To analyze the main cause of the irresponsible use of antibiotics at the pediatric level in a very frequent, usually self‐limited, and typically viral condition: upper airway respiratory infections.
SourcesDifferent databases were searched using specific terms related to resistance to antibiotics, upper airway respiratory infections, and pediatrics patients.
Summary of the findingsEffectiveness varies depending on the place, the form of intervention, and the resources used. Multiple interventions appear to be more effective. The foundations of treatment are training in technical aspects and in communication skills for the prescribers, and having enough time for each patient; and training through the health clinic and the media for patients/parents. Deferred prescription and the use of rapid diagnostic tests in the primary care setting have been shown to be effective. A fluid relationship based on trust between clinicians and parents/guardians is one of the keystones.
ConclusionsAny project that seeks to be totally effective must include a health authority, which in addition to helping implement these measures, has the firm intention of drastically reducing the use of antibiotics in animals and in the environment, as well as favoring research into new antimicrobials.
Analisar a principal causa do uso irresponsável de antibióticos em nível pediátrico de doenças muito frequentes, normalmente autolimitadas e virais: infecções respiratórias das vias aéreas superiores.
FontesDiferentes bases de dados foram pesquisadas com termos específicos relacionados à resistência a antibióticos, infecções respiratórias das vias aéreas superiores e pacientes de pediatria.
Resumo dos achadosA eficácia varia, depende do local, da forma e dos recursos usados. As formas de múltiplas intervenções parecem mais eficazes. O treinamento em aspectos técnicos e habilidades de comunicação para médicos e tempo suficiente para cada paciente, além do treinamento por meio da clínica e da mídia para pacientes/pais, são a base da eficácia. Prescrições de uso posterior e testes de diagnóstico rápido no ambiente de cuidado primário mostraram ser eficazes. Uma relação de confiança entre médicos e pais ou responsáveis é uma das pedras angulares.
ConclusõesQualquer projeto que busque ser completamente eficaz deve incluir uma autoridade em saúde, que, além de ajudar a implantar as medidas nos pacientes, tem a sólida intenção de reduzir drasticamente o uso de antibióticos em animais e no meio ambiente, além de favorecer a pesquisa sobre novos antimicrobianos.
A resistência a antibióticos se tornou um dos problemas de saúde pública mais importantes em todo o mundo atualmente.1,2 Esse aumento, do qual estamos cientes desde, no mínimo, o fim do século XX, causou um movimento generalizado global que visa a limitar os efeitos potencialmente catastróficos projetados. A OMS definiu resistência antibiótica como a resistência de um micro‐organismo a um antibiótico ao qual era anteriormente sensível (Organização Mundial de Saúde, 2016).
A era de ouro dos antibióticos, quando novas moléculas apareciam todos os anos, chegou ao fim e o setor é visto como incapaz de incorporar novas moléculas que possam superar o surgimento de novas resistências.3–5As consequências da resistência antibiótica são difíceis de projetar, porém estima‐se que em 2050 essa será a causa de óbito de cerca de 10 milhões de pessoas e supostamente causará um enorme custo econômico.6 O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) calcula que a resistência antibiótica atualmente causa o óbito de 25.000 pessoas na Europa todos os anos e supostamente causa um custo de 1,5 bilhão de euros por ano.7
O surgimento de resistências a antibióticos é um problema complexo afetado por vários fatores:8 fatores ambientais, o próprio micro‐organismo e o uso de antibióticos em pessoas e animais, principalmente aqueles na cadeia de produção de alimentos.3,9 Chokshi et al.10 analisaram a contribuição para o desenvolvimento de resistências a antimicrobianos de acordo com os fatores socioeconômicos e políticos de diferentes países, extraídos dos dados das próprias agências de saúde dos países. A conclusão é que há muitos fatores envolvidos que diferem em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Deve‐se destacar que a pesquisa sobre novos antibióticos é escassa, se considerarmos a falta de incentivos da administração pública.
Em face da seriedade da situação, importantes mudanças têm ocorrido nos últimos anos, não somente em instituições de saúde, mas também nos mais altos níveis da política.
