexos, acompanhados em ambulatórios de especialidade em hepatopatias. Foram feitas medidas de peso, altura, força muscular (avaliada pela força de preensão manual) e a massa muscular estimada a partir da absorciometria por dupla emissão de raios X. O diagnóstico de sarcopenia baseou‐se na presença simultânea de déficit de massa muscular e de força muscular. Adotaram‐se como déficit os valores abaixo da média para massa e força muscular da população estudada, segundo sexo. Realizou-se análise descritiva (média e desvio‐padrão), bem como a diferença de médias com o teste do t de Student.
ResultadosForam estudados 85 pacientes, a maioria do sexo feminino (64,7%), com média de 11,7 (DP=3,4) anos. A sarcopenia foi identificada em 40% dos pacientes, 54,1% apresentaram déficit de força muscular e 50,6% déficit de massa muscular. A média da massa muscular para o sexo masculino foi maior do que no feminino (6,07; DP=1,22kg/m2 vs 5,42; DP=1,10kg/m2; p=0,016). No entanto, não houve diferença significante para força muscular com relação aos sexos (masculino=0,85; DP=0,52 kgf/kgm2 e feminino=0,68; DP=0,30 kgf/kgm2; p=0,113).
ConclusãoOs achados da pesquisa identificaram que a sarcopenia é uma condição presente em pacientes pediátricos atendidos em uma instituição pública de referência para doença hepática crônica.
A doença hepática crônica (DHC), em pacientes pediátricos, é acompanhada por declínio estrutural e funcional progressivo do fígado, decorrente da fibrose e posterior necrose hepatocelular.1 Dessa forma, o controle e o tratamento das complicações associadas à DHC, principalmente em estágios avançados da doença, permanecem como alicerces da terapia, na população pediátrica, uma vez que o transplante hepático, tratamento mais eficaz, nem sempre é possível de ser feito.2
Nesse sentido, além do acompanhamento dos parâmetros da função hepática, a avaliação do estado nutricional, principalmente da composição corporal, representa uma medida extremamente importante. Essa avaliação permite mensurar a adiposidade e a massa muscular esquelética,3 identificar alterações nutricionais, como a sarcopenia e a obesidade sarcopênica.4,5
A sarcopenia é uma síndrome caracterizada pela diminuição progressiva e generalizada da massa e força do músculo esquelético.6 Embora tradicionalmente seja uma condição relacionada ao envelhecimento, pesquisadores7,8 demonstraram que pacientes pediátricos podem desenvolver essa condição. Assim, seu diagnóstico é importante na avaliação e acompanhamento de pacientes com DHC, uma vez que a perda de massa magra está associada ao mau prognóstico, tanto no pré como no pós‐transplante.9,10
A patogênese da sarcopenia é multifatorial, mas pode estar relacionada à síntese proteica diminuída, ao catabolismo acelerado na insuficiência hepática e à redução da atividade física que acompanha pessoas com doença crônica.11
Para o diagnóstico de sarcopenia, recomenda‐se que o déficit de massa muscular6 seja mensurado por tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) ou absorciometria por dupla emissão de raios X (DXA). Esse último é um método especialmente bem usado no paciente pediátrico.6 Outros métodos, como a bioimpedância4,6 e a antropometria,3,6 podem ser usados como opção para mensurar a massa muscular, uma vez que os métodos considerados padrão‐ouro são mais caros. Por outro lado, para mensurar a força muscular, estudos recentes desenvolvidos em adultos cirróticos12,13 e crianças saudáveis e hospitalizadas14,15 demonstram que a força máxima de preensão manual (FPM), medida pela dinamometria manual (DM), é considerada um marcador útil da massa muscular esquelética, com valor prognóstico nessas populações.
A sarcopenia é um novo conceito em pediatria e essa temática está pouco explorada na literatura, principalmente em crianças e adolescentes com hepatopatia crônica. Na literatura consultada, são poucos os estudos7,8 que avaliaram a sarcopenia na população pediátrica e os autores usaram como critério diagnóstico apenas o déficit de massa muscular avaliado pela TC. O presente trabalho objetivou investigar a ocorrência de sarcopenia por meio da avaliação da massa e força muscular em pacientes pediátricos, atendidos em ambulatórios de referência para DHC em Salvador, Bahia.
