To estimate the mean age at menarche and its association with nutritional status in Brazilian adolescents.
MethodsThe study sample included female adolescents aged 12–17 who participated in a multicenter, school‐based, country‐wide, cross‐sectional study entitled The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes [ERICA]). Mean and median ages at menarche in Brazil were estimated. The association of age at menarche with sociodemographic data and nutritional status were described as means and their respective 95% confidence intervals. Survival analysis was used to assess the age at menarche according to nutritional status categories and the log‐rank test was used to compare the medians. Bivariate and multivariate analyses were performed using Cox regression to verify the association between menarche and other variables.
ResultsA total of 73,624 students were evaluated, comprising 40,803 girls, of whom 37,390 reported menarche at a mean age of 11.71 years and a median of 12.41 years. Median age at menarche was lower in overweight and obese girls (p<0.001). The multivariate analysis showed that excess weight (HR=1.28; 95% CI 1.21–1.36; p<0.001) and studying in a private school (HR=1.06; 95% CI 1.02–1.10; p=0.003) were associated with menarche.
ConclusionsThis is a pioneering study in Brazil with national and regional representativeness to estimate the mean and the median age of occurrence of menarche. Adolescents with excess weight had an earlier menarche than their peers, even after adjustment for confounding factors.
Estimar a média de idade de ocorrência da menarca e sua associação com o estado nutricional em adolescentes brasileiras.
MétodosForam avaliados dados de meninas com 12 a 17 anos a partir de um estudo seccional de base escolar, com representatividade nacional e macrorregional, o ERICA (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes). Foram estimadas média e mediana de idade de ocorrência da menarca no Brasil, pelo método recordatório. A associação da idade da menarca com dados sociodemográficos e estado nutricional foi descrita como médias e seus respectivos IC95%. Análise de sobrevida foi utilizada para explorar a idade da menarca segundo categorias de estado nutricional e teste logrank foi utilizado para comparação das medianas. Análises bivariada e multivariada foram realizadas por meio da regressão de Cox para verificar a associação entre menarca e demais variáveis.
ResultadosForam avaliados 73.624 estudantes, 40.803 meninas, das quais 37.390 referiram ter apresentado menarca, sendo a média da idade de ocorrência de 11,71 anos e a mediana de 12,41 anos. As medianas da idade de ocorrência da menarca foram menores naquelas com sobrepeso e obesidade (p<0,001). A análise multivariada evidenciou que excesso de peso (HR=1,28, IC95% 1,21‐1,36, p<0,001) e estudar em escola privada (HR=1,06, IC95% 1,02‐1,10, p=0,003) estão associados à menarca.
ConclusõesEste foi o primeiro estudo brasileiro com representatividade nacional a estimar a média de idade de ocorrência da menarca. As adolescentes com excesso de peso apresentaram menarca em idade inferior às demais, mesmo após ajuste.
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O primeiro ciclo menstrual da vida da adolescente é denominado menarca. É um evento tardio da puberdade e um importante indicador da maturação sexual. Esse marco ocorre tipicamente dentro de dois a três anos após o início da puberdade, marcado pela telarca, caracterizada pelo desenvolvimento do broto ou botão mamário.1
Em relação à faixa etária, a menarca habitualmente acontece entre 12 e 13 anos.2 Cerca de 50 a 80% da variação nas idades de início e dos marcos da puberdade são determinados por fatores genéticos, porém o declínio substancial na idade de menarca entre o início do século XIX e meados do século XX foi associado à significativa melhoria da nutrição e das condições de vida atingidas durante o processo de civilização moderna.3,4
A tendência decrescente na idade da menarca teve uma aparente estabilização a partir da década de 1960.5,6 No entanto, nas últimas duas décadas, uma tendência à antecipação da menarca foi relatada novamente, especialmente nos países em desenvolvimento.7,8
Estudos têm mostrado que maior ganho de peso e índice de massa corporal (IMC) durante a infância estão relacionados com início mais precoce da puberdade. São esses, portanto, fatores determinantes da idade da menarca.9,10 No Brasil, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), feita entre 2008 e 2009, evidenciaram que cerca de 20% dos adolescentes apresentam excesso de peso e aproximadamente 5% obesidade. Quando comparados aos valores obtidos em 1974 e 1975, observa‐se que a prevalência de excesso de peso aumentou em quase três vezes no sexo feminino.11
Menarca em menores faixas etárias tem sido implicada em eventos adversos de saúde, inclusive câncer de mama, incidentes cardiovasculares e maior mortalidade geral.10 Assim, o presente estudo teve como objetivo estimar a média de idade de ocorrência da menarca e sua associação com o estado nutricional em adolescentes brasileiras.
