To evaluate the number of asthma deaths and the temporal trend of the asthma‐specific mortality rate in children and adolescents up to 19 years of age in Brazil.
MethodsThis is an ecological time‐series study of asthma deaths reported in Brazil, in the population up to 19 years of age, between 1996 and 2015. The specific asthma mortality rate and its temporal trend were analyzed.
ResultsThere were 5014 deaths during the 20 years evaluated, with the majority, 68.1%, being recorded in children under 5 years of age. The specific asthma mortality rate ranged from 0.57/100,000 in 1997 to 0.21/100,000 in 2014, with a significant reduction of 59.8%. Regarding the place of death, 79.4% occurred in a hospital setting. In this sample, the adolescents had a 1.5‐fold higher chance of death out‐of‐hospital than children up to nine years of age. There was no significant difference in the temporal trend between the genders and no significant decrease in out‐of‐hospital deaths.
ConclusionsThis study found a temporal trend for a reduction in asthma deaths over 20 years in children and adolescents in Brazil. Mortality rates varied across the geographic regions of the country and were higher in the Northeast. The prevalence of deaths under 5 years of age may be associated with the greater vulnerability of this age group in low‐income countries. In adolescence, deaths outside the hospital environment are noteworthy. Asthma deaths are rare but unacceptable events, considering the treatable nature of the disease and the presence of avoidable factors in most of fatal outcomes.
Estimar o número de óbitos por asma e a tendência temporal da taxa de mortalidade por asma em crianças e adolescentes no Brasil.
MétodosEstudo ecológico de séries temporais em que foram avaliados os óbitos por asma ocorridos no Brasil entre 1996 e 2015, na população com até 19 anos. Foram analisadas a taxa de mortalidade específica por asma e a sua tendência temporal.
ResultadosOcorreram 5.014 óbitos, a maioria (68,1%) registrada em menores de cinco anos. Observou‐se uma oscilação da taxa de mortalidade específica por asma entre 0,57 e 0,21/100.000 habitantes, o que correspondeu a uma redução de 59,8% no período. Quanto ao local dos óbitos, 79,4% ocorreram em ambiente hospitalar. Nesta amostra o adolescente teve 1,5 vez mais chance de óbito por asma fora do ambiente hospitalar do que as crianças até nove anos. Não foi observada diferença significativa da redução da tendência temporal entre os sexos e dos óbitos fora do ambiente hospitalar.
ConclusõesHouve tendência temporal de redução da mortalidade por asma em crianças e adolescentes nos 20 anos avaliados. As taxas de mortalidade variaram nas diversas regiões geográficas do país, foram mais elevadas na Região Nordeste. O predomínio dos óbitos abaixo de cinco anos pode se associar a maior vulnerabilidade desse grupo em países de baixa renda. Na adolescência, ressaltam‐se óbitos fora do ambiente hospitalar. As mortes por asma são eventos inaceitáveis, considera‐se o caráter tratável da doença e a presença de fatores evitáveis na maioria dos desfechos fatais.
A asma afeta cerca de 334 milhões de pessoas em todo o mundo.1 Representa a doença crônica mais comum na infância e adolescência, compromete a qualidade de vida e associa‐se a absenteísmo escolar e parental ao trabalho.2,3 No Brasil foi estimada, entre adolescentes, a prevalência média de asma ativa em 18,5%.4
A doença pode ocasionar exacerbações, ataques ou crises agudas, que resultam em internações e, raramente, em mortes. O fardo social, emocional e econômico da doença é considerável. Estima‐se que ocorram 250.000 mortes em decorrência da asma a cada ano em todo o mundo. A taxa de mortalidade por asma é um bom indicador da qualidade da assistência, quando elevada relaciona‐se à má qualidade dos serviços prestados.1
A vigilância epidemiológica permite em âmbito populacional contribuir para a elaboração de estratégias e políticas públicas eficazes para o aprimoramento e melhoria da abordagem da doença e detectar precocemente surtos epidêmicos de asma fatal. Foram registrados dois surtos epidêmicos nas últimas décadas. O primeiro foi na década de 1960, com aumento de cerca de 50% das taxas de mortalidade por asma na faixa entre cinco e 34 anos e foi atribuído aos efeitos de altas doses de isoprenalina, um broncodilatador beta adrenérgico inespecífico. Essa medicação era amplamente usada como medicamento de resgate na asma aguda e apresentava efeitos tóxicos cardíacos. O segundo surto epidêmico ocorreu na década de 1980 e representou aumento de 38% nas taxas de mortalidade por asma na mesma faixa etária.5 Em 2016 foi descrita em Melbourne uma grande epidemia de crises agudas de asma relacionadas a uma forte tempestade com trovões e foram relatadas nove possíveis mortes por asma relacionadas a esse evento. Em outras regiões do mundo já foram descritos casos semelhantes, mas não tão letais.6
Os óbitos por asma são considerados eventos pouco frequentes, mas inaceitáveis, considerando‐se o caráter tratável da doença. O objetivo deste estudo foi avaliar os óbitos e a tendência temporal da taxa de mortalidade específica por asma (TMA) em crianças e adolescentes brasileiros segundo o sexo, faixa etária, região geográfica e local de ocorrência do óbito.
