To evaluate the perception of parents or caregivers on the health‐related quality of life (HRQOL) of children/adolescents with overweight/obesity and possible factors associated with this perception.
MethodsThis was a cross‐sectional study involving 297 caregivers of children and adolescents with normal weight (n=170) and with overweight/obesity (n=127), from public and private schools in the study municipality. HRQOL scores obtained through the Child Health Questionnaire ‐ Parent Form 50 (CHQ‐PF50) were compared according to the nutritional status and gender of the children/adolescents. Multiple regression analysis was used to determine the predictive value of studied variables for the variation in HRQOL scores.
ResultsParents of children/adolescents with overweight/obesity attributed lower HRQOL scores to their children in the following domains: physical functioning (p<0.01; d=0.49), self‐esteem (p<0.01; d=0.38), parental impact‐emotional (p<0.05; d=0.29), family cohesion (p<0.05; d=0.26), physical summary score (p<0.05; d=0.29), and psychosocial sum‐mary score (p<0.05; d=0.25). In the multiple regression models, the variables with the highest contribution to the variation in HRQOL scores were: in the physical functioning domain, parental impact‐time (β=0.23; p<0.05); self‐esteem, nutritional status (β=−0.18; p≤0.01); emotional impact on parents, impact on parents’ time (β=0.31; p<0.05); and in family cohesion, global behavior (β=0.30; p<0.05).
ConclusionsA negative impact on HRQOL of children/adolescents with overweight/obesity was observed in the physical and psychosocial aspects. The nutritional status was the variable with the greatest contribution for the assessment the self‐esteem of children and adolescents in this study.
Avaliar a percepção dos pais ou cuidadores a respeito da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade e os possíveis fatores associados a essa percepção.
MétodosEstudo transversal com a participação de 297 cuidadores de crianças e adolescentes eutróficos (n = 170) e com sobrepeso/obesidade (n = 127), provenientes de escolas públicas e privadas do município do estudo. Escores de QVRS obtidos por meio do Child Health Questionnaire – Parent Form 50 (CHQ‐PF50) foram comparados de acordo com o estado nutricional e sexo das crianças/adolescentes. Análises de regressão múltipla foram usadas para determinar o valor preditivo das variáveis estudadas para a variação dos escores de QVRS.
ResultadosPais de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade atribuíram menores escores de QVRS para seus filhos nos domínios: função física (p < 0,01; d = 0,49), autoestima (p < 0,01; d = 0,38), impacto emocional dos pais (p < 0,05; d = 0,29), coesão familiar (p < 0,05; d = 0,26), sumário do escore físico (p < 0,05; d = 0,29) e sumário do escore psicossocial (p < 0,05; d = 0,25). Nos modelos de regressão múltipla, as variáveis com maior contribuição para a variação dos escores de QVRS foram: no domínio função física, impacto no tempo dos pais (ß = 0,23; p < 0,05); autoestima, estado nutricional (ß = −0,18; p ≤ 0,01); impacto emocional nos pais, impacto no tempo dos pais (ß = 0,31; p < 0,05); coesão familiar, comportamento global (ß = 0,30; p < 0,05).
ConclusõesHá impacto negativo na QVRS de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade em aspectos físicos e psicossociais. O estado nutricional foi a variável de maior contribuição para a avaliação da autoestima das crianças e adolescentes do presente estudo.
