To analyze the predictive capacity of anthropometric indicators and their cut‐off values for dyslipidemia screening in children and adolescents.
MethodsThis was a cross‐sectional study involving 1,139 children and adolescents, of both sexes, aged 6 to 18 years. Body weight, height, waist circumference (WC), and subscapular (SSF) and triceps skinfold thickness (TSF) were measured. The body mass index (BMI) and waist‐to‐height ratio (WHtR) were calculated. Children and adolescents exhibiting at least one of the following lipid alterations were defined as having dyslipidemia: elevated total cholesterol, low HDL‐C, elevated LDL‐C, and high triglyceride concentration. A receiver operating characteristic curve was constructed and the area under the curve, sensitivity, and specificity were calculated for the parameters analyzed.
ResultsThe prevalence of dyslipidemia was 62.1%. WHtR, WC, SSF, BMI, and TSF, in this order, presented the largest number of significant accuracies, ranging from 0.59 to 0.78. The associations of the anthropometric indicators with dyslipidemia were stronger among adolescents than among children. Significant differences between accuracies of the anthropometric indicators were only observed by the end of adolescence; the accuracy of WHtR was higher than that of SSF (p=0.048) for females, and the accuracy of WC was higher than that of SSF (p=0.029) and BMI (p=0.012) for males. In general, the cut‐off values of the anthropometric predictors of dyslipidemia increased with age, except for WHtR. Sensitivity and specificity varied substantially between anthropometric indicators, ranging from 75.6‐53.5 and from 75.0‐50.0, respectively
ConclusionsThe anthropometric indicators studied had little utility as screening tools for dyslipidemia, especially in children
Analisar a capacidade preditiva dos indicadores antropométricos e os seus valores de corte para a triagem da dislipidemia em crianças e adolescentes.
MétodosEstudo transversal de 1.139 crianças e adolescentes de ambos os sexos entre 6 e 18 anos. Peso corporal, estatura, circunferência da cintura (CC) e prega cutânea subescapular (PCSE) e prega cutânea tricipital (PCT) foram medidos. O índice de massa corporal (IMC) e a relação cintura‐estatura (RCE) foram calculados. As crianças e os adolescentes que tinham pelo menos uma das seguintes alterações lipídicas foram definidos como tendo dislipidemia: elevados níveis de colesterol total, HDL‐C baixo, LDL‐C elevado e concentração elevada de triglicérides. Uma curva ROC (Receiver Operating Characteristics) foi construída e a área sob a curva, a sensibilidade e a especificidade foram calculadas para os parâmetros analisados.
ResultadosA prevalência de dislipidemia foi de 62,1%. RCE, CC, PCSE, IMC e PCT, nessa ordem, apresentaram o maior número de precisões significativas e variaram de 0,59‐0,78. As associações dos indicadores antropométricos com dislipidemia foram mais fortes nos adolescentes do que nas crianças. Diferenças significativas entre precisões dos indicadores antropométricos só foram observadas no fim da adolescência. A precisão da RCE foi maior do que a da PCSE (p=0,048) para meninas e a precisão de CC foi maior do que a PCSE (p=0,029) e IMC (p=0,012) para os meninos. Em geral, os valores de corte dos preditores antropométricos de dislipidemia aumentaram com a idade, exceto para RCE. Sensibilidade e especificidade variaram substancialmente entre os indicadores antropométricos, de 75,6‐53,5 e 75,0‐50,0, respectivamente.
ConclusõesOs indicadores antropométricos estudados mostraram pouca utilidade como ferramentas de rastreamento para dislipidemia, especialmente em crianças
A aterosclerose é uma doença cardiovascular inflamatória crônica de etiologia multifatorial que causa disfunção endotelial na camada íntima das artérias de médio e grande porte.1 A progressão das placas aterogênicas pode resultar em manifestações clínicas graves, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, além de outras morbidades significativas.1 A aterosclerose se desenvolve lenta e gradualmente durante a vida e suas primeiras manifestações podem ser observadas na infância e adolescência.2
Evidências indicam que a dislipidemia é um fator determinante para a ocorrência de aterosclerose na população pediátrica.2 A identificação precoce da dislipidemia é uma importante estratégia para a prevenção primária da aterosclerose. Entretanto, o diagnóstico de dislipidemia é feito por meio de testes de laboratório como parte da avaliação do perfil lipídico. Essas técnicas são invasivas e dispendiosas e o acesso a elas é limitado. Portanto, é necessário identificar métodos fáceis de usar e de baixo custo para o rastreamento epidemiológico de indivíduos em risco de desenvolver dislipidemia.