MétodosEstudo ecológico de séries temporais em que foram analisados os óbitos por asma ocorridos no Brasil entre 1996 e 2015, em crianças e adolescentes até 19 anos. Os dados foram coletados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus), órgão do Ministério da Saúde do Brasil. Foram ainda coletados dados da Coordenação Geral de Informações e Análises Epidemiológicas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade e dados de projeção populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, organização pública responsável pelos dados e estatísticas brasileiras.
A identificação das mortes foi feita pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), 10ª revisão, por meio dos códigos J‐45 (asma) e J‐46 (estado de mal asmático) registrados na declaração do óbito como causa básica da morte e oferecida pelo DATASUS a partir de 1996. A principal variável estudada foi a taxa de mortalidade específica por asma (TMA), que corresponde ao número de óbitos por asma em determinada população, dividido pelo número de habitantes e multiplicado por 100.000.
As variáveis intervenientes avaliadas foram o sexo, local de ocorrência do óbito (hospitalar ou fora do ambiente hospitalar: domicílio, via pública, outro estabelecimento de saúde, outros, ignorado), região geográfica (regiões Norte, Centro‐Oeste, Nordeste, Sul e Sudeste) e faixa etária (menor de 1 ano; 1‐4 anos; 5‐9 anos; 10‐14 anos e 15‐19 anos).
A análise de regressão linear simples foi feita para avaliar a tendência temporal de modificação da taxa de mortalidade por asma geral (TMA), por faixa etária, sexo, local do óbito e sua região geográfica de ocorrência, assim como os seus intervalos de confiança. Os coeficientes de mortalidade foram considerados variáveis dependentes (Y) e os anos‐calendários variáveis independentes (X). Foi considerada uma variável de forma centralizada (X‐2005) para evitar a autocorrelação entre os termos da equação. O modelo estimado foi Y= β0 + β1 (X‐2005), em que Y = coeficiente de mortalidade por asma, β0 = coeficiente médio no período, β1 = mudança média anual do coeficiente e X = ano‐calendário. A análise estatística usou o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17. Foram mensuradas a precisão e a qualidade do modelo pelo coeficiente de determinação (R2). Ressalta‐se que quanto mais próximo de 100% for a medida de R2, melhor e mais preciso é o modelo ajustado e quanto mais próximo de 0 (zero) for a medida de R2, pior e menos preciso é o modelo ajustado.
A associação entre duas variáveis do tipo categórica foi feita com o teste qui‐quadrado de Pearson. Todos os resultados foram considerados significativos para nível de significância (erro alfa) inferior a 5% (p < 0,05).
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da com o registro CAAE – 56856116.7.0000.5149.
ResultadosNo Brasil ocorreram 5.014 óbitos por asma em crianças e adolescentes até 19 anos, entre 1996 e 2015, a maioria (68,1%) foi entre menores de cinco anos. Houve predomínio geral de óbitos no sexo masculino (51,3%), estatisticamente significativo (p < 0,001) em menores de cinco anos (52,5%) e entre cinco e nove anos (53,9%). Entre os adolescentes de 10 a 19 anos, o predomínio foi do sexo feminino (53,7%).
