To analyze the scientific literature on dietary changes in preterm children during the first years of life.
Data sourceThe PubMed database was used for article selection. The texts were analyzed according to their objectives, research design, and research group characteristics. The following were selected to comprise the criteria: (1) publications in the period from 1996 to 2014; (2) participation of infants and children from birth to 10 years of age; (3) development of oral motor skills necessary for feeding; (4) development of the feeding process; and (5) feeding difficulties during childhood.
Data synthesisThere were 282 studies identified, of which 17 were used in the review, and five more articles were identified through the reference list of selected articles, totaling 22 references.
ConclusionVery low birth weight preterm newborns are more likely to have feeding problems in early postnatal stages and during childhood when compared with full‐term infants. Monitoring the feeding of these infants after hospital discharge is strictly recommended in an early intervention program aiming at better development of feeding skills.
Analisar a literatura científica sobre alterações alimentares em crianças prematuras durante os primeiros anos de vida.
Fonte dos dadosA base de dados do Pubmed foi a precursora para a seleção dos artigos. Os textos foram analisados quanto aos seus objetivos, desenhos da pesquisa e características do grupo pesquisa e foram selecionados os seguintes temas para compor os critérios: (1) publicações de 1996 a 2014; (2) participação de bebês e crianças, do nascimento até os 10 anos; (3) desenvolvimento das habilidades motoras orais necessárias para a alimentação; (4) desenvolvimento do processo de alimentação e (5) dificuldades alimentares durante a infância.
Síntese dos dadosForam identificados 282 estudos, 17 foram usados e cinco artigos foram identificados por meio da lista de referência bibliográfica dos artigos selecionados, totalizando 22 referências bibliográficas.
ConclusãoA revisão permitiu concluir que recém‐nascidos pré‐termo muito baixo peso (RNPTMBP) são mais propensos a apresentar problemas de alimentação nos estágios iniciais pós‐natal e durante a infância quando comparados com crianças a termo. O monitoramento da alimentação após a alta hospitalar é estritamente recomendado em um programa de intervenção precoce com vistas ao melhor desenvolvimento das habilidades alimentares.
A prematuridade é considerada uma condição de risco, pois a imaturidade anatomofisiológica predispõe a uma série de dificuldades para adaptação e evolução na vida pós‐natal.1 A redução da morbimortalidade neonatal e, consequentemente, o aumento significativo da sobrevivência dos recém‐nascidos pré‐termo com muito baixo peso (RNPTMPB), ou seja, idade gestacional (IG) inferior a 37 semanas (s) e peso de nascimento (PN) inferior a 1.500g,2–5 levaram vários autores a identificar esse grupo de crianças como sujeito a desenvolver problemas importantes relacionados à alimentação.
A descrição das dificuldades iniciais e dos padrões de sucção e deglutição em RNPTMBP durante o período de hospitalização é conhecida na literatura6‐9 como imaturidade dos reflexos orais, força reduzida de sucção, grupo reduzido de sucções por pausa, descoordenação da sucção, deglutição e respiração, engasgo, dificuldade de aceitar todo volume por via oral (VO).10 As morbidades associadas à prematuridade, como a menor IG ao nascimento, a presença da instabilidade clínica do padrão respiratório, do tempo prolongado de intubação e da imaturidade do sistema gastrointestinal,11 tornam esses bebês incapazes de receber, inicialmente, a alimentação exclusiva por VO. Dessa forma, o uso de via opcional de alimentação, por meio de uso de sonda nasogástrica (SNG) ou orogástrica, torna‐se estritamente necessário.12,13
Pesquisas têm apontado que os problemas alimentares podem persistir nessas crianças após a alta hospitalar e podem ter consequências em longo prazo.12‐16 O entendimento do desenvolvimento do processo de alimentação nessa população, assim como desvendar os fatores que possam contribuir para o aparecimento dos distúrbios alimentares na infância, é essencial para apurar, entre esse grupo de crianças, quais seriam as mais propensas a desenvolver problemas e identificar quais as fases do desenvolvimento da alimentação que podem estar alteradas.17,18 O objetivo dessa revisão de literatura foi pesquisar textos científicos internacionais e nacionais que abordam o desenvolvimento alimentar de crianças prematuras e os problemas alimentares durante os primeiros anos de vida.
