This systematic review aimed to verify the available scientific evidence on the clinical performance and diagnostic accuracy of nutritional screening tools in hospitalized pediatric patients.
Data sourceA search was performed in the Medline (National Library of Medicine United States), LILACS (Latin American and Caribbean Health Sciences), PubMed (US National Library of Medicine National Institutes of Health), in the SCIELO (Scientific Electronic Library Online), through CAPES portal (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bases Scopus e Web of Science. The descriptors used in accordance with the Descriptors in Health Sciences (DeCS)/Medical Subject Headings (MeSH) list were “malnutrition”, “screening”, and “pediatrics”, as well as the equivalent words in Portuguese.
Summary of the findingsThe authors identified 270 articles published between 2004 and 2014. After applying the selection criteria, 35 were analyzed in full and eight articles were included in the systematic review. We evaluated the methodological quality of the studies using the Quality Assessment of Diagnostic Accuracy Studies (QUADAS). Five nutritional screening tools in pediatrics were identified. Among these, the Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Pediatrics (STAMP) showed high sensitivity, almost perfect inter‐rater agreement and between the screening and the reference standard; the Screening Tool Risk on Nutritional Status and Growth (STRONGkids) showed high sensitivity, lower percentage of specificity, substantial intra‐rater agreement, and ease of use in clinical practice.
ConclusionsThe studies included in this systematic review showed good performance of the nutritional screening tools in pediatrics, especially STRONGkids and STAMP. The authors emphasize the need to perform for more studies in this area. Only one tool was translated and adapted to the Brazilian pediatric population, and it is essential to carry out studies of tool adaptation and validation for this population.
Verificar as evidências científicas disponíveis sobre o desempenho clínico e acurácia diagnóstica dos instrumentos de triagem nutricional em pacientes pediátricos hospitalizados.
Fonte de dadosFez‐se busca nas bases de dados Medline (National Library of Medicine United States), Lilacs (Latin American and Caribbean Health Sciences), PubMed (US National Library of Medicine National Institutes of Health), SciELO (Scientific Electronic Library Online), portal de periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), bases Scopus e Web of Science. Os descritores usados conforme lista do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde)/MeSH (Medical Subject Headings) foram “desnutrição”, “triagem” e “pediatria”, bem como malnutrition, screening e pediatrics, respectivamente.
Síntese dos dadosIdentificaram‐se 270 artigos, publicados entre 2004 e 2014. Após aplicação dos critérios de seleção, 35 foram analisados na íntegra e foram incluídos oito. Avaliou‐se a qualidade metodológica dos estudos com o Quadas (Quality Assessment of Diagnostic Accuracy Studies). Verificaram‐se cinco instrumentos de triagem nutricional em pediatria. Dentre estes, o Stamp (Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Pediatrics) apresentou sensibilidade elevada, concordância quase perfeita interavaliador e entre a triagem e padrão de referência; o Strongkids (Screening Tool Risk on Nutritional Status and Growth) evidenciou sensibilidade elevada, menor percentual de especificidade, concordância intra‐avaliador substancial e facilidade de uso na prática clínica.
ConclusõesOs estudos incluídos nesta revisão sistemática demonstraram um bom desempenho dos instrumentos de triagem nutricional em pediatria, principalmente Strongkids e Stamp. Evidencia‐se a necessidade de mais pesquisas nessa área. Apenas um instrumento foi traduzido e adaptado para a população pediátrica brasileira. São imprescindíveis estudos de adaptação e validação de instrumentos para essa população.