MétodosEste estudo faz parte do Estudo de Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA), um estudo nacional, transversal, escolar, com o objetivo de estimar a prevalência de síndrome metabólica e outros fatores de risco cardiovascular em adolescentes entre 12 e 17 anos.12
A população de pesquisa foi dividida em 32 estratos geográficos, constituídos pelas 27 capitais, e por cinco conjuntos dos demais municípios com mais de 100 mil habitantes de cada uma das cinco macrorregiões do país. A estratificação foi feita de acordo com três categorias: escola, turma e alunos. Assim, a amostra é representativa em nível nacional, regional e também nas capitais dos estados. O detalhamento do plano amostral foi anteriormente publicado.13
Para o presente estudo, a amostra foi constituída por adolescentes de 12 a 17 anos do sexo feminino que frequentaram escolas localizadas em todas as cinco regiões brasileiras. Foram excluídas as adolescentes grávidas, portadores de deficiência física, mental ou que tivessem próteses de qualquer natureza, cujas medidas antropométricas não foram aferidas.
O cadastro das escolas informava o tipo de administração (pública ou privada) e sua localização (urbana ou rural). E os dados sobre idade, idade de ocorrência da menarca e cor da pele foram obtidos através de um questionário autopreenchível, com o uso de um coletor eletrônico de dados (Personal Digital Assistant [PDA] modelo LG GM750Q, LG Eletronics, CA, USA). A cor da pele foi autorrelatada como branca, parda, preta, amarela e indígena, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).14
A medida do peso foi obtida em balança eletrônica (Líder® modelo P150m, capacidade de 200 quilos e precisão de 50 gramas, SP, Brasil). A balança foi posicionada em piso plano horizontal, os pés tocavam o piso simultaneamente. Para a verificação, os adolescentes deveriam estar descalços e com roupas leves. A estatura foi medida com estadiômetro portátil e desmontável da marca Alturexata® (Alturexata®, MG, Brasil) com resolução de 1mm e campo de uso de até 213cm. Foram obtidas duas medidas e foi admitida uma variação máxima de 0,5cm entre as duas. Caso a variação excedesse esse valor, as medidas eram descartadas e feitas novamente. Foi usado o protocolo de Lohman et al.15
Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes, foram adotados os referenciais da OMS, usou‐se o índice IMC‐para‐idade, segundo sexo.16 Os pontos de corte adotados foram: magreza acentuada: escore Z < ‐3; magreza escore Z ≥ ‐3 e < ‐2; eutrofia escore Z ≥ ‐2 e ≤ 1; sobrepeso escore Z > 1 e ≤ 2; obesidade escore Z > 2.
O ERICA foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de cada uma das 27 instituições participantes, uma em cada unidade da federação brasileira. Foram entrevistadas e examinadas todas as alunas das turmas selecionadas que assinaram o termo de assentimento.
As análises dos dados foram feitas no software Stata (Stata Statistical Software. Versão 14. College Station, TX, EUA). Foram estimadas médias da idade de ocorrência da menarca e respectivos intervalos de confiança de 95% no Brasil e por macrorregião geográfica. Com dados nacionais, foram estimadas médias da idade de ocorrência da menarca e respectivos intervalos de confiança de 95%, de acordo com dados sociodemográficos e estado nutricional. Foi usado o módulo survey do Stata para análise de dados de amostra complexa.