Em 2016, 193 chefes de Estado, em uma reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, comprometeram‐se a adotar uma estratégia comum para abordar as causas fundamentais desse problema a partir do ponto de vista do conceito “Saúde Única” (One Health)11 e a Organização Mundial da Saúde incluiu‐o entre as 10 maiores ameaças à saúde em seu plano estratégico geral quinquenal de 2019 (ht**tps://ww**w.who.int/es/emergencies/ten‐threats‐to‐global‐health‐in‐2019). A esperança surge por meio de alguns estudos que comunicaram uma alteração nas tendências e a estabilização do consumo nos últimos anos.12 Contudo, ainda há muito a ser feito e a situação atual permanece insustentável.
Vários fatores influenciam a administração de antibióticos em humanos, o que em última instância condiciona seu uso inadequado. Os fatores mais importantes incluem aqueles relacionados a médicos, outros se referem a pacientes/pais ou guardiões e até à própria sociedade.3,13,14 Além disso, quando falamos sobre uso inadequado de antibióticos, não nos referimos somente ao uso ou não de antibióticos em situações desnecessárias, mas também, quando necessário, ao uso de antibióticos de amplo espectro em vez dos mais adequados a cada patologia e com espectro mais estreito, com doses e períodos de tratamento incorretos.15 Os dois últimos aspectos foram identificados como de suma importância no desenvolvimento de resistências bacterianas. O uso de subdoses, como ocorre com o uso de antibióticos com prazo de validade vencido (fora da data) ou por meio da prescrição incorreta, está relacionado ao aumento de resistências.9 Uma duração prolongada do tratamento com antibióticos passa uma falsa segurança ao médico. Contudo, no passado, mostrou‐se que, em doenças frequentes, tratamentos curtos com antibióticos são igualmente eficazes sem qualquer efeito sobre as taxas de cura ou recidiva. Um tratamento curto melhora a adesão e diminui os efeitos colaterais e a resistência bacteriana.10 O ambiente de cuidado primário estima que 70‐80% das receitas médicas sejam para infecções das vias aéreas nas quais predomine uma etiologia viral.15
Entre as causas relacionadas a médicos, as mais importantes são a abordagem das incertezas (como medos, falta de conhecimento e erros de diagnóstico), a comunicação inadequada, a desvalorização da doença com relação ao sentimento dos pais ou a exigência percebida de pacientes, pais ou responsáveis.13,14,16
Ao fazer referência às pessoas enquanto população, bem como pacientes, o comportamento a respeito de antibióticos foi estabelecido, dependeu de diversas variáveis interligadas, como acesso a serviços, serviços médicos adequados e acesso a medicamentos, conhecimento sobre antibióticos e atitudes sociais. As informações e o conhecimento sobre o assunto podem não ser adequados a um importante percentual da população geral.1,3,8 Alguns pacientes interrompem o tratamento assim que se sentem clinicamente melhores e se automedicam quando passam por um quadro clínico semelhante àquele medicado com antibióticos.17
Esse problema é relevante principalmente em idades pediátricas. Antibióticos são os agentes terapêuticos mais usados nessa população,18 assim como na população geral, principalmente no cuidado básico,19,20 e os indicados em casos respiratórios representam mais de 70% das consultas com prescrições de antibióticos. As infecções do trato respiratório superior são as patologias mais frequentes, inclusive a gripe comum, a faringite, a otite e a sinusite. Esses processos são de etiologia viral ou, em muitos casos, autolimitados e, portanto, não exigem tratamento com antibióticos.20,21
Muitos estudos sugerem que aproximadamente metade dos antibióticos usados na pediatria tenha indicação, escolha da molécula e duração incorretos.3,22 Além disso, não são inócuos e podem provocar efeitos colaterais como diarreia, exantemas e vômito, que causaram mais de 140.000 visitas a serviços de emergência em 2008.23
Conforme enfatizado anteriormente, isso é especialmente verdadeiros nos primeiros anos de vida, principalmente em neonatos com menos de 2 anos,20 e no ambiente de cuidado primário, no qual a maioria dos processos nas vias aéreas superiores (gripe, faringite) tem etiologia viral.24 A etiologia viral desses processos, juntamente com o conhecimento de que o grupo A: Streptococcus normalmente não causa faringite em pacientes com menos de 3 anos, não torna necessário, na maior parte dos casos, o uso de antibióticos em neonatos nesse processo. A otite média aguda (OMA), diagnosticada com mais frequência, é, em muitos casos, autolimitada.25
