Gastroschisis is a defect of the abdominal wall, resulting in congenital evisceration and requiring neonatal intensive care, early surgical correction, and parenteral nutrition. This study evaluated newborns with gastroschisis, seeking to associate nutritional characteristics with time of hospital stay.
MethodsThis was a retrospective cohort study of 49 newborns undergoing primary repair of gastroschisis between January 1995 and December 2010. The newborns’ characteristics were described with emphasis on nutritional aspects, correlating them with length of hospital stay.
ResultsThe characteristics that influenced length of hospital stay were: 1) newborn small for gestational age (SGA); 2) use of antibiotics; 3) day of life when enteral feeding was started; 4) day of life when full diet was reached. SGA infants had longer length of hospital stay (24.2%) than other newborns. The length of hospital stay was increased by 2.1% for each additional day taken to introduce enteral feeding. However, slower onset of full enteral feeding acted as a protective factor, decreasing length of stay by 3.6%. The volume of waste drained by the stomach catheter in the 24hours prior the start of enteral feeding was not associated with the timing of diet introduction or length of hospital stay.
ConclusionEarly start of enteral feeding and small, gradual increase of volume can shorten the use of parenteral nutrition. This management strategy contributes to reduce the incidence of infection and length of hospital stay of newborns with gastroschisis.
A gastrosquise é uma malformação da parede abdominal que resulta em evisceração congênita e requer tratamento intensivo neonatal, correção cirúrgica precoce e nutrição parenteral. Investigaram‐se neste estudo os recém‐nascidos com gastrosquise e procurou‐se correlacionar as suas características nutricionais com o tempo da internação hospitalar.
MétodosEstudo de coorte retrospectivo de 49 recém‐nascidos submetidos à correção primária de gastrosquise de janeiro de 1995 a dezembro de 2010. As características dos neonatos foram descritas com ênfase nos aspectos nutricionais e relacionadas com o tempo de internação hospitalar.
ResultadosAs características que influenciaram a duração da internação foram: 1) recém‐nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG); 2) uso de antibióticos; 3) dia de vida ao iniciar a dieta enteral; 4) dia de vida ao atingir a dieta plena. Recém‐nascidos PIG tiveram maior tempo de internação (24,2%) do que demais neonatos. O tempo de internação foi aumentado em 2,1% para cada dia a mais que se demorou a introduzir a dieta enteral. Entretanto, atingir mais lentamente o aporte pleno da dieta enteral agiu como fator protetor, diminuiu 3,6% no tempo de internação. O volume de resíduo drenado pelo cateter gástrico, nas últimas 24 horas antes do início da dieta enteral, não apresentou correlação com o momento da introdução da dieta nem com a duração da hospitalização.
ConclusãoIniciar a dieta enteral precocemente, com aumento gradativo em pequenos volumes, pode abreviar a duração da nutrição parenteral. Esse manejo contribui para a diminuição da incidência de infecções e do tempo de hospitalização de recém‐nascidos com gastrosquise.
No Brasil, as anomalias congênitas conquistaram, nos últimos anos, a segunda posição como causa de mortalidade infantil1 e têm gerado morbidades que comprometem a qualidade de vida das crianças.
Vários fatores têm contribuído para a diminuição das taxas de mortalidade infantil, nos últimos anos. Entre eles citam‐se avanços em cuidados perinatais, ampliação das unidades de terapia intensiva neonatal, melhoria dos equipamentos de ventilação mecânica, emprego da nutrição parenteral, avanços nos métodos diagnósticos pré e pós‐natal, protocolos atualizados de assistência perinatal. Assim, recém‐nascidos com gastrosquise podem atualmente atingir taxas de sobrevida que chegam a mais de 90%, principalmente em países desenvolvidos.2
Contudo, o tempo de internação hospitalar ainda é preocupante. O alto custo, as incapacidades e interferências nutricionais, além da desestruturação familiar gerada, fazem com que as malformações congênitas se destaquem como questões importantes a ser identificadas e pesquisadas.