MétodosSérie de casos, parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada Hepatopatia crônica em crianças e adolescente: parâmetros de avaliação nutricional e composição corporal, feita em pacientes pediátricos com DHC, acompanhados em ambulatórios de tratamento clínico (ATC) e de transplantados (AT), do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica, Complexo Hospitalar Professor Edgard Santos (C‐Hupes), da Universidade Federal da Bahia (UFBA, Brasil), feito de fevereiro de 2016 a março de 2017.
Participaram do estudo maior 194 pacientes. No entanto, foram elegíveis para o presente estudo aqueles entre 6 e 19 anos, de ambos os sexos, com ou sem cirrose, que preencheram os critérios necessários para feitura da DXA do corpo inteiro e da DM. Crianças menores de 6 anos apresentam dificuldade de manter‐se em decúbito pelo tempo necessário para feitura da DXA16 e também devido à dificuldade de identificação da mão dominante,17 por isso não fizeram parte do presente estudo. Os pais e/ou responsáveis que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; e os adolescentes assinaram o Termo de Assentimento. Incluíram‐se pacientes com as seguintes etiologias: atresia biliar, cisto de colédoco, colangite esclerosante, síndrome de Alagille, hepatite autoimune/HAI, hepatite viral, Alfa1 antitripsina, doença de Wilson, lipase ácida lisossômica LAL‐D, Niemann Pick, tirosinemia, glicogenoses. Excluíram‐se pacientes com síndromes genéticas, paralisia cerebral, doenças neurológicas ou osteoarticulares, concomitância com outras doenças crônicas, membros amputados, patologia anterior ou presente nos membros, história de trauma prévio ou com atraso no desenvolvimento motor.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do C‐Hupes da UFBA, sob o parecer n° 1.360.091/2015, e executado de acordo com a Resolução N°466/2012/Conep/CNS/MS.
Informações sobre idade, sexo, procedência, dados clínicos, como diagnóstico da DHC, biópsia hepática, uso de corticoide, foram coletadas do prontuário do paciente. Para os adolescentes, o estágio de maturação sexual foi avaliado por pediatras e, posteriormente, foram classificados em pré‐púberes (masculino: estágios de maturação sexual 1 e 2; feminino: estágio1), púberes (masculino: estágio 3; feminino: estágio 2) e pós‐púberes (estágios 4 e 5 em ambos os sexos), de acordo com o estágio de maturação sexual proposto por Tanner.18
Medidas antropométricas e da força preensão manual foram feitas durante a consulta, nos ambulatórios por nutricionistas treinadas. Os participantes foram categorizados nas seguintes faixas etárias: < 10 anos; ≥ 10 e ≤ 14 anos e >14 anos.
Dados antropométricos: as técnicas adotadas para aferição do peso e da altura foram as sugeridas pelo Manual de Orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).19 Calculou‐se o índice de massa corporal (IMC)20 e adotou‐se a classificação do estado nutricional antropométrico, segundo recomendações do Sisvan (Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) 2011,21 adaptados da World Health Organization (2007),20 considerando o IMC para idade (IMC/I): magreza (Escore‐z <‐2); eutrofia (Escore‐z ≥ ‐2 e ≤ +1), sobrepeso (Escore‐z ≥ +1 e < +2) e obesidade (Escore‐z ≥ +2).
