Compartilhar
Informação da revista
Vol. 94. Núm. 6.
Páginas 609-615 (novembro - dezembro 2018)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
3074
Vol. 94. Núm. 6.
Páginas 609-615 (novembro - dezembro 2018)
Artigo Original
Open Access
Intestinal fructose malabsorption is associated with increased lactulose fermentation in the intestinal lumen
Má absorção intestinal de frutose associa‐se com maior fermentação de lactulose na luz intestinal
Visitas
3074
Roberto Koity Fujihara Ozakia, Patrícia da Graça Leite Speridiãob, Ana Cristina Fontenele Soaresc, Mauro Batista de Moraisc,
Autor para correspondência
maurobmorais@gmail.com

Autor para correspondência.
a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Escola Paulista de Medicina (EPM), Programa de Pós‐Graduação em Nutrição, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Curso de Nutrição, Santos, SP, Brasil
c Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Escola Paulista de Medicina (EPM), Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (3)
Tabela 1. Idade, gênero, intolerância à frutose e tipo de distúrbio gastrintestinal funcional segundo a presença de má absorção intestinal de frutose
Tabela 2. Produção de hidrogênio (ppm por minuto) de acordo com a área abaixo da curva no teste respiratório com lactulose, segundo a presença de má absorção de frutose
Tabela 3. Estimativa da ingestão de frutose e de macronutrientes e escores z de estatura‐idade e IMC‐idade segundo a presença de má absorção intestinal de frutose
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

To study fructose malabsorption in children and adolescents with abdominal pain associated with functional gastrointestinal disorders. As an additional objective, the association between intestinal fructose malabsorption and food intake, including the estimated fructose consumption, weight, height, and lactulose fermentability were also studied.

Methods

The study included 31 patients with abdominal pain (11 with functional dyspepsia, 10 with irritable bowel syndrome, and 10 with functional abdominal pain). The hydrogen breath test was used to investigate fructose malabsorption and lactulose fermentation in the intestinal lumen. Food consumption was assessed by food registry. Weight and height were measured.

Results

Fructose malabsorption was characterized in 21 (67.7%) patients (nine with irritable bowel syndrome, seven with functional abdominal pain, and five with functional dyspepsia). Intolerance after fructose administration was observed in six (28.6%) of the 21 patients with fructose malabsorption. Fructose malabsorption was associated with higher (p<0.05) hydrogen production after lactulose ingestion, higher (p<0.05) energy and carbohydrate consumption, and higher (p<0.05) body mass index z‐score value for age. Median estimates of daily fructose intake by patients with and without fructose malabsorption were, respectively, 16.1 and 10.5g/day (p=0.087).

Conclusion

Fructose malabsorption is associated with increased lactulose fermentability in the intestinal lumen. Body mass index was higher in patients with fructose malabsorption.

Keywords:
Abdominal pain
Fructose
Dyspepsia
Eating
Body mass index
Resumo
Objetivo

Pesquisar a má absorção de frutose em crianças e adolescentes com dor abdominal associada com distúrbios funcionais gastrintestinais. Como objetivo adicional, estudou‐se a relação entre a má absorção intestinal de frutose e a ingestão alimentar, inclusive a estimativa de consumo de frutose, o peso e a estatura dos pacientes e a capacidade de fermentação de lactulose.

Métodos

Foram incluídos 31 pacientes com dor abdominal (11 com dispepsia funcional, 10 com síndrome do intestino irritável e 10 com dor abdominal funcional). O teste de hidrogênio no ar expirado foi usado para pesquisar a má absorção de frutose e a fermentação de lactulose na luz intestinal. O consumo alimentar foi avaliado por registro alimentar. Foram mensurados também o peso e a estatura dos pacientes.

Resultados

Má absorção de frutose foi caracterizada em 21 (67,7%) pacientes (nove com síndrome do intestino irritável, sete com dor abdominal funcional e cinco com dispepsia funcional). Intolerância após administração de frutose foi observada em seis (28,6%) dos 21 pacientes com má absorção de frutose. Má absorção de frutose associou‐se com maior produção de hidrogênio após ingestão de lactulose (p<0,05), maior consumo de energia e carboidratos (p<0,05) e maior valor de escore z de IMC para a idade (p<0,05). As medianas da estimativa de ingestão diária de frutose pelos pacientes com e sem má absorção de frutose foram, respectivamente, 16,1 e 10,5g/dia (p=0,087).