A prevalência da obesidade tem aumentado de forma significativa nas últimas décadas tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. No Brasil, aproximadamente um terço das crianças entre cinco e nove anos apresentam excesso de peso.1 Entre os adolescentes do sexo masculino e feminino, a prevalência é de 21,7% e 19,4%, respectivamente.1
Com o aumento da obesidade, verificou‐se o aparecimento, em crianças e adolescentes, de diabetes melittus tipo 2, esteatose hepática e problemas ortopédicos, bem como do maior risco para complicações cardiovasculares como hipertensão, dislipidemia, aterosclerose e doença coronariana, o que resultou na redução da expectativa de vida.2 Em curto prazo, as principais repercussões da obesidade na faixa etária pediátrica ocorrem no âmbito psicossocial, como baixa autoestima, sintomas depressivos, maior exposição a discriminações e provocações e comprometimento da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS).3
Vários estudos sublinham o impacto negativo na percepção de bem‐estar tanto na dimensão física quanto psicossocial de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade, referida pelas próprias crianças ou pelos seus responsáveis ou cuidadores. Essa avaliação da QVRS na população pediátrica pode ser problemática, dadas as possíveis dificuldades cognitivas relacionadas à interpretação dos itens.4 Nesse contexto, a percepção dos cuidadores configura‐se uma opção muito útil para a avaliação da qualidade de vida de crianças e adolescentes.4
O Child Health Questionnaire – Parent Form 50 (CHQ‐PF50) é um instrumento genérico validado para a língua portuguesa do Brasil e muito usado na literatura para a avaliação da qualidade de vida de crianças e adolescentes com doenças crônicas sob a perspectiva dos pais. Apenas um estudo usou o CHQ‐PF50 para verificar a percepção de bem‐estar de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. No entanto, a confiabilidade da consistência interna do instrumento não foi verificada, o que compromete a interpretação dos resultados.5
Este estudo tem por objetivo avaliar a QVRS de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade e possíveis fatores associados, sob a perspectiva dos pais ou cuidadores, por meio do CHQ‐PF50.
MétodosTrata‐se de um estudo transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (129/05).
ParticipantesForam convidados para participar do estudo cuidadores (pais ou responsáveis) de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas e particulares, entre nove e 12 anos, em estado de sobrepeso, obesidade e eutrofia. A seleção de escolas públicas e privadas deu‐se de maneira a permitir a inclusão de crianças e adolescentes de níveis socioeconômicos e culturais diversos, já que essa variável parece contribuir tanto para a prevalência de sobrepeso/obesidade quanto para a qualidade de vida.3 O início da puberdade foi escolhido por ser, geralmente, associado a maior vulnerabilidade física e psicológica decorrente das mudanças próprias dessa fase.6 Os cuidadores que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam ao questionário sociodemográfico e ao CHQ‐PF50 de forma autoaplicada.
Considerando‐se uma prevalência de 2% para obesidade e de 10% para sobrepeso,7 um erro máximo de 5% e o número de crianças e adolescentes matriculados na primeira fase do ensino fundamental das escolas particulares e públicas da cidade do estudo, o número mínimo para o tamanho da amostra foi de 138 pais de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade.
Medidas antropométricasAs medidas antropométricas foram tomadas conforme descreve a Organização Mundial de Saúde (OMS).8 Para verificação do peso, foi usada balança tipo plataforma da marca Marte® (Marte Científica, MG, Brasil), com capacidade para pesar até 200kg e divisão de 50g; a altura foi aferida com fita métrica de 150cm de extensão, com precisão de 1mm, e auxílio de um esquadro de madeira.
O estado nutricional das crianças e adolescentes foi avaliado por meio do índice antropométrico Índice de Massa Corporal (IMC = Peso/Altura2) para idade, expresso como a diferença entre o valor observado e o valor de referência para idade e sexo, em afastamento da média quantificada em percentis, segundo a população de referência. O padrão antropométrico do Center for Disease Control (CDC) foi usado como referência, com as seguintes definições: eutrofia (IMC ≥ Percentil 5 e < Percentil 85), sobrepeso (IMC ≥ Percentil 85 e < Percentil 95) e obesidade (IMC ≥ Percentil 95).9 Apesar desse critério não ser usado no Brasil como referência para o diagnóstico nutricional, o padrão antropométrico do CDC é usado pela maioria dos estudos de qualidade de vida de crianças e adolescentes com obesidade10 e seu uso permite melhor comparação e universalização dos resultados. Além disso, em comparação com os critérios da OMS, o padrão do CDC apresenta menor sensibilidade e maior especificidade,11 mais apropriado para o presente estudo, pois seu objetivo não é avaliar risco ou prevenção.