MétodosFonte de dadosA consulta da base de dados Pubmed foi a percursora para a seleção dos artigos, com o uso dos descritores feeding problems, development of feeding skills e preterm infants, de 1996 a 2014.
Seleção dos artigosOs títulos e os resumos dos estudos foram identificados por dois pesquisadores independentes e casos de desacordo foram resolvidos por discussão. Todos os estudos potencialmente relevantes e os estudos cujos resumos não forneceram informações suficientes para a inclusão ou exclusão foram recuperados em artigos completos. Após o levantamento bibliográfico e seleção dos artigos quanto aos seus objetivos foi feita uma análise dos textos completos potencialmente relevantes, a partir dos critérios pré‐estabelecidos, caracterizando‐a como não simples‐cego.
Os critérios de inclusão estabelecidos para a seleção dos artigos consistiram em: 1) publicações de 1996 a 2014; 2) participação de bebês e crianças, do nascimento até aos 10 anos; 3) inclusão das habilidades motoras orais (HMO) necessárias para a alimentação; 4) desenvolvimento do processo de alimentação e 5) inclusão das dificuldades alimentares durante a infância.
Foram excluídos da seleção os artigos dos quais não foi possível se ter acesso ao texto completo [obtidos no Portal de Periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)], assim como aqueles sobre estudos de caso, cartas ao editor e os publicados em outras línguas que não o inglês, o espanhol e o português. Foi feita a exclusão, também, de textos cujos temas abordados não se relacionavam com o foco desta revisão, tais como: doenças maternas, doenças graves das crianças, aspectos nutricionais de leite materno ou fórmula artificial, avaliações específicas do tempo de transição da alimentação por gavagem para a via oral, resultados específicos do tratamento da sucção não nutritiva.
ResultadosNo percurso da busca bibliográfica foram identificadas 282 referências. Dessas, 177 estudos foram excluídos por tratar de (35) doenças maternas, (47) doenças graves das crianças, (43) aspectos nutricionais de leite materno ou fórmula artificial, (47) avaliações específicas sobre a amamentação e (dois) problemas odontológicos. Outras duas razões também foram motivo de exclusão: (dois) estudos publicados em outras línguas, como francês e chinês, e (um) estudo de caso.
Dos 105 estudos restantes, após a leitura dos textos completos foram excluídos 88 artigos, pois abordavam temas não relevantes para o objetivo principal da pesquisa, (18) avaliações da sucção de bebês prematuros no ambiente de UTI Neonatal, (46) sobre avaliações específicas do tempo de transição da alimentação por gavagem para a VO e (24) sobre intervenção específica na sucção não nutritiva dos bebês durante o período de hospitalização. Cinco artigos de revisão de literatura foram identificados por meio da lista de referência bibliográfica dos artigos selecionados e foram incluídos por se tratar de temas pertinentes para esta pesquisa. O número de textos completos a serem incluídos na pesquisa foi de 22 citações. O fluxograma que representa o percurso feito sobre a busca e a seleção dos artigos está ilustrado na figura 1.
Início das dificuldades iniciais de alimentaçãoExposições frequentes a estímulos sensoriais nocivos a que os RNPTMBP são submetidos como consequência da prematuridade, como intubação, aspiração de vias aéreas superiores, uso de sondas de alimentação, resultam em experiência negativa e, consequentemente, a aversão aos estímulos orais pode ser evidenciada nessa população.19,20 A experiência inicial do processo de alimentação, com o uso de SNG ao nascimento, pode ser precursora para dificuldades nesse processo, como alterações da sensibilidade oral e facial, principalmente em crianças prematuras que a usaram por um período maior do que três semanas.21
Contudo, as HMO necessárias para alimentação continuam a se desenvolver e a literatura tem enfatizado que os transtornos alimentares em RNPT podem persistir mesmo após a alta hospitalar.19,22.