Força de preensão manual: foi avaliada com o dinamômetro manual da marca Jamar© e expressa em quilogramas/força (kg/f). O participante se posicionou sentado em uma cadeira, sem apoio para os braços, com os pés totalmente apoiados no chão, com quadril junto ao encosto da cadeira. O braço permaneceu paralelo ao corpo, ombro aduzido, cotovelo fletido a 90° e antebraço em posição neutra, punho entre 0° a 30° de extensão e 0° a 15° de desvio ulnar.22 Devido às suas características ergonômicas, foi possível ajustar o dinamômetro para o tamanho da mão da criança e do adolescente. Foram feitas três mensurações consecutivas, alternadas entre o lado dominante e não dominante, com intervalo mínimo de um minuto entre elas e o maior valor foi usado como o valor máximo da FPM, independentemente da dominância. A fim de ajustar as mudanças na maturação e no tamanho do corpo dos pacientes, foi calculada a força de preensão manual relativa da seguinte forma: força de preensão manual relativa (FPMr) = FPM final (FPMF)/IMC.14
Análise da absorciometria por dupla emissão de raios X (DXA): esse exame foi feito em uma clínica especializada, por médico experiente no procedimento. A composição corporal foi estimada por DXA (GE Lunar Prodigy DPX‐NT), com o software GE, ajustado para determinar o índice de composição corporal. Os participantes ficaram em decúbito dorsal, com a bexiga vazia e sem objetos de metal e outros itens que pudessem interferir na análise (inspeção, leitura, varredura), conforme procedimento recomendado pela Sociedade Internacional para Densitometria Clínica (ISCD).16
Fez‐se uma DXA de corpo inteiro para medir a massa muscular esquelética apendicular (ASM), juntamente com a informação de sexo, idade e altura. A massa muscular dos quatro membros (braços + pernas), definida como ASM,23 foi fornecida pelo software GE da DXA. A partir da ASM, calculou‐se o índice de músculo esquelético (SMI), ajustado para altura quadrática (SMI = ASM/altura2).23
Diagnóstico de sarcopeniaPara o diagnóstico de sarcopenia, considerou‐se a presença simultânea de déficit de massa muscular (MM) e de força muscular (FM).6 Para o déficit de massa e força muscular, foram considerados valores de SMI e FPMr menores do que a média da população estudada.24
Análise estatísticaOs dados foram digitados no programa EpiData (versão 3.1) e as análises foram efetuadas no pacote estatístico R (versão 3.5.1). Foi feita análise descritiva (média e desvio‐padrão), bem como a diferença de médias, com o teste t de Student. A normalidade das variáveis SMI e FPMr, de acordo o sexo, foram testadas pelo teste de Shapiro‐Wilk. Para variáveis categóricas, foram calculadas as frequências relativas e absolutas e foi feito teste do qui‐quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher. Considerou‐se nível de significância de 5% (p < 0,05).
ResultadosForam incluídos no estudo 85 pacientes; a maioria era do sexo feminino 64,7% (55/85), com média de 11,7 (DP = 3,4) anos, 70,6% (60/85) adolescentes. Desses, 71,7% (43/60) encontravam‐se no estágio púbere de maturação sexual e 15% (9/60) no estágio pós‐púbere.
Das etiologias apresentadas pelos pacientes, a atresia biliar 28,2% (24/85) foi a causa mais frequente das DHC, seguida da hepatite autoimune 21,2% (18/85). Dos 28 pacientes (32,9%) que apresentaram cirrose pelo exame histopatológico, 23 foram classificados como Child‐Pugh A (82,1%), quatro como B (14,3%) e um como C (3,6%) e nenhum paciente apresentou edema e/ou ascite no momento da avaliação.
A média do SMI no sexo masculino foi significantemente maior do que no sexo feminino (6,07; DP = 1,22kg/m2vs. 5,42; DP = 1,10kg/m2; p = 0,016). No entanto, não houve diferença estatística significante com relação à FPMr entre os sexos (0,85; DP = 0,52 kgf/kgm2vs. 0,68; DP = 0,30 kgf/kgm2; p = 0,113).
A tabela 1 apresenta a diferença de média segundo a faixa etária e o sexo, para o IMC, massa muscular e força de preensão manual absoluta e relativa dos pacientes.
Diferença de média por sexo do IMC, massa muscular e da força de preensão manual, de acordo faixa etária, de pacientes pediátricos atendidos em ambulatórios de referência para doença hepática em Salvador, Bahia, 2017
Faixa etária (anos) | n | IMC (kg/m2) | ASM (kg) | SMI (kg/m2) | FPMF (kgf) | FPMr (kgf/kgm2) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | pa | Média (DP) | pa | Média (DP) | pa | Média (DP) | pa | Média (DP) | pa | ||
<10 | 0,995 | 0,015 | 0,069 | 0,617 | 0,795 | ||||||
Masculino | 6 | 16,5 (1,02) | 8,7 (1,23) | 5,5 (0,95) | 6,8 (3,20) | 0,4 (0,18) | |||||
Feminino | 19 | 16,5 (3,09) | 6,9 (1,52) | 4,6 (1,04) | 6,3 (2,13) | 0,4 (0,15) | |||||
≥10 e ≤14 | 0,574 | 0,636 | 0,564 | 0,749 | 0,803 | ||||||
Masculino | 15 | 20,0 (3,62) | 12,7 (3,47) | 5,9 (1,11) | 15,5 (7,79) | 0,81 (0,45) | |||||
Feminino | 29 | 20,7 (3,62) | 13,1 (2,69) | 5,8 (0,96) | 16,2 (5,60) | 0,78 (0,24) | |||||
>14 | 0,899 | 0,22 | 0,302 | 0,311 | 0,27 | ||||||
Masculino | 8 | 21,7 (4,92) | 17,6 (4,55) | 6,7 (1,45) | 27,7 (13,27) | 1,3 (0,57) | |||||
Feminino | 8 | 22,0 (3,81) | 15,0 (3,39) | 6,1 (0,64) | 22,2 (6,56) | 1,0 (0,24) |
ASM, massa muscular esquelética apendicular; FPMF, força de preensão manual final; FPMr, índice de força de preensão manual relativa; IMC, índice de massa corporal; SMI, índice de músculo esquelético.
