To analyze the occurrence of anemia and iron deficiency in children aged 1 to 5 years and the association of these events and retinol deficiency.
MethodsThis was an observational analytic cross‐sectional study conducted in Vitoria, ES, Brazil, between April and August of 2008, with healthy children aged 1 to 5 years (n=692) that lived in areas covered by primary healthcare services. Sociodemographic and economic conditions, dietary intake (energy, protein, iron, and vitamin A ingestion), anthropometric data (body mass index‐for‐age and height‐for‐age), and biochemical parameters (ferritin, hemoglobin, and retinol serum) were collected.
ResultsThe prevalence of anemia, iron deficiency, and retinol deficiency was 15.7%, 28.1%, and 24.7%, respectively. Univariate analysis showed a higher prevalence of anemia (PR: 4.62, 95% CI: 3.36, 6.34, p<0.001) and iron deficiency (PR: 4.51, 95% CI: 3.30, 6.17, p<0.001) among children with retinol deficiency. The same results were obtained after adjusting for socioeconomic and demographic conditions, dietary intake, and anthropometric variables. There was a positive association between ferritin vs. retinol serum (r=0.597; p<0.001) and hemoglobin vs. retinol serum (r=0.770; p<0.001).
ConclusionsAnemia and iron deficiency were associated with low levels of serum retinol in children aged 1 to 5 years, and a positive correlation was verified between serum retinol and serum ferritin and hemoglobin levels. These results indicate the importance of initiatives encouraging the development of new treatments and further research regarding retinol deficiency.
Analisar a ocorrência de anemia e de deficiência de ferro em crianças de 1 a 5 anos e a associação destes desfechos com a deficiência de retinol.
MétodosTrata‐se de um estudo observacional analítico do tipo transversal, realizado no município de Vitória – ES, entre abril e agosto de 2008, com crianças (n=692) saudáveis de 1 a 5 anos, residentes em áreas de abrangência de Unidades Básicas de Saúde. Foram avaliados dados sociodemográficos, econômicos, dietéticos (ingestão de energia, proteína, ferro e vitamina A), antropométricos (índice de massa corporal‐por‐idade e estatura‐por‐idade) e bioquímicos (níveis séricos de ferritina, hemoglobina e retinol).
ResultadosDetectou‐se anemia, deficiência de ferro e deficiência de retinol em 15,7%, 28,1% e 24,7% das crianças, respectivamente. A análise univariada evidenciou maior ocorrência de anemia (RP: 4,62; IC 95%: 3,36; 6,34, p<0.001) e de deficiência de ferro (RP: 4,51; IC 95%: 3,30; 6,17, p<0.001) entre crianças que apresentavam deficiência de retinol. As mesmas relações se mantiveram após o ajuste pelas variáveis socioeconômicas, demográficas, dietéticas e antropométricas. Houve relação positiva entre os valores de ferritina sérica vs. retinol (r=0,597; p<0,001) e hemoglobina vs. retinol (r=0,770; p<0,001).
ConclusõesA anemia e a deficiência de ferro mostraram‐se associadas com baixos níveis de retinol em crianças de 1 a 5 anos, e houve correlação positiva dos níveis de retinol com os de ferritina sérica e hemoglobina. Isto torna importante iniciativas que estimulem o desenvolvimento de novos tratamentos e a ampliação de pesquisas em relação à deficiência de retinol.