A tabela 1 mostra a distribuição dos óbitos por asma em relação à faixa etária, local de ocorrência e região do Brasil. Observa‐se que 79,4% aconteceram em ambiente hospitalar e 20,6% fora do ambiente hospitalar (domicílio, via pública, outro estabelecimento de saúde, outros, ignorado). Em relação às mortes ocorridas fora do hospital, foi observada variação estatisticamente significativa entre as faixas etárias (p < 0,001), mais frequentes entre os adolescentes de 10 a 19 anos (26,4%) do que nas outras faixas etárias (16,5%, 19,8% e 21,7% em < 1 ano, 1‐4 anos e 5‐9 anos, respectivamente). Os adolescentes apresentaram 1,5 vez mais chance de óbito por asma fora do ambiente hospitalar do que uma criança com até nove anos, razão das chances = odds ratio = OR = 1,5 (IC de 95% [1,3; 1,8]). Foi identificada a predominância dos óbitos em crianças de um a quatro anos, em todas as regiões brasileiras. O maior número de óbitos ocorreu na região Nordeste (1.958, 39% dos óbitos totais). Nas regiões Norte e Nordeste o número de óbitos em crianças de um a quatro anos foi maior do que nas demais regiões, com significância estatística (p < 0,001). Entre os adolescentes, o percentual de óbitos foi significativamente maior nas regiões Sul, Centro‐Oeste e Sudeste do que nas regiões Norte e Nordeste.
Distribuição dos óbitos por asma de acordo com a faixa etária, local de ocorrência e região do Brasil em crianças e adolescentes até 19 anos, Brasil, de 1996 a 2015
Faixa etária | TOTAL | |||||
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< 1 ano | 1 a 4 anos | 5 a 9 anos | 10 a 19 anos | |||
Local do óbito | ||||||
Hospitalar | n | 961 | 1.786 | 423 | 29 | 3.941 |
% | 83,5% | 80,2% | 78,3% | 73,6% | 79,4% | |
Não hospitalara | n | 190 | 442 | 117 | 276 | 1025 |
% | 16,5% | 19,8% | 21,7% | 26,4% | 20,6% | |
Região do Brasil | ||||||
Norte | n | 126 | 238 | 55 | 49 | 468 |
% | 26,9% | 50,9% | 11,7% | 10,5% | 100,0% | |
Nordeste | n | 452 | 1.036 | 182 | 288 | 1.958 |
% | 23,1% | 52,9% | 9,3% | 14,7% | 100,0% | |
Sul | n | 142 | 250 | 80 | 192 | 664 |
% | 21,4% | 37,7% | 12,0% | 28,9% | 100,0% | |
Sudeste | n | 393 | 645 | 198 | 461 | 1.697 |
% | 23,1% | 38,0% | 11,7% | 27,2% | 100,0% | |
Centro‐Oeste | n | 48 | 86 | 30 | 63 | 227 |
% | 21,1% | 37,9% | 13,2% | 27,8% | 100,0% | |
Total | n | 1.161 | 2.255 | 545 | 1.053 | 5.014 |
% | 23,1% | 45,0% | 10,9% | 21,0% | 100,0% |
A TMA em crianças e adolescentes até 19 anos, no Brasil, variou entre o máximo de 0,57 óbito/100.000 habitantes em 1997 e o mínimo de 0,22/100.000, em 2014 e 2015. A tabela 2 mostra a TMA por ano, por distribuição etária e região do Brasil. As TMAs mais elevadas ocorreram em menores de cinco anos e na Região Nordeste em quase todo o período, exceto em 1997, 1998, 2010 e 2013.