Recém‐nascidos com gastrosquise apresentam um defeito na parede abdominal anterior, não relacionado ao cordão umbilical, que resulta na exteriorização de vísceras abdominais desde a vida intrauterina. Estima‐se uma frequência de 2 a 5 casos de gastrosquise para cada 10.000 nascidos vivos, com tendência de aumento em vários países nos últimos 20 a 30 anos.3,4
O tratamento da gastrosquise requer assistência intensiva logo após o nascimento, correção cirúrgica nas primeiras horas de vida e nutrição parenteral. As principais complicações relacionadas devem‐se à disfunção intestinal (íleo paralítico, obstrução, atresias, má rotação, aderências, ressecção, intestino curto), ao tempo de internação hospitalar e à ocorrência de episódios de septicemia e desnutrição. Conforme a desproporção víscero‐abdominal, a correção cirúrgica pode ser feita em tempo único com sutura primária da parede abdominal ou de modo estadiado com confecção do silo extra‐abdominal, inicialmente, para conter e proteger temporariamente as vísceras exteriorizadas.5
Entender os aspectos nutricionais desses recém‐nascidos e sua repercussão no tempo de internação hospitalar possibilita à equipe multidisciplinar estabelecer estratégias para diminuição da morbimortalidade e protocolos de abordagem nutricional, com atenção ao volume da nutrição oferecida e ao momento de sua introdução.
A finalidade deste estudo foi identificar e descrever o perfil dos recém‐nascidos com gastrosquise submetidos à correção cirúrgica primária e procurar correlacionar as suas características nutricionais com o tempo de internação hospitalar.
MétodoEstudo de coorte retrospectivo com inclusão de todos os recém‐nascidos portadores de gastrosquise, submetidos ao fechamento cirúrgico primário, admitidos na Maternidade Otto Cirne do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC‐UFMG) entre janeiro de 1995 e dezembro de 2010.
Obteve‐se o diagnóstico pela avaliação ultrassonográfica fetal e/ou através do exame clínico ao nascimento.
Foram identificados 40.819 neonatos nascidos vivos pelo censo do Estudo Colaborativo Latino‐Americano de Malformações Congênitas (Eclamc). Eram 4.111 nascidos vivos e malformados, dos quais 89 eram portadores de gastrosquise. Foram submetidos a fechamento primário 49 pacientes, de acordo com identificação feita nos prontuários e confirmada pelo censo feito pela equipe de Cirurgia Pediátrica do HC/UFMG. Foram excluídos recém‐nascidos com síndromes genéticas, nascidos de gestação de fetos múltiplos, não nascidos no HC‐UFMG e aqueles com gastrosquise operados pela técnica estadiada.
Identificaram‐se variáveis relacionadas ao recém‐nascido, como sexo, idade gestacional, classificação em relação à idade gestacional e ao peso no nascimento, Apgar de 1° e 5° minutos, presença de outras malformações, localização do defeito anatômico em relação ao cordão umbilical, aspecto das alças intestinais exteriorizadas (simples: sem alterações; complexa: necrose, isquemia, perfuração, estenose e atresia), conteúdo das vísceras exteriorizadas (somente intestino ou associada com outros órgãos), tamanho do defeito de parede abdominal, tempo até a cirurgia, ressecção intestinal na primeira intervenção cirúrgica, necessidade de outra intervenção na internação, tempo de ventilação mecânica, número de ciclos de antibioticoterapia, uso de relaxante muscular e ocorrência ou não de instabilidade hemodinâmica (choque). Observaram‐se dados de abordagem nutricional, como tempo de nutrição parenteral, dia de vida em que iniciou a dieta, volume de resíduo gástrico em 24 horas antes do início da dieta, dias de vida em que atingiu dieta plena, dosagem de sódio, dosagem de albumina sérica, interrupção ou não da dieta enteral após seu início, peso de alta e relação do peso de alta com o peso de nascimento.