Conclusão

Má absorção de frutose associa‐se com maior capacidade de fermentação de lactulose na luz intestinal. O índice de massa corporal foi maior nos pacientes com má absorção de frutose.

Palavras‐chave:
Dor abdominal
Frutose
Dispepsia
Ingestão alimentar
Índice de massa corporal
Texto Completo
Introdução

Dor abdominal crônica ocorre em cerca de 10% a 20% das crianças e dos adolescentes.1 A maioria dos pacientes apresenta distúrbios gastrintestinais funcionais resultantes da interação de fatores biopsicossociais.1,2 Dentre os fatores envolvidos na etiologia da dor abdominal associada com distúrbios funcionais gastrintestinais destacam‐se características individuais da personalidade, eventos traumáticos pregressos, capacidade de enfrentamento em situações adversas, além de hipersensibilidade visceral, anormalidades na motilidade gastrintestinal e na microbiota intestinal.1,2

Má absorção intestinal de frutose foi descrita em crianças3–10 e adultos como causa de dor abdominal ou como fator desencadeante de episódios de dor abdominal em pacientes com distúrbios gastrintestinais funcionais.11,12 A frutose é considerada um dos carboidratos fermentáveis (Fodmaps: fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols) mais importantes. O interesse pelo papel dos Fodmaps nos distúrbios funcionais gastrintestinais tem recebido destaque crescente na literatura.11,12 A frutose não absorvida é fermentada, resulta na produção de ácidos graxos de cadeia curta e gases, como o hidrogênio.3 O hidrogênio produzido na fermentação é parcialmente absorvido para a corrente sanguínea e chega até os pulmões, torna possível sua mensuração no ar expirado. O diagnóstico de má absorção de frutose pode ser feito com o teste de hidrogênio no ar expirado após administração da frutose. O resultado desse teste depende da dose de frutose usada.3–11 Por sua vez, a lactulose pode ser usada no teste respiratório para avaliar a capacidade de produção de hidrogênio e fermentação da microbiota intestinal.13

A frutose é encontrada na forma de monossacarídeo em verduras, legumes, frutas e mel. É encontrada também em produtos industrializados, como o xarope de milho rico em frutose. Nos últimos 15 anos, o consumo de frutose no mundo aumentou concomitantemente com o aumento da epidemia de obesidade.14,15 O consumo excessivo de frutose pode contribuir para o desenvolvimento de excesso de peso e obesidade, hipertensão arterial e resistência periférica à insulina.16

Apesar de a má absorção intestinal de frutose poder participar como fator causal ou associado à dor abdominal associada com distúrbios funcionais gastrintestinais e de seu potencial de influenciar o estado nutricional, não existem estudos que tenham avaliado simultaneamente ingestão de frutose, má absorção intestinal de frutose e estado nutricional de crianças e adolescentes com dor abdominal.

O objetivo desta pesquisa foi avaliar má absorção e intolerância à frutose em crianças e adolescentes com dor abdominal associada com distúrbios funcionais gastrintestinais. Como objetivo adicional, estudou‐se a relação entre a má absorção intestinal de frutose e a ingestão alimentar, inclusive a estimativa de consumo de frutose, o peso e a estatura dos pacientes e a capacidade de fermentação de lactulose com o emprego do teste respiratório.

MétodosDelineamento do estudo e casuística

Trata‐se de uma série de casos que envolvem pacientes pediátricos atendidos consecutivamente com dor abdominal funcional relacionada com distúrbios gastrintestinais funcionais. O estudo foi feito no Ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Na admissão, foi obtida assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – Hospital São Paulo.

Os dados foram coletados antes de 2016. Foram incluídas todas as crianças e os adolescentes atendidos consecutivamente com dor abdominal funcional entre quatro e 14 anos. Não foram incluídos pacientes com cirurgia abdominal prévia, hérnia de hiato, diabetes melito, hiper ou hipotireoidismo, tratamento pregresso de Helicobacter pylori e uso recente de medicações como beta‐adrenérgicos, betabloqueadores, procinéticos, anticolinérgicos e antissecretores. Não foram incluídos pacientes que haviam sido tratados com antibióticos havia menos de 30 dias.