Taxa de mortalidade por asma geral, por faixa etária e por região geográfica do Brasil em crianças e adolescentes brasileiros, de 1996 a 2015 (para cada 100.000 habitantes)
Faixa etária (anos) | Região geográfica do Brasil | |||||||||
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Ano do óbito | Geral | < 1 ano | 1 a 4 | 5 a 9 | 10 a 19 | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro‐Oeste |
1996 | 0,3029 | 0,1360 | 1,2005 | 0,4219 | 0,3175 | 0,2532 | 0,3591 | 0,2958 | 0,2997 | 0,1649 |
1997 | 0,3330 | 0,1611 | 1,4070 | 0,4680 | 0,2677 | 0,2136 | 0,4015 | 0,3016 | 0,4345 | 0,2008 |
1998 | 0,2962 | 0,1339 | 1,2786 | 0,3860 | 0,2432 | 0,3000 | 0,2767 | 0,2515 | 0,4645 | 0,3403 |
1999 | 0,3014 | 0,0981 | 1,3947 | 0,5600 | 0,2819 | 0,2876 | 0,3658 | 0,2594 | 0,2947 | 0,2727 |
2000 | 0,2944 | 0,1158 | 1,4196 | 0,5779 | 0,2152 | 0,3169 | 0,3791 | 0,2524 | 0,2800 | 0,0947 |
2001 | 0,2997 | 0,1340 | 1,3083 | 0,6737 | 0,1944 | 0,2491 | 0,3784 | 0,2759 | 0,2789 | 0,1539 |
2002 | 0,2912 | 0,1358 | 1,3757 | 0,4884 | 0,1794 | 0,2511 | 0,3742 | 0,2410 | 0,3212 | 0,1552 |
2003 | 0,2984 | 0,1321 | 1,4458 | 0,3457 | 0,2003 | 0,2090 | 0,3835 | 0,2254 | 0,4419 | 0,1617 |
2004 | 0,2380 | 0,0960 | 1,1407 | 0,4979 | 0,1519 | 0,1799 | 0,2934 | 0,2333 | 0,2459 | 0,0853 |
2005 | 0,3096 | 0,1242 | 1,4822 | 0,6050 | 0,2261 | 0,2423 | 0,3670 | 0,2857 | 0,3275 | 0,2373 |
2006 | 0,3144 | 0,1345 | 1,4784 | 0,6711 | 0,1940 | 0,2637 | 0,3921 | 0,2716 | 0,3496 | 0,1917 |
2007 | 0,2987 | 0,1124 | 1,4463 | 0,4943 | 0,2372 | 0,2971 | 0,3402 | 0,2744 | 0,3063 | 0,2148 |
2008 | 0,2443 | 0,0839 | 1,1029 | 0,7075 | 0,1784 | 0,2228 | 0,2917 | 0,2474 | 0,2534 | 0,0335 |
2009 | 0,2458 | 0,0938 | 1,1230 | 0,7658 | 0,1514 | 0,2410 | 0,2965 | 0,2467 | 0,2116 | 0,0809 |
2010 | 0,2589 | 0,0803 | 1,0561 | 0,6971 | 0,2473 | 0,2674 | 0,2836 | 0,2396 | 0,3112 | 0,1505 |
2011 | 0,1874 | 0,0579 | 0,8109 | 0,7042 | 0,1424 | 0,1374 | 0,2208 | 0,2027 | 0,1475 | 0,1179 |
2012 | 0,2238 | 0,0741 | 1,0722 | 0,6073 | 0,1853 | 0,1699 | 0,2581 | 0,2097 | 0,2607 | 0,1756 |
2013 | 0,2095 | 0,0590 | 0,8837 | 0,7789 | 0,1898 | 0,2274 | 0,2145 | 0,1864 | 0,2736 | 0,1735 |
2014 | 0,1891 | 0,0650 | 0,9337 | 0,6338 | 0,1385 | 0,1160 | 0,2417 | 0,1686 | 0,2039 | 0,1595 |
2015 | 0,1956 | 0,0560 | 0,9473 | 0,6430 | 0,1791 | 0,1211 | 0,2047 | 0,1931 | 0,3061 | 0,1322 |
A figura 1 evidencia a redução na taxa de mortalidade por asma ocorrida no país entre 1996 e 2015, com destaque para os menores de cinco anos. Observou‐se redução de 59,8% na TMA geral.
A tabela 3 apresenta a análise de regressão linear simples e observa‐se que a tendência temporal de redução da taxa de mortalidade foi estatisticamente significante para a maioria das categorias analisadas, exceto para a faixa de cinco a nove anos. Em relação ao local de ocorrência, constatou‐se significativa redução (coeficiente β = ‐0,016, IC 95% [‐0,018; ‐0,014]) dos óbitos em hospital, não foi demonstrada essa tendência para os óbitos fora do ambiente hospitalar. Quanto à tendência temporal da mortalidade nas diferentes regiões geográficas, apurou‐se significativa redução (p < 0,001) em todas as regiões, correspondeu à redução do número de óbitos de 66,6%, 62,2%, 58,4%, 43,5%, e 40,1%, respectivamente, para as regiões Sudeste, Norte, Nordeste, Centro‐Oeste e Sul.