Está amplamente descrito na literatura que o estado nutricional inadequado tem implicações negativas para a criança e determina profundas consequências para a sua saúde e o seu desenvolvimento.1–3 A desnutrição em pacientes pediátricos é uma condição patológica grave e um fator de risco para resultado desfavorável. Ela está associada à vulnerabilidade do sistema imune, à elevação do risco de infecções, às complicações no pós‐operatório, à cicatrização de feridas prejudicada e ao desenvolvimento de úlceras de pressão, bem como ao aumento da morbimortalidade dos indivíduos afetados.4–8 Esse quadro clínico torna o processo de recuperação lento, implica tempo de internação hospitalar prolongado e aumento de custos referentes à medicação e aos cuidados de saúde.4,5,8,9 Mesmo diante da frequente associação entre a desnutrição hospitalar e riscos de eventos clínicos adversos, esse é um problema que permanece amplamente subestimado e por vezes desconhecido.3,10–12 Estudos brasileiros feitos nas últimas décadas, no âmbito da transição epidemiológica e nutricional, revelam um declínio expressivo na prevalência da desnutrição infantil no país.13,14 No entanto, em contrariedade à tendência de redução da desnutrição na população geral, no contexto hospitalar ocorre o agravamento dessa situação, demonstrado pelo aumento de sua incidência15,16 e prevalência.17
Embora exista dificuldade de quantificar a real prevalência de desnutrição em crianças hospitalizadas, evidências científicas enfatizam sua frequência nesse grupo. Estudos internacionais apresentam taxas de desnutrição entre 19 e 45,6% em crianças hospitalizadas.1,18–20 No Brasil, pesquisas apontam índices de 18 a 58%.21–24 Durante a hospitalização, crianças podem desnutrir ou agravar um quadro de desnutrição pré‐existente. Desse modo, torna‐se essencial a detecção precoce de depleção nutricional durante o período de internação.1,25
Nesse sentido, a avaliação do estado nutricional do paciente identifica apenas aqueles que já estão desnutridos, e não aqueles em risco de desnutrição.5,26 Para prevenção da desnutrição hospitalar, estudos apontam que o diagnóstico precoce do risco nutricional é fundamental, pois propicia intervenções nutricionais oportunas, de modo a impedir a desnutrição e suas consequências.2,4,5,8,12,27
Para pacientes adultos, várias ferramentas de triagem foram validadas em uma variedade de contextos clínicos e com diferentes grupos de pacientes.4 No entanto, ferramentas adequadas para uso em pediatria são escassas28,29 e sem um consenso sobre qual melhor método para avaliar risco de desnutrição nesses pacientes.1,8,30
Embora haja recomendações de vários órgãos para a identificação de risco nutricional em pacientes pediátricos,3,31 na prática, devido à falta de um método simples e devidamente validado, a triagem nutricional ainda não é amplamente feita.4,9 Qualquer ferramenta concebida para triagem nutricional em pediatria deve ser simples, rápida, reprodutível,7 ter boa sensibilidade e especificidade.4,29,32
Diante disso, esta revisão sistemática da literatura tem por objetivo verificar as evidências científicas disponíveis sobre o desempenho clínico e a acurácia diagnóstica dos instrumentos usados para triagem do risco de desnutrição em pacientes pediátricos publicadas entre 2004 e 2014.
MétodosA estratégia de busca incluiu pesquisas nas bases de dados Medline, Lilacs, PubMed e SciELO. O Portal de Periódicos Capes foi usado para acesso às bases Scopus e Web of Science. Os descritores foram escolhidos de acordo o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e o MeSH (Medical Subject Headings). Em conformidade com a lista DeCS, os termos usados foram “desnutrição”, “triagem” e “pediatria”; os descritores MeSH foram malnutrition, screening e pediatrics. Além dos descritores, aplicou‐se o operador booleano AND’ para combinação dos termos nas bases de dados.
Fez‐se ainda, consulta por meio das referências dos artigos selecionados, a fim de identificar publicações não localizadas anteriormente e que fossem pertinentes ao tema da revisão. As buscas foram feitas de novembro de 2014 a abril de 2015.
Para o refinamento adequado dos artigos, foram definidos os seguintes critérios de inclusão: estudos feitos com pacientes pediátricos hospitalizados, com avaliação do uso de alguma ferramenta de triagem de risco nutricional, artigos publicados nos últimos dez anos (2004‐2014), nos idiomas português, inglês e/ou espanhol. Os critérios de exclusão foram: estudos qualitativos, artigos de revisão, editoriais, cartas ao editor, capítulos de livro, artigos sem íntegra e que não apresentaram dados referentes à sensibilidade e ¿‘a especificidade dos instrumentos de triagem.