Dados expressos em média (DP).
Foi identificado que a ASM e a FPMF aumentaram com o avançar da idade, em ambos os sexos. No entanto, para o sexo masculino, a diferença na média, tanto da ASM quanto FPMF, foi significante, apenas ao comparar as faixas etárias < 10 com ≥ 10 e ≤ 14 anos (p = 0,001, p = 0,002, respectivamente). Para as faixas etárias ≥ 10 e ≤ 14 anos com > 14 anos, houve diferença estatisticamente significante apenas para FPMF (p = 0,011). No sexo feminino, foi encontrada diferença significante para ASM entre as faixas < 10 com ≥ 10 e ≤ 14 anos (p = 0,000). Para a FPMF, houve diferença significante entre as faixas etárias < 10 com ≥ 10 e ≤ 14 anos (p = 0,000) e entre ≥ 10 e ≤ 14 com > 14 anos (p = 0,013).
A frequência de sarcopenia foi identificada em 40% (34/85) dos pacientes. Ao avaliar individualmente as variáveis que caracterizam a sarcopenia, foi identificado que 54,1% (46/85) dos pacientes apresentaram déficit de força muscular (FPMr) e 50,6% (43/85), déficit de massa muscular (SMI).
A tabela 2 apresenta as características demográficas, clínicas, antropométricas e de composição corporal dos pacientes segundo presença ou ausência de sarcopenia. Vale ressaltar que entre os pacientes com sarcopenia em uso de corticoide, nenhum apresentou sobrepeso ou obesidade. (Dados não apresentados na tabela).
Características demográficas, clínicas, antropométricas e de composição corporal segundo presença ou ausência de sarcopenia de pacientes pediátricos, atendidos em ambulatórios de referência para doença hepática em Salvador, Bahia, 2017
Variáveis | Sarcopênicos | Não sarcopênicos | p valorc | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Sexo | 0,262 | ||||
Masculino | 14 | 41,2 | 15 | 29,4 | |
Feminino | 20 | 58,8 | 36 | 70,6 | |
Faixa etária (anos) | 0,000 | ||||
< 10 anos | 19 | 55,9 | 6 | 11,8 | |
≥ 10 anos | 15 | 44,1 | 45 | 88,2 | |
Desenvolvimento puberal | 0,019d | ||||
Pré‐púbere | 5 | 33,3 | 3 | 6,7 | |
Púbere + Pós‐púbere | 10 | 66,7 | 42 | 93,7 | |
Uso de corticoide | 1,0 | ||||
Sim | 6 | 17,6 | 9 | 17,6 | |
Não | 28 | 82,4 | 42 | 82,4 | |
Cirrose | 0,572 | ||||
Sim | 10 | 29,4 | 18 | 35,3 | |
Não | 24 | 70,6 | 33 | 64,7 | |
Estado antropométrico (IMC/I) | 0,472 | ||||
Magreza + Eutrofiaa | 27 | 79,4 | 37 | 72,5 | |
Sobrepeso + Obesidadeb | 7 | 20,6 | 14 | 27,5 | |
Força muscular (FPMr) | 0,000 | ||||
Baixa | 34 | 100 | 12 | 23,5 | |
Adequada | 0 | 0 | 39 | 76,5 | |
Massa muscular (SMI) | 0,000 | ||||
Baixa | 34 | 100 | 9 | 17,6 | |
Adequada | 0 | 0 | 42 | 82,4 |
IMC/I, índice de massa corporal para idade.
Este artigo identificou que a sarcopenia é uma condição presente entre crianças e adolescentes com DHC, atendidos em uma instituição pública de referência para essa doença, na cidade de Salvador, Bahia. Vale ressaltar que nos ambulatórios de tratamento clínico e de transplantados são assistidos pacientes com DHC, procedentes de todo estado da Bahia e de estados vizinhos, numa faixa etária na qual o crescimento, o desenvolvimento e, sobretudo, o estado nutricional e a massa muscular adequados são muito importantes.