O diagnóstico mais associado ao uso de antibióticos é o de OMA. É uma doença difícil de ser diagnosticada, principalmente nos dois primeiros anos de vida, quando os dados clínicos e a dificuldade de visualizar os tímpanos ajudam em alguns casos. Alguns autores acreditam ser uma doença diagnosticada em excesso.22,26 Em seu estudo, Alzahrani et al.21 examinaram os antibióticos usados em OMA e constataram que antibióticos de amplo espectro eram usados em até 41,2% dos casos – a doença era a principal causa da prescrição. Esses dados foram semelhantes àqueles encontrados em outro estudo anterior também feito nos EUA 10 anos antes. Uma situação semelhante foi constatada com a sinusite e ambos os diagnósticos aumentaram o risco de administração de antibióticos em comparação à faringite aguda. Nenhum desses dados causou resultados clínicos melhores.27
Por outro lado, além de melhorar o surgimento de resistências, os antibióticos exercem grande impacto sobre o microbioma. Esse é formado a partir do nascimento e suas fases mais críticas ocorrem na infância, principalmente durante os primeiros meses de vida. Alterações no microbioma causam alterações nas funções vitais e foram relacionadas, em estágios posteriores dessa população, a problemas de metabolismo, como obesidade,28 doenças autoimunes, como diabetes, artrite reumatoide e esclerose múltipla,29 ou alergias.30 A associação é mais próxima em idades mais baixas e com números mais altos de doses de antibióticos recebidas.20 A infância é um período crítico no desenvolvimento imunológico e metabólico e o uso de antibióticos poderá alterar esses processos.
Outro dado muito importante que mostra o amplo espaço para melhorias é a variabilidade entre diferentes países, áreas e profissionais quando são analisadas taxas de prescrição de antibióticos, se levarmos em consideração que isso não pode ser justificado somente por fatores sociais e sanitários.20,22,24,25,31 A causa dessa variabilidade também pode ser diversificada, relacionada a diferentes políticas de prescrição, diferentes sistemas de saúde, ao mercado farmacêutico, a fatores sociais, culturais e econômicos, porém, acima de tudo, relacionada aos próprios médicos,24 o que é de fato inaceitável. O estudo de Youngster et al.22 constatou uma diferença de até 7,5 vezes em um estudo feito em seis países na Europa, nos EUA e na Coreia com crianças com menos de 18 anos, divididas em quatro subgrupos, ao fazer referência ao grupo entre 0‐2 anos. Nossa experiência em um estudo feito em nossa região com crianças com 3 anos (dados não publicados) mostrou uma diferença de até sete vezes entre os médicos sem que fosse possível justificar esse fato por outros fatores e sem que os resultados fossem comprometidos em termos de saúde. Essas diferenças são qualitativas e quantitativas24 e normalmente coincidem com o pouco uso de antibióticos aliado ao melhor uso dos antibióticos administrados e com espectro mais estreito.22,24,32 Por exemplo, os Estados Unidos estão entre os países que usam a maior quantidade de antibióticos em crianças, mais que o dobro que o número em países com a Alemanha e os Países Baixos. Apesar da existência de guias clínicos elaborados pela Academia Americana de Pediatria (AAP) ou da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA), o uso da azitromicina está em segundo lugar em algumas patologias nas quais esse uso deve ser muito mais restrito.20 Portanto, é um excelente marcador de má prática de medicina e indica uma importante área de melhoria.24
Buscar neutralizar e reverter esse enorme problema também exige uma intervenção complexa que abrange todos os fatores envolvidos, a saber: acesso global a ferramentas para a prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento, para garantir que antibióticos existentes sejam usados de forma responsável e o favorecimento da pesquisa e do desenvolvimento de novas moléculas.33 Diferentes entidades, órgãos e governos, liderados pela OMS, trabalham para atingir o acesso global a todas as ferramentas de prevenção, diagnóstico e tratamento e para estimular a pesquisa sobre novos antibióticos, vacinas etc.34,35
Recentemente, diferentes intervenções foram estudadas e praticadas para influenciar os mais importantes agentes envolvidos no uso racional de antibióticos, os médicos, os pacientes e responsáveis e a sociedade em geral. Algumas intervenções atuam em um único fator, ao passo que outras ocorrem em vários fatores simultaneamente. Sempre analisaremos os fatores que considerarmos os mais importantes.