Variação média anual das taxas de mortalidade por asma (TMA) geral e de acordo com as variáveis sexo, faixa etária, local de ocorrência e região do país, em crianças e adolescentes, 1996 a 2015
Estatísticas do modelo de regressão lineara | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variável | β | IC 95% (β) | R | R2 | R2 aj. | p |
Geral | ‐0,018 | (‐0,021; ‐0,016) | 0,968 | 0,938 | 0,934 | < 0,001 |
Sexo | ||||||
Masculino | ‐0,018 | (‐0,021; ‐0,015) | 0,948 | 0,899 | 0,894 | < 0,001 |
Feminino | ‐0,018 | (‐0,021; ‐0,016) | 0,964 | 0,930 | 0,926 | < 0,001 |
Faixa etária | ||||||
Menor 1 ano | ‐0,140 | (‐0,163; ‐0,117) | 0,951 | 0,904 | 0,898 | < 0,001 |
De 1 a 4 anos | ‐0,050 | (‐0,056; ‐0,044) | 0,970 | 0,941 | 0,938 | < 0,001 |
De 5 a 9 anos | 0,000 | (‐0,002; 0,003) | 0,099 | 0,010 | 0,000 | 0,677 |
De 10 a 19 anos | ‐0,004 | (‐0,006; ‐0,001) | 0,597 | 0,356 | 0,320 | 0,005 |
Local de ocorrência | ||||||
Hospital | ‐0,016 | (‐0,018; ‐0,014) | 0,969 | 0,938 | 0,935 | < 0,001 |
Não hospital | ‐0,002 | (‐0,003; 0,000) | 0,581 | 0,337 | 0,300 | 0,007 |
Região | ||||||
Norte | ‐0,015 | (‐0,021; ‐0,008) | 0,757 | 0,573 | 0,549 | < 0,001 |
Nordeste | ‐0,021 | (‐0,026; ‐0,016) | 0,910 | 0,827 | 0,818 | < 0,001 |
Sul | ‐0,018 | (‐0,022; ‐0,014) | 0,919 | 0,845 | 0,837 | < 0,001 |
Sudeste | ‐0,019 | (‐0,026; ‐0,011) | 0,783 | 0,613 | 0,592 | < 0,001 |
Centro‐Oeste | ‐0,011 | (‐0,019; ‐0,003) | 0,543 | 0,295 | 0,256 | 0,013 |
Base de dados: 20 casos.
β, coeficiente de regressão linear; IC 95% (β), intervalo de confiança de 95% de β; p, probabilidade de significância da análise de regressão linear; R, coeficiente de correlação da regressão linear; R2 aj., coeficiente de determinação ajustado; R2, coeficiente de determinação.
O presente estudo revela uma tendência temporal de redução da taxa de mortalidade por asma (TMA) em crianças e adolescentes brasileiros, corrobora o achado de outros estudos feitos em diferentes faixas etárias.7–10
A análise demonstrou que os óbitos em menores de cinco anos predominaram em todas as regiões, porém foram significativamente mais numerosos no Norte e Nordeste. A dificuldade de definir a doença antes dos cinco anos e nos idosos devido às comorbidades por vezes impossibilita a determinação da asma como causa básica do óbito e faz com que a maioria dos estudos sobre mortalidade por asma exclua crianças menores de cinco anos e adultos acima de 34 anos.11 Entretanto, no presente estudo, a maioria (68,1%) dos óbitos por asma acometeu crianças abaixo de cinco anos, 45% em crianças entre um e quatro anos, fato também observado em outro estudo brasileiro.8 Assim, consideramos essencial incluir essa faixa etária na nossa análise. As limitações metodológicas para um diagnóstico mais preciso não devem nos induzir a ignorar essa triste realidade, especialmente em países e regiões de baixa renda, onde esse grupo representa maior proporção da mortalidade por asma na infância e adolescência. As doenças respiratórias crônicas constituem um grande fardo para os serviços de saúde e mais de 80% das mortes por asma, em todo o mundo, ocorrem em países de baixa renda, sugere que existem subdiagnóstico, subtratamento e dificuldades de acesso aos cuidados necessários.12 Outros fatores contribuintes incluem a relutância em diagnosticar a asma em crianças pequenas, atraso no início do tratamento, prescrição de medicamentos com eficácia duvidosa e baixa escolaridade dos pais que interferem na adesão e na inaloterapia.13,14
Houve predomínio das mortes no sexo masculino em menores de um ano e naqueles entre cinco e nove anos. Já entre os adolescentes de 10 a 19 anos o predomínio foi do sexo feminino. As diferenças encontradas em relação ao sexo não são bem esclarecidas e podem refletir diferenças na incidência e prevalência da doença.15 No Brasil, um estudo sobre prevalência observou ligeira predominância do sexo masculino entre as crianças, assim como entre os adolescentes.16