ProcedimentosApós a seleção das escolas integrantes do estudo por meio de sorteio, os respectivos diretores ou coordenadores foram contatados para o esclarecimento dos objetivos da pesquisa e para posterior permissão para a feitura do trabalho.
Foram tomadas as medidas antropométricas de peso e estatura e calculado o IMC para a classificação do estado nutricional das crianças e adolescentes do quarto ao sétimo ano do ensino fundamental, entre nove e 12 anos. Crianças e adolescentes com sobrepeso, obesidade ou eutrofia foram selecionadas por meio de sorteio de acordo com o plano amostral. A seguir, seus cuidadores foram contatados por telefone para receber explicações quanto aos objetivos do estudo e participar da pesquisa. Foram excluídas crianças e adolescentes com diagnóstico, segundo critérios do CDC,9 de baixo peso (IMC < Percentil 5) e de baixa estatura para idade (estatura < Percentil 3).
InstrumentosQuestionário sociodemográficoInstrumento com informações sobre a criança (data de nascimento, sexo) e informações pessoais dos cuidadores (idade, grau de escolaridade, estado civil, renda familiar).
Child Health Questionnaire – CHQ‐PF50Trata‐se de um instrumento genérico de avaliação da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS), traduzido, adaptado culturalmente e validado para a língua portuguesa, destinado a crianças acima de cinco anos e adolescentes.12 O CHQ‐PF50 tem caráter multidimensional e determina o bem‐estar físico, emocional e social, sob a perspectiva dos pais ou responsáveis. O questionário consiste de 50 itens que compõem 15 escalas: saúde global, função física, limitações devido aos aspectos emocionais limitações devido à função física, dor corporal, comportamento, comportamento global, saúde mental, autoestima, percepção de saúde, alteração de saúde, impacto emocional nos pais, impacto no tempo dos pais, atividades familiares e coesão familiar. A avaliação de cada item usa o método de pontos somados – método de Likert. A pontuação final de cada escala varia de 0 a 100. Escores mais altos indicam melhor função ou sensação, consequentemente, melhor qualidade de vida. Os escores são usados para comparação entre grupos e não há um valor de corte.12 A maioria das escalas refere‐se às vivências nas quatro últimas semanas, exceto a escala alteração de saúde, que se refere às experiências dos últimos 12 meses. Dez escalas são usadas para compor dois sumários: físico e psicossocial.12
Análise estatísticaA análise descritiva foi usada para a caracterização sociodemográfica e clínica das crianças e adolescentes e de seus cuidadores. Para a comparação dos dados sociodemográficos entre os grupos foi aplicado o teste t de Student (variáveis contínuas) e o teste do qui‐quadrado (variáveis categóricas).
A confiabilidade da consistência interna foi verificada pelo coeficiente de α‐Cronbach para cada escala multi‐item e foi considerado 0,5 como valor mínimo aceitável para avaliação da consistência interna do instrumento.13 No presente estudo, o coeficiente de alfa‐Cronbach foi maior do que 0,5 em todos os domínios do CHQ‐PF50, exceto no domínio percepção de saúde (alfa Cronbach = 0,21), fato que tem ocorrido na versão brasileira do instrumento.13
O teste t de Student foi usado para a comparação dos escores médios dos domínios e componentes do CHQ‐PF50 de crianças e adolescentes com sobrepeso/obesidade e eutrofia e também para a comparação dos escores do CHQ‐PF50 de acordo com o sexo das crianças/adolescentes no grupo de sobrepeso/obesidade. A magnitude das diferenças estatisticamente significativas foi calculada a partir da determinação do tamanho do efeito (d de Cohen). Valores de d iguais a 0,2; 0,5 e 0,8 são interpretados como tamanhos de efeito pequeno, médio e grande, respectivamente.14
As correlações entre os domínios do questionário e os dados sociodemográficos foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman. Para a determinação do valor preditivo das variáveis estudadas para a os escores de QVRS da população estudada, usou‐se a análise por regressão múltipla hierárquica.
