To determine the prevalence of enuresis, urinary, and bowel symptoms and associated factors in children aged 7 years in a birth cohort.
MethodsA pre‐coded questionnaire was applied to 3,602 children who belonged to a birth cohort initiated in 2004 in Pelotas, Brazil. During home visits at 12, 24, and 48 months and at age 7 years, mothers answered a questionnaire with demographic questions and characteristics of bladder and bowel habits of children using a urinary symptom score. Poisson regression was used for the hierarchical multivariable analysis, with robust variance.
ResultsThe prevalence of enuresis was 10.6%; 11.7% in males and 9.3% in females; enuresis was monosymptomatic in 9.8% of the children (10.8% of males and 8.3% of females); 37.4% had symptoms up to once a week; 32.9%, two to four times a week; and 26.2%, every day, with no difference between genders. The most common urinary symptoms were urinary urgency (22.7%) and urinary retention maneuvers (38.2%). In the multivariate analysis, it was observed that the number of urinary symptoms and the number of children at home showed a direct association with the presence of enuresis, whereas maternal education was inversely associated.
ConclusionsEnuresis is a prevalent condition and should be investigated in clinical practice, especially in children of lower socioeconomic status. A detailed history of urinary habits detects associated urinary symptoms, which is important for adequate classification of enuresis and subsequent management.
Determinar a prevalência de enurese, sintomas urinários e intestinais e fatores associados em crianças de sete anos, em uma coorte de nascimentos.
MétodosFoi aplicado um questionário pré‐codificado em 3.602 crianças pertencentes à coorte de nascimentos iniciada em 2004, em Pelotas, RS. Em visitas domiciliares realizadas aos 12, 24 e 48 meses e aos sete anos, as mães responderam um questionário com questões sociodemográficas e sobre as características e hábitos miccionais e intestinais das crianças, utilizando um escore de sintomas miccionais. Para a análise multivariável hierarquizada, utilizou‐se regressão de Poisson com variância robusta.
ResultadosA prevalência de enurese de foi 10,6%, sendo 11,7% nos meninos e 9,3% nas meninas; a enurese foi monossintomática em 9,8% das crianças (10,8% dos meninos e 8,3% das meninas); 37,4% apresentavam o sintoma até uma vez por semana; 32,9%, duas a quetro vezes por semana; e 26,2% todos os dias, sem diferença entre os sexos. Os sintomas urinários mais frequentes foram urgência miccional (22,7%) e manobras de contenção urinária (38,2%). Na análise multivariável, observou‐se que o número de sintomas miccionais e o número de crianças em casa mostraram relação direta com presença de enurese, enquanto que a escolaridade materna apresentou relação inversa.
ConclusõesA enurese é uma patologia prevalente e deve ser investigada em consultas de rotina, especialmente em crianças com menor nível socioeconômico. Uma história detalhada sobre hábitos urinários pode detectar sintomas miccionais associados, importantes para uma adequada classificação da enurese e posterior manejo.
Enurese é a perda involuntária de urina à noite, na ausência de doença orgânica, em uma idade em que seria esperado que a criança se mantivesse seca (geralmente após cinco anos).1 Sua história natural sugere regressão dos sintomas até a adolescência e vida adulta, com taxas anuais de remissão ao redor de 15%. Mesmo assim, a enurese afeta muitas famílias, pois urinar na cama pode causar estigmas sociais e emocionais, estresse e ser inconveniente para a criança e seus pais. A prevalência de enurese varia com a idade. Estudos com crianças de sete anos relataram prevalências entre 7 e 10%, levando em conta tanto crianças que urinam uma vez no mês como as que urinam todas as noites.2–4 A enurese é classificada em primária (quando o paciente sempre apresentou os sintomas) ou secundária (pelo menos seis meses sem urinar na cama e retorno do sintoma).5A enurese primária parece resultar de uma poliúria noturna ou diminuição da capacidade vesical, juntamente com a inabilidade da criança de acordar, em resposta à plenitude vesical.2,3,5 Em relação à presença de outros sintomas miccionais, é classificada em monossintomática (EM), quando o único sintoma é a enurese, e não monossintomática (ENM), com presença de outros sintomas miccionais (urgência, incontinência urinária, manobras de contenção urinária e aumento do número de micções diárias).6 A prevalência de ENM não é bem conhecida nas amostras de base populacional, com estimativas que variam de 20 a 80% das crianças com enurese.6 Uma história cuidadosa é necessária para a detecção destes sintomas. A classificação da enurese modifica a abordagem terapêutica e, consequentemente, o seu prognóstico.