Avaliação clínica e classificação da dor abdominal

Todos os pacientes foram avaliados de modo padronizado por uma gastroenterologista pediátrica (ACFS). Foram obtidas informações referentes à duração dos episódios e à sede da dor abdominal e sua relação com as evacuações. Foram obtidos, também, dados sobre o hábito intestinal (frequência de evacuações, formato e consistência das fezes, ocorrência de dor ou dificuldade para eliminação das fezes e ocorrência de comportamento de retenção ou incontinência fecal). As informações coletadas foram usadas para classificar os pacientes17 em dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável e dor abdominal funcional, de acordo com o critério de Roma III.2 Na avaliação médica, foi dada especial atenção à pesquisa de evidências de alteração anatômica, processo inflamatório, metabólico ou neoplásico que indicassem que os sintomas não eram de natureza funcional.2 Quando necessário, foram solicitados exames de acordo com as necessidades individuais de cada paciente. Indivíduos que não apresentavam quadro compatível com dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável ou dor abdominal funcional não foram incluídos no estudo.

Teste de hidrogênio no ar expirado

Os testes de hidrogênio no ar expirado com frutose e com lactulose foram feitos com intervalo de uma semana. Na dieta do dia anterior aos exames, recomendou‐se evitar o consumo de alimentos que contivessem lactose e frutose, além de alimentos ricos em fibra alimentar e gordura. O teste foi feito após jejum por 12 horas e higienização da cavidade oral com clorhexidine 0,05%. Foram coletadas amostras do ar expirado com auxílio do sistema GaSample (Quintron Instrument Co. Inc. Menomonee Falls, Wisconsin, EUA). As amostras foram imediatamente analisadas em cromatógrafo a gás – Quintron Microlyser, modelo 12i (Quintron Instrument Co. Inc. Menomonee Falls, Wisconsin, EUA). A calibragem foi feita no início do teste e repetida nos intervalos das análises das amostras com emprego de gás padrão com 92ppm de hidrogênio (White Martins, São Paulo, Brasil).18,19

Uma amostra de ar expirado foi coletada em jejum. Em seguida, administrou‐se, por via oral, 1g de frutose/kg/peso (máximo de 50g) ou 10g de lactulose diluída em 150mL de água. Esse procedimento foi acompanhado por um dos pesquisadores (RKFO) para confirmar a ingestão completa do carboidrato.3 Após a ingestão do substrato, amostras de ar expirado foram coletadas a cada 15 minutos na primeira hora e a cada 30 minutos nas duas horas subsequentes. Foram registrados os sintomas (distensão abdominal, náusea, vômito, flatulência excessiva e diarreia) que porventura ocorressem durante o teste respiratório com a frutose, assim como nas 24 horas subsequentes, conforme informações obtidas por ligação telefônica.19

Má absorção de frutose

A má absorção de frutose foi caracterizada pelo aumento na concentração de hidrogênio igual ou superior a 20ppm, em relação ao basal, em qualquer uma das amostras de ar expirado coletada após a administração da frutose.3

Intolerância à frutose

A intolerância à frutose caracterizou‐se pela ocorrência de sintomas gastrintestinais nos pacientes com má absorção de frutose, como dor abdominal, flatulência, distensão abdominal, diarreia, náusea e vômito durante as 24 horas subsequentes à ingestão da frutose.3,19

Ingestão alimentar

Para avaliar a ingestão alimentar, empregou‐se o registro alimentar de três dias. As mães ou os responsáveis foram orientados a anotar todos os alimentos que os pacientes consumiam durante três dias consecutivos (dois dias da semana e um dia do fim de semana). As anotações consistiram da descrição das refeições feitas e dos alimentos consumidos, quantificados em medidas caseiras.20,21

Os dados obtidos no registro alimentar de 72 horas foram analisados com auxílio do programa de computador Nut Win – Sistema de Apoio à Nutrição versão 2.5, desenvolvido pelo Centro de Informática da Saúde da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (São Paulo, Brasil). O teor de frutose da dieta foi estimado com base na Tabela de Alimentos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América (USDA).22

Mensuração do peso e da altura

Peso e estatura foram aferidos conforme sugerido por Jelliffe.23 Usou‐se uma balança digital (Filizola Balanças Industriais, São Paulo, Brasil) com capacidade para 150 quilos e sensibilidade de 100 gramas e um antropômetro vertical fixo com mensuração até 190cm e sensibilidade de 0,1cm. Os indicadores antropométricos foram calculados com o emprego do software Anthro Plus (World Health Organization, Genebra, Suíça). Peso e estatura foram expressos em escores z de estatura‐idade e do índice de massa corporal (IMC)‐idade.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio‐padrão ou mediana e percentis 25 e 75, na dependência da distribuição das variáveis de acordo com o teste de Shapiro Wilk. As variáveis categóricas foram apresentadas em porcentagens. Os testes usados são apresentados em conjunto com os resultados, considerou‐se o nível de significância de 5%. Foi usado o módulo SigmaStat do Sigma Plot 11.0 (Systat Software, San Jose, CA, EUA).