Uma subamostra, constituída de adolescentes em que o estado nutricional foi verificado no ano da menarca foi estudada. Essa foi composta por 2.274 adolescentes que relataram idade de ocorrência da menarca coincidente com a idade cronológica por ocasião do estudo. Foram verificadas as médias de idade de ocorrência da menarca com seus respectivos intervalos de confiança segundo o estado nutricional (magreza e magreza acentuada, eutrofia e sobrepeso e obesidade).
Foi feita análise de sobrevida de forma a explorar a idade da menarca segundo categorias de estado nutricional, usaram‐se também os dados das adolescentes que ainda não haviam referido ter tido a menarca. A tábua de vida permitiu estimar o percentual que referiu menarca em cada idade e analisar graficamente a função de sobrevida da população total e segundo estado nutricional. O teste logrank foi usado para comparação das medianas das idades de menarca segundo estado nutricional. Modelo de Cox foi usado para estimar o hazard ratio (HR) de cada categoria de estado nutricional, teve‐se como referência a categoria definida como eutrofia. Quando o p valor foi inferior a 0,05, a análise foi considerada estatisticamente significativa.
Em seguida, análises bivariadas foram feitas por meio da regressão de Cox para verificar a associação entre a menarca e as variáveis estado nutricional, tiveram‐se como referência as adolescentes sem excesso de peso (magreza acentuada, magreza e eutróficas); tipo de administração de escola; região da escola; e cor da pele, teve‐se como referência não ser negra. A análise multivariada foi feita somente com as variáveis que apresentaram valor de p < 0,1 na análise bivariada.
ResultadosDe acordo com o cadastro das escolas, 102.327 alunos foram elegíveis na faixa de 12 a 17 anos. Foram obtidos dados completos de antropometria e resposta ao questionário de 73.624 estudantes, dos quais 40.803 (55,4%) eram do sexo feminino. Dentre essas, 37.390 haviam apresentado a menarca.
Na avaliação das adolescentes que já haviam apresentado a menarca, foi observado que sua média da idade de ocorrência foi de 11,71 anos (tabela 1). Na análise de todas as meninas avaliadas, considerando‐se não ter menstruado ou não saber informar a idade da menarca, a mediana da idade da menarca foi de 12,41 anos.
Distribuição da média da idade de ocorrência da menarca, Brasil e macrorregiões. ERICA, Brasil, 2013‐2014
Brasil/ Macrorregião | Média de idade (anos) | IC 95% |
---|---|---|
Brasil | 11,71 | 11,69‐11,74 |
Norte | 11,78 | 11,74‐11,82 |
Nordeste | 11,73 | 11,70‐11,77 |
Centro‐Oeste | 11,79 | 11,74‐11,84 |
Sudeste | 11,69 | 11,64‐11,74 |
Sul | 11,68 | 11,60‐11,76 |
IC95%, intervalos de confiança de 95%.
As médias de idade da menarca nas macrorregiões geográficas do país foi semelhante e evidenciou que a média da idade de ocorrência mais precoce foi registrada na região Sul e a mais tardia na região Centro‐Oeste, sem diferença estatisticamente significativa (tabela 1).
A distribuição das adolescentes no Brasil, segundo idade de ocorrência da menarca, evidenciou que cerca de 15% das meninas menstruam pela primeira vez antes dos 11 anos, 60% das adolescentes apresentaram a menarca entre 11 e 12 anos e 11 meses e que cerca de 99% das adolescentes já haviam menstruado com 14 anos e 11 meses.
A tabela 2 apresenta a distribuição da média da idade da menarca, de acordo com características sociodemográficas e estado nutricional. Meninas de escola privada apresentaram uma diferença de aproximadamente dois meses a menos na média de idade de ocorrência da menarca em relação àquelas de escola pública. Essa diferença foi próxima à encontrada entre as adolescentes que estudavam em área urbana em comparação com aquelas de rural, que apresentaram maior média de idade de ocorrência da menarca. E em relação à cor de pele observa‐se que meninas negras tiveram a menor média da idade de ocorrência da menarca, enquanto as indígenas apresentaram a maior, porém sem diferença estatisticamente significativa.