O processo de seleção dos artigos foi feito em quatro etapas, segundo o modelo recomendado pela Cochrane Collaboration:33 1 – identificação dos artigos obtidos por meio da busca às bases de dados e dos artigos recuperados por meio das referências dos artigos selecionados; 2 – seleção; nessa fase, excluíram‐se os arquivos duplicados e na triagem pelos títulos e resumos dos artigos restantes foram excluídos aqueles que não apresentavam relação com as palavras‐chave definidas para a busca; 3 – elegibilidade; avaliada pela leitura dos arquivos na íntegra (excluindo‐se os que não atenderam aos critérios de elegibilidade pré‐estabelecidos) e; 4 – inclusão dos artigos elegíveis na revisão sistemática.
Para avaliação do desempenho clínico e da acurácia diagnóstica dos instrumentos consideraram‐se: a sensibilidade – capacidade da triagem de detectar os indivíduos verdadeiramente em risco nutricional; a especificidade – capacidade de diagnosticar os indivíduos que não apresentam risco nutricional; o valor preditivo positivo – probabilidade de o paciente estar em risco entre aqueles que tiveram o teste positivo e o valor preditivo negativo ‐ probabilidade do paciente estar sadio entre os que tiveram teste negativo.34
Verificou‐se, ainda, se os estudos analisaram a reprodutibilidade e a confiabilidade dos instrumentos de triagem com o uso dos dados das análises da concordância entre a triagem de risco nutricional avaliada e o padrão de referência, bem como a concordância inter e intra‐avaliadores. Para interpretar o valor estatístico Kappa, considerou‐se a classificação de Landis e Koch:35 nenhuma concordância (< 0); concordância pobre (0 a 0,19); concordância leve (0,20 a 0,39); concordância moderada (0,40 a 0,59); concordância substancial (0,60 a 0,79) e concordância quase perfeita (0,80 a 1,00).
Para avaliação da qualidade metodológica dos estudos, usou‐se a versão modificada do Quadas (Quality Assessment of Diagnostic Accuracy Studies)36 recomendada pelo Handbook da Cochrane,37 que permite avaliar as fontes de viés, variabilidade e qualidade da informação nos estudos.36 Essa versão avalia 11 dos 14 itens da versão original, considera‐se que os demais itens (2, 8 e 9) referem‐se a problemas relacionados a como relatar os dados, e não propriamente à qualidade metodológica do estudo.38 Um bom desempenho do estudo é verificado quando esse apresenta avaliação positiva no mínimo em oito dos 11 itens do Quadas.39
ResultadosForam identificados inicialmente 270 artigos e no fim do processo de seleção, segundo o modelo preconizado pela Cochrane Collaboration, foram quantificados oito artigos, os quais cumpriram todos os critérios de elegibilidade preestabelecidos. Foram, portanto, incluídos nesta revisão sistemática (fig. 1).
Dos oito estudos selecionados, três (37,5%) foram publicados em 2012. A faixa etária dos indivíduos que participaram dos estudos variou entre um mês e 18 anos. A descrição completa dos artigos é apresentada na tabela 1.