O ferro é um nutriente essencial para o adequado funcionamento do organismo e participa primordialmente no transporte de oxigênio. Por este motivo, a deficiência desse mineral e, em caso mais grave, a anemia, afeta todas as células de um organismo vivo, com prejuízo ao comportamento, desempenho cognitivo, crescimento físico e imunidade.1,2
A anemia é uma das principais doenças carenciais do mundo e caracteriza‐se como um grave problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a anemia acometa 1,62 bilhões de pessoas no mundo, e que a ocorrência da deficiência de ferro seja ainda 2,5 vezes superior.2 No Brasil, a anemia é encontrada em todos os grupos etários, em diversas regiões do país, sem distinção de renda ou estado nutricional.1 Em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) apontou prevalência de 20,9% deste agravo entre menores de 60 meses.3
As diversas consequências da anemia e da deficiência de ferro, somadas às dificuldades de controle e tratamento, estimulam a busca de identificação das razões para as altas prevalências e de seus potenciais fatores de risco, no intuito de orientar as políticas públicas.2,4 Até o presente momento, os programas de intervenção, que englobam prevenção e tratamento de doenças carenciais de ferro pela suplementação medicamentosa e enriquecimento de alimentos, parecem não ser efetivos ou suficientes para a reversão do quadro epidemiológico desses agravos, dada às elevadas prevalências observadas. A imperfectividade destes programas pode estar ligada à complexidade da participação de outros fatores no surgimento da anemia, dentre eles, a deficiência de retinol.4,5
Os baixos níveis de retinol levam à deficiência de vitamina A, que atinge 140 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade em todo o mundo, 127 milhões somente na idade pré‐escolar.6,7 Diversos estudos epidemiológicos mostram a interação significativa entre a deficiência de retinol e a ocorrência da anemia. Mariath et al.,8 por exemplo, demonstraram existir uma relação entre o estado nutricional de retinol e o ferro sérico em crianças com até 10 anos de idade em Santa Catarina. Já um estudo com pré‐escolares brasileiros observou associação entre valores séricos de hemoglobina com os de retinol.9
Acredita‐se que a deficiência de retinol diminua a disponibilidade dos estoques de ferro dos macrófagos e do fígado para a eritropoiese e, consequentemente, para a síntese de hemoglobina. Alguns estudos apontam que esta relação está ligada a um aumento da expressão de hepcidina, um hormônio hepático que regula o processo de disponibilidade dos estoques ferro. Altas concentrações de hepcidina fazem com que haja uma internalização e degradação lisossomal das ferroportinas, proteínas transmembranares que permitem a mobilização do ferro para a corrente sanguínea. Como não há ferro circulante disponível, a produção de eritrócitos é prejudicada, levando à anemia. No entanto, este processo metabólico ainda é hipotético, não havendo conclusões inequívocas.10,11
A partir do exposto, este estudo objetivou analisar a ocorrência de anemia e de deficiência de ferro em crianças entre 1 e 5 anos de idade e a associação destes desfechos com a deficiência de retinol. Espera‐se, assim, contribuir para programas de Saúde Pública concernentes à prevenção e ao tratamento da deficiência de ferro e da anemia.
MétodosTrata‐se de um estudo observacional analítico do tipo transversal, realizado no município de Vitória – ES, com crianças entre 1 e 5 anos de idade, nos meses de abril a agosto de 2008. A mobilização para a coleta de dados foi realizada por Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Estes convidaram os pais ou responsáveis legais das crianças da referida faixa etária a se apresentarem à Unidade Básica de Saúde (UBS) de sua área de inserção. Foram incluídas no estudo somente as crianças que compareceram à UBS na data agendada.
O município de Vitória é dividido em oito regiões administrativas – Jardim Camburi, Maruípe, São Pedro, Santo Antônio, Jucutuquara/Bento Ferreira, Continental, Praia do Canto e Centro – que, por sua vez, são divididas em 28 áreas de saúde, cada uma representada por uma UBS. A população de crianças com idades entre 1 e 5 anos no município é estimada em 26.967.12 A partir dessas informações e assumindo uma prevalência de anemia de 37,3%,13 um erro α de 5% e um poder do teste de 95%, foi realizado o cálculo amostral14 e estabeleceu‐se um mínimo de 395 crianças para o estudo, distribuído de modo proporcional entre as regiões administrativas. Este número foi atingido para quase todas as regiões do município, exceto para Praia do Canto (número amostral estipulado: 42; número amostral alcançado: 23) e Jardim Camburi (número amostral estipulado: 33; número amostral alcançado: 26).
As crianças incluídas no estudo eram aparentemente saudáveis, segundo a percepção dos pais ou responsáveis e a avaliação clínica geral. A coleta de dados foi efetuada nas UBS por uma equipe treinada de nutricionistas, acadêmicos do Curso de Nutrição e técnicos de enfermagem. As crianças estavam acompanhadas por seus pais ou responsáveis. Aplicou‐se um questionário estruturado, que contemplou dados sociodemográficos, econômicos e dietéticos. Em seguida, procedeu‐se a avaliação antropométrica e bioquímica das crianças.