Um persuasivo corpo de evidências indica que a obesidade é um importante fator de risco para a ocorrência de dislipidemia na população pediátrica.3‐6 O índice de massa corporal (IMC) é o indicador antropométrico mais amplamente usado para avaliar o estado nutricional e o risco de desenvolver doenças cardiometabólicas, incluindo dislipidemia, em jovens indivíduos.7 Esse índice avalia a quantidade total de massa corporal e é, portanto, incapaz de distinguir a quantidade e a distribuição de gordura corporal. Essa característica pode limitar a capacidade do IMC de predizer a dislipidemia, uma vez que a distribuição de gordura corporal, especialmente o acúmulo de gordura na região abdominal, parece ser um elemento‐chave que é ainda mais importante do que a obesidade para diferenciar os indivíduos com um perfil normal de outros com um perfil lipídico anormal.8
Como consequência, os demais indicadores antropométricos, tais como pregas cutâneas, circunferência da cintura (CC) e relação cintura‐estatura (RCE) têm sido propostos como ferramentas promissoras para a avaliação de risco cardiometabólico em jovens, devido à sua capacidade de estimar adiposidade corporal e obesidade abdominal.9‐11 No entanto, em pessoas jovens, a quantidade de gordura visceral pode não acompanhar o aumento de adiposidade total e subcutânea nas mesmas proporções.12 Portanto, ainda não está claro se os indicadores de adiposidade e obesidade abdominal são melhores preditores de dislipidemia do que o IMC na infância e adolescência.
A identificação de indicadores antropométricos que permitem o rastreamento simples da dislipidemia em diferentes setores de saúde pública (escolas, clínicas de saúde e hospitais) e na atenção primária pode contribuir tanto para a prevenção de doenças cardiovasculares como para reduzir as despesas de saúde pública. Essa ferramenta pode ser particularmente útil em países de baixa e média renda, como o Brasil, onde o acesso a especialidades médicas e exames laboratoriais é limitado e desigual.13 É um fato comum nesses países que crianças e adolescentes se tornem adultos sem nunca terem sido submetidos a uma avaliação de perfil lipídico. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a capacidade preditiva dos indicadores antropométricos e estabelecer os melhores valores de corte para o rastreamento da dislipidemia em crianças e adolescentes da região Nordeste do Brasil.
MétodosO presente estudo é parte de um estudo epidemiológico de base escolar feito em uma cidade do Nordeste do Brasil. A população estimada em 2012 era de 34.845 habitantes,14 com um índice de desenvolvimento humano de 0,662.15 A população do estudo consistiu em crianças e adolescentes em idade escolar de ambos os sexos entre 6 e 18 anos. Os alunos estavam matriculados no 1° ao 9° ano do ensino fundamental e no 1° ao 3° ano do ensino médio de escolas públicas e particulares da cidade.
O tamanho da amostra representativa do estudo maior foi calculado com uma prevalência estimada de 50% (para desfechos diferentes), intervalo de confiança de 95% e uma precisão de 3 pontos percentuais de acordo com Luiz & Magnanini.16 O tamanho estimado da amostra foi de 971 crianças e adolescentes; 20% desse número (n=194) foram adicionados para explicar possíveis dados incompletos dos indivíduos ou recusa em participar na coleta de dados. A taxa de perdas devido à recusa ou ausência no dia da coleta de dados foi de 2,2%, o que corresponde a uma amostra de 1.139 crianças e adolescentes. A amostra estudada (n=1139) teve um poder de 90% (β=10%) e um nível de confiança de 95% (α=5%) para detectar áreas sob a curva ROC (receiver operating characteristics) de 0,58 ou superior como significativas.