Caracterização dos artigos incluídos na revisão sistemática
Autor/ano | Triagem | Local | População | Objetivo | Amostra | Faixa etária | Padrão de referência usado |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Gerasimidis et al. /201028 | PYMS | Reino Unido | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Avaliar a acurácia diagnóstica do novo Score Pediátrico Yorkhill Desnutrição (PYMS) | 247 | 1‐16 anos | Avaliação antropométrica, composição corporal e medidas dietéticas |
Huysentruyt et al. /201344 | Strongkids | Bélgica | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Testar a facilidade de uso e reprodutibilidade do Strongkids para confirmar a validade em uma população belga de crianças hospitalizadas. | 368 | 4 meses‐15,5 anos | Antropometria (HFA < −2DP e WFH < −2DP) |
Lama More et al. /201241 | Stamp | Espanha | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Validar a ferramenta de triagem nutricional pediátrica Stamp para população espanhola | 250 | 1 mês‐18 anos | Avaliação nutricional especializada (clínica, antropometria, composição corporal) |
McCarthy et al. /201240 | Stamp | Reino Unido | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Desenvolver e avaliar uma triagem nutricional para uso por pessoal de enfermagem na identificação precoce de subnutrição em crianças hospitalizadas | 122 | 2‐17 anos | Avaliação nutricional completa por nutricionista |
Spagnuolo et al. /20135 | Strongkids | Itália | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Investigar a eficácia da ferramenta de triagem Strongkids em uma população de crianças admitidas em 12 hospitais italianos | 144 | 1‐18 anos | Antropometria (HFA < −2DP e BMI < −2DP) |
Wong et al. /201242 | Stamp | Reino Unido | Pacientes com traumatismo na coluna vertebral | Validar a ferramenta de triagem Stamp em pacientes pediátricos com traumatismo na coluna vertebral internados no centro nacional de traumatismo na coluna vertebral | 51 | 6 meses‐18 anos | Avaliação dietética total (clínica, nutricional e bioquímica) |
Wonoputri et al. /201443 | Stamp; Strongkids; PYMS | Indonésia | Pacientes clínicos | Verificar a validade concorrente entre as três ferramentas de triagem nutricional em comparação a Avaliação Subjetiva Global de Nutrição (SGNA) | 116 | 1‐15 anos | SGNA |
White et al. /201429 | PNST; SGNA | Austrália | Pacientes clínicos e cirúrgicos | Relatar a precisão de uma nova, rápida e simples Ferramenta de Triagem Nutricional Pediátrica (PNST) projetado para ser usado para pacientes pediátricos | 295 | 1‐16 anos | Antropometria e SGNA |
HFA, altura para idade; WFH, peso para estatura; BMI, IMC para idade; DP, desvio padrão.
A avaliação da qualidade metodológica dos artigos demonstrou que a maioria (62,5%, n = 5) tem “bom desempenho metodológico”. Em três dos artigos (37,5%), a amostra não foi representativa da população. Observou‐se uma heterogeneidade na escolha do padrão de referência. Nesse aspecto, dois estudos (25%) não apresentaram padrão de referência adequado (antropometria) e, ainda, as informações de quatro estudos (50%) não permitiram determinar se a interpretação dos resultados do teste de referência e do teste índice foi conduzida de forma independente nos estudos incluídos ou se houve viés de revisão. O resultado da avaliação da qualidade metodológica, conforme a versão modificada do Quadas36 encontra‐se ilustrado na figura 2.
A análise dos estudos evidenciou o uso de cinco instrumentos de triagem de risco nutricional em pacientes pediátricos hospitalizados: Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Pediatrics (Stamp)40–43 em quatro (50%) dos estudos; Screening Tool Risk on Nutritional Status and Growth (Strongkids)5,43,44 em três (37,5%); Paediatric Yorkhill Malnutrition Score (PYMS)28,43 em dois (25%); Pediatric Nutrition Screening Tool (PNST)29 em um (12,5%); e Subjective Global Nutritional Assessment (SGNA)29 em um (12,5%).
A sensibilidade das ferramentas de triagem variou entre 5928 e 100%.43 Stamp e Strongkids foram os que apresentaram melhor resultado em relação à sensibilidade (100%).
A maioria dos instrumentos apresentou especificidade entre 535 e 92%.28 Nesse parâmetro, Strongkids e Stamp apresentaram os menores percentuais de especificidade, 7,743 e 11,54%,43 respectivamente, e PYMS especificidade elevada (92%).28 Observou‐se ainda valor preditivo negativo elevado em todos os estudos (entre 73,6 e 100%).