Distribuição da média da idade da menarca, de acordo com dados sociodemográficos e estado nutricional. ERICA, Brasil, 2013‐2014
Características | Média | IC 95% |
---|---|---|
Cor da pele | ||
Branca | 11,70 | 11,64‐11,76 |
Preta | 11,63 | 11,53‐11,73 |
Parda | 11,74 | 11,69‐11,79 |
Amarela | 11,65 | 11,49‐11,82 |
Indígena | 11,89 | 11,63‐12,14 |
Outras | 11,73 | 11,57‐11,90 |
Administração da escola | ||
Pública | 11,74 | 11,71‐11,78 |
Privada | 11,57 | 11,49‐11,65 |
Localização da escola | ||
Urbana | 11,71 | 11,68‐11,74 |
Rural | 11,84 | 11,74‐11,95 |
Estado nutricional | ||
Magreza acentuada | 12,83 | 11,70‐13,95 |
Magreza | 12,37 | 12,17‐12,56 |
Eutrofia | 11,82 | 11,79‐11,85 |
Sobrepeso | 11,37 | 11,31‐11,44 |
Obesidade | 11,34 | 11,25‐11,43 |
IC95%, intervalos de confiança de 95%.
Em relação ao estado nutricional, adolescentes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) apresentaram média da idade de ocorrência da menarca anterior à média nacional; e significativamente menor do que aquelas sem excesso de peso.
A análise da subamostra composta por 2.274 adolescentes, que relataram idade de ocorrência da menarca coincidente com a idade cronológica por ocasião do estudo, evidenciou média de idade de ocorrência da menarca daquelas com excesso de peso um ano a menos em relação à média daquelas com magreza e magreza acentuada, com diferença estatisticamente significativa (tabela 3).
Média de idade de ocorrência da menarca por estado nutricional, na subamostra que apresentou idade da menarca coincidente com a idade vigente no ano do estudo. ERICA, Brasil, 2013‐2014
Estado nutricional | Média de idade (anos) | IC 95% |
---|---|---|
Magreza + Magreza acentuada | 14,02 | 13,71‐14,34 |
Eutrofia | 13,33 | 13,23‐13,44 |
Sobrepeso + Obesidade | 12,94 | 12,78‐13,10 |
IC95%, intervalos de confiança de 95%.
A idade mediana das adolescentes que exibiam magreza acentuada foi 13,53 anos, a das com magreza 13,39 anos, a das com eutrofia 12,5 anos, a das com sobrepeso 12,01 anos e a das com obesidade 11,96 anos (teste logrank p < 0,001). Assumindo‐se que o estado nutricional descrito tenha precedido a menarca, a ocorrência da menarca nas adolescentes com sobrepeso e obesidade precede à das adolescentes eutróficas e a dessas à de adolescentes com magreza e magreza acentuada (fig. 1).
As estimativas do modelo de Cox para associações entre a ocorrência da menarca e cada estado nutricional tiveram como referência adolescentes eutróficas (HR = 1) e evidenciaram HR = 0,62 (IC95% 0,42‐0,92 e p = 0,017) para adolescentes com magreza acentuada; HR = 0,56 (IC95% 0,47‐0,67 e p < 0,001) para adolescentes com magreza; HR = 1,31 (IC95% 1,24‐1,38 e p < 0,001) para adolescentes com sobrepeso; e HR = 1,17 (IC95% 1,06‐1,30 e p = 0,001) para adolescentes com obesidade.
As análises bivariadas evidenciaram para associações entre a ocorrência da menarca e excesso de peso, HR = 1,29 (IC95% 1,22‐1,36 e p < 0,001); estudar em escola privada, HR = 1,07 (IC95% 1,03‐1,11, p < 0,001); em área urbana, HR = 1,06 (IC95% 0,98‐1,14, p = 0,14) e ser negra, HR = 1,05 (IC95% 0,97‐1,12, p = 0,22). Na análise multivariada com as variáveis excesso de peso e estudar em escola privada, observou‐se para as associações excesso de peso HR = 1,28 (IC95% 1,21‐1,36, p < 0,001) e estudar em escola privada HR = 1,06 (IC95% 1,02‐1,09, p = 0,002).