Sobre os médicosMuitas estratégias têm mostrado certo grau de eficácia, porém elas são inconsistentes no que diz respeito ao tempo e, além disso, perdem sua eficácia quando deixam de ser aplicadas.36
Wei et al.37 fizeram um estudo em pacientes ambulatoriais entre 2 e 14 anos de vários hospitais na província. A intervenção consistiu em treinar os médicos (revisar diretrizes e adestrar a prescrição), revisões mensais e breve treinamento fornecido aos cuidadores na clínica e previamente na sala de espera por meio de vídeos em um grupo de hospitais, sem envolver outro grupo semelhante. Eles obtiveram uma redução de 29% nas prescrições em apenas três meses no grupo de intervenção, em comparação ao grupo sem intervenção.
Outro estudo, feito por Gerber et al.,38 abordou a questão de se a intervenção para manejo antimicrobiano pode reduzir a prescrição errônea de antibióticos de amplo espectro para tratamento de infecções agudas do trato respiratório (IARTs) durante um ano após intervenções. As intervenções foram feitas em 162 pediatras e incluíram treiná‐los no assunto, além de auditoria e feedback de suas prescrições. Os principais resultados foram a mudança no comportamento de prescrição de antibióticos de amplo espectro para tratamento de sinusite aguda, faringite estreptocócica e pneumonia e a mudança na prescrição de antibióticos para tratamento de infecções virais. A proporção de crianças que receberam prescrição de antibióticos foi reduzida significativamente após as intervenções. Essa redução foi estatisticamente significativa para tratamento de pneumonia e foi encontrada a mesma tendência (embora sem atingir relevância estatística) para tratamento de sinusite aguda.
As intervenções de auditoria e feedback são aquelas que exigem o mínimo uso de recursos para ser implantadas.39 Há um benefício pequeno, porém estatisticamente significativo,39,40 embora, com relação à redução do uso de antibióticos, ainda não esteja claro.
Sobre os médicos e pais ou responsáveisA interação e o bom relacionamento de confiança entre o paciente, os pais e médicos são a base para as tentativas de redução do uso inapropriado de antibióticos. Diferentes trabalhos avaliaram as atitudes e o conhecimento dos pais e, embora seja verdade que alguns pais têm o conceito errado sobre quais doenças exigem o uso de antibióticos,1,11 não é menos verdade que eles somente querem que sejam usados se de fato necessário,41 porém ficam insatisfeitos quando os médicos minimizam a importância dos sintomas de seus filhos, não se solidarizam com os problemas dos pais e deixam de oferecer uma opção.1,42,43
Nessa interação entre os pais e os médicos, esses percebem uma pressão sem ressalva dos pais para a prescrição de antibióticos e o relacionamento entre eles é prejudicado caso isso não aconteça.12,13,44 De fato, a satisfação dos pais parece estar mais relacionada à qualidade da comunicação do que com o uso ou não dos antibióticos em um caso específico.12,13,44
No caso de crianças, sobretudo nas mais jovens, a atitude dos pais e seu conhecimento sobre o uso de antibióticos são um dos fatores mais importantes. Bosley et al.1 fizeram uma análise sistemática para saber os fatores que podem influenciar a atitude dos pais com relação ao uso de antibióticos em seus filhos.
Os autores encontraram uma grande variabilidade na extensão e na qualidade do conhecimento e no relacionamento‐comunicação com seus médicos e destacaram que a falta de conhecimento sobre seu uso, o relacionamento entre os médicos e pais em geral e, em cada caso, em especial o manejo de cada doença e as experiências anteriores são fatores muito influentes. Deve haver um relacionamento de confiança, com mensagens claras que podem ser facilmente entendidas, e os pais não devem sentir que seu médico não dá atenção à doença de seu filho.