Os dados foram coletados entre agosto de 2011 e maio de 2012. As variáveis sociodemográficas foram obtidas por meio de autorrelato e incluíram idade, sexo, renda familiar mensal, número de pessoas no domicílio, nível de educação materna, local de estudo, tipo de escola, e classe socioeconômica (que foi estimada com o Critério de Classificação Econômica Brasil).17
O peso corporal foi medido com uma balança digital Plenna (Plenna®, SP, Brasil), com capacidade de 150kg, aproximação de 100g. A altura foi medida com um estadiômetro portátil Seca (Seca®, SP, Brasil) de 0‐220cm, fixado à parede, com aproximação de 0,1cm. As duas variáveis foram medidas com técnicas padrão18 e foram usadas para calcular o IMC. Para caracterização da amostra em termos da percentagem de crianças e adolescentes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade), o IMC foi classificado com os valores de corte propostos por Cole et al. 19
A CC foi medida com uma fita métrica inelástica com aproximação de 0,1cm, de acordo com os procedimentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde.20 Estatura e CC foram usadas para calcular o RCE. A adiposidade foi avaliada pela medida da prega cutânea subescapular (PCSE) e prega cutânea tricipital (PCT). Essas pregas foram medidas com um paquímetro Cescorf (Cescorf®, RS, Brasil), com aproximação de 0,1mm, de acordo com técnicas padrão.21 As medições foram obtidas em triplicata por local no lado direito do individuo. A média das três medidas foi usada para a análise.
A avaliação antropométrica foi feita na parte da manhã por dois examinadores do mesmo sexo que os alunos para evitar qualquer constrangimento. Os dois avaliadores apresentaram erros intra‐ e interobservadores menores do que 5% e 7,5% para a espessura das pregas cutâneas, respectivamente, e menores do que 1% e 1,5% para as outras medidas, as quais são aceitáveis, de acordo com a literatura.22
Para a avaliação do perfil lipídico, amostras de sangue venoso (10mL) foram coletadas nas escolas no período da manhã, após um jejum de 12 horas e dieta normal, e foram transportadas sob refrigeração para análise. Triglicérides, colesterol total e HDL‐C foram medidos no soro com um analisador automático de bioquímica modelo A15 (Biosystems® PR, Brasil) e um método enzimático. LDL‐C foi calculado com a equação de Friedewald, Levy e Fredrickson.23 Crianças e adolescentes que apresentavam pelo menos uma das seguintes alterações lipídicas foram definidos como tendo dislipidemia: elevação do colesterol total (≥ 170mg/dL), HDL‐C baixo (< 45mg/dL), elevação do LDL‐C (≥ 130mg/dL) e alta concentração de triglicérides (≥ 130mg/dL), conforme estabelecido pela I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e Adolescência.3
Os dados foram analisados com os programas SPSS 15.0 (SPSS for Windows, versão 15.0, IL, EUA) e MedCalc (MedCalc for Windows, versão 12.5, Software, Oostende, Bélgica). A análise descritiva consistiu no cálculo da média, mediana, desvio padrão, percentil e frequência. Os testes t de Student e Anova para um fator foram aplicados para determinar diferença no IMC, RCE, PCSE, e PCT entre os sexos e entre as idades de acordo com o sexo. Diferenças específicas entre as idades foram avaliadas pelo teste post hoc de Tukey (p <0,05).
As diferenças no perfil lipídico entre os sexos foram testadas pelo teste t de Student ou teste de Mann‐Whitney e a tendência linear do perfil lipídico de acordo com as quatro faixas etárias (6‐7 anos; 8‐9 anos; 10‐12 anos; 13‐15 anos e 16‐18 anos) foi avaliada por Anova para um fator ou o teste de Jonckheere‐Terpstra (p < 0,05). O poder dos indicadores antropométricos de predizer dislipidemia foi avaliado pela construção de curvas ROC (receiver operating characteristics) para cada sexo, divididas em quatro faixas etárias (6‐7 anos; 8‐9 anos; 10‐12 anos; 13‐15 anos e 16‐18 anos).
Os intervalos de confiança de 95% foram calculados e significância foi atribuída às áreas sob a curva ROC que mostraram um limite inferior dos respectivos intervalos de confiança superiores a 0,50. A diferença em precisão entre os indicadores antropométricos associados com dislipidemias foi calculada de acordo com Hanley e McNeil. Os valores de corte para os indicadores antropométricos com áreas significantes sob a curva ROC foram identificados com base no equilíbrio entre sensibilidade e especificidade.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da universidade. Apenas alunos que voluntariamente aceitaram participar e cujos pais ou responsável legal assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido foram incluídos no estudo.
ResultadosA tabela 1 mostra as variáveis sociodemográficas e prevalência de sobrepeso e dislipidemia. Houve um predomínio do sexo feminino, adolescentes, estudantes de escolas públicas urbanas,e alunos com renda familiar mensal inferior a um salário mínimo. Mais de 60% da amostra relataram escolaridade materna inferior a oito anos e cerca de 40% pertenciam às classes socioeconômicas D e E (baixa). A prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e dislipidemia foi de 15,9% e 62,1%, respectivamente. A análise individual mostrou uma menor prevalência de LDL‐C elevado (4,5%) e uma maior prevalência de baixo HDL‐C (41,5%).