Jonsson et al.,16 por meio de estudo do coorte, aplicaram um questionário aos pais, referente ao desenvolvimento das habilidades alimentares, durante os três primeiros anos de vida, em 27 crianças prematuras (nascidas com IG entre 28 a 32s, média de PN 1698g) e 29 crianças do grupo controle (GC). Foram excluídas crianças que apresentaram anormalidades congênitas ou doenças crônicas. O questionário foi aplicado inicialmente no período neonatal, logo após a alta hospitalar, no momento em que eram introduzidos os alimentos sólidos, e aos 36 meses de idade. Os autores verificaram que 48% das crianças prematuras apresentaram dificuldades alimentares logo após a alta hospitalar, seguidas de: tempo prolongado para alimentação (25%), vômitos (22%), pobre ganho de peso (19%) e recusa alimentar (15%).
Dificuldades alimentares na infânciaA descrição das dificuldades alimentares encontradas em crianças prematuras no primeiro ano de vida é conhecida na literatura e destaca‐se pela presença de disfunção motora oral (DMO), de vômitos, de refluxo gastroesofágico (RGE), de engasgo, de aspiração, de preferência por apenas uma consistência alimentar, de escape extraoral significativo do alimento, de recusa alimentar, de tempo reduzido para alimentar‐se devido à falta de atenção/envolvimento com a situação de alimentação, de dificuldade na transição de consistências alimentares de acordo com a faixa etária, de dificuldade de mastigação com alimentos sólidos, de pobre ganho de peso e de ingestão de pouco volume de alimento.4,5,17,18,23‐39
Norris et al.,21 por meio de um estudo observacional, entrevistaram os pais de 253 crianças prematuras até os 12 meses corrigida (IC) sobre as práticas alimentares. Os autores constataram que a média de idade para a introdução da alimentação complementar foi 17s de IG pós‐natal para 50% dos RNPT, porém, ao se corrigir a idade cronológica, esses bebês iniciaram a alimentação com 11,5s. As dificuldades na execução das HMO necessárias para deglutição dessa nova consistência alimentar foram relatadas pelos pais. Um estudo verificou que a introdução alimentar ocorreu precocemente nos bebês prematuros, nascidos entre 28 a 32s, com média de idade corrigida de 3,2 e 4,5 meses quando comparados com o GC.16 Outro estudo constatou que a introdução da alimentação complementar foi iniciada com 3,5 meses, em bebês prematuros com IG<32s e aos quatro meses de idade com as crianças a termo.22
Töröläa et al.23 fizeram o seguimento longitudinal de bebês prematuros, com IC de 1,5 a 4 meses, nascidos com IG de 27s e PN<1.000g, para avaliar o desenvolvimento das habilidades de alimentação desses bebês comparados com bebês a termo. Os autores observaram que o reflexo de sucção esteve presente com o uso da colher na introdução da alimentação complementar, na maioria das crianças prematuras. As crianças que exibiam essa alteração apresentaram escape extraoral significativo do alimento, o que tornava a alimentação prolongada e cansativa, tanto para as crianças como para os cuidadores. Os bebês PT precisaram de um mês e meio para aprender a lidar com essa nova consistência alimentar, enquanto que os bebês a termo aprenderam instantaneamente.
Castro et al.24 observaram, por meio de um estudo exploratório, a associação entre a IG e o desenvolvimento motor global e a presença de sinais precoces de alteração do desenvolvimento do sistema miofuncional orofacial (SMO), em 55 lactentes prematuros, aos quatro e cinco meses de IC, com IG de 29 a 34s e PN 1.500g a 2.000g. Foram excluídas crianças com histórico de alterações neurológicas, síndromes genéticas e malformações congênitas. Os autores encontraram associação com a menor IG ao nascimento (<34s) e alterações na avaliação do SMO, quando comparadas com o grupo de lactentes que apresentavam IG maior, entre 35 e 36s. As alterações mais frequentes foram a presença de reflexos orais primitivos (procura, sucção e mordida fásica), ausência de vedamento labial, ausência de atividade de língua no plano frontal, ausência de atividade simétrica dos músculos bucinadores. Os autores inferiram que as dificuldades encontradas no desenvolvimento motor global dos prematuros foram fatores importantes para os déficits do ganho do desenvolvimento do SMO, devido à falta de alongamento, simetria e sinergia dos músculos que compõem o tronco, a cintura escapular e a região cervical.