Os estudos, em geral, investigam amostras de escolares e de usuários de ambulatórios de especialidades, sendo escassas as pesquisas de base populacional e de coortes, especialmente com crianças brasileiras.
O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de enurese, sintomas urinários, intestinais e fatores associados em crianças de sete anos de idade pertencentes à coorte de nascimentos de Pelotas de 2004.
MetodologiaEste estudo é resultado do seguimento de uma coorte de nascimentos iniciada em 2004 no município de Pelotas, RS. As mães residentes na cidade foram entrevistadas durante a hospitalização para o parto, e seus bebês medidos (comprimento e peso) e examinados. As crianças foram novamente avaliadas ao completarem três, doze, 24, 48 e 72 meses de idade, sendo realizada entrevista com as mães e avaliação antropométrica das crianças. A cada visita, as mães responderam um questionário sobre condições de saúde da criança, morbidades, alimentação, padrões de sono, vacinação, hábitos urinários e intestinais, assim como dados relativos à saúde materna. Detalhes dos métodos da coorte de nascimentos de Pelotas de 2004 se encontram disponíveis em outras publicações.7,8 Para este artigo foram excluídas as crianças com malformações do sistema neurológico, paralisia cerebral e os gemelares.
O código internacional de doenças (CID), versão 10, define enurese como urinar na cama pelo menos uma vez no mês, durante três meses, em crianças com cinco anos ou mais.9 Já a Associação Americana de Psiquiatria define enurese como urinar na cama pelo menos duas vezes no mês, durante três meses.10 Para esta análise, enurese foi definida como urinar na cama à noite, pelo menos uma vez no mês, nos últimos três meses.
Para avaliação de outros sintomas miccionais foram utilizados os critérios definidos pela Sociedade Internacional de Continência Urinária:11 incontinência urinária (perda involuntária de pequenas quantidades de urina, durante o dia, pelo menos uma vez, a cada duas semanas, em crianças com controle esfincteriano ou após os três anos de idade); frequência miccional aumentada (urinar mais de oito vezes ao dia); frequência urinária diminuída (urinar menos de três vezes ao dia); manobras de contenção urinária (esforços da criança em suprimir a urgência associada à micção, como cruzar as pernas, sentar sobre os calcanhares, apertar o pênis); urgência miccional (vontade inadiável de urinar); e disúria (dor durante a micção).
A constipação intestinal foi definida como o relato de dificuldade em evacuar, intervalo entre as evacuações maior do que 72 horas, dor à evacuação, fezes endurecidas ou fezes em cíbalos.12 Encoprese foi definida como o relato de perda fecal nos últimos três meses. Tanto os sintomas urinários como os intestinais foram avaliados quanto à frequência em: nunca, às vezes (1 a 14 dias no mês), quase sempre (15 a 29 dias no mês) e sempre (todos os dias).
A história de infecção urinária foi avaliada por relato familiar em cada visita da coorte: infecção urinária antes de um ano; entre um e dois anos; entre dois e quatro anos; entre quatro e seis anos, e em qualquer idade até os seis anos.
Foi criado um escore de disfunção de eliminações constituído pelo número de sintomas miccionais, exceto enurese, apresentados pela criança aos sete anos de idade: incontinência urinária, manobras de contenção urinária, urgência urinária, frequência urinária aumentada ou diminuída, além de encoprese e intervalo entre evacuações > 72 horas. O escore poderia variar de zero a 6 (somatória de sintomas).
As demais variáveis incluídas nas análises foram: sexo da criança; baixo peso ao nascer (< 2.500 gramas); prematuridade (idade gestacional < 37 semanas); número de crianças no domicílio além da criança index (informação coletada na visita dos 48 meses); características maternas: escolaridade aos 48 meses e idade (em anos completos); cor da pele (branca, preta ou parda); paridade; trabalho materno remunerado; e nível socioeconômico da família de acordo com o indicador econômico nacional (IEN), em quintis de referência para Pelotas,13 baseado em informações coletadas na visita dos 48 meses.
As entrevistadoras foram especialmente treinadas para a realização das entrevistas. O controle de qualidade, com o intuito de evitar e identificar fraudes na realização das entrevistas, incluiu a repetição de 10% das entrevistas no domicílio (utilizando um questionário reduzido), assim como um contato telefônico com as mães que dispunham de telefone fixo ou móvel (para confirmação da realização e satisfação com a entrevista).