Dentre os dados sociodemográficos e econômicos, foram avaliados: a idade da criança, prematuridade, sexo, idade materna, número de pessoas na família e classe social. Considerou‐se uma criança prematura se esta tivesse nascido com menos que 37 semanas de gestação (SG), prematura limítrofe entre 37 e 38 SG, e a termo com mais que 38 SG. Para avaliação da classe social, utilizou‐se questionário adaptado do Censo de 2000,15 composto por uma lista de dez bens de consumo e informação sobre o grau de instrução do chefe de família. Estes itens foram pontuados segundo o preconizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e permitiu classificar as crianças em estratos sociais.15
O consumo alimentar foi avaliado por meio de um Questionário de Frequência Alimentar (QFA) semiquantitativo, elaborado exclusivamente para o estudo e não validado, composto de 62 alimentos representantes de sete grupos alimentares (Cereais, tubérculos, raízes e derivados; Leguminosas; Frutas e sucos de frutas naturais; Legumes e verduras; Leite e derivados; Carnes e ovos; Óleos, gorduras e sementes oleaginosas) do Guia alimentar para a população brasileira.16 Este questionário contemplou a quantidade de alimentos consumidos, em medidas caseiras, e a frequência deste consumo (diário, semanal, quinzenal, mensal, raro ou nunca/inexistente).
Os dados de frequência alimentar foram transformados em quantidade de consumo diário, segundo metodologia proposta por Costa et al.17 Os alimentos assinalados com frequência “diária” foram quantificados de acordo com a medida caseira relatada; para os alimentos classificados com consumo “raro” ou “nunca/inexistente” atribuiu‐se valor zero; e para os assinalados com consumo semanal, quinzenal ou mensal a quantidade relatada foi dividida por sete, 15 ou 30, respectivamente.17
A análise dos dados de consumo alimentar foi realizada com o auxílio do programa de Nutrição DietWin®, versão profissional 2008 (DietWin softwares, Rio Grande do Sul), e permitiu obter as calorias diárias ingeridas, bem como dados dietéticos de proteína, ferro e vitamina A. A primeira variável foi categorizada em < 1.500kcal, entre 1.500kcal e 3.000kcal e ≥ 3.000kcal. A ingestão de proteína foi classificada em adequada, insuficiente e excessiva, segundo critérios do Institute of Medicine – IOM.18
O consumo de micronutrientes foi avaliado de modo qualitativo18 em: valores de ingestão inferior à estimated average requirement (EAR, necessidade média estimada), ingestão entre a EAR e a recommended dietary allowances (RDA, quota dietética recomendada), e ingestão superior à RDA.
A EAR caracteriza‐se como o valor médio de ingestão diária estimado para atender às necessidades de 50% de indivíduos saudáveis, e a RDA representa a quantidade do nutrientes suficiente para atender às necessidades de aproximadamente 97% a 98% dos indivíduos saudáveis.18
A avaliação antropométrica incluiu as medidas de peso e de altura, aferidas conforme técnicas recomendadas pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN.19 A partir destas medidas, foram obtidos os índices Estatura‐por‐Idade e o Índice de Massa Corporal (IMC)‐por‐Idade, avaliados pelas curvas de crescimento da OMS20 e segundo os pontos de corte propostos pelo Ministério da Saúde.19 Cabe ressaltar que, neste estudo, os indivíduos classificados como em risco para sobrepeso foram considerados eutróficos.
A avaliação bioquímica consistiu na investigação do estado nutricional do ferro, com mensuração de concentração sérica de ferritina, hemoglobina e retinol. Para isso, 3mL de sangue foram coletados por técnicos de enfermagem.
A ferritina foi dosada por ensaio imunométrico quimioluminescente e utilizando‐se o aparelho Inmulite® (Siemens, Erlangen, Alemanha), em um laboratório específico da Faculdade Salesiana de Vitória. Definiu‐se depleção dos estoques de ferro quando as concentrações de ferritina estiveram menores do que 12μg/L.21
Já para a avaliação da concentração de hemoglobina, cerca de 30μL do sangue coletado foi depositado em uma microproveta descartável para a leitura do aparelho de fotometria portátil Hemocue® (Hemocue, Ängelholm, Suécia). Classificou‐se anemia quando os valores de concentração de hemoglobina se apresentaram abaixo de 11,0g/dL21 e quando a depleção dos estoques de ferro foi confirmada pela avaliação da concentração sérica de ferritina.1
Os níveis de retinol sérico foram classificados segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, que determina valores inferiores a 0,70μmol/L como baixa concentração de vitamina A.22 Sua mensuração foi realizada utilizando‐se o método espectrofotométrico em laboratório específico.