Variáveis sociodemográficas e prevalência de excesso de peso e dislipidemia entre as crianças e adolescentes estudados. Nordeste do Brasil, 2011‐2012
Variáveis | n | % (IC95%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 506 | 44,4 (41,4‐46,7) |
Feminino | 633 | 55,6 (53,0‐58,1) |
Faixa etária | ||
Crianças (6 a 9 anos) | 363 | 31,9 (29,2‐34,2) |
Adolescentes (10 a 18 anos) | 776 | 68,1 (65,2‐70,3) |
Local do estudo | ||
Área urbana | 864 | 75,9 (73,4‐77,9) |
Área rural | 275 | 24,1 (21,5‐26,2) |
Tipo de escola | ||
Pública | 1044 | 91,7 (90,0‐93,0) |
Privada | 95 | 8,3 (6,8‐9,7) |
Escolaridade materna | ||
< 4 anos | 264 | 24,5 (21,9‐26,7) |
4 a 8 anos | 389 | 36,2 (33,4‐38,7) |
> 8 anos | 423 | 39,3 (36,5‐41,7) |
Renda mensal familiara | ||
< 1 salário mínimo | 614 | 57,2 (54,3‐59,7) |
≥ 1 salário mínimo | 459 | 42,8 (39,7‐45,1) |
Classe socioeconômica | ||
A e B (alta) | 141 | 12,4 (10,6‐14,0) |
C (média) | 550 | 48,4 (45,3‐50,8) |
D e E (baixa) | 446 | 39,2 (36,2‐41,6) |
Excesso de peso (excesso de peso e obeso) | 181 | 15,9 (13,9‐18,1) |
Dislipidemia | ||
Colesterol total elevado | 259 | 23,1 (20,8‐25,0) |
HDL‐C baixo | 465 | 41,5 (38,6‐44,0) |
LDL‐C elevado | 50 | 4,5 (3,2‐5,5) |
Triglicérides elevados | 139 | 12,4 (10,6‐14,0) |
Os resultados são mostrados como frequência absoluta e relativa e intervalo de confiança de 95% (IC 95%).
HDL‐C, lipoproteína de alta densidade; LDL‐C, lipoproteína de baixa densidade.
Com relação às características antropométricas da amostra, IMC, CC, RCE, PCSE e PCT eram mais elevados em meninas do que em meninos (p < 0,05). Os valores médios dos indicadores antropométricos tenderam a aumentar com a idade (p < 0,05), exceto para a RCE em meninos e meninas e para PCT em meninos. Não houve diferença (p > 0,05) em nenhum dos indicadores antropométricos estudados entre 6 e 7 anos, 8 e 9 anos, 10 a 12 anos, 13 a 15 anos e 16 a 18 anos, em meninos ou meninas. Como mostrado na tabela 2, os níveis de triglicérides eram mais elevados em meninas do que em meninos. O colesterol total, HDL‐C e LDL‐C tenderam a diminuir e os triglicérides a aumentar com a idade (tabela 2).
Perfil lipídico das crianças e adolescentes estudados de acordo com sexo e idade. Nordeste do Brasil, 2011‐2012
n | Colesterol total (mg/dL)a | HDL‐C (mg/dL)a | LDL‐C (mg/dL)a | Triglicérides (mg/dL)b | |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Masculino | 506 | 146,6 (29,3) | 47,1 (11,4) | 82,4 (24,0) | 77 (60, 104) |
Feminino | 633 | 151,1 (30,2) | 47,1 (10,7) | 85,4 (25,4) | 82 (65, 111) |
pc | 0,501 | 0,296 | 0,336 | 0,006 | |
Faixa etária (anos) | |||||
6‐7 | 155 | 155,9 (30,1) | 50,2 (10,8) | 88,9 (26,4) | 80 (62, 106) |
8‐9 | 208 | 148,9 (28,5) | 47,8 (10,7) | 83,7 (23,7) | 75 (60, 107) |
10‐12 | 314 | 149,5 (31,7) | 48,1 (11,2) | 84,0 (25,5) | 77 (63, 105) |
13‐15 | 285 | 157,1 (29,7) | 45,6 (10,5) | 82,8 (24,9) | 85 (64, 114) |
16‐18 | 177 | 145,9 (27,7) | 44,4 (11,0) | 82,5 (23,1) | 84 (65, 108) |
pd | 0,002 | 0,001 | 0,022 | 0,009 | |
Total | 1,139 | 149,1 (29,9) | 47,1 (11,0) | 84,1 (24,8) | 80 (63, 108) |
HDL‐C, lipoproteína de alta densidade; LDL‐C, lipoproteína de baixa densidade.