O nível de conhecimento foi maior em países desenvolvidos e o uso de antibióticos foi relacionado ao nível de escolaridade e à idade e ansiedade dos pais.1
Mangione et al.44 estudaram a satisfação dos pais com base em sua comunicação com seus pediatras. A existência de mensagens positivas (medicação sintomática), mais mensagens negativas (os motivos pelos quais antibióticos não foram prescritos) mais a existência de um plano de contingência (acompanhamento) aumentou notavelmente a aceitação e satisfação dos pais e facilitou a redução do uso injustificado de antibióticos.
Cantarero et al.9 fizeram uma análise sistemática com o objetivo de descrever as características do conhecimento dos pais sobre o uso de antibióticos em infecções respiratórias, a atitude com relação a seu médico e seu comportamento quando seu filho sofre de uma infecção. Seu objetivo foi responder as perguntas quanto ao fato de se há uma relação entre o grau conhecimento e uso criterioso de antibióticos e quais são os fatores sociodemográficos associados ao uso de antibióticos nessas infecções. Eles constataram que o conhecimento dos pais sobre o uso de antibióticos afeta sua atitude e seu comportamento, embora esse conhecimento aceitável nem sempre impeça o uso dos antibióticos, pois poucos pais acreditam que seus filhos tomam muitos de antibióticos. O principal problema detectado foi a falta de um exame físico completo e esclarecimentos específicos que podem ajudar a criança em sua recuperação, mais que simplesmente prescrever antibióticos sem explicação adicional. Novamente, boa comunicação e não subestimar o problema parecem ser fundamentais para reduzir o uso inadequado de antibióticos.
Lucas et al.15 fizeram uma pesquisa sobre estudos qualitativos com vistas a descrever os pontos de vista, as convicções, atitudes dos pais e crianças e dos médicos que podem influenciar na prescrição de antibióticos para tratamento de infecções agudas no ambiente de cuidados básicos. Eles destacaram certos pontos que consideramos muito importantes no entendimento dessa questão e na busca por soluções efetivas. Os médicos frequentemente prescrevem antibióticos “por precaução”, quando não temos certeza dos resultados em termos clínico e social ou devido a uma suposta pressão dos pais. Pelo contrário, isso pode ser evitado quando os pais não solicitam o uso deles ou há problemas de resistência ou intolerância. Os pais pedem antibióticos quando eles acreditam que seu uso melhorará a doença de seu filho, mas também querem evitar os efeitos colaterais do antibiótico. Por fim, algo tão simples quanto um atendimento cuidadoso, com um bom exame, transmite segurança aos pais. Isso pode ser conflitante para os médicos, que buscam encerrar a consulta o mais rapidamente possível em algumas ocasiões. A ansiedade dos pais associada à secreção com muco nasal verde foram fatores indicativos claros para a prescrição de antibióticos. A confiança no relacionamento entre médico/pais, instruir os pais a respeito da evolução do processo e sua satisfação são essenciais na não prescrição de antibióticos.
Hernández Díaz et al.45 estudaram as convicções, o comportamento e a adesão dos pais ou responsáveis legais pelas crianças de origem latina, com menos de 6 anos, nos EUA a respeito do uso de antibióticos para tratamento de infecções respiratórias das vias aéreas superiores. Concluíram que o conhecimento e as convicções errôneas desse grupo são um importante problema e que isso é mais significativo para aqueles com nível de escolaridade mais baixo e mais novos.
Van Hecke et al.46 fizeram um estudo qualitativo sobre a percepção dos pais a respeito do uso de antibióticos em crianças com menos de 5 anos e das resistências a eles, mostraram‐se muito otimistas, pois acreditam que as famílias não serão afetadas pelas resistências, pois fazem pouco uso de antibióticos e muito poucos consideram as resistências um problema. Além disso, eles consideram que as campanhas sobre esse problema estão em linha com seu comportamento e, assim, não serão afetados. Então os autores concluíram que elas devem ser revisadas.