Fez‐se análise descritiva das características do recém‐nascido e dos aspectos nutricionais. As variáveis foram submetidas à análise univariada e multivariada e consideraram‐se o tempo da primeira internação hospitalar e seu desfecho (alta ou óbito).
Para a análise univariada e multivariada usou‐se o software R®, versão 3.0.3 para Windows (Microsoft®, Washington, EUA). Para selecionar as variáveis significativas implicadas com o tempo de internação hospitalar dos recém‐nascidos usou‐se o método Stepwise.6 Para o método Forward usaram‐se as análises univariadas, adotou‐se um nível de significância de 25%. Para a análise univariada usaram‐se o teste Mann‐Whitney, em que estratificou‐se o tempo até a alta sobre as variáveis categóricas, e o teste de correlação de Spearman, em que relacionou‐se o tempo até a alta com outras variáveis quantitativas.
As variáveis selecionadas entraram na regressão de Poisson múltipla, aplicou‐se o método backward, adotou‐se nível de 5% de significância. Denominamos a regressão final, após os procedimentos backward e forward, como regressão de Poisson stepwise. Para os fenômenos de super ou subdispersão, usou‐se o método da quase‐Verossimilhança7,8 para a estimação do modelo, possibilitando a estimação de variâncias robustas a esses fenômenos. Para regressão logística calculou‐se o pseudo R2 de Nagelkerke,9 enquanto que para regressão de Poisson calculou‐se o R2 ajustado para modelos log‐lineares.10
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.
ResultadosAs características dos recém‐nascidos portadores de gastrosquise com fechamento primário e as variáveis relacionadas ao seu estado nutricional estão identificadas na tabela 1.
Frequência e medidas descritivas das variáveis características do neonato portador de gastrosquise e aspectos nutricionais de janeiro de 1995 a dezembro de 2010
Características do recém‐nascido | N | (%) | |
---|---|---|---|
Desfecho | Alta | 40 | (85,1) |
Óbito | 7 | (14,9) | |
Dias internado | Média (D.P.) (n=48) | 33,3 | (19,2) |
Idade gestacional | Prematuro | 25 | (51,0) |
Termo | 24 | (49,0) | |
Média (D.P.) (n=49) | 36,1 | (2,0) | |
Classificação | AIG | 42 | (85,7) |
PIG | 7 | (14,3) | |
Malformação | Sem malformação | 39 | (79,6) |
Cardíaca | 3 | (6,1) | |
Criptorquidia | 5 | (10,2) | |
Menor | 2 | (4,1) | |
Aspecto | Complexa | 22 | (44,9) |
Simples | 27 | (55,1) | |
Conteúdo | Associada | 31 | (63,3) |
Isolada | 18 | (36,7) | |
Feitura de ressecção intestinal na 1a cirurgia | Não | 42 | (87,5) |
Sim | 6 | (12,5) | |
Antibioticoterapia | Uma vez | 16 | (33,3) |
Mais de uma | 32 | (66,7) |
Aspectos nutricionais do recém‐nascido | N | (%) | |
---|---|---|---|
Tempo de nutrição parenteral | Não avaliado | 4 | (8,3) |
≤22 | 31 | (64,6) | |
>22 | 13 | (27,1) | |
Média (D.P.) (n=44) | 22,0 | (10,9) | |
Dia de vida que iniciou a dieta enteral | Não avaliado | 3 | (6,2) |
≤12 | 25 | (52,1) | |
>12 | 20 | (41,7) | |
Média (D.P.) (n=45) | 12,4 | (4,4) | |
Resíduo gástrico | Não avaliado | 3 | (6,4) |
≤25ml | 27 | (57,4) | |
>25ml | 17 | (36,2) | |
Média (D.P.) (n=44) | 25,1 | (26,6) | |
Dia de vida que atingiu a dieta plena | Não avaliado | 6 | (12,5) |
≤23 | 28 | (58,3) | |
>23 | 14 | (29,2) | |
Média (D.P.) (n=42) | 22,9 | (8,4) | |
Dosagem de Na+ sérico (mEq/mL) | Média (D.P.) (n=48) | 126,8 | (4,9) |
Dosagem de Albumina (g/dL) | Média (D.P.) (n=17) | 2,4 | (0,6) |
Interrompeu a dieta após início da dieta | Não | 35 | (72,9) |
Sim | 13 | (27,1) | |
Peso | Média (D.P.) (n=49) | 2414,0 | (552,1) |
Peso alta | Média (D.P.) (n=46) | 2790,9 | (571,1) |
Relação Peso alta/Peso ao nascer | Ganhou | 39 | (84,8) |
Perdeu | 7 | (15,2) | |
Média (D.P.) (n=46) | 1,18 | (0,19) |
Foram identificados 7 neonatos que foram a óbito e corresponderam a 14,9% dos recém‐nascidos. O tempo médio de internação foi de 33,3 dias.