A análise foi realizada através do programa Stata 11 (Stata Corp., College Station, TX, Estados Unidos). Foram utilizados os testes Qui‐quadrado para comparar prevalências conforme exposições categóricas e teste de tendência linear para exposições ordinais. Para a análise multivariável hierarquizada, utilizou‐se regressão de Poisson com variância robusta devido à prevalência do desfecho ser alta. No primeiro nível foram incluídas as variáveis escolaridade, idade, cor e nível socioeconômico maternos; no segundo, prematuridade, baixo peso ao nascer e número de crianças no domicílio; no terceiro, os sintomas urinários e intestinais e história de infecção urinária anterior. Foram levadas para análise multivariável as variáveis com p<0,20 na análise bivariada e mantidas após ajuste, com p<0,05. Meninos e meninas foram analisados separadamente pelas diferenças encontradas na literatura na prevalência de enurese.
O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Solicitou‐se consentimento escrito para a participação no estudo, após a mãe ter sido informada sobre os objetivos e ter garantida a confidencialidade das informações.
ResultadosPara esta análise foram utilizadas informações de 3.602 crianças com idades entre seis e sete anos. A tabela 1 descreve a amostra geral e a prevalência de enurese conforme variáveis maternas, socioeconômicas e demográficas. 52% eram do sexo masculino. A média de idade foi de 6,8 anos e 43,5% das famílias foram classificadas nos dois quintis inferiores de renda. A prevalência de enurese foi de 10,6%, com predomínio nos meninos (p=0,019). A prevalência de enurese associou‐se inversamente com o nível socioeconômico (p=0,003). A enurese foi mais frequente entre os nascidos com baixo peso, prematuros, filhos de mães adolescentes, com menor escolaridade, negras e que viviam em domicílios onde moravam outras três ou mais crianças.
Descrição da amostra geral e das crianças com enurese
Variável | Total N (%) | Enurese 10,6% |
---|---|---|
Sexo | p=0,019 | |
Masculino | 1.872 (52,0) | 11,7 |
Feminino | 1.729 (48,0) | 9,3 |
Prematuridade | p=0,040 | |
Sim | 496 (13,8) | 13,2 |
Não | 3101(86,2) | 10,2 |
Peso ao nascer | p=0,006 | |
< 2.500gramas | 282 (7,8) | 15,4 |
> 2.500gramas | 3.318 (92,2) | 10,2 |
Idade materna (anos) | p=0,011 | |
Adolescente (até 19) | 645 (18,7) | 13,0 |
20‐29 | 1.702 (49,2) | 10,8 |
30‐39 | 995 (28,8) | 8,0 |
> 40 | 117 (3,4) | 11,1 |
Escolaridade materna (anos) | p<0,001 | |
0‐4 | 510 (14,9) | 13,2 |
5‐8 | 1.418 (41,4) | 11,9 |
9‐11 | 1.157 (33,8) | 8,2 |
> 12 | 343 (10,0) | 6,8 |
Quintis de referência para nível socioeconômico (IEN) | p=0,003 | |
1 (mais pobres) (aos 4 anos) | 772 (22,6) | 13,7 |
2 | 713 (20,9) | 10,5 |
3 | 772 (22,6) | 10,8 |
4 | 566 (16,6) | 8,0 |
5 (mais ricos) | 596 (17,4) | 8,1 |
Cor mãe | p=0,002 | |
Branca | 2.049 (62,3) | 8,8 |
Negra | 548 (16,7) | 13,7 |
Parda | 69 0(21,0) | 11,3 |
Número de crianças em casa (aos 4 anos) | p<0,001 | |
Nenhuma | 1.315 (38,3) | 8,6 |
Uma | 378 (11,0) | 13,5 |
Duas | 1.427 (41,6) | 9,9 |
Três ou mais | 314 (9,1) | 16,6 |
A tabela 2 mostra a prevalência de sintomas miccionais e intestinais entre as crianças na amostra geral e estratificada por sexo. Os sintomas mais prevalentes foram urgência miccional (22,7% das crianças apresentavam o sintoma quase sempre ou sempre) e manobras de contenção urinária (ocorrendo entre 38,2% das crianças). As meninas apresentaram maior número de sintomas de disfunção das eliminações, em comparação aos meninos (p<0,001).