Os dados foram analisados com o SPSS Statistics (IBM Corp. Released 2011. IBM SPSS Statistics para Windows, versão 20.0, NY, EUA). O nível de significância para a rejeição da hipótese de nulidade considerado foi de p < 0,05.
ResultadosCaracterísticas sociodemográficasForam convidados a participar do estudo 360 cuidadores de crianças e adolescentes. Foram excluídos 63 devido a dados incompletos no CHQ‐PF50. Portanto, o estudo contou com 297 cuidadores de crianças e adolescentes eutróficos (n = 170) e com sobrepeso/obesidade (n = 127). A idade das crianças e adolescentes variou de nove a 12 anos (média de 10,6 anos para eutróficos e de 10,63 para sobrepeso/obesidade). A maioria dos cuidadores era mãe, com ensino fundamental completo (tabela 1).
Características sociodemográficas de pais/responsáveis e crianças/adolescentes participantes
Características | Eutrofia n = 170 | Sobrepeso/Obesidade n = 127 | p valor |
---|---|---|---|
Crianças | |||
Idade média em anos (DP) | 10,62 (1,08) | 10,61 (1,40) | 0,98a |
Sexo feminino n (%) | 101 (59,4%) | 54 (42,5%) | <0,01b |
Cuidadores | |||
Idade média em anos (DP) | 36,78 (7,23) | 37,98 (6,85) | 0,15a |
Principal cuidador | |||
Mãe n (%) | 153 (90,0%) | 120 (94,5%) | 0,34b |
Escolaridade n (%) | 0,61b | ||
Analfabeto | 2 (1,2%) | 1 (0,8%) | |
Ensino fundamental | 69 (40,6%) | 51 (40,2%) | |
Ensino médio | 55 (32,4%) | 49 (38,6%) | |
Ensino superior | 44 (25,9%) | 26 (20,5%) | |
Estado Civil n (%) | 0,64b | ||
Casado | 106 (62,4%) | 83 (65,4%) |
Pais de crianças e adolescentes com sobrepeso/obesidade atribuíram menores escores do CHQ‐PF50 nos domínios: função física (p < 0,01; d = 0,49), autoestima (p < 0,01; d = 0,38), impacto emocional dos pais (p < 0,05; d = 0,29), coesão familiar (p < 0,05; d = 0,26), sumário do escore físico (p < 0,05; d = 0,29) e sumário do escore psicossocial (p < 0,05; d = 0,25) (tabela 2).
Escores de qualidade de vida obtidos por meio do CHQ‐PF50 de crianças/adolescentes de acordo com estado nutricional
Escalas e | Média (DP) | ||||
---|---|---|---|---|---|
Sumários | Eutrofia | Sobrepeso/Obesidade | F | pa | db |
SG | 83,06 (18,29) | 78,78 (19,79) | 5,88 | 0,06 | |
FF | 95,16 (12,54) | 88,98 (20,97) | 27.51 | <0,01 | 0,49 |
LE | 90,39 (19,26) | 89,59 (19,23) | 0,06 | 0,72 | |
LFF | 94,61 (16,87) | 91,60 (17,68) | 4,51 | 0,14 | |
DOR | 83,71 (20,55) | 81,81 (22,59) | 2,76 | 0,45 | |
C | 72,26 (17,35) | 69,92 (17,05) | 0,24 | 0,25 | |
CG | 80,93 (20,54) | 78,74 (22,02) | 1,87 | 0,38 | |
SM | 74,35 (14,80) | 73,98 (14,98) | 0,49 | 0,83 | |
AE | 89,00 (17,66) | 82,32 (16,01) | 0,86 | <0,01 | 0,38 |
OS | 72,35 (14,45) | 70,77 (14,72) | 0,06 | 0,36 | |
AS | 74,12 (24,31) | 70,08 (25,79) | 3,34 | 0,17 | |
EP | 75,93 (22,67) | 69,36 (25,37) | 5,10 | 0,02 | 0,29 |
TP | 90,39 (17,13) | 87,05 (18,51) | 3,45 | 0,11 | |
AF | 88,43 (12,79) | 87,66 (15,00) | 5,40 | 0,64 | |
CF | 75,00 (22,31) | 69,17 (24,83) | 4,98 | 0,04 | 0,26 |
SEF | 51,86 (5,71) | 50,18 (7,70) | 7,37 | 0,03 | 0,29 |
SEP | 48,46 (7,46) | 46,56 (7,52) | 1,71 | 0,03 | 0,25 |
SG, saúde global; FF, função física; LE, limitações, devido aos aspectos emocionais; LFF, limitações, devido à função física; DOR, dor corporal; C, comportamento; CG, comportamento global; SM, saúde mental; AE, autoestima; OS, percepção de saúde; AS, alteração de saúde; EP, impacto emocional nos pais; TP, impacto no tempo dos pais; AF, atividades familiares; CF, coesão familiar; SEF, sumário do escore físico; SEP, sumário do escore psicossocial.