Ruedell et al.,25 por meio de um estudo longitudinal e prospectivo, investigaram as HMO de lactentes prematuros, com IG entre 29‐35s e média de PN 1.556g, aos quatro e seis meses de IC. A presença de síndromes genéticas e de malformações congênitas maiores e crianças submetidas a tratamento fonoaudiológico foram excluídas. Aos quatro meses de idade, o ato de sugar a mamadeira foi a HMO mais alterada em 14 crianças PT. Aos seis meses, 57,1% dessas crianças não sorveram o líquido adequadamente do copo.
Hawdon et al.4 avaliaram prospectivamente a incidência de problemas relacionados com a alimentação em 35 crianças prematuras (média da IG de 34s), no ambiente de UTI Neonatal, e descreveram as características dessas crianças diagnosticadas com problemas de alimentação aos seis e 12 meses de idade. As crianças que permaneceram internadas por um período inferior a cinco dias foram excluídas do estudo. Os autores constataram que 40% dos bebês prematuros que permaneceram internados na UTI Neonatal por três meses apresentaram transtornos alimentares, nove deles apresentaram alterações importantes, como problemas neurológicos (paralisia cerebral e desordem neuromuscular). Aos seis meses de idade, os pais relatavam que episódios de engasgos e vômitos eram comuns na rotina alimentar dessas crianças e aos 12 meses de idade esses bebês ainda apresentaram dificuldades alimentares. A recusa alimentar é um dos principais motivos de estresse para a família.
Mathisen et al.,26 por meio de um estudo transversal, avaliaram, por meio de análises de vídeos, as HMO e os comportamentos alimentares em 20 crianças prematuras, IG de 27s e MBP (<1.000g), aos seis meses de IC. Crianças com diagnóstico de hemorragia intracraniana, displasia broncopulmonar ou anormalidades cromossômicas foram excluídas. Os autores verificaram que 80% das crianças apresentaram imaturidade das funções motoras orais, como, por exemplo, descoordenação entre sucção, deglutição e respiração, ausência de orientação da cabeça frente ao alimento e de vedamento labial após a deglutição, dificuldades para deglutir líquidos e escape extra oral de saliva e de alimento.
Kamita et al.27 averiguaram, em um estudo prospectivo, a experiência parental dos problemas de comportamento alimentar em 40 prematuros até a IC de 12 meses. Crianças com síndromes e malformações congênitas e que apresentaram pais adolescentes foram excluídas. Encontrou‐se uma porcentagem pequena de crianças (22,7%) nascidas com IG<29s que foram identificadas com problemas alimentares, tais como: escape extraoral de saliva, pobre ganho de peso, ingestão de pouco volume de alimento, dificuldades na ingestão de novas consistências e dificuldades na alimentação independente. Os autores constataram que as dificuldades alimentares apresentaram associações significativas com as complicações da prematuridade, os problemas gastrointestinais e pulmonares.
Pridham et al.28 observaram o desempenho das habilidades alimentares de 45 bebês prematuros, com PN<1.250g, em um estudo longitudinal e descritivo, durante o primeiro ano de vida. Os autores verificaram que, no 8° e 12° meses de idade, para as habilidades de alimentação, a minoria dos bebês prematuros apresentou atraso e falta de oportunidade para ingerir novas consistências alimentares, como a introdução de sólidos e beber em um copo.
Boer, Schipper29 fizeram uma análise direta das habilidades alimentares em 47 bebês prematuros, nascidos com média da IG<30s e PN<1.286g, aos nove meses de IC e grupo controle (GC). Os autores encontraram a ocorrência de dificuldades alimentares significativas em bebês prematuros, quando comparados com os bebês do GC, como episódios de asfixia (45%), engasgo (55%) e aceitação de pão com casca (71%).