No tocante ao local de ocorrência, é razoável supor que os casos de óbito fora do hospital podem significar dificuldade de acesso aos serviços de saúde e/ou subdiagnóstico e subtratamento da doença. A maioria dos óbitos (79,4%) ocorreu em ambiente hospitalar e a redução da TMA foi mais significativa nesse subgrupo. Entretanto, o número de mortes fora do ambiente hospitalar ainda é elevado (20,6%). Outros estudos brasileiros também demonstraram que a maioria das mortes por asma ocorre em hospitais, mas que as taxas de óbito domiciliar ainda permanecem elevadas.17,18
O maior risco do óbito por asma (OR) fora do ambiente hospitalar entre os adolescentes não pode ser explicado por este estudo. Mas sabe‐se que a asma nessa fase da vida apresenta risco de complicações. O desconhecimento, o subtratamento, a automedicação errática, juntamente com outras questões, como negação da gravidade da doença, má‐adesão, comportamentos de risco e fatores psicossociais são possíveis explicações.19
Numa visão mais rigorosa, pode‐se especular que as mortes por asma não deveriam ocorrer uma vez que é doença passível de tratamento. Os estudos estimam que a maioria dos desfechos fatais poderia ter sido evitada se os pacientes tivessem melhoria do seu manejo no ano anterior à morte.20,21 Os principais fatores de risco associados aos óbitos foram as falhas na percepção e no reconhecimento da gravidade da doença e de suas exacerbações, visitas frequentes aos serviços de urgência, insuficiência na educação e na adesão do paciente, sua família e/ou profissionais de saúde ao tratamento, uso excessivo de medicamentos broncodilatadores de curta duração e a administração dos broncodilatadores de longa duração em formulações isoladas, inexistência ou irregularidade de uso dos corticosteroides inalatórios, ausência de um plano de ação por escrito, tabagismo, presença de distúrbios psiquiátricos e emocionais e vulnerabilidade socioeconômica.22
Nos países desenvolvidos as mortes por asma em ambiente hospitalar são menos frequentes. Na Austrália, 60% dos óbitos ocorreram no domicílio.23 No Reino Unido, a maioria (75%) dos óbitos em crianças e adolescentes até 20 anos ocorreu antes da chegada ao hospital.20 É difícil inferir sobre a razão dessa diferença, mas cumpre destacar a importância da aplicação adequada de protocolos de tratamento de crise de asma para garantir a qualidade da assistência hospitalar.
A taxa de mortalidade por asma no Brasil tem tendência temporal à redução. De Souza‐Machado et al. identificaram redução da TMA de 1,68/100.000 habitantes em 1998 para 1,32/100.000 em 2009 e analisou conjuntamente todas as faixas etárias. Foi observada redução da mortalidade nas regiões mais desenvolvidas do país como o Sudeste, Sul e Centro‐Oeste e aumento nas regiões menos favorecidas: Norte (não estatisticamente significante) e Nordeste.7
Segundo Lotufo et al., a taxa de mortalidade foi maior em indivíduos brancos (0,25/100.000), seguido de pardos, negros e asiáticos (0,19, 0,05 e 0,01 por 100.000, respectivamente) e observou redução da tendência temporal da mortalidade de 1980 a 1992 e de 1997 a 2010 na faixa entre cinco e 34 anos.10
A análise da tendência da TMA, por Graudenz et al., feita na população geral e em duas faixas etárias específicas, até quatro e de cinco a 34 anos, revelou redução das taxas no período de 1980 a 2014.9
Finalmente, Priestsch et al. descreveram a TMA em crianças e adolescentes de até 19 anos e registraram significativo decréscimo no período avaliado em todos os grupos etários de 1980 a 2007. A maioria dos óbitos foi evidenciada em menores de cinco anos.8
A Associação Americana de Pneumologia, Epidemiologia e Estatística estima que a mortalidade e a hospitalização por asma reduziram desde 1999 nos Estados Unidos da América. Nas faixas de 1‐4 anos, 5‐14 anos e 5‐24 anos, foi, respectivamente, de 0,2, 0,3 e 0,4 por 100.000 habitantes.24 Nosso estudo registrou, em 2009, a TMA até 19 anos de 0,29 e de 1‐4 anos de 0,65 por 100.000 habitantes, dados superiores aos da investigação americana.