As áreas sob a curva ROC para as variáveis antropométricas como preditores de dislipidemia são apresentadas na tabela 3. Para as meninas, RCE, CC, PCSE e IMC, nessa ordem, apresentaram o maior número de precisões significativas. Para os meninos, a RCE mostrou precisão significativa para quatro faixas etárias, seguida de CC e PCSE (três grupos) e IMC e PCT (dois grupos). Diferenças significativas entre precisões dos indicadores antropométricos foram observadas apenas para a faixa etária de 16‐18 anos. No sexo feminino, somente a precisão da RCE foi maior do que a da PCSE (p=0,048). Para meninos, somente a precisão da CC foi maior do que a da PCSE (p=0,029) e IMC (p=0,012). Na faixa de 8‐9 anos, nenhum dos indicadores antropométricos foi um preditor significativo de dislipidemia, independentemente do sexo. Por outro lado, as maiores precisões foram observadas no grupo etário dos 16‐18 anos.
Áreas sob a curva ROC e intervalo de confiança de 95% dos indicadores antropométricos para o rastreamento da dislipidemia em crianças e adolescentes estudados de acordo com a faixa etária e sexo. Nordeste do Brasil, 2011‐2012
Faixa etária (anos) | Indicadores antropométricos | Meninos | Meninas |
---|---|---|---|
AUC (IC95%) | AUC (IC95%) | ||
6‐7 | IMC (kg/m2) | 0,61 (0,49‐0,72) | 0,61 (0,49‐0,72) |
CC (cm) | 0,64 (0,52‐0,75)a | 0,64 (0,52‐0,75)a | |
RCE | 0,66 (0,55‐0,77)a | 0,65 (0,53‐0,76)a | |
PCSE (mm) | 0,55 (0,43‐0,66) | 0,63 (0,51‐0,74)a | |
PCT (mm) | 0,56 (0,44‐0,67) | 0,55 (0,43‐0,66) | |
8‐9 | IMC (kg/m2) | 0,52 (0,42‐0,63) | 0,57 (0,47‐0,66) |
CC (cm) | 0,52 (0,41‐0,62) | 0,57 (0,47‐0,66) | |
RCE | 0,57 (0,46‐0,67) | 0,58 (0,48‐0,67) | |
PCSE (mm) | 0,49 (0,38‐0,59) | 0,56 (0,46‐0,65) | |
PCT (mm) | 0,50 (0,39‐0,61) | 0,54 (0,44‐0,64) | |
10‐12 | IMC (kg/m2) | 0,58 (0,49‐0,66) | 0,57 (0,48‐0,65) |
CC (cm) | 0,57 (0,49‐0,65) | 0,59 (0,51‐0,67)a | |
RCE | 0,61 (0,52‐0,68)a | 0,59 (0,51‐0,67)a | |
PCSE (mm) | 0,62 (0,53‐0,69)a | 0,56 (0,48‐0,64) | |
PCT (mm) | 0,60 (0,53‐0,69)a | 0,57 (0,49‐0,65) | |
13‐15 | IMC (kg/m2) | 0,65 (0,55‐0,74)a | 0,54 (0,46‐0,62) |
CC (cm) | 0,64 (0,54‐0,73)a | 0,53 (0,46‐0,61) | |
RCE | 0,65 (0,55‐0,73)a | 0,59 (0,51‐0,66)a | |
PCSE (mm) | 0,63 (0,54‐0,72)a | 0,54 (0,46‐0,62) | |
PCT (mm) | 0,60 (0,51‐0,70)a | 0,54 (0,46‐0,61) | |
16‐18 | IMC (kg/m2) | 0,63 (0,50‐0,74)a,b | 0,70 (0,60‐0,78)a |
CC (cm) | 0,78 (0,65‐0,87)a,b | 0,68 (0,59‐0,78)a | |
RCE | 0,68 (0,55‐0,79)a | 0,70 (0,60‐0,78)a,c | |
PCSE (mm) | 0,64 (0,51‐0,75)a,b | 0,62 (0,53‐0,71)a,c | |
PCT (mm) | 0,62 (0,49‐0,74) | 0,58 (0,48‐0,67) |
AUC, Área sob a curva ROC; IC 95%, intervalo de confiança de 95%; IMC, índice de massa corporal; CC, circunferência da cintura; RCE, Relação cintura‐estatura; PCSE, prega cutânea subescapular; PCT, prega cutânea tricipital.