DeMauro et al.30, em um estudo de coorte, analisaram as habilidades de alimentação no primeiro ano de vida em 319 crianças prematuras extremas (nascidas com IG 25‐33s) e 571 crianças prematuras tardias (nascidas com 34 a 36s de IG), por meio de um questionário específico aplicado aos pais. Crianças com anomalias cromossômicas ou congênitas foram excluídas. Os autores verificaram que as crianças prematuras extremas apresentaram mais dificuldades alimentares, caracterizadas por DMO, quando comparadas com os prematuros tardios aos três meses. As dificuldades como o engasgo e a recusa alimentar se resolveram aos seis meses de idade em ambos os grupos. Aos 12 meses de idade, DMO e desconforto durante a alimentação ainda foram evidenciados nos prematuros extremos.
Buswell et al.31 avaliaram as HMO, mediante as análises em vídeos de um grupo pequeno de 15 crianças prematuras, aos 10 meses de IG, durante a alimentação com variação de consistência alimentar. Crianças que reportaram problemas congênitos, doenças cardíacas ou anormalidades gastrointestinais, hemorragia intraventricular ou leucomalácia e risco de aspiração de alimento foram excluídas. Encontrou‐se uma proporção pequena de 20% das crianças prematuras que apresentaram DMO. Não houve relação entre DMO e as variáveis da história neonatal, como IG ao nascimento, números de dias com suporte de oxigênio e número de dias desde o nascimento até a estabilização da alimentação por via oral.
Dodril et al.18 averiguaram prospectivamente as diferenças entre a sensibilidade oral em crianças prematuras, nascidas após 32s de IG e GC no ambiente de UTI Neonatal e o desenvolvimento da alimentação, dos 11 aos 17 meses de IC. Foram excluídas crianças com histórico de lesões estruturais que afetassem o mecanismo de deglutição, doenças cardíacas, respiratórias, gastrointestinais ou neurológicas. Os autores verificaram que as crianças prematuras apresentaram imaturidades tanto na habilidade de ingerir o líquido no copo quanto na retirada do alimento da colher, quando comparadas com crianças do GC. As crianças PT consumiam menos alimentos durante a refeição; o tempo de duração da alimentação foi maior; a atividade dos lábios foi menor para retirar o alimento da colher; apresentaram maior protrusão de língua, perda de alimento para deglutição de semissólido e sucções reduzidas durante a deglutição de líquidos quando comparadas com as crianças do GC. Os autores também verificaram que o grupo de crianças PT que usou SNG por um período maior do que três semanas apresentou tendência à fraqueza, como, por exemplo, movimentos imaturos de mandíbula para mastigação e para morder os alimentos sólidos quando comparado com as crianças que usaram SNG por tempo menor.
Douglas e Bryon20 fizeram uma análise descritiva em 201 crianças com idade inferior a sete anos, para investigar os fatores de risco que poderiam estar associados com severas dificuldades crônicas de alimentação. Os autores constataram que 22% das crianças prematuras (IG entre 30‐36s) apresentaram alta incidência de problemas alimentares de 0 a 3 meses de idade e as dificuldades persistiram entre 3 a 6 meses de idade, seguidas de comportamento de cuspir os alimentos quando se insistia na alimentação, além de engasgo, asfixia, RGE, vômitos e recusa alimentar. Os autores constataram que os fatores de risco que estiveram associados aos severos problemas de alimentação na população pediátrica foram: baixo peso, atraso no desenvolvimento global, início precoce de problemas alimentares nos primeiros meses e história de vômito frequente. Foi apontado que 90% dos pais relataram que os problemas alimentares de seus filhos constituíram um dos principais motivos de estresse.
Cerro et al.22 investigaram a percepção dos pais, por meio de um questionário pré‐estabelecido, em relação ao comportamento alimentar em 95 crianças prematuras (IG <32s e PN<1,5kg), nas idades de 1,5 a 3,5 anos, as quais estavam inseridas em um programa de seguimento neonatal e GC. Crianças com severos problemas neurológicos foram excluídas. Os autores encontraram dados significativos em relação ao índice de problemas de alimentação, que correspondiam a 73% das crianças prematuras quando comparadas com o GC. Os problemas mais comuns foram vômitos (73%), RGE (33%) e pobre ganho de peso (32%).