Quanto à classificação do peso em relação a idade gestacional, 14,3% dos recém‐nascidos foram classificados como pequenos para a idade gestacional (PIG) e 85,7% classificados como adequados para a idade gestacional (AIG).
Considerando que todos os neonatos portadores de gastrosquise recebem pelo menos um esquema inicial de antibioticoterapia durante a internação,66,7% dos recém‐nascidos deste estudo receberam mais de um ciclo de antibióticos.
O tempo de nutrição parenteral de 64,6% dos recém‐nascidos foi menor ou igual a 22 dias. O resíduo gástrico foi ≤ 25mL nas últimas 24 horas antes do início da dieta enteral em 57,4% dos recém‐nascidos. Quanto à idade de início da dieta enteral, 52,1% dos recém‐nascidos iniciaram a dieta enteral até o 12° dia de vida. E 58,3% dos recém‐nascidos atingiram a dieta plena em média com 23 dias de vida.
O valor médio encontrado na dosagem sérica de Na+ foi de 126,8 mEq/mL. Já para dosagem de albumina sérica a média foi de 2,4g/dL.
Em 27,1% dos recém‐nascidos a dieta enteral foi interrompida após seu início, devido a distensão abdominal, vômitos biliosos ou parada de eliminação de fezes. Em relação ao peso, 15,2% dos recém‐nascidos tiveram perda de peso do nascer à alta ou ao óbito.
Os neonatos que evoluíram para óbito muito precocemente, antes mesmo do período de introdução da dieta parenteral e enteral, não puderam ter as características nutricionais avaliadas e foram retirados da análise. Com 13 dias, 90% dos recém‐nascidos estavam vivos, enquanto que com 30 dias pelo menos 50% dos recém‐nascidos ainda estavam hospitalizados.
Na análise do tempo de internação, os resultados foram dispostos de acordo com as características do recém‐nascido e nutricionais (tabela 2).