Destaca‐se que, para todas as crianças, foi investigado o uso de suplementos nutricionais.
Todos os dados foram tabulados em planilha no programa Excel® (Microsoft Excel, Washington, EUA) e tiveram sua consistência interna avaliada. A análise descritiva contemplou a categorização das variáveis e a obtenção das distribuições de frequências. Para análise inferencial utilizou‐se a Regressão de Poisson com variância robusta e a Correlação de Spearman. O ajuste final do modelo multivariado de Regressão de Poisson foi realizado por meio do Goodness‐of‐fit test. As variáveis relacionadas ao estado nutricional de ferro foram determinadas como dependentes, a deficiência de retinol sérico como variável independente e as variáveis relacionadas às condições sociodemográficas, econômicas, consumo alimentar e estado nutricional como variáveis de ajuste. As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0 (SPSS Statistics para Windows, Versão 17.0, Chicago, EUA) e do STATA 11.0 (Stata Statistical Software: College Station, TX: StataCorp LP), com nível de significância de 5% (p<0,05).
Os pais ou responsáveis pelas crianças assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após explanação dos objetivos e mensurações do estudo. Destaca‐se que as crianças diagnosticadas com anemia durante o estudo foram encaminhadas para o tratamento na UBS mais próxima de sua residência. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Salesiana de Vitória e atendeu às recomendações éticas da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
ResultadosA amostra (n=692) apresentou‐se homogênea quanto ao sexo (52,3% de meninas), e foi composta, em sua maioria, por crianças com idade entre 24 e 48 meses (53%). Verificou‐se 7,4% de déficit estatural e 22,9% de excesso de peso. As classes sociais C (45,9%) e D + E (46,5%) foram as mais frequentes (tabela 1).
Características sociodemográficas, econômicas e antropométricas da população em estudo
Variável | n | Frequência (%) |
---|---|---|
Idade em meses | ||
12 – I 24 | 154 | 22,3 |
24 – I 48 | 367 | 53,0 |
48 – I 60 | 171 | 24,7 |
Sexo | ||
Feminino | 362 | 52,3 |
Masculino | 330 | 47,7 |
Prematuridade | ||
Termo (> 38 SG) | 609 | 88,0 |
Prematuridade limítrofe (37 a 38 SG) | 48 | 6,9 |
Prematuridade (< 37 SG) | 35 | 5,1 |
Classificação estatura‐por‐idadea | ||
Baixo | 51 | 7,4 |
Adequado | 639 | 92,6 |
Classificação IMC‐por‐idadeb | ||
Magreza | 22 | 3,2 |
Eutrofia | 509 | 73,9 |
Sobrepeso | 144 | 20,9 |
Obesidade | 14 | 2,0 |
Idade materna | ||
Adolescente | 37 | 5,9 |
Adulta | 591 | 94,1 |
Número de pessoas na família | ||
0 – I 4 | 343 | 50,4 |
> 4 | 338 | 49,6 |
Classe social | ||
A + B | 52 | 7,6 |
C | 317 | 45,9 |
D + E | 321 | 46,5 |
SG, semanas gestacionais; IMC, índice de massa corporal.
Detectou‐se anemia, deficiência de ferro e deficiência de retinol em 15,7%, 28,1% e 24,7% das crianças, respectivamente. O consumo alimentar de ferro ficou abaixo da EAR em 14,8% da amostra, e 83,4% das crianças ingeriram vitamina A acima do valor da RDA (tabela 2).
Características de saúde e dietéticas da população em estudo
Variável | n | Frequência (%) |
---|---|---|
Uso de suplementos | ||
Não | 538 | 81,9 |
Sulfato ferroso | 73 | 11,1 |
Multivitamínico | 33 | 5,0 |
Outros | 13 | 2,0 |
Anemia | ||
Sim | 104 | 15,7 |
Não | 557 | 84,3 |
Deficiência de ferro | ||
Sim | 105 | 28,1 |
Não | 269 | 71,9 |
Deficiência de retinol | ||
Sim | 92 | 24,7 |
Não | 281 | 75,3 |
Consumo alimentar de energia | ||
< 1.500 kcal | 214 | 46,0 |
1.500 – I 3.000kcal | 223 | 48,0 |
≥ 3.000 kcal | 28 | 6,0 |
Consumo alimentar de proteína | ||
Insuficiente | 1 | 0,2 |
Adequado | 321 | 69,0 |
Excessivo | 143 | 30,8 |
Consumo alimentar de ferro | ||
< EAR | 72 | 14,9 |
≥ EAR ≤ RDA | 281 | 57,9 |
> RDA | 132 | 27,2 |
Consumo alimentar de vitamina A | ||
< EAR | 55 | 11,3 |
≥ EAR ≤ RDA | 26 | 5,3 |
> RDA | 406 | 83,4 |
EAR, estimated average requirement; RDA, recommended dietary allowance.