Kianmehr et al.47 fizeram uma análise sistemática sobre as expectativas dos pacientes ao receberem prescrição de antibióticos para infecções respiratórias e concluíram que há uma tendência de percepção de menor necessidade ao longo dos anos e isso foi global, destacaram, assim, que isso pode ser um ponto de apoio para os médicos a fim de melhorar o uso de antibióticos.
Campanhas informativasAs campanhas de informação são outras possíveis intervenções para reduzir o uso de antibióticos e, com outras estratégias, também produziram resultados contraditórios. Huttner et al.48 fizeram uma análise das campanhas feitas em países desenvolvidos, direcionadas e desenvolvidas por autoridades de saúde em nível nacional e regional. Cinco delas foram direcionadas especificamente à população pediátrica. Os métodos variaram muito: formatos por escrito, como panfletos, pôsteres e notificações, e técnicas audiovisuais. Essas intervenções fizeram parte de uma campanha mais ampla, geralmente voltada a médicos. Esses autores concluíram que os efeitos são difíceis de avaliar, porém que os dados sugerem que elas podem ter um efeito positivo. Contudo, Roope et al.49 constataram, em um estudo feito no Reino Unido, que essas campanhas têm um efeito paradoxal de, na verdade, causar um aumento na demanda por antibióticos. Portanto, eles recomendam que essas campanhas sejam testadas em pequenas áreas antes de sua generalização. As mensagens devem ser claras, simples, impactantes, com destaque para todos os aspectos positivos, porém sem omitir as desvantagens e até causaram medo.48 Autores como Barriere50 até acreditam que o dramatismo dos meios de comunicação a respeito da aparência de superbactérias é um elemento positivo que torna o público mais consciente do problema.
Uma revisão Cochrane feita por O'Sullivan51 analisou a eficácia as informações escritas sobre a redução do uso de antibióticos em infecções respiratórias das vias aéreas superiores em pacientes pediátricos, concluiu com comprovação moderada‐baixa que essa estratégia é eficaz na redução significativa do uso de antibióticos, sem encontrar mudanças significativas nas novas consultas ou na satisfação dos pais.
Testes rápidos que ajudam no diagnóstico no ambiente de cuidados básicosO uso de testes rápidos para detectar estreptococo beta‐hemolítico do grupo A é outra ferramenta apresentada para melhorar o uso de antibióticos nos cuidados básicos de saúde. Muitos estudos refletem um impacto positivo, porém alguns detectaram uma alta proporção de testes feitos de forma incorreta, que pode minimizar esse efeito. A principal causa para considerá‐los inadequados foi a presença de dados clínicos de duas ou mais infecções virais.52 Além disso, o uso de testes rápidos de diagnóstico da gripe (RIDTs), que tem alta sensibilidade no ambiente de cuidado, pode ser útil para melhorar o diagnóstico, reduzir o uso de antibióticos quando não há indicação e favorecer tratamento antiviral, se necessário.53
O uso da proteína C reativa (PCR) foi estudado em diferentes trabalhos, com resultados variados. Alguns mostraram uma redução variável, porém significativa, da prescrição de antibióticos para crianças com febre, enquanto outros, como um estudo feito na Noruega, em crianças que compareceram a serviços de emergência não hospitalares com febre e sintomas respiratórios, não demonstraram eficácia na redução do número de antibióticos e no número de pacientes de serviços de emergência hospitalares.54 Em geral, o impacto da PCR ou do uso mais correto dos antibióticos é mais alto em países desenvolvidos, depende, ainda, do ponto de corte usado.55
Prescrição para uso posterior e prescrição compartilhadaA prescrição para uso posterior é uma estratégia que envolve prescrever antibióticos para o paciente e eles somente devem ser usados em determinadas situações, normalmente na pioria do quadro.
Uma revisão Cochrane concluiu que, na prescrição para uso posterior, a satisfação do paciente é semelhante a quando o tratamento com antibióticos é feito imediatamente e é ainda maior quando ele não é usado. Além disso, quando o médico não teve certeza a respeito do uso dos antibióticos, a prescrição para uso posterior reduziu significativamente seu uso.56
Couchman et al.57 constataram que a prescrição para uso posterior pode ser um bom método para atingir redução no uso de antibióticos sem prejudicar a satisfação dos pais.