Crapnell et al.32, em um estudo longitudinal com 127 crianças prematuras, IG<30s, investigaram a associação entre os fatores clínicos neonatais e os problemas alimentares aos 2 anos de idade, por meio de um questionário aplicado aos pais. Crianças com complicações congênitas foram excluídas. Os autores observaram que 23% das crianças apresentaram problemas alimentares, 44 (55%) não se alimentavam adequadamente, 24 (30%) não aceitavam os alimentos imediatamente, 22 (28%) eram seletivas para alimentação, 18 (23%) cuspiam fora o alimento, 12 (15%) recusavam comer algum tipo de alimento, nove (11%) apresentavam recusa alimentar, oito (10%) acumulavam a comida entre as bochechas, sete (9%) recusavam alimentos que requeriam a mastigação, cinco (6%) apresentavam engasgo. Uma criança foi identificada com a presença de gastrostomia e 22% apresentaram alterações sensitivas. A presença dessas dificuldades alimentares aos 2 anos de idade obteve associação com a hipotonia geral das crianças e o baixo padrão socioeconômico dos pais.
Sweet et al.33 analisaram prospectivamente a sobrevivência e o desenvolvimento neuropsicomotor de crianças prematuras, com PN≤600g, aos 2 anos de IC. Foram identificadas 104 crianças, das quais 23% sobreviveram após a alta hospitalar. Os autores constataram que o diagnóstico de paralisia cerebral esteve presente em 16 (76%); três crianças apresentaram hemiplegia, oito apresentaram diplegia, a quadriplegia esteve presente em cinco. Os diagnósticos de problemas alimentares foram identificados em 62% (13) das crianças, 28% (seis) usaram a gastrostomia para via de alimentação. O crescimento dessas crianças foi significativamente prejudicado e 55% delas exibiram escores abaixo do percentil 10 para peso, altura e circunferência de cabeça.
Wood et al.34 estudaram prospectivamente 283 crianças prematuras com IG<25s para verificar as associações entre crescimento e os problemas alimentares aos 30 meses de IC. Os autores constataram que 33% dos pais dessas crianças reportaram dificuldades alimentares, 34 crianças apresentavam problemas de deglutição, 66 apresentavam recusa alimentar e 19 ambos os problemas. As diferenças do desvio padrão para o peso obteve piores resultados em crianças com dificuldades na deglutição do que naquelas com quadro de recusa alimentar.
Samara et al.35 fizeram um estudo descritivo dos comportamentos alimentares em 223 crianças prematuras extremas, aos seis anos de idade, com IG <24s e média de PN 749g e GC, por meio de um questionário aplicado aos pais. A presença de problemas comportamentais, DMO, recusa alimentar e hipersensibilidade obteve associações significativas nas crianças prematuras, em ambos os sexos, quando comparadas com crianças do GC. Os problemas relatados foram: escape extraoral do líquido enquanto deglutiam e dificuldade com a mordida de alimentos sólidos, encontrados em 49 (23%) dos meninos e 23 (10,6%) das meninas; hipersensibilidade, encontrada em 35 (16,4%) dos meninos e 15 (7,04%) das meninas. Os problemas de alimentação foram significativamente correlacionados com inadequado padrão de crescimento dessas crianças, vistas aos seis anos de idade, além dos fatores preditivos, como IG, PN e dificuldades com a alimentação nos estágios iniciais de vida.
Rommel et al.5 caracterizaram as etiologias das dificuldades alimentares em 700 crianças prematuras (IG<34s) com idade inferior a 10 anos. Os autores evidenciaram que os problemas alimentares das crianças apresentaram associações significativas com o baixo peso ao nascimento e o RGE, o que correspondeu a 53% das crianças.