Não foram observadas diferenças entre as médias dos escores dos domínios do CHQ‐PF50 das crianças e adolescentes com sobrepeso/obesidade de acordo com o sexo (p > 0,05) (dados não demonstrados).
As correlações entre os dados sociodemográficos e os domínios do CHQ‐PF50 foram fracas (r < 0,30), exceto entre estado nutricional (sobrepeso/obesidade ou eutrofia) e autoestima (AE) (p < 0,01) (tabela 3).
Coeficientes de correlação de Spearman entre escores de qualidade de vida obtidos por meio do CHQPF‐50 e variáveis sociodemográficas das crianças e adolescentes do estudo
EN | SG | FF | LE | LFF | C | CG | SM | AE | EP | TP | AF | CF | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
EN | 1 | ||||||||||||
SG | −0,1 | 1 | |||||||||||
FF | −0,2b | 0,2b | 1 | ||||||||||
LE | 0,0 | 0,2b | 0,4b | 1 | |||||||||
LFF | −0,1a | 0,2b | 0,3b | 0,6b | 1 | ||||||||
C | −0,1 | 0,4b | 0,2b | 0,3b | 0,2b | 1 | |||||||
CG | 0,0 | 0,4b | 0,1 | 0,2b | 0,1 | 0,5b | 1 | ||||||
SM | 0,0 | 0,3b | 0,2b | 0,2b | 0,1a | 0,5b | 0,3b | 1 | |||||
AE | 0,3b | 0,2b | 0,2b | 0,2b | 0,2b | 0,3b | 0,2b | 0,3b | 1 | ||||
EP | −0,1a | 0,3b | 0,3b | 0,3b | 0, 2b | 0,4b | 0,2b | 0,3X | 0,3b | 1 | |||
TP | −0,1 | 0,2b | 0,4b | 0,4b | 0,3b | 0,3b | 0,2b | 0,2 | 0,2b | 0,5b | 1 | ||
AF | 0,0 | 0,3b | 0,4b | 0,4b | 0, 3b | 0,4b | 0,4b | 0,4b | 0,3b | 0,5b | 0,5b | 1 | |
CF | −0,1a | 0,3b | 0,1 | 0,0 | 0,1 | 0,3b | 0,4b | 0,2b | 0,1 | 0,2b | 0,1a | 0,2b | 1 |
SG, saúde global; FF, função física; LE, limitações, devido aos aspectos emocionais; LFF, limitações, devido à função física; C, comportamento; CG, comportamento Global; SM, saúde mental; AE, autoestima; EP, impacto emocional nos pais; TP, impacto no tempo dos pais; AF, atividades familiares; CF, coesão familiar; EN, estado nutricional.
Teste de Correlação de Spearman.