A decisão compartilhada é um componente importante no cuidado focado no paciente. Isso exige boa comunicação e prática clínica com base no melhor conhecimento. Coxeter et al.58 fizeram uma análise sistemática a respeito do tópico de uso de antibióticos em processos nas vias aéreas superiores, concluíram que essa é uma estratégia eficaz em curto prazo, sem ser possível concluir que a eficácia é mantida com o passar do tempo.
Intervenções múltiplasÉ difícil analisar esse aspecto, se considerarmos que nas intervenções múltiplas há graus de complexidade muito diferentes, porém muitos autores as identificaram como os mais eficazes.48
Clavenna et al.24 fizeram uma análise com o objetivo de conhecer e comparar o perfil da prescrição de antibióticos em diferentes países e regiões e constaram grandes diferenças entre os países e as regiões e o nível dos profissionais. Eles concluíram que monitorar o consumo e compará‐lo entre diferentes zonas e profissionais e a elaboração de guias locais, bem como planos de treinamento para profissionais e treinamento educacionais para pais, podem ser eficazes na redução do uso de antibióticos.
Lee et al.59 fizeram uma análise sistemática da importância de orientar os médicos e a população em geral, inclusive crianças, sobre o uso prudente de antibióticos. Os programas de treinamento médico (treinamento, seminários interativos, correspondências, grupos de trabalho em medicina com base em evidências, habilidades de comunicação e visitas de apoio) atingiram uma média de redução de 34%, apesar de esse número não ser uniforme na literatura e alguns estudos não terem encontrado reduções significativas. A eficácia da combinação dessas estratégias com outras, como orientação de pacientes e suas famílias, prescrição para uso posterior, auditoria e feedback, mostrou uma maior redução na prescrição de antibióticos. Nos últimos anos, e com o auxílio da OMS, os programas de aprendizagem começaram a incluir crianças de 7 anos no treinamento e essas atividades mostraram aumento no nível de conhecimento dessa população.
Em uma análise sistemática feita em pacientes com mais de 13 anos, Köchling et al.60 constataram que diferentes ações têm maior impacto, depende das características do país em que elas são aplicadas: em países com menor taxa de prescrição, as ações mais bem‐sucedidas foram aquelas direcionadas à melhoria das habilidades de comunicação; enquanto nos países com taxa de prescrição mais alta os point‐of‐care testing (POCT), testes de diagnóstico médico no local ou próximo ao ponto de atendimento, e o sistema informatizado de apoio à decisão clínica (SADC) foram mais bem‐sucedidos, embora os diferentes ensaios tenham mostrado uma variação considerável. Eles também observaram que uma intervenção voltada a reduzir o número de antibióticos prescritos apresentou o mesmo efeito colateral do que os usados mais adequadamente (melhor espectro de adequação).
Para Goldman e Newland,19 orientar os médicos e uma auditoria e feedback adequados e personalizados são eficazes na redução do uso de antibióticos. Porém, caso a intervenção seja interrompida, o efeito desaparecerá e voltaremos ao zero.
Contudo, uma intervenção múltipla, que inclui habilidades de comunicação, prescrição para uso posterior, implantação de protocolos de consenso em bases eletrônicas de prescrição e feedback trimestral, feita nos Países Baixos por Vervloet et al.,61 atingiu redução nos pacientes com mais de 12 anos, porém, surpreendentemente, não em crianças com menos de 12 anos.
Bozzella et al.62 analisaram as diferentes intervenções para reduzir o uso inadequado de antibióticos em uma análise recente, sugeriram que todas as intervenções podem ser boas, porém que as intervenções múltiplas obtêm resultados melhores.
ConclusãoPortanto, nos deparamos com um problema complexo que exige intervenções complexas e personalizadas, depende das características da população participante e dos recursos disponíveis.3 Intervenções multidisciplinares também são necessárias em outros campos, como meio ambiente e agricultura, não somente em pessoas, e essas intervenções devem ser prolongadas com o passar do tempo e em todos os níveis.