A concordância entre a triagem de risco nutricional e o padrão de referência foi verificado por quatro dos estudos (50%), com melhor desempenho do Stamp40 (k = 0,882; IC95% 0,646‐1,000). Quanto à concordância interavaliador, observou‐se variação entre moderada (0,40‐0,59)28 e quase perfeita (0,80‐1,00).40,41 O Stamp foi a ferramenta com melhor concordância interavaliador. Para a concordância intra‐avaliador verificou‐se melhor desempenho do Strongkids,44 com concordância substancial (k ≥ 0,60‐0,79) (tabela 2).
Valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo e reprodutibilidade dos estudos incluídos na revisão sistemática
Autor/ano | Triagem | Sensibilidade (%) | Especificidade (%) | VPP (%) | VPN (%) | Concordância (Kappa) |
---|---|---|---|---|---|---|
Gerasimides et al. /201028 | PYMS | 59% | 92% | 47% | 95% | CR: k = 0,46 (IC95% 0,27‐0,64) Interavaliadorr: k = 0,53 (IC95% 0,38‐0,67) |
Huysentruyt et al. /201344 | Strognkids | 71,9%a | 49,1%a | 11,9%a | 94,8a | Interavaliador: k = 0,61 Intra‐avaliador: k = 0,66 |
69%b | 48,4%b | 10,4%b | 94,8b | |||
Lama More et al. /201241 | Stamp | 75% | 60,8% | 39,7% | 87,6% | Interavaliador: k = 0,85 |
McCarthy et al. /201240 | Stamp | 70% (IC95% 51‐84) | 91% (IC95% 86‐94) | 54,8% (IC95% 38,8‐69,8) | 94,9% (IC95% 90,5‐97,4) | CR: k = 0,882 (IC95% 0,646‐1,000) Interavaliador: k = 0,921 (IC95% 0,763‐1,000) |
Spagnuolo et al. /20135 | Strongkids | 71% (IC95% 48‐89) | 53% (IC95% 43‐63) | 21% (IC95% 17‐25) | 85% (IC95% 85‐90) | ‐ |
Wong et al. /201242 | Stamp | 83,3% | 66,7% | 78,1% | 73,6% | CR: k = 0,507 (IC95% 0,646‐1,000) Interavaliador: k = 0,752 Intra‐avaliador: k = 0,635 |
Wonoputri et al. /201443 | PYMS | 95,31% (IC95% 0,87‐0,98) | 76,92% (IC95% 0,63‐0,86) | 83,56% (IC95% 0,73‐0,9) | 93,02% (IC95% 0,81‐0,97) | DA: k = 0,348 (IC95% 0,191‐ 0,506) DC: k = 0,125 (IC95% 0‐0,299) |
Stamp | 100% (IC95% 0,94‐1) | 11,54% (IC95% 0,05‐0,23) | 58,2% (IC95% 0,48‐0,67) | 100% (IC95% 0,61‐1) | DA: k = 0,018 (IC95% 0‐0,140) DC: k = 0 (IC95% 0‐0,140) | |
Strongkids | 100% (IC95% 0,94‐1) | 7,7% (IC95% 0,03‐0,18) | 57,14% (IC95% 0,479‐0,659) | 100% (IC95% 0,51‐1) | DA: k = 0,028 (IC95% 0‐0,149) DC: k = 0 (IC95% 0‐0,144) | |
White et al. /201429 | PNST | 89,3%c | 66,2%c | 22,5%c | 98,4%c | ‐ |
77,8%d | 82,1%d | 69,3%d | 87,6%d | |||
SGNA | 96,5% | 72,5% | 27,7% | 99,5% | ‐ |
VPP, valor preditivo positivo; VPN, valor preditivo negativo; CR, concordância com o padrão de referência usado; DA, desnutrição aguda; DC, desnutrição crônica; IC, intervalo de confiança.
A revisão sistemática é uma ferramenta valiosa, tanto na avaliação de testes diagnósticos individuais como para comparação de diferentes testes em uma mesma condição‐alvo. Seus resultados podem dissipar dúvidas clínicas ou explorar outras questões e indicar o caminho para que se encontre a resposta da melhor maneira.45
Esta revisão sistemática de estudos de acurácia diagnóstica possibilitou a síntese dos resultados de diversas pesquisas que avaliaram instrumentos de triagem do risco nutricional destinadas a pacientes pediátricos hospitalizados.