Prevalência de sintomas miccionais e intestinais nas crianças com e sem enurese da coorte 2004, aos sete anos de idade, estratificado por sexo
Variável | Geral | Masculino | Geral | Feminino | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Enurese 11,8 | Sem enurese 88,2 | Valor p | Enurese 9,3 | Sem enurese 90,7 | Valor p | |||
Incontinência urinária | < 0,001 | < 0,001 | ||||||
Nunca | 89,7 | 66,1 | 92,9 | 87,8 | 57,5 | 90,9 | ||
Às vezes | 8,5 | 21,6 | 6,8 | 10,0 | 26,9 | 6,8 | ||
Quase sempre | 0,8 | 4,6 | 0,2 | 1,3 | 7,5 | 0,2 | ||
Sempre | 1,0 | 7,8 | 0,1 | 0,9 | 8,1 | 0,1 | ||
Número micções inadequados (< 3 ou > 8/dia) | 10,2 | 13,2 | 9,8 | 0,137 | 8,6 | 17,6 | 7,7 | < 0,001 |
Manobras contenção | < 0,001 | < 0,001 | ||||||
Nunca | 67,2 | 60,5 | 68,0 | 52,6 | 43,4 | 53,5 | ||
Às vezes | 24,8 | 25,1 | 24,7 | 33,4 | 35,2 | 33,3 | ||
Quase sempre | 5,6 | 8,4 | 5,3 | 9,3 | 10,1 | 9,2 | ||
Sempre | 2,4 | 6,1 | 2,0 | 4,7 | 11,3 | 4,1 | ||
Urgência miccional | 0,002 | < 0,001 | ||||||
Nunca | 26,2 | 22,2 | 26,7 | 24,6 | 16,5 | 25,4 | ||
Às vezes | 51,7 | 45,4 | 52,6 | 51,0 | 46,8 | 51,1 | ||
Quase sempre | 13,1 | 19,0 | 12,3 | 14,4 | 16,5 | 14,2 | ||
Sempre | 9,0 | 13,4 | 8,4 | 10,3 | 20,3 | 9,3 | ||
Encoprese | < 0,001 | < 0,001 | ||||||
Nunca | 95,8 | 89,9 | 96,6 | 98,7 | 91,3 | 99,5 | ||
Às vezes | 2,8 | 4,1 | 2,6 | 0,8 | 4,4 | 0,4 | ||
Quase sempre | 0,6 | 0,9 | 0,6 | 0,4 | 0,6 | 0,1 | ||
Sempre | 0,8 | 5,1 | 0,2 | 0,6 | 3,8 | 0,0 | ||
Intervalos > 72h para evacuar | 8,9 | 11,5 | 8,6 | 0,165 | 9,1 | 8,2 | 9,1 | 0,720 |
Escore miccionala | < 0,001 | < 0,001 | ||||||
Sem sintoma | 17,2 | 10,8 | 19,1 | 16,0 | 8,3 | 16,8 | ||
1 sintoma | 35,3 | 27,1 | 39,9 | 32,0 | 21,4 | 33,0 | ||
2 sintomas | 33,5 | 35,5 | 30,5 | 36,2 | 35,2 | 36,3 | ||
3 sintomas | 11,2 | 20,7 | 8,1 | 13,2 | 22,8 | 12,2 | ||
4 ou mais | 2,8 | 5,9 | 2,6 | 2,6 | 12,4 | 1,6 |
Às vezes, até 14 dias no mês; Quase sempre, 15 a 29 dias por mês; Sempre, todos os dias.
A enurese era monossintomática em apenas 9,8% das crianças (10,8% dos meninos e 8,3% das meninas) (tabela 2). Entre as crianças enuréticas, 37,4% apresentavam o sintoma até uma vez por semana; 32,9%, de duas a quatro vezes por semana; e 26,2%, todos os dias, sem diferença entre os sexos (p=0,134).
Comparando‐se as crianças com e sem enurese, os sintomas miccionais e intestinais foram mais frequentes nas crianças com enurese, em ambos os sexos (tabela 2). A frequência de incontinência urinária diurna foi 4,8 vezes maior entre os meninos enuréticos e 6 vezes maior entre as meninas enuréticas quando comparados com seus pares (tabela 2). A frequência de urgência miccional diária ou na maioria dos dias do mês foi também superior entre as crianças enuréticas em comparação às não enuréticas. Entre os meninos, não houve associação entre enurese e frequência miccional ou intervalos maiores que 72 horas para evacuar. Todos os sintomas miccionais foram mais frequentes nas meninas enuréticas em comparação às não enuréticas.