Acreditamos que o primeiro passo envolve as administrações correspondentes, a fim de regulamentar e minimizar o uso de antibióticos na agricultura, com o impacto sobre o meio ambiental e diretamente sobre os humanos por meio de produtos alimentícios. Elas também devem assistir a indústria na pesquisa por novas moléculas e é obrigação moral da indústria intensificar essa pesquisa, o que pode ajudar a resolver esse grave problema.
Em humanos, nenhuma intervenção se mostrou absolutamente superior à outra, e sua eficácia é medida pelas condições socioculturais, econômicas e de prescrição de cada área. Porém, é essencial melhorar a administração de antibióticos em crianças no ambiente de cuidados básicos.
Campanhas de treinamento e conscientização são importantes em nível nacional ou regional. Elas devem ser claras, diretas e impactantes. A orientação dos pais e responsáveis é uma tarefa muito importante e deve ser feita desde o início do relacionamento com o médico. O período de gravidez é vital. Esse é um período particularmente sensível e no qual as mensagens com relação à saúde e doenças do filho(a) ainda não nascido(a) são especialmente significativas. A sala de espera da clínica também é uma configuração adequada para orientação de saúde por meio de mensagens audiovisuais ou escritas. O treinamento deve cobrir não somente o ato de deixar de usar antibióticos em patologias causadas por vírus ou que são autolimitantes, mas também no uso adequado deles mesmos quando necessário, além de evitar automedicação.
Como visto em diferentes trabalhos, é essencial ter uma boa comunicação com o pediatra.
Uma opção interessante poderia ser a inclusão de tópicos de saúde na educação de crianças em idade escolar (7‐8 anos), com vistas ao horizonte de uma sociedade com maior conhecimento, mas é essencial que os estudantes das profissões de saúde e todos os profissionais da saúde envolvidos estejam plenamente conscientes da seriedade desse problema.
Porém, por fim, não podemos esquecer que as receitas são prescritas por nós. Melhorar esse ato envolve um importante esforço. Há diferentes cenários para melhoria, a saber: elaborar algoritmos, protocolos ou orientações clínicas por meio de participação, consenso e adequação da comprovação e a microbiologia local, bem como os seminários ou sessões de treinamento. O treinamento em habilidades de comunicação se mostrou, em inúmeras ocasiões, um aspecto essencial e a feitura de um exame físico completo e não subestimar a doença da criança também se mostraram importantes nos estudos feitos. Talvez seja necessário rejeitar a ideia de que os pais nos pressionam e que eles deixarão o consultório mais felizes se receitado o uso de antibióticos para seu filho, dado que os estudos não sustentam essa ideia.
As ferramentas de diagnóstico com base em técnicas moleculares e a aplicação dessas e outras técnicas rápidas fora da configuração hospitalar podem ajudar na questão do uso de antibióticos, identifica com maior certeza quais pacientes precisam de antibióticos. Alguns exemplos incluem o teste de detecção do antígeno do estreptococo beta‐hemolítico do grupo A, acima de tudo em neonatos com mais de 3 anos, o teste da proteína C reativa e, em alguns casos, o possível uso de testes de detecção da gripe antigênica viral etc. Além disso, a prescrição para uso posterior ou “aguarde e veja” pode ter um impacto positivo. As intervenções com auditoria‐feedback e auxílio por meio de programas de computador podem fechar esse círculo de ajuda para o médico. Todos esses estudos indicam que essas intervenções devem ser contínuas para ser eficazes.
Para finalizar, devemos reconhecer que muitos países elaboraram programas personalizados com base nas realidades social, sanitária e econômica de seus países, com o objetivo de alcançar a “Saúde Única” (One Health) exigida pela OMS. Esses projetos devem incluir progressos em todas as áreas de desenvolvimento em saúde, inclusive o uso controlado e racional dos antibióticos.
Concordamos com Barriere50 quando ele diz que é obrigação moral de nossa sociedade e nossos sistemas de saúde garantir que essas ferramentas herdadas de nossos antepassados estejam disponíveis para gerações futuras.
Existe uma luz no fim do túnel?
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesses.
Como citar este artigo: Miguélez SA, Garcia‐Marcos L. Rational use of antimicrobials in the treatment of upper airway infections. J Pediatr (Rio J). 2020;96(S1):111–9.