Para as análises multivariadas dos domínios do CHQ‐PF50, foram escolhidos os domínios de QVRS que diferiram entre si nas comparações de acordo com o estado nutricional como variáveis dependentes na análise de regressão múltipla. Como variáveis independentes, foram selecionados o estado nutricional (sobrepeso/obesidade/eutrofia) e os domínios de QVRS com coeficientes de correlação acima de 0,3 (r ≥ 0,3) com as variáveis dependentes. Para a variável dependente função física, obteve‐se um modelo grande explicação da variância (R2 = 0,39; p < 0,05) para as variáveis estado nutricional, limitações devido aos aspectos emocionais, limitações devido à função física, impacto no tempo dos pais e atividades familiares. A variável que mais contribuiu para o modelo foi impacto no tempo dos pais (ß = 0,23; p < 0,05). Para a variável dependente autoestima, obteve‐se um modelo com pequena explicação da variância (R2 = 0,10; p ≤ 0,01) com as variáveis estado nutricional, comportamento, saúde mental. A variável que mais contribuiu de forma negativa para o modelo foi o estado nutricional (ß = −0,18; p ≤ 0,01). Para a variável dependente impacto emocional nos pais, obteve‐se um modelo com grande explicação da variância (R2 = 0,28; p < 0,05) para as variáveis estado nutricional, saúde global, comportamento, saúde mental, atividades familiares e impacto no tempo dos pais e a variável que mais contribuiu para o modelo foi impacto no tempo dos pais (ß = 0,31; p < 0,05). Já para o domínio coesão familiar como variável dependente, observamos resultados significativos nos dois modelos (p < 0,05), com moderada explicação da variância com as variáveis estado nutricional, saúde global, comportamento e comportamento global (R2 = 0,23; p < 0,05). A variável que mais contribuiu para o modelo foi o comportamento global (ß = 0,30; p < 0,05) (tabela 4). Os sumários físico e psicossocial foram excluídos das análises de regressão múltipla para evitar o fenômeno da multicolinearidade.
Modelos de regressão linear múltipla para associações entre percepção de autoestima, estado nutricional e domínios psicológicos de qualidade de vida (continua)
Modelo 1 | Modelo 2 | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Função física | ||||||
R2 ajustado | 0,03 | 0,38 | ||||
pa | <0,01 | <0,01 | ||||
ß | p | CI 95% | ß | P | CI 95% | |
Constante | <0,01 | [92,65; 97,68] | <0,01 | [12,06; 35,17] | ||
Estado nutricionalb | −0,18 | <0,01 | [−10,04; −2,34] | −0,13 | <0,01 | [−7,69; −1,48] |
LE | 0,18 | <0,01 | [0,06; 0,27] | |||
LFF | 0,19 | <0,01 | [0,08; 0,30] | |||
TP | 0,23 | <0,01 | [0,12; 0,33] | |||
AF | 0,18 | <0,01 | [0,08; 0,35] | |||
Autoestima | ||||||
R2 ajustado | 0,03 | 0,09 | ||||
pa | <0,01 | <0,01 | ||||
ß | P | IC 95% | ß | P | CI 95% | |
Constante | <0,01 | [86,43; 91,56] | <0,01 | [54,92; 75,91] | ||
Estado nutricionalb | −,192 | <0,01 | [−10,60; −2,76] | −0,18 | <0,01 | [−10,10; −2,48] |
C | 0,14 | 0,03 | [0,01; 0,26] | |||
SM | 0,16 | 0,01 | [0,04; 0,33] | |||
Impacto emocional nos pais | ||||||
R2 ajustado | 0,02 | 0,27 | ||||
pa | 0,02 | <0,01 | ||||
ß | P | IC 95% | ß | P | CI 95% | |
Constante | <0,01 | [72,33; 79,53] | 0,22 | [−28,77; 6,58] | ||
Estado nutricionalb | −0,14 | 0,02 | [−12,08; −1,07] | −0,09 | 0,06 | [−9,28; 0,26] |
C | 0,11 | 0,06 | [−0,01; 0,32] | |||
SM | 0,06 | 0,26 | [−0,08; 0,29] | |||
AF | 0,19 | <0,01 | [0,13; 0,56] | |||
TP | 0,31 | <0,01 | [0,26; 0,57] | |||
Coesão familiar | ||||||
R2 ajustado | 0,01 | 0,22 | ||||
pa | 0,03 | <0,01 | ||||
ß | P | CI 95% | ß | P | CI 95% | |
Constante | <0,01 | [71,46; 78,54] | <0,01 | [6,60; 32,97] | ||
Estado nutricionalb | −0,12 | 0,03 | [−11,23; −0,42] | −0,08 | 0,11 | [−8,76; 0,91] |
SG | 0,13 | 0,02 | [0,02; 0,30] | |||
C | 0,15 | 0,02 | [0,04; 0,36] | |||
CG | 0,30 | <0,01 | [0,21; 0,47] |
SG, saúde global; LE, limitações, devido aos aspectos emocionais; LFF, limitações, devido à função física; C, comportamento; CG, comportamento global; SM, saúde Mental; AS, alteração de saúde; TP, impacto no tempo dos pais; AF, atividades familiar.