Resultados

Foram incluídos 31 pacientes com média de 9,2 anos, dos quais 14 eram do sexo masculino. Todos os exames laboratoriais feitos para a investigação da etiologia da dor abdominal foram normais. Endoscopia digestiva alta foi feita em seis pacientes e em nenhum deles foi caracterizado qualquer tipo de alteração.

De acordo com os critérios de Roma III, 11 pacientes apresentavam dispepsia funcional, 10 apresentavam síndrome do intestino irritável e 10 tinham dor abdominal funcional.

O teste respiratório após administração de frutose mostrou que 21 (67,7%) dos 31 pacientes apresentavam má absorção de frutose. A dose de frutose administrada no teste respiratório foi semelhante (p=0,807) nos pacientes com (31,0±8,3g) e sem (30,2±8,5g) má absorção de frutose. Não foi observada diferença em relação à idade e ao gênero nos pacientes com e sem má absorção de frutose (tabela 1). Nas 24 horas subsequentes à administração de frutose para o teste respiratório, ocorreram sintomas (intolerância à frutose) em seis (28,6%) dos 21 pacientes com má absorção de frutose e em dois (20,0%) dos 10 sem má absorção de frutose (p=1,000). Os sintomas observados nos pacientes com má absorção e intolerância à frutose foram: um apresentou somente diarreia, dois relataram somente dor abdominal e três relataram dor abdominal associada com náusea, vômito, distensão abdominal e/ou diarreia. Nos pacientes sem má absorção de frutose observou‐se dor abdominal em dois (20%).

Tabela 1.

Idade, gênero, intolerância à frutose e tipo de distúrbio gastrintestinal funcional segundo a presença de má absorção intestinal de frutose

  Má absorção intestinal de frutose
  Sim (n=21)  Não (n=10)   
Idade  8,7±3,2  10,2±3,1  0,234a 
Gênero masculino  10 (47,6%)  4 (40,0%)  1,000b 
Gênero feminino  11 (52,4%)  6 (60,0%)   
Intolerância à frutose  6 (28,6%)  2 (20,0%)  1,000b 
Tipo de distúrbio gastrintestinal funcional
Dispepsia funcional (n=11)  5 (45,5%)  6 (54,5%)   
Síndrome do intestino irritável (n=10)  9 (90,0%)  1 (10,0%)  0,091c 
Dor abdominal funcional (n=10)  7 (70,0%)  3 (30,0%)   
a

Teste t de Student.

b

Teste exato de Fisher.

c

Teste do qui‐quadrado.

A figura 1 mostra a mediana da concentração de hidrogênio no ar expirado nas várias amostras do teste respiratório com lactulose de acordo com a presença ou não de má absorção de frutose. Na tabela 2 pode‐se constatar que a produção de hidrogênio após a administração de lactulose, usada como indicador de fermentação intestinal, foi maior nos pacientes com má absorção de frutose tanto na primeira hora (produção de hidrogênio presumivelmente no intestino delgado) quanto na segunda e terceira horas do teste (produção de hidrogênio presumivelmente no cólon).

Figura 1.

Mediana da concentração de hidrogênio no ar expirado após a administração de lactulose ao longo do teste respiratório de acordo com a presença de má absorção intestinal de frutose.

(0.06MB).
Tabela 2.

Produção de hidrogênio (ppm por minuto) de acordo com a área abaixo da curva no teste respiratório com lactulose, segundo a presença de má absorção de frutose

Período do teste respiratório  Má absorção intestinal de frutosepc 
  Sim (n=20)a  Não (n=9)a   
Jejum até 60 minutos (ppm/min)b  503 (315; 866)  202 (139; 272)  <0,001 
60 até 180 minutos (ppm/min)b  3450 (2640; 4005)  1290,0 (1102; 1935)  <0,001 
Total (jejum até 180 minutos) (ppm/min)b  4159 (2940; 5066)  1560 (1267; 2033)  <0,001 
a

Dois pacientes não fizeram o teste respiratório com lactulose, dos quais um com má absorção de frutose. Ambos eram produtores de hidrogênio após a administração de frutose (elevação da concentração de hidrogênio no ar expirado>10ppm em relação ao valor basal).

b

Mediana (percentil 25 e 75).

c

Teste de Mann‐Whitney.