DiscussãoA média de idade da ocorrência da menarca entre as meninas brasileiras foi de 11,71 anos. Não houve diferença da idade da menarca nas diversas macrorregiões brasileiras. Observou‐se associação entre a menarca e excesso de peso, na análise bi e multivariada, com significância estatística.
Em relação à média encontrada (11,71 anos), o resultado foi similar ao de outros estudos brasileiros, como um feito no município do Rio de Janeiro que avaliou 502 adolescentes entre 11 e 15,9 anos de uma escola pública e de uma escola particular que apresentaram as médias de ocorrência da menarca de 11,7 e 11,5 anos, respectivamente.17
A média de idade de ocorrência da menarca encontrada no presente estudo também foi similar àquela encontrada em um estudo mexicano. Na cidade do México, a média da idade de ocorrência da menarca entre estudantes de oito a 17 anos foi de 11,4 anos.7 Da mesma forma, a mediana da idade de ocorrência da menarca estimada no presente estudo (12,41 anos) foi próxima da encontrada em um estudo colombiano (12,6 anos), um inquérito nacional com 15.441 adolescentes de 10 a 18 anos.18
No entanto, a média encontrada no presente estudo foi um ano a menos, aproximadamente, quando comparada com a descrita em um estudo coreano que analisou 3.409 meninas de 10 a 18 anos (12,7 anos),8 e em um estudo de coorte com 610 meninas entre três e 17 anos feito nos Estados Unidos da América, que evidenciou média da idade da menarca de 12,8 anos em meninas brancas e 12,2 anos em negras, pelo método prospectivo.19
Estudos nacionais também apresentaram resultados discordantes em relação ao presente estudo. Roman et al. encontraram pelo método status quo, em 2009, a média da idade da menarca de 12,2 anos a partir de um estudo transversal com 2.761 escolares em uma cidade na macrorregião Sul do Brasil.20 Castillo et al. avaliaram a tendência secular da menarca a partir de dois estudos transversais, em 2001 e em 2010, em escolas particulares em uma cidade na macrorregião Sudeste do país, e encontraram, em 2010, a idade mediana da menarca de 12,08 anos.21
Todavia, não é possível estabelecer comparações entre os resultados anteriores e o presente estudo. Além das diferenças socioeconômicas e culturais entre países e dentro do Brasil, essa diferença entre os resultados pode ser explicada pelos métodos distintos de obtenção da idade da menarca e de seleção de unidades amostrais dos estudos.
No Brasil, o presente estudo compreendeu o maior número de meninas já avaliadas em uma única pesquisa e foi o primeiro a apresentar dados, com representatividade nacional e por regiões, de adolescentes de 12 a 17 anos que frequentam escolas e moram em municípios com mais de 100.000 habitantes. E dessa forma foi possível demonstrar a média de idade de ocorrência da menarca em cada macrorregião brasileira.
As médias de idade de ocorrência da menarca das macrorregiões geográficas foram semelhantes entre si. As regiões Sudeste e Sul apresentaram médias inferiores à média nacional, enquanto as maiores médias foram encontradas nas regiões Norte e Centro‐Oeste. Apesar de essas diferenças não apresentarem significância estatística, é relevante ressaltar que as regiões Sudeste e Sul abrigam os cincos estados mais ricos da federação.22 Essa tendência negativa na idade de menarca em grupos mais propensos a se beneficiar do desenvolvimento socioeconômico foi descrita anteriormente na literatura.18
Quanto às diferenças relacionadas à cor da pele na idade da menarca, sabe‐se que as diferenças raciais e étnicas devem ser entendidas como reflexo de uma combinação de fatores genéticos, sociais e ambientais. Euling et al. observaram que meninas negras apresentaram início mais precoce da puberdade e da menarca, foram seguidas pelas latino‐americanas ou mexicanas, enquanto as meninas brancas iniciaram puberdade e tiveram a menarca mais tardiamente.5 Da mesma forma, Ossa et al. evidenciaram que média de idade de ocorrência da menarca de mulheres indígenas era maior em cinco meses quando comparada com a média de mulheres não indígenas no Chile.23 No presente estudo, apesar de ter sido observada uma tendência de ocorrência da menarca em idade anterior em meninas negras e em idade mais avançada em indígenas, esse resultado não apresentou diferença estatisticamente significativa.