A análise univariada evidenciou maior ocorrência de anemia (RP: 4,62; IC95%: 3,36; 6,34) e de deficiência de ferro (RP: 4,51; IC95%: 3,30; 6,17) em crianças que apresentavam deficiência de retinol (tabela 3).
Associação da anemia e a deficiência de ferro com a deficiência de retinol na população em estudo
Variável independenteDeficiência de Retinol | Variáveis dependentes | |
---|---|---|
Anemia | Deficiência de Ferro | |
Análise univariada | ||
RP | 4,62 | 4,51 |
IC (95%) | 3,36 ‐ 6,34 | 3,30 ‐ 6,17 |
Valor p | < 0,001 | < 0,001 |
Análise multivariada | ||
RPa | 3,96 | 3,96 |
IC (95%) | 2,62 ‐ 6,00 | 2,62 ‐ 6,00 |
Valor p | < 0,001 | < 0,001 |
RP, razão de Prevalência; IC, intervalo de confiança.
Coeficientes ajustados pelas variáveis sociodemográficas, econômicas, antropométricas e dietéticas. Valor de ajuste do teste p > 1,00.
Nota: Coeficiente de Regressão de Poisson com variância robusta, tendo anemia ferropriva (hemoglobina + ferritina) e deficiência de ferro (ferritina) como variáveis dependentes e retinol sérico (μmol/L) como variável independente.
A correlação de Spearman mostrou relação positiva e moderada entre os valores de ferritina sérica vs. retinol (r=0,597 p<0,001), e relação positiva e forte entre os valores de hemoglobina vs. retinol (r=0,770 p<0,001) (fig. 1).
Após ajuste pelas variáveis sociodemográficas, econômicas, antropométricas e dietéticas, a influência da deficiência de retinol sérico sobre a anemia e a deficiência de ferro se manteve. A prevalência de anemia e de deficiência de ferro entre as crianças que apresentaram deficiência de retinol foi 3,96 (IC95%: 2,62; 6,00) vezes maior em relação àquelas que não possuíam estado nutricional de retinol alterado (tabela 3).
DiscussãoEste estudo investigou a ocorrência de anemia e de deficiência de ferro e a associação destas com os níveis de retinol em crianças de 1 a 5 anos de idade da cidade de Vitória (ES). Os resultados indicaram associação positiva da deficiência sérica de retinol com a presença de anemia e de deficiência de ferro, independentemente das variáveis sociodemográficas, econômicas, antropométricas e dietéticas.
A anemia e a deficiência de ferro foram encontradas em 15,7% e 28,1% das crianças, respectivamente. Estudos de prevalência no Brasil demonstram grande variação em relação a esses dados. Cardoso et al.23 encontraram 10,3% de anemia e 45,4% de deficiência de ferro entre crianças de 6 meses a 10 anos na região amazônica. No Rio Grande do Sul, os achados foram 58,8% e 90,3%, respectivamente, entre crianças de 12 a 16 meses.24 Já Mariath et al.8 identificaram 16,7% de deficiência de ferro entre crianças com até 10 anos de idade em Itajaí (SC). Essas discrepâncias são justificáveis tendo em vista as diversas definições de anemia e de deficiência de ferro adotadas nos estudos e os múltiplos fatores que explicam a ocorrência destes desfechos, a exemplo da idade da criança, escolaridade materna, renda familiar, indicadores antropométricos, entre outros.4
A prevalência encontrada para a deficiência de retinol foi 24,7%. Similarmente à ocorrência de anemia, a deficiência de retinol apresenta grande amplitude na literatura. Netto et al.,25 em estudo com crianças no estado da Paraíba, verificaram 39,6% de ocorrência de deficiência de vitamina A, enquanto Cardoso et al.23 detectaram 14,2% na região amazônica. As variações encontradas entre os estudos ocorrem principalmente devido à condição da região ser ou não endêmica para esta deficiência e à condição socioeconômica da amostra.4,25
Cabe destacar ainda que, pelo fato de a população do estudo ser predominantemente formada pelas classes sociais C, D e E, eram esperadas prevalências mais elevadas de anemia e de deficiências de ferritina e de retinol. Isso se deve ao fato de o baixo nível socioeconômico impactar negativamente no consumo alimentar e nas condições de moradia e de saúde das crianças.1