A qualidade metodológica da maioria dos estudos foi considerada alta. Os principais problemas metodológicos apresentados foram referentes à falta de informações satisfatórias para determinar se a interpretação da triagem nutricional usada foi independente ou se houve influência do conhecimento dos resultados do padrão de referência, ou vice‐versa, o que pode caracterizar um viés de revisão dos resultados.
Nesse aspecto, o viés de revisão pode levar a medidas infladas de precisão diagnóstica e, ainda, a depender do grau de subjetividade relacionado ao teste índice (triagem), sua interpretação pode ser fortemente influenciada se o resultado do padrão de referência for conhecido.36
Em 37,5% dos estudos a amostra não foi representativa, em desacordo com o que preconiza o Handbook da Cochrane para estudos de acurácia diagnóstica,37 o qual recomenda que uma amostra apropriada deve ser definida, configura‐se como um dos principais fatores que podem afetar a precisão do teste.
Em relação ao padrão de referência usado, esse ainda é um ponto controverso, tendo em vista a inexistência de um padrão “ouro” universalmente aceito para diagnóstico de risco nutricional em crianças.43
Entre os estudos, observou‐se que alguns usaram como padrão de referência a avaliação por um nutricionista. Esse parâmetro é considerado impróprio por outros autores, os quais destacam que nem todos os países têm profissionais nutricionistas e que seu papel pode variar a depender do país.32,43,46 Nessa questão, a antropometria tem sido mais bem avaliada como padrão de referência, tendo em vista o uso de parâmetros universalmente aceitos44 e preconizados por uma organização de referência internacional.47
A ferramenta de triagem nutricional deve ser capaz de identificar os doentes que podem se beneficiar com a intervenção, seja devido a estarem em risco de desenvolver, seja por apresentarem complicações evitáveis por meio de adequado suporte nutricional.41
Os métodos de triagem consistem na sistematização de questões que investigam a existência de características que possam refletir ou estar relacionadas à deterioração nutricional.15 A esse respeito, a triagem nutricional apenas detecta a presença de risco de desnutrição. Já a avaliação nutricional, além de detectar desnutrição, classifica seu grau e permite coleta de informações que auxiliem em sua correção.48
A ferramenta Stamp foi validada em estudo feito no Reino Unido.49 Esse screening nutricional considera três elementos: o diagnóstico clínico do paciente e da sua implicação nutricional (se houver), a ingestão nutricional da criança durante a hospitalização e medidas antropométricas (o valor medido de altura e peso corporal da criança é gravado e comparado com os valores de referência por idade e sexo).10
O PYMS foi desenvolvido e validado por Gerasimides et al.28 no Reino Unido. Ele avalia quatro elementos preditores ou sintomas reconhecidos do risco de desnutrição: índice de massa corporal (IMC), história de perda de peso recente, mudanças na ingesta alimentar e efeito previsto da condição médica atual sobre o estado nutricional do paciente.28
O Strongkids proposto por Hulst et al. em um estudo multicêntrico feito na Holanda1 trata‐se de um questionário que compreende quatro áreas: avaliação subjetiva global; risco nutricional da doença que o paciente apresenta (presença de doença de alto risco ou cirurgia de grande porte prevista); ingestão e perdas nutricionais (diminuição da ingestão alimentar, diarreia e vômito) e perda ou ausência de ganho de peso.1,30,50,51 Ele é o único instrumento traduzido e adaptado culturalmente para o português.30
A PNST foi projetada por White et al.29 na Austrália. Ela consiste em quatro perguntas simples, com respostas sim ou não. As perguntas referem‐se à perda involuntária de peso nos últimos dias, pouco ganho de peso nos últimos meses, diminuição na ingesta alimentar nas últimas semanas e ainda se a criança é magra ou obesa.32 Considera‐se risco nutricional quando há ocorrência de duas respostas positivas.29,32
A SGNA é uma adaptação da avaliação subjetiva global, que foi validada para uso em pacientes pediátricos.52 Ela consiste de um questionário que reúne e analisa várias informações: adequação da altura atual para a idade; adequação do peso atual para altura; alterações não intencionais no peso; ingestão alimentar; sintomas gastrointestinais; estresse metabólico da doença e exame físico. Embora mencionada como uma ferramenta de triagem, ela é mais bem caracterizada como uma avaliação nutricional estruturada.4
A partir dos componentes avaliados nas triagens (Stamp, Strongkids e PYMS) obtém‐se um escore correspondente ao nível de risco de desnutrição, descrito como baixo, moderado ou alto, diferentemente do SGNA, que classifica o paciente como bem nutrido, moderadamente desnutrido e severamente desnutrido.