Análise univariada das características do neonato portador de gastrosquise de janeiro de 1995 a dezembro de 2010
Característica do recém‐nascido | N | 2aQ | 1aQ | 3aQ | Valor‐P | |
---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 25 | 31,0 | 25,0 | 38,0 | 0,502 |
Masculino | 15 | 27,0 | 23,0 | 36,0 | ||
Idade gestacional | Prematuro | 20 | 30,5 | 24,0 | 48,5 | 0,465 |
Termo | 20 | 30,5 | 24,0 | 35,5 | ||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,009 | 0,956 | |||
Liquido | Ausente | 2 | 22,5 | 19,0 | 26,0 | 0,320 |
Claro | 15 | 31,0 | 23,5 | 38,5 | ||
Meconial | 21 | 31,0 | 24,0 | 38,0 | ||
Apgar ‐ 1a Faixa | <4 | 8 | 28,0 | 22,0 | 41,5 | 0,748 |
>4 | 32 | 30,5 | 24,5 | 38,0 | ||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,020 | 0,902 | |||
Apgar ‐ 5a Faixa | <6 | 1 | 25,0 | 25,0 | 25,0 | 0,544 |
>6 | 39 | 31,0 | 24,0 | 38,0 | 0,347 | |
Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,152 | ||||
Classificação | AIG | 35 | 27,0 | 24,0 | 36,5 | 0,072 |
PIG | 5 | 38,0 | 36,0 | 38,0 | ||
Malformação | Sem | 32 | 28,0 | 24,0 | 38,0 | 0,352 |
Com | 8 | 31,5 | 29,0 | 50,0 | ||
Localização para‐umbilical | Direita | 37 | 31,0 | 24,0 | 38,0 | 0,483 |
Esquerda | 2 | 25,5 | 25,0 | 26,0 | ||
Aspecto | Complexa | 16 | 30,0 | 26,0 | 38,0 | 0,507 |
Simples | 24 | 30,5 | 23,5 | 38,5 | ||
Conteúdo | Associada | 26 | 31,5 | 25,0 | 38,0 | 0,132 |
Isolada | 14 | 25,5 | 22,0 | 32,0 | ||
Tamanho do defeito (cm) | Coeficiente de Correlação | 36 | r=0,033 | 0,847 | ||
Tempo até 1a intervenção (horas) | Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,197 | 0,224 | ||
Feitura de ressecção intestinal na 1a cirurgia | Não | 37 | 30,0 | 24,0 | 38,0 | 0,425 |
Sim | 3 | 39,0 | 30,5 | 68,0 | 0,250 | |
Fez outra intervenção no acompanhamento | Não | 37 | 30,0 | 24,0 | 38,0 | |
Sim | 3 | 90,0 | 56,0 | 93,5 | 0,444 | |
Ventilação mecânica | Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,124 | |||
Antibioticoterapia | Uma vez | 11 | 25,0 | 23,0 | 27,0 | 0,076 |
Mais de uma | 29 | 32,0 | 25,0 | 39,0 | ||
Relaxantemuscular | Não | 9 | 39,0 | 22,0 | 45,0 | 0,559 |
Sim | 31 | 30,0 | 24,5 | 35,5 | ||
Choque | Não | 17 | 26,0 | 24,0 | 38,0 | 0,294 |
Sim | 22 | 31,5 | 26,0 | 38,0 |
AIG, adequados para a idade gestacional; PIG, pequenos para a idade gestacional.
Para as características gerais relacionadas aos recém‐nascidos, não houve variável significativa que pudesse estar relacionada ao tempo de internação hospitalar.
Em relação aos aspectos nutricionais avaliados foi possível identificar as seguintes variáveis (com valor significativo, p<0,05) para explicar o tempo de internação: “Interrompeu a dieta enteral após seu início”, “Relação peso alta/peso ao nascer”, “Tempo de nutrição parenteral” e “Dia de vida em que o recém‐nascido atingiu dieta plena” (tabela 3).
Análise univariada das variáveis relacionadas aos aspectos nutricionais dos neonatos portadores de gastrosquise de janeiro de 1995 a dezembro de 2010
Aspectos nutricionais do recém‐nascido | N | 2aQ | 1aQ | 3aQ | Valor‐P |
---|---|---|---|---|---|
Interrompeu a dieta após início da dieta | |||||
Não | 30 | 26,5 | 23,0 | 32,0 | 0,001 |
Sim | 10 | 48,5 | 38,0 | 66,0 | |
Peso ao nascimento | |||||
<2500g | 24 | 33,0 | 25,5 | 42,5 | 0,094 |
>2500g | 16 | 26,0 | 24,0 | 31,5 | |
Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,297 | 0,063 | ||
Peso alta hospitalar | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,113 | 0,486 | ||
Relação ‐ Peso alta/Peso ao nascer | |||||
Ganhou peso | 35 | 31,0 | 25,0 | 38,5 | 0,054 |
Perdeu peso | 5 | 21,0 | 19,0 | 31,0 | |
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,626 | 0,000 | ||
Tempo de nutrição parenteral | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,641 | 0,000 | ||
Dia de vida que iniciou dieta enteral | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,294 | 0,065 | ||
Resíduo gástrico | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,174 | 0,290 | ||
Dia de vida que atingiu a dieta plena | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=0,609 | 0,000 | ||
Dosagem de Na+sérico | |||||
Coeficiente de Correlação | 40 | r=–0,179 | 0,272 | ||
Dosagem de albumina | |||||
Coeficiente de Correlação | 13 | r=–0,196 | 0,522 |
Posteriormente, essas variáveis foram aplicadas na regressão de Poisson múltipla e o modelo da regressão encontrado está apresentado na tabela 4.