Entre os indicadores antropométricos identificados como preditores de dislipidemias, os valores de corte para CC e RCE foram semelhantes em meninos e meninas entre 6‐7 anos. Para os grupos etários correspondentes à adolescência (10‐12, 13‐15 e 16‐18 anos), os valores de corte para RCE foram maiores para as meninas. Para a faixa de 16‐18 anos, valores de corte semelhantes de IMC e CC foram obtidos para ambos os sexos, enquanto valores de corte de PCSE foram maiores para as meninas. Em geral, os valores de corte dos preditores antropométricos de dislipidemia aumentaram com a idade, exceto para RCE. A sensibilidade e especificidade variaram substancialmente entre os indicadores antropométricos, de 75,6 a 53,5 e de 75,0 a 50,0, respectivamente (tabela 4).
Valores de corte, sensibilidade e especificidade dos indicadores antropométricos para o rastreamento da dislipidemia em crianças e adolescentes estudados, de acordo com a faixa etária e sexo. Nordeste do Brasil, 2011‐2012
Faixa etária (anos) | Indicador antropométrico | Meninos | Meninas | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Valor de corte | Sensibilidade (%) | Especificidade (%) | Valor de corte | Sensibilidade (%) | Especificidade (%) | ||
6‐7 | IMC (kg/m2) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
CC (cm) | 54,2 | 62,8 | 58,8 | 54,3 | 62,2 | 55,2 | |
RCE | 0,45 | 53,5 | 67,6 | 0,45 | 60,0 | 58,6 | |
PCSE (mm) | ‐ | ‐ | ‐ | 5,7 | 60,0 | 69,0 | |
PCT (mm) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | |
8‐9 | IMC (kg/m2) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
CC (cm) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | |
RCE | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | |
PCSE (mm) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | |
PCT (mm) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | |
10‐12 | IMC (kg/m2) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
CC (cm) | ‐ | ‐ | ‐ | 64,6 | 57,4 | 56,7 | |
RCE | 0,43 | 65,6 | 51,7 | 0,44 | 57,4 | 53,3 | |
PCSE (mm) | 5,8 | 55,9 | 53,3 | ‐ | ‐ | ‐ | |
PCT (mm) | 8,4 | 58,1 | 53,3 | ‐ | ‐ | ‐ | |
13‐15 | IMC (kg/m2) | 18,1 | 67,6 | 63,4 | ‐ | ‐ | ‐ |
CC (cm) | 68,4 | 60,6 | 58,5 | ‐ | ‐ | ‐ | |
RCE | 0,42 | 64,8 | 56,1 | 0,45 | 58,1 | 59,3 | |
PCSE (mm) | 6,2 | 62,0 | 61,0 | ‐ | ‐ | ‐ | |
PCT (mm) | 7,9 | 56,3 | 53,7 | ‐ | ‐ | ‐ | |
16‐18 | IMC (kg/m2) | 19,7 | 64,4 | 50,0 | 19,7 | 73,7 | 61,1 |
CC (cm) | 70,5 | 75,6 | 65,0 | 71,8 | 65,8 | 55,6 | |
RCE | 0,42 | 60,0 | 75,0 | 0,45 | 67,1 | 50,0 | |
PCSE (mm) | 7,5 | 64,4 | 55,0 | 11,4 | 67,1 | 58,3 | |
PCT (mm) | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
IMC, índice de massa corporal; CC, circunferência da cintura; RCE, Relação cintura‐estatura; PCSE, prega cutânea subescapular; PCT, prega cutânea tricipital.
Para as células que continham “‐” não havia indicador antropométrico com uma área significativa sob a curva ROC para predizer dislipidemia.