Poucos estudos7,8 foram identificados com abordagem de sarcopenia em crianças e adolescentes com hepatopatias e os respectivos pesquisadores demonstraram ser a sarcopenia uma das complicações mais comuns nessa população, presumivelmente com piores resultados clínicos e nutricionais.
Os resultados do presente estudo evidenciaram que pacientes pediátricos com DHC apresentaram perda importante de massa e força muscular. Essa condição, consequentemente, pode resultar em comprometimento de múltiplos sistemas fisiológicos, além de afetar adversamente a qualidade de vida de crianças e adolescentes com DHC e de comprometer a sobrevida pós‐transplante, à medida que as reservas de massa e força muscular esquelética são perdidas.7,10,14
Estudo conduzido por Mangus et al.,7 na cidade de Indianapolis, IN, quantificou as reservas de massa muscular e de gordura corporal de 81 pacientes pediátricos com doenças crônicas em estágio final, por meio da tomografia computadorizada. Entre os 35 pacientes que cursavam com insuficiência hepática, 23,0% apresentaram redução da massa muscular, frequência menor do que a encontrada no presente estudo (50,6%). Essa diferença pode ser justificada, pois os pontos de corte usados por Mangus et al.7 são apresentados a partir do SMI em cm2/m2, enquanto, no presente estudo, o SMI foi apresentado em kg/m2; também, possivelmente, porque o diagnóstico de sarcopenia envolve outros critérios, como a diminuição da força muscular e/ou desempenho físico, e não apenas a massa muscular.6 Além disso, a frequência da sarcopenia pode variar amplamente entre os estudos, tanto na população idosa, adulta, quanto a pediátrica, a depender do sexo do paciente, estágio da doença, critério aplicado para diagnosticar a sarcopenia e os pontos de corte usados.2,4–6,11,14,24–26
Dentro da amostra avaliada no presente estudo, a maioria dos pacientes diagnosticados com sarcopenia pertencia ao sexo feminino. Essa maior frequência pode ser justificada pelo fato de a maioria dos pacientes ser eutrófica e Child‐Pugh A, portanto sem comprometimento significativo do metabolismo hormonal (testosterona)11 e, possivelmente, porque o sexo masculino também dispõe de uma maior quantidade de testosterona, hormônio responsável pelo crescimento muscular.27 Além disso, culturalmente, por os meninos terem atividade física mais vigorosa do que as meninas.28 No entanto, vale ressaltar que os níveis de testosterona declinam com a disfunção hepática e podem não estar associados à sarcopenia nessa população.11
Com relação ao estado antropométrico, identificou‐se que a maioria dos pacientes com sarcopenia apresentou eutrofia e a magreza esteve presente em poucos pacientes, de acordo o IMC/I. Esse índice não é um bom parâmetro para investigar o estado antropométrico, uma vez que avalia a massa corporal total sem considerar a distribuição dos compartimentos corporais, o que pode não refletir o real estado antropométrico dos pacientes pediátricos com DHC.1,7,8
No entanto, apesar de o déficit nutricional comprometer a massa e força muscular, a alta frequência de sarcopenia identificada no presente estudo pode ser justificada pelo ganho de tecido adiposo, processo que pode acontecer como um mecanismo fisiológico compensatório da perda de massa magra.7 Vale ressaltar que uma condição denominada obesidade sarcopênica, ou seja, a presença simultânea do excesso de peso e sarcopenia, tem sido alvo de investigação, principalmente em pessoas com doenças crônicas.7
Também foi identificado que o aumento da ASM com relação à faixa etária foi mais acentuado para o sexo masculino, notadamente naquelas faixas etárias consistentes com o rápido acúmulo de massa muscular que ocorre na puberdade.27,28 Esses achados também foram identificados em estudos com crianças e/ou adolescentes saudáveis.4,5,25
O aumento da FPMF, identificado nos pacientes, também revelou diferenças significantes em relação aos sexos e entre algumas faixas etárias, especialmente no sexo masculino, o que corrobora os resultados dos estudos feitos em crianças brasileiras17 e na República Tcheca.14 Esse achado pode ter influência por estar associado ao início da puberdade, quando o aumento da força máxima de preensão manual entre os sexos pode ser distinto pela ação androgênica da testosterona28 e também pela diferença no aumento de força muscular que ocorre no sexo masculino durante o estirão do crescimento, em relação ao sexo feminino.28
Os valores encontrados para massa e força musculares absolutas e relativas nos pacientes avaliados, no presente estudo, foram menores do que aqueles identificados nos estudos feitos em crianças e adolescentes saudáveis,5,14,25,29 principalmente com relação à força muscular relativa.14,17 Essas descobertas reforçam a contribuição da presente pesquisa pela produção de dados informativos adicionais quanto aos valores referentes à massa e à força muscular esquelética dos pacientes pediátricos com DHC.