No presente estudo, quando comparados os valores das médias da idade da menarca entre as adolescentes de escola pública e particular, observou‐se valor superior e estatisticamente significativo entre aquelas que frequentavam escola particular. Essa associação se manteve mesmo após ajuste. E quando comparadas as médias entre aquelas de área urbana e rural, representantes da área urbana apresentaram média inferior de idade de ocorrência da menarca, porém sem diferença estatística. Associações semelhantes foram relatadas em outros estudos.18,20
Embora os resultados no presente estudo sugiram que a menarca tende a ocorrer antecipadamente em meninas que pertençam a nível socioeconomômico mais alto, ou seja, moradoras das regiões Sul e Sudeste, área urbana e frequentadoras de escola particular, observa‐se que a diferença foi relativamente pequena, cerca de dois meses (tabela 2), com pouco impacto na prática clínica.
Com relação às associações entre estado nutricional e puberdade, estudos de revisão têm sido feitos para entender melhor sua complexidade.9,10 No presente estudo, quando a média da idade de ocorrência da menarca foi estimada de acordo com a classificação segundo estado nutricional, observa‐se que as meninas com IMC maior (sobrepeso e obesidade) menstruaram mais cedo do que as sem excesso de peso, como demonstrado na tabela 2. Essa associação já foi relatada em estudos epidemiológicos anteriores.8,18,24
Com o objetivo de minimizar possível discordância entre o IMC atual e o da ocasião da menarca, foi analisada uma subamostra com 2.274 adolescentes cuja menarca ocorreu na idade cronológica em que foi feito o estudo. Assim, foi avaliada a associação entre a idade da menarca e o estado nutricional por ocasião do desfecho. O resultado encontrado nesse grupo foi coincidente com o da amostra total, uma vez que a média da idade de ocorrência da menarca foi menor entre aquelas com excesso de peso e maior entre as que apresentavam magreza e magreza acentuada.
A análise de sobrevida foi usada para quantificar o efeito do estado nutricional na idade da menarca, corroborou a associação observada na amostra, que referiu já ter tido a menarca e lembrou‐se da idade. Além disso, o excesso de peso manteve‐se significativo, mesmo após ajuste.
A menarca em faixa etária mais precoce tem sido associada a maior risco de diabetes mellitus tipo 2, doença cardiovascular e câncer, como o de mama, na idade adulta.25–27 Assim, a menina que apresenta maturação sexual mais cedo pode ser identificada como uma portadora de risco para o desenvolvimento futuro dessas doenças.
Uma limitação do presente estudo consiste no uso do método recordatório para avaliar a idade da menarca. No entanto, por ter avaliado adolescentes em idades próximas ao evento, a probabilidade de viés de memória diminui. Um estudo brasileiro avaliou que a idade da menarca obtida pelo método recordatório foi semelhante para as meninas que menstruaram havia três anos ou menos, porém acima de três anos o viés de memória foi significante.28 No entanto, outro estudo apontou que a correlação entre a idade obtida durante seguimento longitudinal e a informada é alta, mesmo 30 anos após o evento.29
O conhecimento da média de idade de ocorrência da menarca é um dado relevante, uma vez que a idade precoce de ocorrência desse evento pode ser um sinalizador de maior risco de diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer na vida adulta. Considerando que a idade da menarca depende da interação entre fatores genéticos e ambientais, e que o excesso de peso é um fator de risco modificável, medidas devem ser tomadas em relação às crescentes taxas de sobrepeso e obesidade na população, inclusive a pediátrica, no Brasil.
FinanciamentoMinistério da Saúde do Brasil.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Barros BS, Kuschnir MC, Bloch KV, Silva TL. ERICA: age at menarche and its association with nutritional status. J Pediatr (Rio J). 2019;95:106–111.