Na análise multivariável, observou‐se que, entre os meninos (tabela 3), o número de sintomas miccionais e o número de crianças em casa mostraram relação direta com presença de enurese, enquanto que a escolaridade materna apresentou relação inversa. Nos meninos, a maior escolaridade materna diminuiu o risco de enurese, e o maior número de sintomas miccionais aumentou este risco; entre as meninas, a presença de mais sintomas miccionais aumentou a chance de ter mais enurese. O baixo peso ao nascer apresentou maior ocorrência de enurese somente entre as meninas. Análises com sintomas isolados presentes aos quatro e seis anos mostraram associação de enurese com incontinência urinária e manobras de contenção, em ambos os sexos (dados não mostrados).
Fatores de risco para enurese utilizando análise multivariável (regressão de Poisson), utilizando modelo hierarquizado estratificado por sexo
Variáveis | Análise bruta | Análise ajustada |
---|---|---|
Sexo masculino | ||
RR (IC95%) | RR (IC95%) | |
Escolaridade materna | ||
0‐4 anos | – | – |
5‐8 anos | 0,88 (0,62‐1,25) | 0,88 (0,62‐1,25) |
9‐11 anos | 0,73 (0,50‐1,07) | 0,73 (0,50‐1,07) |
12 ou mais | 0,37 (0,19‐0,72) | 0,37 (0,19‐0,72) |
Número de crianças em casa | ||
Nenhuma | – | – |
1 | 1,76 (1,20‐2,60) | 1,66 (1,12‐2,45) |
2 | 1,19 (0,87‐1,63) | 1,12 (0,81‐1,56) |
3 ou mais | 2,25 (1,53‐3,30) | 2,02 (1,35‐3,02) |
Escore miccional (número de sintomas miccionais) | ||
Nenhum | ||
1 | – | – |
2 | 1,18 (0,73‐1,90) | 1,16 (0,71‐1,91) |
3 | 1,91 (1,21‐3,02) | 2,06 (1,28‐3,31) |
4 | 3,65 (2,25‐5,90) | 3,81 (2,31‐6,28) |
5 | 3,24 (1,64‐6,40) | 3,39 (1,69—6,80) |
4,17 (1,21‐14,4) | 3,62 (1,04‐12,6) | |
Sexo feminino | ||
Escolaridade materna | ||
0‐4 anos | – | – |
5‐8 anos | 0,93 (0,62‐1,39) | 0,93 (0,62‐1,39) |
9‐11 anos | 0,46 (0,29‐0,76) | 0,46 (0,29‐0,76) |
12 ou mais | 0,72 (0,39‐1,35) | 0,72 (0,39‐1,35) |
Baixo peso ao nascer | ||
Não | – | – |
Sim | 1,58 (1,03‐2,42) | 1,66 (1,08‐2,56) |
Escore miccional (número de sintomas miccionais) | ||
Nenhum | – | – |
1 | 1,30 (0,68‐2,48) | 1,19 (0,60‐2,36) |
2 | 1,88 (1,02‐3,47) | 1,97 (1,04‐3,72) |
3 | 3,35 (1,78‐6,33) | 3,31 (1,70‐6,42) |
4 | 9,02 (4,65‐17,48) | 8,87 (4,44‐17,7) |
5 | 21,8 (12,51‐37,80) | 21,6 (12,1‐38,6) |
Regressão de Poisson: No primeiro nível, as variáveis escolaridade, idade, cor e nível socioeconômico materno; no segundo nível, prematuridade, baixo peso ao nascer e número de crianças em casa; no terceiro nível, o escore dos sintomas miccionais e história anterior de infecção urinária. As variáveis com p > 0,05 não permaneceram no modelo.
IC, intervalo de confiança; RR, risco relativo.
A enurese noturna é uma morbidade na qual vários mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos.5 Neste estudo procuramos descrever sua ocorrência, classificação e alguns fatores associados, sem descrever sua fisiopatologia.5 Nosso estudo não avaliou a ocorrência familiar de enurese, que é um fator importante para sua ocorrência,14,15 e se estas crianças já tinham procurado um tratamento. Os sentimentos das crianças e seus pais em relação aos sintomas também não foram avaliados, o que não interferiu em nossos resultados, uma vez que são importantes para o tratamento, que não é a abordagem deste estudo.
Uma vantagem do nosso estudo é ser de base populacional e ter utilizado um questionário com as definições dos sintomas de acordo com a International Children Continence Society (ICCS),15 fornecendo informações que poderão ser comparadas a outros estudos.