Evidências sugerem que os fatores de risco cardiovasculares presentes na infância e adolescência tendem a persistir e se agravar na vida adulta.2 Considerando esse fato e já que a prevalência de dislipidemia foi de 62,1% no presente estudo, a identificação de indicadores antropométricos para o rastreamento da dislipidemia na população pediátrica é uma estratégia viável e importante para a prevenção primária de doenças crônicas que persistem na vida adulta em nível populacional. Que seja de nosso conhecimento, este é o primeiro estudo epidemiológico de base escolar, que avaliou vários indicadores antropométricos como ferramentas de rastreamento para dislipidemia em crianças e adolescentes de ambos os sexos de um município no Nordeste do Brasil.
A prevalência de alterações do perfil lipídico observadas no presente estudo foi semelhante à relatada em estudos nacionais,4,5 que também usaram os valores de corte recomendados pela I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e Adolescência3 para o diagnóstico de dislipidemia. É importante mencionar que, tal como observado em outros estudos,4,5 baixos níveis de HDL‐C foram o resultado mais prevalente. Esse achado pode ter sido favorecido pelo ponto de corte maior para essa lipoproteína proposto por diretrizes nacionais,3 em comparação com as diretrizes internacionais.7 Embora existam controvérsias na literatura sobre quais diretrizes devem ser usadas,4‐6 escolhemos as diretrizes nacionais, uma vez que são uma referência no Brasil para o estabelecimento de estratégias individuais e populacionais para o controle de fatores de risco para a aterosclerose na infância e adolescência.3
No que diz respeito à comparação dos indicadores antropométricos de acordo com sexo e faixa etária, os presentes resultados mostraram diferenças significativas entre os sexos para todos os indicadores antropométricos, enquanto os indicadores foram semelhantes entre as faixas etárias, independentemente do sexo. Portanto, a associação entre indicadores antropométricos e dislipidemia considerou o sexo e a faixa etária. Deve‐se enfatizar que a estratificação inadequada por sexo e idade pode levar à interpretação errônea dos resultados por causa das mudanças corporais que ocorrem durante as fases de crescimento e desenvolvimento físico.24 No entanto, vários estudos que investigaram o poder dos indicadores antropométricos em prever fatores de risco cardiovascular em crianças e adolescentes têm ignorado esses aspectos.9,10
Os achados demonstraram pouca diferença na capacidade dos indicadores antropométricos de identificar crianças e adolescentes com dislipidemia. A análise da curva ROC mostrou que apenas RCE e CC estavam associadas com dislipidemia em crianças de ambos os sexos entre 6‐7 anos, com uma precisão ligeiramente superior para RCE (sem significância estatística). Em contraste, nenhum dos indicadores avaliados foi capaz de identificar dislipidemias em crianças de 8‐9 anos. A falta de uma associação nessa faixa etária pode estar relacionada com a transição da infância para a adolescência, quando os níveis de lipídios séricos atingem o pico como resultado de alterações hormonais, enquanto esse pico não necessariamente acompanha as alterações na quantidade de gordura corporal.25
Em adolescentes, a RCE foi o único indicador associado com a dislipidemia em ambos os sexos para as três faixas etárias (10‐12, 13‐15 e 16‐18 anos). As associações dos indicadores antropométricos com dislipidemia foram mais fortes entre os adolescentes do que entre as crianças, principalmente na faixa de 16‐18 anos. Esses achados corroboram os dados da literatura e indicam que a antropometria é mais útil para discriminar dislipidemia no fim da adolescência.26
A PCT apresentou o pior desempenho em predizer dislipidemia, especialmente em meninas. Outros estudos também relataram uma fraca associação entre essa medida de prega cutânea e fatores de risco cardiovascular na população pediátrica.11,27 A PCT é uma medida de gordura corporal periférica, o que pode explicar, pelo menos em parte, a baixa capacidade discriminatória para dislipidemia. Tem sido demonstrado que a gordura localizada na região abdominal, especialmente em tecidos não adiposos (gordura ectópica), é um fator determinante de anormalidades do perfil lipídico.8 Por conseguinte, espera‐se que os indicadores de distribuição de gordura central tenham uma maior capacidade preditiva para esse desfecho.