As estimativas do consumo alimentar e os escores z de estatura‐idade e IMC‐idade estão apresentados na tabela 3, segundo a ocorrência ou não de má absorção intestinal de frutose. O consumo de energia e carboidratos foi maior nos pacientes com má absorção de frutose. O consumo de frutose foi maior no grupo de pacientes com má absorção de frutose; no entanto, o estudo estatístico não atingiu significância (p=0,087).

Tabela 3.

Estimativa da ingestão de frutose e de macronutrientes e escores z de estatura‐idade e IMC‐idade segundo a presença de má absorção intestinal de frutose

  Má absorção intestinal de frutose
  Sim (n=21)  Não (n=10)   
Registro alimentar
Frutose (g/dia)  16,1 (9,0; 27,6)  10,5 (1,8; 16,8)  0,087a 
Frutose (g/kg/peso/dia)  0,58 (0,25; 0,78)  0,28 (0,05; 0,69)  0,091a 
Energia (Kcal/dia)  1723 (1441; 2159)  1397 (1314; 1644)  0,049a 
Carboidratos (g/dia)  258,0±65,3  200,0±41,7  0,016b 
Carboidrato (g/kg/peso/dia)  8,7±2,9  7,1±2,4  0,128b 
Proteínas (g/dia)  63,8±17,7  54,2±14,0  0,147b 
Proteínas (g/kg/peso/dia)  2,2±0,8  1,9±0,5  0,292b 
Lipídeos (g/dia)  56,8±21,1  50,0±8,4  0,334b 
Fibra alimentar (g/dia)  15,3±6,4  12,4±2,9  0,193b 
Escore z
Estatura para a idade  +0,07±0,9  ‐0,21±1,1  0,469b 
IMC para a idade  +0,74±1,3  ‐0,42±1,5  0,036b 

IMC, índice de massa corporal (kg/m2).

a

Mediana (percentil 25 e 75); teste de Mann‐Whitney.

b

Média±desvio‐padrão; teste t de Student.

A tabela 3 evidencia que o escore z de estatura‐idade foi semelhante nos pacientes com e sem má absorção de frutose. Os valores do escore z do IMC‐idade foram maiores no grupo com má absorção de frutose, com diferença estatisticamente significante.

Discussão

Nosso estudo evidenciou má absorção de frutose em 21 (67,7%) dos 31 pacientes com dor abdominal, mais frequente nas crianças com síndrome do intestino irritável. Intolerância à frutose ocorreu em seis (28,6%) dos 21 pacientes com má absorção intestinal de frutose. Crianças e adolescentes com má absorção de frutose apresentaram microbiota intestinal com maior capacidade de fermentação, caracterizada pela maior produção de hidrogênio no teste respiratório com lactulose (tabela 2), e maiores valores de escore z do IMC (tabela 3).

A maioria das publicações mostra variada prevalência de má absorção intestinal de frutose em crianças com dor abdominal, entre 13% e 60%.3–10 A análise desses artigos torna possível especular que parte dessa variabilidade é consequência de diferenças na técnica de feitura do teste respiratório no que se refere à dose de frutose e aos pontos de corte para caracterizar a má absorção de frutose. Nesse contexto, a má absorção de frutose tem sido considerada uma possível causa de dor abdominal ou um fator desencadeante de episódios de dor abdominal em pacientes com distúrbios gastintestinais funcionais.11 Entretanto, o papel terapêutico da dieta pobre em frutose em pacientes com dor abdominal associada com má absorção intestinal de frutose são preliminares e conflitantes.3,6,9,24,25 Do ponto de vista clínico, o ideal é que se estabeleça a relação de causalidade entre a má absorção de frutose e o sintoma dor abdominal. Teoricamente, para se atingir esse objetivo seria necessário obter reposta clínica favorável durante a dieta de exclusão da frutose e o reaparecimento da sintomatologia com sua reintrodução na dieta. Entretanto, nenhum artigo da literatura seguiu tal procedimento de investigação clínica para vincular má absorção intestinal de frutose com manifestações clínicas gastrintestinais. A inclusão de um grupo controle em nosso estudo poderia possibilitar a caracterização da má absorção de frutose como fator associado com dor abdominal; no entanto, não permitiria o estabelecimento da relação de causalidade entre má absorção de frutose e dor abdominal.