Análise da regressão de Poisson stepwise com variância robusta para tempo de internação hospitalar dos neonatos portadores de gastrosquise de janeiro de 1995 a dezembro de 2010
Regressão de Poisson stepwise | Valor‐p | Exp(β) | I.C. ‐ 95% |
---|---|---|---|
Classificação=AIG | |||
Classificação=PIG | 0,033 | 1,242 | [1,026; 1,505] |
Antibioticoterapia = Uma vez | |||
Antibioticoterapia=Mais de uma vez | 0,045 | 1,165 | [1,009; 1,345] |
(Relação peso alta/peso ao nascer) x100 | 0,015 | 1,006 | [1,001; 1,011] |
Tempo de nutrição parenteral | 0,000 | 1,054 | [1,034; 1,075] |
Dia de vida que iniciou dieta enteral | 0,015 | 1,021 | [1,005; 1,037] |
Dia de vida que atingiu a dieta plena | 0,000 | 0,964 | [0,947; 0,982] |
Pseudo R2=82,67%.
AIG, adequados para a idade gestacional; PIG, pequenos para a idade gestacional.
Com o Pseudo R2 (regressão múltipla) tem‐se que 82,7% da variabilidade total do tempo de internação até a alta foi explicado pelas variáveis “classificação”, “antibioticoterapia”, “relação peso alta/peso ao nascer”, “tempo de nutrição parenteral”, “dia de vida em que o neonato iniciou a dieta enteral” e “dia de vida em que o neonato atingiu a dieta plena”.
Os recém‐nascidos classificados como PIG apresentaram um tempo médio de internação 24,2% maior do que os recém‐nascidos classificados como AIG. Aqueles que fizeram mais de um ciclo de antibiótico apresentaram um tempo médio de internação 16,5% maior do que os recém‐nascidos que fizeram somente um ciclo.
Para cada dia a mais que se demorou a iniciar a dieta enteral, o tempo médio de internação aumentou em 2,1%.
Para cada dia a mais que se demorou a atingir a dieta plena, o tempo médio de internação diminuiu em 3,6%.
Para cada dia a mais no tempo de nutrição parenteral, o tempo médio de internação até a alta aumentou em 5,4%.
DiscussãoNeste estudo, as características mais relevantes que influenciaram o tempo de internação hospitalar dos recém‐nascidos foram: 1) classificação do peso em relação à idade gestacional (recém‐nascidos PIG); 2) uso de dois ou mais ciclos de antibióticos durante a internação; 3) relação entre peso do recém‐nascido à alta e peso do recém‐nascido ao nascimento; 4) tempo de administração da nutrição parenteral; 5) dia de vida em que o recém‐nascido iniciou a dieta enteral; 6) dia de vida em que o recém‐nascido atingiu a dieta plena; 7) a interrupção da dieta enteral.
O crescimento fetal adequado, principalmente no fim da gestação, depende de um funcionamento normal do trato gastrointestinal, o que pode não ocorrer na gastrosquise.11 No presente estudo, o tempo médio de internação dos neonatos classificados como PIG foi maior do que os AIG.