A relação positiva encontrada entre a deficiência de retinol e a ocorrência de anemia e de deficiência de ferro corrobora os achados de estudos experimentais e epidemiológicos. Acredita‐se que o estado nutricional alterado de vitamina A não interfira no processo absortivo do ferro, mas sim na sua mobilização em nível hepático.9,26 Citelli et al.,11 em experimentos com ratos e cultura celular, constataram uma relação entre os níveis de vitamina A e os fatores de transcrição de genes de proteínas ligadas à biodisponibilidade de ferro. Os resultados apontaram que a deficiência sérica do retinol aumentou a expressão da hepcidina e afetou diretamente a mobilização hepática do estoque do mineral necessário para a eritropoiese. Os mesmos resultados foram encontrados em avaliações epidemiológicas.8,23,27
Uma vez comprovada a associação desses dois minerais, ao se analisar a evolução da anemia e da deficiência de ferro no público infantil, é possível notar que as prevalências se mantiveram altas mesmo com o avanço da medicina. Hoje se sabe que o tratamento medicamentoso utilizado para a reversão destes quadros tem impactado positivamente na saúde das crianças; no entanto, este tratamento, isoladamente, não conseguiu solucionar o problema de saúde pública da anemia e deficiência de ferro. Os motivos perpassam pela baixa adesão ou abandono ao tratamento causados pelos diversos efeitos colaterais do suplemento,28,29 ou ainda pela influência de outros fatores, como a deficiência de vitamina A.
Alguns estudos demonstraram que a suplementação de ferro concomitante à suplementação de vitamina A reduziu significantemente a anemia,7 e o achado se manteve mesmo com a oferta isolada de vitamina A.26 Acredita‐se que esta suplementação possa melhorar o metabolismo do ferro, suprimir o processo infeccioso, estimular a síntese de transferrina e exercer efeito positivo na elevação dos níveis hematológicos do ferro.9,10 Assim, com o aprimoramento das formas de tratamento, pode ser possível melhorar o estado do ferro das crianças no Brasil.
Como limitação do estudo, destaca‐se o corte do tipo transversal, que impossibilita a compreensão de relação de causa e efeito. Tem‐se ainda que a amostra não foi representativa do município de Vitória e foi composta somente pelas crianças que compareceram às UBS na data agendada para a coleta de dados. Apesar de estas características limitarem a extrapolação dos dados, a força e a significância das associações obtidas, que se mantiveram após ajuste por possíveis variáveis de confusão, pressupõem que os achados sejam reais.
O estudo falhou ainda em não excluir as hemoglobinopatias, que poderiam ter sido confundidas com anemia, e por não ter realizado controle com PCR (Proteína C‐reativa) para detecção de infecções não aparentes, o que pode ter gerado uma superestimação da prevalência da anemia. E, por fim, não se adotou um QFA validado na literatura. Entretanto, o mesmo foi desenhado considerando os principais alimentos do Guia alimentar para a população brasileira16 e, por isso, espera‐se que tenha contemplado os itens alimentares consumidos pela população em estudo.
A partir dos resultados encontrados, é possível concluir que a anemia e a deficiência de ferro mostraram‐se associadas com baixos níveis de retinol em crianças de 1 a 5 anos, e houve correlação positiva dos níveis de retinol com os de ferritina sérica e hemoglobina. Os achados tornam importantes as iniciativas que estimulam o desenvolvimento de novos tratamentos e ampliação de pesquisas em relação à deficiência de retinol, a fim de auxiliar na redução, em longo prazo, dos problemas hematológicos relacionados à deficiência do ferro.
FinanciamentoFundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (FAPES).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Saraiva BC, Soares MC, Santos LC, Pereira SC, Horta PM. Iron deficiency and anemia are associated with low retinol levels in children aged 1 to 5 years. J Pediatr (Rio J). 2014;90:593–99.
Estudo realizado no Departamento de Nutrição, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.