A tendência temporal da mortalidade por asma no grupo etário de cinco a 35 anos foi analisada em 46 países de 1993 a 2012. Foi estimada uma redução da mortalidade global por asma equivalente a 57%, porém não houve mudança significativa dos dados entre 2006 a 2012.11
Segundo o Global Burden of Disease, a mortalidade por asma tem diminuído significativamente em todo o mundo ao longo das últimas décadas. As taxas de mortalidade por asma em crianças em todo o mundo variam de 0,0 a 0,7 por 100.000 habitantes e são associadas à prevalência das formas graves da doença e taxas de hospitalização.5 O estudo notificou que a TMA em crianças e adolescentes brasileiros está dentro dos limites mundiais registrados,5 mas quando os dados são estratificados por faixa etária, nas crianças entre um e quatro anos a mortalidade foi mais elevada do que a relatada em estudo americano.21
Não foram investigadas as razões da tendência temporal de redução da mortalidade por asma. No entanto, é possível fazer algumas especulações. No período estudado, houve consistente redução geral da mortalidade na infância em todas as regiões brasileiras, decorrente do declínio da fecundidade, das intervenções públicas nas áreas de saúde, saneamento e melhoria da educação dos pais, entre outros aspectos. Ainda assim, os valores médios continuam elevados, sobretudo nas regiões Nordeste e Norte.25 A introdução de corticosteroides inalatórios para controle da doença é considerada um marco fundamental na redução da mortalidade por asma. É reconhecido que o aumento do uso desse medicamento reduz a hospitalização e as taxas de mortalidade.26 A experiência acumulada por todos os programas brasileiros de combate a asma tem sido usada como um dos pilares do controle da doença.27 A disponibilidade e oferta dos medicamentos ainda são heterogêneos, por vezes irregularmente distribuídos, insuficientes em diversas regiões do país e os profissionais de saúde podem não estar preparados para orientar a terapia inalatória.7
Uma limitação dos estudos ecológicos refere‐se ao uso de dados coletados em grupos populacionais, não foi possível inferir relações causais para explicar o aumento ou a redução da mortalidade.28,29 A codificação imprecisa da causa básica da morte devido à falta de conhecimento da história clínica pode levar à subnotificação e estimativa imprecisa das taxas. Não obstante as suas limitações, acredita‐se que o Datasus aprimora continuamente a sua base de dados e que suas informações são essenciais.18 Mesmo que tenha ocorrido subnotificação de óbitos por asma, não há por que acreditar que ela seja maior no período mais recente e que explique a tendência temporal à queda na TMA.
Nosso estudo usou uma única versão da Codificação Internacional de Doenças (CID‐10) e demonstrou que a tendência temporal da mortalidade por asma na infância e adolescência no Brasil foi de decréscimo em todas as idades avaliadas, exceto na faixa de cinco a nove anos, e foi mais significativa em menores de cinco anos, ao longo dos 20 anos avaliados. Constatou‐se o decréscimo na TMA em todas as regiões geográficas do país. Houve redução das mortes hospitalares, mas não se detectou redução da mortalidade fora do ambiente hospitalar. As mais altas taxas foram encontradas nas regiões Nordeste e Norte, refletiram possivelmente as iniquidades socioeconômicas que geram dificuldades no acesso e limitações na qualidade dos recursos de saúde disponíveis no país. Apesar da imprecisão e das dificuldades de diagnóstico da asma em menores de cinco anos, ficou demonstrada a maior vulnerabilidade dessa faixa etária e a necessidade de mais atenção e prioridade para ações de saúde. Na adolescência, ressalta‐se a maior ocorrência de óbitos fora do ambiente hospitalar, sinaliza a possibilidade de subestimar‐se a gravidade e a necessidade de tratamento. No Brasil, a mortalidade por asma ainda é alta e pode ocorrer prematuramente na infância e adolescência. Para evitar as mortes são necessários o planejamento e a implantação de estratégias coordenadas pelo Sistema Único de Saúde, com ênfase especial à formação dos profissionais da atenção básica e equipes de atendimento de emergência, uma vez que não há especialistas suficientes para atender à maioria dos casos de asma no país.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Pitchon RR, Alvim CG, Andrade CR, Lasmar LM, Cruz ÁA, Reis AP. Asthma mortality in children and adolescents of Brazil over a 20‐year period. J Pediatr (Rio J). 2020;96:432–8.
Estudo vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente, Belo Horizonte, MG, Brazil.