Sabe‐se que uma das complicações frequentes entre os recém‐nascidos com gastrosquise é o crescimento intrauterino restrito (CIUR),12 que se manifesta pelo baixo peso ao nascimento (≤ 2.500g).11 O menor crescimento fetal pode ser influenciado por perda de nutrientes e proteínas através da exposição intestinal ao líquido amniótico com uma privação nutricional secundária,13 que acarreta menor tolerância à progressão da dieta enteral, necessita de maior tempo de nutrição parenteral e, com isso, maior tempo de internação.
Neste estudo, não foi encontrado maior número de neonatos com gastrosquise classificados com PIG, porém eles apresentaram maior tempo de internação hospitalar, o que contrasta com o achado por Puliglanda et al. (2004),12 que não observaram diferenças no desfecho do recém‐nascido PIG em relação às diversas características, incluindo tempo de internação hospitalar.
O tempo médio de internação dos neonatos que usaram mais de um ciclo de antibióticos foi maior do que os que receberam apenas um no presente estudo. O uso de antibióticos em recém‐nascidos com gastrosquise deve‐se à tentativa de redução de contaminação das alças intestinais exteriorizadas.5 O uso de mais de um ciclo de antibióticos relaciona‐se ao maior número de infecções que acometeram o recém‐nascido. A ocorrência de infecção no período neonatal relaciona‐se diretamente ao atraso na introdução da dieta e no tempo prolongado de uso de nutrição parenteral total e dos dispositivos centrais (acessos venosos).
Temos também que quanto maior a razão entre o peso da alta e o peso ao nascer, maior o tempo de internação. Isso ocorre porque o neonato com mais tempo de internação ganha mais peso em regime hospitalar, o que reflete a adequação do apoio nutricional durante a internação.
Adicionalmente, quanto maior o tempo de nutrição parenteral, maior o tempo de internação. A duração típica de uso de nutrição parenteral até o completo desfecho é de 28 dias, como visto no estudo de Islam (2008).3 Em três estudos analisados,14–16 o tempo médio até alimentação enteral plena foi entre 17 e 42 dias e a média de internação hospitalar foi entre 24 e 67 dias.4 No presente estudo, a média do tempo de internação foi de 33 dias e o dia em que se atingiu a dieta plena foi, em média, no 22°.
Neste estudo, os recém‐nascidos que tiveram intolerância à dieta enteral após o seu início (manifestada por distensão abdominal, vômitos, estase gástrica biliosa volumosa e parada/diminuição da eliminação de gases e fezes) apresentaram maior tempo de internação em comparação com os recém‐nascidos que não sofreram interrupção da administração da dieta enteral.
A nutrição parenteral é um importante fator de sobrevivência nos primeiros dias desses neonatos. Porém, seu uso prolongado associa‐se ao maior risco de infecções e efeitos adversos no fígado (colestase, icterícia e elevações nas enzimas hepáticas e da bilirrubina direta).17
Observa‐se na gastrosquise um prolongado tempo de internação hospitalar decorrente de complicações e morbidades associadas, o que eleva o custo médico hospitalar e afeta a vida familiar desses neonatos.
Destaca‐se que a demora na introdução da dieta enteral torna‐se um fator de aumento no tempo de internação desses neonatos. Porém, após a introdução da dieta não se deve acelerar o fornecimento do volume total necessário. Sugere‐se uma progressão mais lenta do volume da dieta a cada dia, uma vez que aumentos rápidos no volume não são favoráveis. É o que também apontam estudos feitos por Walter‐Nicolet et al. (2009).18 Esses autores afirmam que a introdução de dieta enteral mínima precoce (pequenos volumes dados na mesma taxa por no mínimo cinco dias) pode promover o crescimento da mucosa intestinal, aprimorar a maturação da função muscular intestinal, aumentar a liberação de hormônios e peptídeos locais e alterar a flora intestinal. Assim, esse manejo da nutrição enteral ajuda a reduzir as complicações da nutrição parenteral e a acelerar a tolerância a dieta enteral.
Observou‐se neste estudo que os recém‐nascidos iniciaram a dieta enteral com volumes variados de resíduo gástrico, sem que essa variável fosse significativa no desfecho. Portanto, não se deve postergar o início da dieta enteral com base apenas no volume ou no aspecto bilioso da drenagem gástrica.