Com exceção da SGNA, que foi desenvolvida para uso em pacientes adultos e posteriormente validada para aplicação em pacientes pediátricos,52 todos os instrumentos de triagem avaliados foram desenvolvidos para a população pediátrica.
As avaliações da acurácia diagnóstica em estudos individuais focam na análise do desempenho do teste índice frente a um teste de referência (sensibilidade e especificidade) ou nas implicações dos resultados positivos e negativos do teste índice.38 Nesse contexto, Hartman et al.4 destacam que as características de sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade são imprescindíveis para qualquer ferramenta destinada a avaliação nutricional em pediatria.
As ferramentas Strongkids e Stamp apresentaram maior sensibilidade e índices muito baixos de especificidade. Já o PYMS apresentou melhor percentual de especificidade. Esse achado pode estar relacionado ao padrão de referência usado nos estudos. Considerado‐se que entre os estudos que tiveram a antropometria como padrão de referência não foi verificada diferença expressiva quanto a essas medidas, o que confirma a importância da seleção adequada do padrão de referência, visto que essa escolha pode gerar implicações clínicas importantes.47
Tratando‐se da avaliação de risco nutricional em pediatria, maior sensibilidade e valor preditivo positivo refletem uma maior probabilidade de que a criança identificada em risco nutricional pela ferramenta esteja realmente assim.40
Os instrumentos que apresentam baixa sensibilidade são mais sujeitos a resultados falso‐negativos. Dessa forma, crianças que realmente estão em risco nutricional deixam de ser diagnosticadas. Já os que têm baixa especificidade são mais propensos a fornecer resultados falso‐positivos, implicam diagnóstico de risco em pacientes isentos dele.
As triagens devem ter alta sensibilidade, a fim de minimizar o número de falso‐negativos.34 Nesse contexto, a sensibilidade é mais importante do que a especificidade, pois um resultado falso‐positivo irá apenas expor o paciente a uma avaliação nutricional detalhada. Em contrapartida, um falso‐negativo pode gerar um quadro de desnutrição não reconhecido.44
Quanto maior o grau de sensibilidade de um teste, melhor será seu valor preditivo negativo. Logo, maior certeza de que o indivíduo com resultado negativo realmente não tem a doença. E quanto mais específico, melhor o seu valor preditivo positivo (ou seja, maior a confiança que uma pessoa com resultado positivo tenha a doença em estudo).34
Quanto à análise da reprodutibilidade e confiabilidade, medidas fundamentais para avaliação da precisão de um instrumento de triagem nutricional, observou‐se melhor desempenho das ferramentas Stamp e Strongkids (concordância inter e intra‐avaliador, respectivamente). Para que o instrumento de triagem tenha uma medição reprodutível, deve existir uma boa concordância, a fim de refletir um alto nível de confiabilidade.42
Em relação à aplicabilidade na prática pediátrica, o instrumento de triagem ideal é aquele que pode, de forma rápida e confiável, avaliar o risco nutricional dos pacientes, de modo a sinalizar os que precisam de uma avaliação mais detalhada e intervenção.32,46 Se a ferramenta de triagem for extensa, há menor probabilidade de uso pelos prestadores de cuidados com a saúde.1
Os estudos de Spagnuolo et al.5 e Huysentruyt et al.44 apresentaram o Strongkids como uma ferramenta de estrutura simples, aplicação prática na rotina (média de três minutos) e facilidade para uso em contexto hospitalar. Um estudo que analisou metodologicamente seis instrumentos de triagem nutricional pediátrica também apontou o Strongkids como o mais prático, fácil e confiável.46
Estudo feito com pacientes pediátricos neozelandeses que comparou as triagens PYMS, Stamp e Strongkids demonstrou que os três são viáveis e capazes de identificar risco nutricional, mas o Strongkids foi o mais confiável naquela população.53 Em contrapartida, ao comparar essas mesmas ferramentas aplicadas em crianças hospitalizadas na Indonésia, Wonoputri et al.43 recomendam a PYMS como a mais confiável naquele cenário.