Optou‐se, neste estudo, por usar as medidas relativas da massa muscular (SMI) e da força muscular (FPMr) para o diagnóstico de sarcopenia, em vez das medidas absolutas (ASM;FPMF), de modo a ajustar as mudanças relacionadas ao processo de maturação e tamanho do corpo que ocorrem na faixa etária estudada.14
Devido à falta de consenso sobre a avaliação de sarcopenia e à ausência de critérios para população pediátrica, principalmente com DHC, no presente estudo foi adotada a recomendação do Grupo de Trabalho Europeu sobre Sarcopenia em Pessoas Idosas (EWGSOP),6 que considera a presença simultânea de déficit de massa e força muscular esquelética para diagnosticar sarcopenia. Vale ressaltar que também não há um ponto de corte padrão para avaliação das variáveis necessárias ao diagnóstico de sarcopenia, em pacientes pediátricos hepatopatas, e que os estudos disponíveis em populações distintas usaram diversos pontos de corte. Assim, no presente estudo, foi usado o protocolo proposto por Amparo et al.,24 o qual estudou indivíduos adultos com doença crônica e adotou valores abaixo da média da população estudada, para considerar o déficit de massa e de força muscular esquelética.
Embora a sarcopenia seja uma condição que esteja, principalmente, associada à população idosa, resultados de estudos evidenciaram que essa condição pode ser identificada na população adulta2 e pediátrica,7,8 principalmente quando cursam com doenças crônicas.7,8 O presente estudo contribuiu com os dados para literatura da área, ao identificar que a sarcopenia é uma condição frequente em pacientes pediátricos com DHC, em acompanhamento ambulatorial.
Nesse sentido, a avaliação de sarcopenia pode representar uma ferramenta útil na avaliação do estado nutricional do paciente hepatopata pediátrico. Dessa forma, o déficit de massa e de força muscular possivelmente pode contribuir para avaliar a reserva proteica usada durante os períodos catabólicos, a fim de manter as necessidades nutricionais e a função corporal dos pacientes com DHC, especialmente em estágios avançados da doença.30
Acredita‐se que o comprometimento muscular também pode ser um indicador importante da gravidade da doença hepática e, dessa forma, o desenvolvimento de estudos futuros, nessa população, com o propósito de avaliar a possibilidade de adicionar a sarcopenia aos critérios prognósticos convencionais serão importantes, como marcador do estado nutricional.
Algumas limitações neste estudo merecem consideração. Primeiro, o tipo e tamanho da amostra não permitiram extrapolar os resultados para outras populações. Dessa forma, recomenda‐se que sejam feitos estudos posteriores com amostra probabilística e de tamanho maior. Outra limitação é a ausência de ponto de corte para classificar déficit de força e massa muscular em pacientes pediátricos com DHC.
No entanto, vale ressaltar a contribuição fornecida pelo presente estudo, enfatiza‐se que os resultados são os primeiros dados da massa e da força muscular esquelética, derivados da DXA e da DM, para ilustrar a variação relacionada ao sexo e à faixa etária da ASM, do SMI, da FPMF e do FPMr, assim como para estabelecer o diagnóstico de sarcopenia em pacientes pediátricos hepatopatas.
Conclui‐se que a sarcopenia foi identificada nos pacientes do presente estudo, é importante a sua avaliação.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Rezende IF, Conceição‐Machado ME, Souza VS, Santos EM, Silva LR. Sarcopenia in children and adolescents with chronic liver disease. J Pediatr (Rio J). 2020;96:439–46.
Study conducted at Complexo Hospitalar Professor Edgar Santos (C‐HUPES), Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia Pediátricas; and Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Ciências da Saúde, Programa de Pós‐graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas, Salvador, BA, Brazil.