A prevalência de enurese mostra‐se variável na literatura, especialmente em decorrência das definições de enurese utilizadas, além de variações culturais entre os locais estudados. Os estudos de base populacionais brasileiros e de outros países são escassos, sendo mais comuns amostras de pacientes ambulatoriais ou escolares. Em todos os estudos encontrados, a prevalência de enurese diminui com a idade. A prevalência de enurese neste estudo foi 10,6%, mais frequente entre os meninos, com 25% deles apresentando perdas urinárias todas as noites. Mota, em um estudo de base populacional com crianças brasileiras de três a nove anos realizado nesta mesma cidade, com o objetivo de avaliar os sintomas miccionais, encontrou prevalência de enurese nos maiores de cinco anos de 20,1% nos meninos e 15,1% nas meninas.16
A prevalência de enurese entre as 8.242 crianças avaliadas aos sete anos e meio, pertencentes ao Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC) na Inglaterra, foi de 2,6% quando considerado urinar na cama duas ou mais vezes por semana, e de 15,5% entre os que urinavam menos de duas vezes por semana, com predomínio no sexo masculino.17 Na Turquia, três estudos em escolares, em anos diferentes, mostraram resultados semelhantes.18–20
Cuneyt, em 2007, encontrou prevalência de enurese entre 1.500 escolares, sendo 22,2% meninos e 18% meninas aos sete anos, e 25,3% e 19,2% aos oito anos, respectivamente, sendo que entre todas as crianças avaliadas, 33,3% apresentavam os sintomas todas as noites.18 Gumus, em 1999, encontrou prevalência de 16,9% nos meninos e 10,6% nas meninas entre sete e 11 anos,19 e Emel Gur, em 2004, encontrou 19,8% entre crianças de seis a dez anos.20 Entre 7.012 escolares italianos, a ocorrência de enurese foi mais baixa, 3,9%, com predomínio nos meninos.21
Na África Central, a prevalência foi 34,5% aos sete anos e 30% aos oito anos, em um estudo com escolares na República Democrática do Congo, mostrando‐se mais elevada do que em países europeus e americanos.22 No Irã, em uma amostra de escolares, a prevalência de enurese entre cinco e sete anos foi de 9%, e entre oito e dez anos foi de 6,9%, com frequência de mais de cinco noites por semana de 3%, sem diferenças entre os sexos.23 Em outro estudo realizado em escolares iranianos de sete a 11 anos encontrou‐se uma prevalência de 18,7%, com predomínio nos meninos (20,9% x 16,5%), com redução à medida que a idade aumentava.24
A concomitância de outros sintomas de disfunção do trato urinário inferior é de extrema importância, pois as características fisiopatológicas e as estratégias terapêuticas diferem do manejo da enurese monossintomática. A maioria das crianças apresentou enurese não monossintomática (85%), o que vem se repetindo nos estudos atuais.16,18,19 Os sintomas miccionais mais frequentes foram manobras de contenção e urgência miccional. Estes sintomas podem estar associados com disfunções do trato urinário inferior, especialmente a bexiga hiperativa,2 que necessita ser tratada antes do tratamento da enurese.
A enurese é uma patologia frequente em crianças de famílias de baixa escolaridade e nível socioeconômico. Pode provocar transtornos psicológicos secundários e problemas de adaptação social e familiar. A maior prevalência de enurese ocorreu entre as crianças de mães com menor nível escolar e socioeconômico e de famílias com maior número de crianças, demonstrando uma variação importante entre diferentes níveis sociais. Os estudos de Cuneyt, Gumus, Emel Gur e Chiozza encontraram achados semelhantes, com associação direta entre enurese e famílias mais numerosas e com baixa escolaridade.18–21
A avaliação inicial de crianças enuréticas pode ser feita com uma anamnese e exame físico detalhados, sem necessidade de exames laboratoriais ou invasivos.25 A avaliação de outros sintomas miccionais e intestinais faz parte desta anamnese completa e é necessária para a classificação de enurese, assim como para a orientação terapêutica. O escore de sintomas miccionais16,26 mostrou ser uma boa ferramenta para a adequada avaliação do padrão miccional, já tendo sido utilizado em outros estudos.16,26–28
A supervisão de saúde infantil é uma oportunidade única que o pediatra possui para prevenção, diagnóstico e tratamento das morbidades da infância. A enurese e seus sintomas associados são prevalentes e devem ser investigados em consultas de rotina, especialmente nas crianças com menor nível socioeconômico.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Mota DM, Barros AJ, Matijasevich A, Santos IS. Prevalence of enuresis and urinary symptoms at age 7 years in the 2004 birth cohort from Pelotas, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2015;91:52–8.