DiscussãoEsta revisão de literatura englobou publicações que investigaram as dificuldades de alimentação em crianças prematuras durante os primeiros anos de vida. Nove publicações descreveram as ocorrências dos transtornos alimentares por meio de entrevistas com os pais;4,16,21,22,27,30,32,34,35 oito publicações contemplaram avaliações diretas da alimentação;18,23‐26,28,29,31 dois estudos fizeram análises descritivas para caracterizar os problemas alimentares das crianças;5,20 e um artigo contemplou a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, mas os diagnósticos de transtornos alimentares foram também evidenciados.33 Dez artigos analisaram as associações das variáveis atraso do desenvolvimento motor, RGE, vômitos, complicações pulmonares, menor IG e PN ao nascimento, tempo prolongado de oxigênio e de uso de SNG, presença de hipotonia das crianças e baixo padrão socioeconômico dos pais, como preditivos para a ocorrência de problemas alimentares nas crianças durante a infância.4,5,21,23,26,28,31,34,36,38 Desses dez artigos, sete analisaram essas associações por meio de entrevistas estruturadas com os pais4,23,26,31,34,36,38 e três5,21,28 fizeram avaliações objetivas da dinâmica da alimentação. O seguimento longitudinal dessas crianças foi visualizado em 12 artigos,4,16,21,25–29,31,32,34,36 em sete deles4,16,25,26,31,34,36 os dados foram obtidos pela confiança das percepções dos pais sobre a alimentação das crianças. Contudo, poucos estudos têm sido conduzidos para seguimento do desenvolvimento alimentar e contemplar as fases de transição alimentar de acordo com a faixa etária dessas crianças. As dificuldades na feitura de pesquisas de caráter longitudinal, que retratam a realidade da alimentação das crianças, feitas por meio de avaliações diretas da alimentação por profissionais especializados e constituídas por pequeno número de amostra, podem confirmar essa questão. Essas análises qualitativas da alimentação feitas por meio de entrevista com os pais e dados coletados retrospectivamente podem não representar um valor real sobre a situação de alimentação das crianças.
As dificuldades de alimentação nas crianças prematuras têm sido estimadas entre 25% e 45% e para as crianças com atraso no desenvolvimento a média aumenta para 33 a 80%. A proporção pode aumentar devido à sobrevivência de crianças prematuras extremas e daquelas diagnosticadas com problemas neurológicos, como a paralisia cerebral.33,36
A ligação entre as dificuldades alimentares e os déficits de crescimento tem sido relatada com associações significativas no desenvolvimento das crianças prematuras. O pobre crescimento durante o primeiro ano de vida tem mostrado sérios problemas e implicações em longo prazo, pois a nutrição e o crescimento podem impactar no desenvolvimento motor, cognitivo e psicológico das crianças. As dificuldades com a alimentação predispõem as crianças a infecções respiratórias recorrentes, distúrbios gastrointestinais e problemas comportamentais e de linguagem.5,22,33,36–43
Outro grupo de fatores que pode influenciar no desempenho da alimentação dos prematuros é relatado devido às complicações médicas associadas à prematuridade. Os problemas gastrointestinais, como o RGE, são um dos principais fatores relacionados com dificuldades alimentares na infância. A incidência do RGE é também aumentada pela diminuição da capacidade respiratória e pela presença de sondas de alimentação.36,39 Os sinais perceptíveis, como episódios frequentes de choro, irritação, extensão corporal, náuseas, vômitos e recusa alimentar, são frequentemente relatados pelos pais e têm impacto negativo na alimentação das crianças, no apetite e no crescimento.5,20,22,26 O RGE é frequentemente associado com a DMO e a hipersensibilidade oral, fatores que contribuem para a existência de episódios de aspiração pulmonar e doenças crônicas pulmonares, e é considerado um dos motivos principais para o aumento do tempo da internação hospitalar.39 A constante irritação do ácido no esôfago faz com que as crianças percam o desejo de se alimentar e associar a alimentação com algo que causa desprazer e dor. Algumas crianças, por ter hipersensibilidade oral, costumam reagir excessivamente, com episódios de náuseas, a mudanças de sabores e de consistências alimentares. Esse fator pode justificar as dificuldades que as crianças apresentam de lidar com alimentos sólidos que necessitem de mastigação e, consequentemente, episódios de recusa alimentar são comuns na rotina alimentar.40