Deve ser destacado que nosso artigo foi o único no qual se estimou o consumo habitual de frutose na dieta de pacientes com dor abdominal. A mediana da estimativa de consumo de frutose no grupo com má absorção intestinal de frutose (16,1g) foi maior do que nos pacientes sem má absorção (10,5g); entretanto, a diferença não atingiu significância estatística (p=0,087). Esse resultado contraria a expectativa de que pacientes com dor abdominal secundária a má absorção de frutose poderiam reduzir o consumo de frutose como mecanismo de defesa para diminuir a intensidade da dor abdominal. É interessante mencionar que apenas uma parcela dos pacientes apresentou sintomas gastrintestinais durante o teste respiratório com sobrecarga de frutose. A avaliação da dieta evidenciou, ainda, maior consumo de energia e carboidratos pelos pacientes com má absorção de frutose. Na avaliação antropométrica, constatou‐se que os valores de IMC foram superiores no grupo com má absorção intestinal de frutose. Assim, é possível especular que o maior consumo de energia e carboidratos, entre os quais a frutose, poderia levar, em longo prazo, a maior ganho de peso e acúmulo corporal de gordura.26

Nosso resultado mostra maior valor de IMC nos pacientes com má absorção de frutose e é diferente do que se observou em um estudo recente27 que investigou o efeito metabólico da ingestão de frutose em 24 crianças, das quais 14 eram obesas. Dessas, nove apresentavam doença hepática gordurosa não alcoólica e maior absorção intestinal de frutose em relação aos pacientes obesos sem acometimento hepático e às crianças com peso normal, além de maior aumento na glicemia, insulinemia e concentração sérica de ácido úrico após ingestão de frutose. Os autores concluíram que as crianças obesas com doença hepática absorvem e metabolizam frutose de maneira mais efetiva.27 Em outro estudo, observou‐se em americanos adultos negros moderada correlação positiva entre absorção intestinal de frutose e teor de gordura no fígado.28 Deve ser destacado que ainda não se identificou, de maneira definitiva, uma relação direta entre ingestão de frutose com excesso de peso e outras anormalidades metabólicas em humanos.29

Além da frutose, outros Fodmaps que não são absorvidos podem estar envolvidos na gênese de sintomas gastrintestinais observados nos distúrbios gastrintestinais funcionais.11,12 A interação entre a sintomatologia gastrintestinal e a microbiota intestinal foi demonstrada com clareza em estudo feito com 33 crianças americanas com síndrome do intestino irritável. Os pacientes receberam em ensaio clínico cross‐over dieta americana típica e dieta com baixo teor de Fodmaps.30 O ensaio clínico mostrou que durante a dieta com baixo teor de Fodmaps a sintomatologia gastrintestinal foi reduzida expressivamente. Além disso, constatou‐se que os pacientes com melhor resposta apresentavam, na admissão, microbiota intestinal com maior capacidade sacarolítica (Bacteroides, Ruminococcaceae, Faecalibaterium prausnitzii).30 A capacidade de absorção de frutose não foi avaliada nos pacientes incluídos nesse ensaio clínico.30 Nossos resultados apontaram que as crianças com dor abdominal e má absorção de frutose apresentaram também maior produção de hidrogênio como indicador de fermentação intestinal tanto na fase inicial quanto no período presumivelmente colônico do teste respiratório com lactulose (figura 1 e tabela 2). Esses resultados indicam que a microbiota intestinal tem maior capacidade fermentativa e pode estar envolvida na geração dos sintomas gastrintestinais, conforme demonstrado por Chumptazzi et al.30 Nesse contexto, nossos resultados mostraram com clareza que os indivíduos com má absorção de frutose apresentaram maior fermentação de lactulose na luz intestinal. Assim, é possível especular que a frutose não absorvida e seus produtos da fermentação estimulem o crescimento de bactérias com maior capacidade de fermentação.