O Stamp é descrito como um instrumento mais detalhado, com tempo de aplicação mais longo (± 10 minutos), possivelmente devido à interpretação de gráficos de crescimento.10 Nesse aspecto, a SGNA é relatada como uma ferramenta extensa e de aplicação demorada.43 O Strongkids tem sido considerado mais rápido de aplicar devido à exclusão de peso e altura.11 No entanto, para alguns autores5,43 a exclusão de uma avaliação objetiva é uma desvantagem desse instrumento.
Os estudos incluídos nesta revisão evidenciaram a maioria dos instrumentos de triagem nutricional em pacientes pediátricos como viáveis para triagem de risco nutricional em pediatria. Contudo, todos os instrumentos apresentaram vantagens e limitações. Corroboraram vários estudos que reforçam a necessidade de mais pesquisas na área.28,40,54–56 E, ainda, apenas um desses instrumentos foi traduzido e adaptado para o português, é uma lacuna na produção científica nessa área.
Internacionalmente há várias recomendações quanto à triagem nutricional. No entanto, elas se concentram em adultos e idosos, devido à ausência de um instrumento adequado para identificação de risco nutricional em crianças na admissão hospitalar.40 Nesse sentido, Sykorová e Zavřelová10 enfatizam a necessidade de que os instrumentos de triagem em pediatria não sejam apenas introduzidos, mas que sejam verdadeiramente funcionais, sejam alvo das normas internacionais de acreditação e possam atuar como indicadores de qualidade do atendimento.
E, ainda, a triagem de risco nutricional deve ser seguida de avaliações regulares para acompanhamento durante a internação.46 Nesse aspecto, Strongkids, Stamp e PYMS foram originalmente concebidos para uso regular nos pacientes com permanência hospitalar prolongada. Entretanto, a sua aplicabilidade para esse objetivo requer maiores investigações.
Quanto às limitações da presente revisão sistemática, embora o processo de busca tenha sido extenso e detalhado, há probabilidade de que informações importantes tenham sido perdidas, devido a artigos publicados em outras línguas que não fossem inglês, espanhol e português.
ConclusãoComo se trata do cuidado de pacientes pediátricos hospitalizados, a triagem do risco nutricional é essencial. Para a escolha do instrumento de triagem a ser usado na prática hospitalar, é imperativo conhecer os aspectos referentes ao desempenho clínico e à acurácia diagnóstica.
Os estudos incluídos nesta revisão sistemática demonstraram bom desempenho clínico dos instrumentos de triagem do risco de desnutrição em pacientes pediátricos, principalmente as ferramentas Strongkids e Stamp.
No entanto, há necessidade de mais pesquisas com vistas a explorar os diversos aspectos da aplicação clínica dessas ferramentas. Os estudos brasileiros nessa temática mostram‐se incipientes. Apenas o Strongkids foi traduzido e adaptado para a população de crianças brasileiras hospitalizadas. É, portanto, fundamental para pesquisas futuras considerar o desempenho clínico e a acurácia diagnóstica dos instrumentos para essa população, adaptá‐los e validá‐los.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Teixeira AF, Viana KD. Nutritional screening in hospitalized pediatric patients: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:343–52.
Trabalho vinculado ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde, Hospital Universitário, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, Brasil.