Outros autores também estudaram o impacto da nutrição enteral precoce na evolução pós‐operatória de recém‐nascidos com gastrosquise.19,20 Aljahdali et al. (2013)19 observaram melhor evolução quando as dietas foram iniciadas sete dias após o fechamento da parede abdominal. Sharp et al. (2000)20 encontraram que para cada dia de atraso no início da nutrição enteral aumentou o tempo de internação em 1,05 dia e a duração da nutrição enteral em 1,06 dia.
No presente estudo, as melhores evoluções foram obtidas em neonatos que iniciaram a dieta enteral em até 12 dias de vida. Arnon et al. (2013)21 afirmaram que neonatos PIG se beneficiaram da nutrição enteral precoce (início nas primeiras 24 horas de vida) e obtiveram como resultado menor tempo de internação hospitalar comparados com neonatos que receberam a dieta mais tardiamente.
Diversos estudos buscam avaliar a importância do estado de hidratação e da dosagem do sódio sérico e seu manejo, assim como o grau de desnutrição (hipoalbuminemia) do paciente portador de gastrosquise com o desfecho desses pacientes.17,22,23 Neste estudo, a ocorrência de hiponatremia e hipoalbuminemia relacionadas à gravidade e ao grau de hipercatabolismo inicial do neonato não apresentou correlação com o tempo de internação. Somente foram encontrados dados de dosagem de albumina em 17 recém‐nascidos, identificou‐se que no HC‐UFMG, até 2010, não fazia parte da rotina de cuidados do neonato portador de gastrosquise a avaliação desse parâmetro. A falta de preenchimento dos prontuários quanto a essas informações dificulta e limita melhor avaliação.
Apesar de esse estudo ter sido feito com uma coorte de 16 anos, o número de pacientes envolvidos foi pequeno, o que prejudica a extensão dos resultados a outras populações. Além disso, o envolvimento de um único centro de estudo contribui para a amostra pequena, mesmo considerando o aumento da prevalência da gastrosquise nos últimos anos.
Um viés importante a ser considerado está no fato de a coleta de dados ser feita com consulta em prontuário não eletrônico e não padronizado. Nesse tipo de coleta, as informações se encontram dispersas no prontuário e ausentes em alguns casos, por depender da anotação do examinador na ocasião em que os fatos ocorreram.
A opção pelo estudo do paciente portador de gastrosquise submetido apenas ao fechamento cirúrgico primário se deu na tentativa de identificar fatores relacionados ao tempo de internação específicos desse grupo de recém‐nascidos, que têm maior chance de receber a dieta enteral mais precoce, uma vez que não necessitam do segundo tempo cirúrgico, próprio da correção estadiada.
A taxa de mortalidade dos recém‐nascidos com gastrosquise é baixa, entre 5 e 10% como mostram os autores Snyder (1999)24 e Drive et al. (2000).25 Contudo, neste estudo a mortalidade foi mais elevada (14,9%), se compararmos com os resultados de países desenvolvidos.24,25 Os sete recém‐nascidos que foram a óbito tiveram esse desfecho de maneira muito precoce, antes do sétimo dia de vida, tempo insuficiente para avaliar as medidas nutricionais instituídas.
Como conclusão, este estudo demonstra que quanto mais precocemente se inicia a dieta enteral (≤ 12 dias) e que quanto mais lentamente se atinge a dieta enteral plena (> 23 dias), melhor o prognóstico do recém‐nascido e menor o tempo de internação. Ressalta‐se a importância de aumentos gradativos da dieta em pequenos volumes para melhorar a tolerância do neonato à dieta.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Miranda da Silva Alves F, Miranda ME, de Aguiar MJ, Bouzada Viana MC. Nutritional management and postoperative prognosis of newborns submitted to primary surgical repair of gastroschisis. J Pediatr (Rio J). 2016;92:268–75.