Nosso estudo, a exemplo de outros sobre o assunto, apresenta várias limitações. Os pacientes incluídos na pesquisa constituem uma amostra de conveniência que obedeceu à demanda assistencial no período da coleta de dados. Assim, não foi estimado previamente o tamanho da amostra. O poder (0,474) obtido na comparação da má absorção de frutose nos pacientes com dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável e dor abdominal (tabela 1, p=0,091) foi menor do que o recomendado. Por outro lado, considerando a diferença observada na proporção de má absorção de frutose na dispepsia funcional (5/11) em relação aos outros dois grupos em conjunto (16/20), pode‐se estimar que para demonstrar significância estatística seria necessário estudar cerca de 40 pacientes em cada grupo. Ainda, deve ser destacado que a amostra possibilitou que se encontrassem relevantes diferenças, com significância estatística, entre os grupos com e sem má absorção intestinal de frutose. Nesse sentido, nossos resultados contribuíram para melhor entendimento da relação entre o consumo e absorção intestinal de frutose, os distúrbios gastrintestinais funcionais e o estado nutricional.

Assim, conclui‐se que a má absorção intestinal de frutose associou‐se com maior capacidade de fermentação no intestino, aferida com emprego do teste respiratório com lactulose. Má absorção de frutose associou‐se com maior consumo de energia e carboidratos que teoricamente podem explicar, pelo menos em parte, os maiores valores de IMC para a idade. Entretanto, estudos futuros são necessários para avaliar a relação da ingestão e da má absorção intestinal de frutose, dor abdominal, excesso de peso e outras alterações no perfil metabólico.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
C. Di Lorenzo, R.B. Colletti, H.P. Lehmann, J.T. Boyle, W.T. Gerson, J.S. Hyams, et al.
Chronic abdominal pain in children: a technical report of the American Academy of Pediatrics and the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 40 (2005), pp. 249-261
[2]
A. Rasquin, C. Di Lorenzo, D. Forbes, E. Guiraldes, J.S. Hyams, A. Staiano, et al.
Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent.
Gastroenterology, 130 (2006), pp. 1527-1537
[3]
R.E. Gomara, M.S. Halata, L.J. Newman, H.E. Bostwick, S.H. Berezin, L. Cukaj, et al.
Fructose intolerance in children presenting with abdominal pain.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 47 (2008), pp. 303-308
[4]
A. Tsampalieros, J. Beauchamp, M. Boland, D.R. Mack.
Dietary fructose intolerance in children and adolescents.
Arch Dis Child, 93 (2008), pp. 1078
[5]
H.F. Jones, E. Burt, K. Dowling, G. Davidson, D.A. Brooks, R.N. Butler.
Effect of age on fructose malabsorption in children presenting with gastrointestinal symptoms.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 52 (2011), pp. 581-584
[6]
P. Wintermeyer, M. Baur, D. Pilic, A. Schmidt-Choudhury, M. Zilbauer, S. Wirth.
Fructose malabsorption in children with recurrent abdominal pain: positive effects of dietary treatment.
Klin Padiatr, 224 (2012), pp. 17-21
[7]
M.A. Escobar Jr., D. Lustig, B.M. Pflugeisen, P.J. Amoroso, D. Sherif, R. Saeed, et al.
Fructose intolerance/malabsorption and recurrent abdominal pain in children.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 58 (2014), pp. 498-501
[8]
K.H. Waibel.
Fructose intolerance/malabsorption and recurrent abdominal pain in children.
Pediatrics, 134 (2014), pp. S158
[9]
S. Wirth, C. Klodt, P. Wintermeyer, J. Berrang, K. Hensel, T. Langer, et al.
Positive or negative fructose breath test results do not predict response to fructose restricted diet in children with recurrent abdominal pain: results from a prospective randomized trial.
Klin Padiatr, 226 (2014), pp. 268-273
[10]
O. Yuce, A.G. Kalayci, A. Comba, E. Eren, G. Caltepe.
Lactose and fructose intolerance in Turkish children with chronic abdominal pain.
Indian Pediatr, 53 (2016), pp. 394-397
[11]
B.P. Chumpitazi, R.J. Shulman.