No presente estudo, verificou‐se que os cuidadores perceberam prejuízo físico e psicossocial na QVRS de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade identificados nos domínios função física, autoestima, impacto emocional nos pais, coesão familiar e nos sumários físico e psicossocial. No entanto, os modelos de regressão múltipla hierárquica indicaram que o excesso de peso não foi o principal fator determinante para o impacto negativo na maioria dos domínios do CHQ‐PF50. A presença de sobrepeso/obesidade foi o fator de maior contribuição apenas para o domínio autoestima.
Estudos prévios também identificaram que a presença de sobrepeso ou obesidade está relacionada com prejuízo multidimensional na QVRS de crianças e adolescentes.7,15
É crescente o preconceito sofrido por crianças e adolescentes obesas. O impacto já começa em tenra idade, resulta em menor quantidade de amigos, menos afeto proveniente dos pais e pior desempenho escolar. Com a experiência do sofrimento por meio do bullying, tanto da forma tradicional quanto o cyber‐bullying, o adolescente com obesidade tem pouca motivação para fazer atividades físicas, evita estilos de vida saudáveis e pode apresentar ideação suicida.16 Além disso, sabe‐se que aqueles que permanecem obesos por mais de quatro anos e com baixa autoestima são mais propensos a desenvolver comportamentos de risco, como etilismo e tabagismo, quando comparados com seus pares obesos com autoestima normal.17
A adolescência é uma fase em que a aprovação dos pares é importante para o desenvolvimento da autoestima.17 Por isso, as provocações, críticas e o isolamento social que muitas dessas crianças e adolescentes vivenciam, seja pela família ou pelos amigos, prejudicam o desenvolvimento e consolidação da autoestima, resultam em problemas emocionais como depressão, ansiedade, baixa autoestima e baixa valoração do próprio corpo.15,17,18 Além disso, deve‐se considerar, como indica o presente estudo, que outros fatores contribuem para o comprometimento da percepção de bem‐estar psicossocial, como a perturbação no ambiente familiar (impacto emocional nos pais) e menor coesão familiar.19
Limitação no tempo dos pais também parece contribuir para pior percepção da QVRS relacionada à função física de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade.20 No presente estudo, essa variável representou a maior contribuição para a variância do modelo da função física. Apesar de pais de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade também atribuírem pior qualidade de vida à função física de seus filhos em estudos prévios,21 os resultados do presente estudo permitem inferir que o estado nutricional exerce menor influência nessa observação.