RCE e CC, nessa ordem, foram os indicadores antropométricos associados à dislipidemia no maior número de faixas etárias por sexo. Além disso, apenas RCE e CC apresentaram significativamente maior precisão do que os outros indicadores (RCE>PCSE para meninas e CC>IMC e PCSE para meninos, ambos entre 16‐18 anos). Esses indicadores também foram propostos em outros estudos como bons preditores de dislipidemias e fatores de risco cardiovascular agrupados na população pediátrica.9,10,28
No entanto, a CC não leva em conta as variações resultantes do processo de crescimento/desenvolvimento físico quando as proporções e formas corporais mudam durante períodos diferentes e a velocidades diferentes. Essas mudanças variam entre as diferentes faixas etárias pediátricas.24 Por outro lado, a RCE tem algumas vantagens que devem ser mencionadas: 1) são necessárias duas medidas antropométricas simples, de baixo custo e não invasivas, que proporcionam um indicador promissor de dislipidemia em indivíduos jovens; 2) é um indicador preciso de acumulação e distribuição de gordura corporal central, considerando‐se a mudança de estatura que ocorre durante o crescimento e desenvolvimento físico; e 3) não requer referências de populações específicas e não tem unidade de mensuração. No entanto, os presentes resultados mostraram pouca precisão desse indicador para a maioria das faixas etárias estudadas. Portanto, apesar da fácil inclusão da RCE em avaliações de rotina em cuidados de saúde primários em escolas e unidades de saúde da família, sua utilidade para o rastreamento da dislipidemia precisa de uma investigação mais profunda.
Os valores de corte propostos no presente estudo foram menores do que os relatados em estudos que envolveram amostras de países de alta renda, independentemente do indicador antropométrico, sexo ou faixa etária.24,29,30 Na verdade, o uso de valores de corte estabelecidos em países desenvolvidos para o rastreamento da dislipidemia em crianças e adolescentes de populações em desenvolvimento não parece ser adequado, uma vez que essa abordagem pode resultar em um grande número de resultados falso‐negativos, subestimando a prevalência da doença. Além disso, os critérios menos sensíveis podem atrasar a implantação de programas de prevenção e tratamento de dislipidemia na infância e adolescência.
O presente estudo tem algumas limitações, tais como seu desenho transversal, o que não nos permitiu estabelecer relações de causa e efeito, já que os dados sobre a exposição e o desfecho foram coletados simultaneamente. Portanto, mais estudos que acompanhem a evolução dos indicadores antropométricos e o perfil lipídico de jovens ao longo do tempo são necessários para obter‐se mais conhecimento sobre esse assunto. Uma faixa etária ampla foi investigada, o que pode interferir nos resultados. Uma frequência menor de dislipidemia é esperada em crianças. Além disso, alterações no perfil lipídico podem ser mais afetadas por mudanças hormonais no início da puberdade do que pelo acúmulo de gordura corporal.25 Entre os adolescentes, a quantidade e distribuição da gordura corporal são fortemente influenciadas pelo sexo, com o avanço da maturação biológica.12 Esses fatores podem confundir a associação entre os indicadores antropométricos e o perfil lipídico em indivíduos jovens e explicar, pelo menos em parte, a baixa taxa de precisão observada no presente estudo, especialmente em crianças. A esse respeito, as análises foram feitas de acordo com a faixa etária e o sexo, na tentativa de minimizar as interferências de heterogeneidade da amostra com os resultados. Entretanto, a relação entre gordura subcutânea e ectópica pode não ser linear em jovens, especialmente em crianças,12 um fato que poderia limitar o uso de indicadores antropométricos como uma ferramenta de rastreamento para dislipidemia.
Em geral, a precisão dos indicadores antropométricos foi ruim, com a observação de valores mais expressivos nos últimos anos da adolescência. RCE, CC, BMI, PCSE e PCT, nessa ordem, apresentaram o maior número de associações com dislipidemia nas faixas etárias estudadas. Os valores de corte aqui observados foram inferiores aos encontrados em estudos feitos em países desenvolvidos, um achado que sugere a importância de critérios para a classificação de indicadores antropométricos específicos para as populações dos países de renda média e baixa. Embora RCE mostrasse resultados promissores no estudo e tenha vantagens adicionais sobre a CC, sua utilidade como ferramenta de rastreamento para dislipidemia requer uma investigação mais detalhada.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Às Secretarias Municipais de Educação e Saúde de Amargosa, Bahia, Brasil, por permitir esse estudo. Ao Dr. David S. Freedman do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, Atlanta, GA, EUA, por suas sugestões sobre o manuscrito.
Como citar este artigo: Quadros TM, Gordia AP, Silva RC, Silva LR. Predictive capacity of anthropometric indicators for dyslipidemia screening in children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2015;91:455–63.
Estudo realizado no Centro de Formação de Professores, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cruz das Almas, BA, Brasil.