Dietary carbohydrates and childhood functional abdominal pain.
Ann Nutr Metab, 68 (2016), pp. 8-17
[12]
R. De Giorgio, U. Volta, P.R. Gibson.
Sensitivity to wheat, gluten and FODMAPs in IBS: facts or fiction?.
[13]
M. Di Stefano, C. Mengoli, M. Bergonzi, E. Pagani, G.R. Corazza.
Hydrogen breath test and intestinal gas production.
Eur Rev Med Pharmacol Sci, 17 (2013), pp. 36-38
[14]
P.L. Beyer, E.M. Caviar, R.W. McCallum.
Fructose intake at current levels in the United States may cause gastrointestinal distress in normal adults.
J Am Diet Assoc, 105 (2005), pp. 1559-1566
[15]
M.B. Vos, J.E. Kimmons, C. Gillespie, J. Welsh, H.M. Blanck.
Dietary fructose consumption among US children and adults: the Third National Health and Nutrition Examination Survey.
Medscape J Med, 10 (2008), pp. 160
[16]
M.B. Vos.
Nutrition, nonalcoholic fatty liver disease and the microbiome: recent progress in the field.
Curr Opin Lipidol, 25 (2014), pp. 61-66
[17]
R.K. Ozaki, A.C. Soares, P.G. Speridião, M.B. Morais.
Water load test in childhood functional abdominal pain.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 61 (2015), pp. 330-333
[18]
A.C. Soares, H.M. Lederman, U. Fagundes-Neto, M.B. de Morais.
Breath hydrogen test after a bean meal demonstrates delayed oro‐cecal transit time in children with chronic constipation.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 41 (2005), pp. 221-224
[19]
L.C. Medeiros, H.M. Lederman, M.B. de Morais.
Lactose malabsorption, calcium intake, and bone mass in children and adolescents.
J Pediatr Gastroenterol Nutr, 54 (2012), pp. 204-209
[20]
G. Block.
Human dietary assessment: methods and issues.
Prev Med, 18 (1989), pp. 653-660
[21]
J.L. Freudheim.
Review of study designs and methods of dietary assessment in nutritional epidemiology of chronic diseases.
J Nutr, 123 (1993), pp. 401-405
[22]
R.H. Matthews, P.R. Pehrsson, M. Farhat-Sabet.
Sugar content of selected foods: individuals and total sugars.
Home economics research report, pp. 3-14
[23]
D.B. Jelliffe.
Evaluación del estado de nutrición de la comunidad.
OMS (OMS – Série de monografias, 53), (1968),
[24]
H. Götze, A. Mahdi.
Fructose malabsorption and dysfunctional gastrointestinal manifestations.
Monatsschr Kinderheilkd, 140 (1992), pp. 814-817
[25]
Y.K. Choi, N. Kraft, B. Zimmerman, M. Jackson, S.S. Rao.
Fructose intolerance in IBS and utility of fructose‐restricted diet.
J Clin Gastroenterol, 42 (2008), pp. 233-238
[26]
H. Takeichi, H. Taniguchi, M. Fukinbara, N. Tanaka, S. Shikanai, N. Sarukura, et al.
Sugar intakes from snacks and beverages in Japanese children.
J Nutr Sci Vitaminol (Tokyo), 58 (2012), pp. 113-117
[27]
J.S. Sullivan, M.T. Le, Z. Pan, C. Rivard, K. Love-Osborne, K. Robbins, et al.
Oral fructose absorption in obese children with non‐alcoholic fatty liver disease.
Pediatr Obes, 10 (2015), pp. 188-195
[28]
R.W. Walker, K.A. Lê, J. Davis, T.L. Alderete, R. Cherry, S. Lebel, et al.
High rates of fructose malabsorption are associated with reduced liver fat in obese African Americans.
J Am Coll Nutr, 31 (2012), pp. 369-374
[29]
S.W. Rizkalla.
Health implications of fructose consumption: a review of recent data.
Nutr Metab, 7 (2010), pp. 1-17
[30]
B.P. Chumpitazi, J.L. Cope, E.B. Hollister, C.M. Tsai, A.R. McMeans, R.A. Luna, et al.
Randomised clinical trial: gut microbiome biomarkers are associated with clinical response to a low FODMAP diet in children with the irritable bowel syndrome.
Aliment Pharmacol Ther, 42 (2015), pp. 418-427

Como citar este artigo: Ozaki RK, Speridião PG, Soares AC, Morais MB. Intestinal fructose malabsorption is associated with increased lactulose fermentation in the intestinal lumen. J Pediatr (Rio J). 2018;94:609–15.

Trabalho desenvolvido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Escola Paulista de Medicina (EPM), Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica, São Paulo, SP, Brasil.

Copyright © 2017. Sociedade Brasileira de Pediatria
Baixar PDF
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.