Embora se reconheça que geralmente os pais subestimam o peso de seus filhos e não reconhecem o sobrepeso ou a obesidade como uma doença,22 o presente estudo identificou impacto emocional nos pais. No entanto, estudo recente23 demonstrou uma maior conscientização dos pais sobre o peso real de seus filhos ao concluir que mães com sobrepeso apresentam maior preocupação com o peso futuro de seus filhos, mesmo quando esses são eutróficos. Além disso, pais com sobrepeso ou com a percepção de que o peso de seu filho é um problema de saúde apresentam maior prontidão em adotar mudanças para ajudar os filhos.24 Para esses pais, o estado nutricional dos filhos pode trazer preocupações com a saúde, o comportamento, o bem‐estar e o desempenho escolar dos filhos.20 Além do impacto emocional observado em pais de crianças/adolescentes com sobrepeso/obesidade, a necessidade de envolvimento no tratamento dos filhos requer uma mudança em seus hábitos de vida. Esse envolvimento muitas vezes é difícil, já que muitos pais relatam falta de tempo para supervisionar a alimentação e feitura de atividades físicas de seus filhos.25 O comportamento dos pais é de grande importância para o tratamento dessas crianças e adolescentes, já que na primeira infância os pais atuam como modelos e provedores para os filhos.26 Por isso, pais muitas vezes são alvo de intervenções preventivas de saúde pública que visam a melhorar a dieta das crianças,26 já que, atualmente, a prevenção é considerada a medida mais eficiente para o controle da obesidade infantil.27 Programas de prevenção e tratamento da obesidade infantil que se baseiam no comportamento da família estão entre os mais eficazes e, por isso, têm colocado o envolvimento dos pais como a chave para o sucesso das políticas de saúde voltadas para crianças e adolescentes.28
Estudos prévios demonstram pior qualidade de vida entre crianças e adolescentes obesos do sexo feminino, sob a perspectiva dos pais.5 No entanto, tal diferença não foi evidenciada no presente estudo. O fato de a população do estudo estar no início da puberdade pode justificar esse achado. Nessa faixa etária, o adolescente ainda não vivencia de forma muito intensa as alterações próprias dessa fase, que geralmente, ocorrem a partir dos 12 anos (menarca e alterações hormonais),29 idade a partir da qual começam a ficar evidentes diferenças entre os gêneros.6
O presente estudo apresenta importantes contribuições ao valorizar a perspectiva dos pais sobre a QVRS dos filhos e ao avaliar a magnitude das diferenças encontradas na percepção da QVRS de crianças e adolescentes de acordo com o estado nutricional. Outra importante contribuição refere‐se à construção de modelos abrangentes na tentativa de avaliar o comportamento de um número maior de variáveis estudadas na variação dos escores de QVRS das crianças e adolescentes do estudo.
No entanto, algumas limitações devem ser mencionadas. Trata‐se de um estudo transversal que não possibilita a avaliação da relação de causa e efeito entre as variáveis estudadas. A redução do tamanho amostral do estudo devido à perda de dados pode ter mascarado possíveis diferenças nos escores de qualidade de vida dos grupos analisados. No entanto, perdas relativas a dificuldades inerentes ao CHQ‐PF50 são comumente observadas em trabalhos que usam esse instrumento.5 Apesar de os resultados do presente estudo restringirem‐se à faixa etária de nove a 12 anos, sabe‐se que a adolescência é um período muito importante no desenvolvimento psicossocial dos jovens. O início da puberdade pode ser considerado o momento em que se tem uma maior consciência do tamanho do próprio corpo,18 além de ser descrito como um período de maior vulnerabilidade para o desenvolvimento da obesidade.30
A partir da percepção dos pais ou cuidadores, pode‐se concluir que há impacto negativo na QVRS de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade em aspectos físicos e psicossociais. O impacto no tempo dos pais foi a variável de maior contribuição para a percepção da função física dos seus filhos. O excesso de peso foi a variável de maior impacto negativo para a avaliação da autoestima das crianças e adolescentes do presente estudo. Conhecer a percepção dos pais sobre o impacto da obesidade na qualidade de vida de seus filhos e as variáveis envolvidas nessa percepção torna‐se fundamental para o envolvimento desses cuidadores na prevenção e tratamento da obesidade.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig, PPM‐00306‐8); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 40973/2006‐0).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro ao projeto de pesquisa.
Como citar este artigo: Nascimento MM, Melo TR, Pinto RM, Morales NM, Mendonça TM, Paro HB, et al. Parents’ perception of health‐related quality of life in children and adolescents with excess weight. J Pediatr (Rio J). 2016;92:65–72.
Estudo conduzido na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.