Doenças que afetam o padrão respiratório, como, por exemplo, a broncodisplasia pulmonar, também acarretam dificuldades na alimentação. A ausência da coordenação entre sucção, deglutição e respiração e os períodos longos de apneia resultam em desorganização dos movimentos de lábios e mandíbula durante a alimentação.2,41 Em decorrência desse fator, essas crianças não conseguem alcançar a completa recuperação durante as pausas respiratórias da sucção, tornam‐se cansadas e fatigadas antes do término da alimentação, não são capazes de ingerir todo o volume do alimento. O esforço respiratório também ocasiona um alto gasto energético, o que frequentemente conduz a déficits de crescimento quando agravado pela diminuição do consumo energético diário.36
O entendimento de que o sucesso da alimentação dos RNPTMBP deva ocorrer durante a hospitalização apenas para alcançar a alta hospitalar se faz equivocadamente, pois as habilidades alimentares das crianças continuam a se desenvolver concomitante a outros marcos do desenvolvimento infantil, como o desenvolvimento motor e de comunicação.12,19
O desenvolvimento das aquisições das HMO necessárias para cada consistência alimentar está intimamente relacionado com o desenvolvimento motor das crianças.36 As crianças prematuras, quando apresentam atraso no desenvolvimento motor global ao ser considerada a IC, podem apresentar também atrasos nas HMO, se comparadas com crianças normais. Os resultados desfavoráveis da alimentação em curtos e em longos prazos são atribuídos não apenas pelas falhas da organização dos prematuros, mas também por serem forçados a se alimentar precocemente, sem que todas as HMO estejam alcançadas.13
Os estudos mencionados nesta revisão apontaram que a introdução precoce da alimentação complementar, aos três e quatro meses de IC, contribuíram para a ocorrência de problemas importantes, como irritabilidade, estresse, engasgo, náuseas e vômitos. A imaturidade neurológica impede que as crianças prematuras usem todas as HMO necessárias para lidar com essa nova consistência alimentar e o utensílio colher.12,27 Em detrimento dessas dificuldades iniciais, os pais, por não ter o conhecimento e as estratégias necessárias para auxiliar as crianças a adquirir melhor envolvimento e habilidades na alimentação, optam por facilitar ainda mais esse processo. Situações como posicionamento inadequado dessas crianças (inclinado), de forma a evitar o escape extraoral do alimento e auxiliar a deglutição, com o auxílio da gravidade, assim como a preferência por ofertar alimentos batidos no liquidificador, por melhor aceitação, fazem com que essas crianças não desenvolvam o aprendizado da alimentação de forma adequada.20 Esses aspectos podem resultar em alteração significativa do desenvolvimento motor oral,36 torná‐las mais propensas a apresentar transtornos da deglutição, com alimentos de diferentes texturas e consistências, e, como resultado, as tornam mais propensas a apresentar dificuldades com a mastigação de alimentos sólidos.30
A introdução da alimentação complementar aos seis meses de IC pode aumentar as chances da criança de alcançar o sucesso, uma vez que esses bebês estão mais organizados neurologicamente e têm mais experiências sensoriais, as quais são fundamentais para melhor aceitação alimentar. Oferecer a essas crianças oportunidades de brincar e explorar oralmente objetos de diferentes texturas irá prepará‐las para um melhor desempenho da alimentação com a colher e, consequentemente, elas sentirão prazer nessa nova fase alimentar.40
Problemas com o início da mastigação de alimentos de diferentes texturas também são evidenciados nas crianças prematuras, como vômitos, recusa alimentar e engasgo.19 Concomitante a essas dificuldades, os pais não fazem a progressão adequada da consistência alimentar, de acordo com a faixa etária, e oferecem um número limitado de consistências.4,5,15,27–31 Isso tem sido explicado, em parte, devido às experiências aversivas iniciais por VO durante o período de internação em UTI Neonatal, como o tempo prolongado do uso de SNG, da ventilação mecânica, de aspiração de vias aéreas inferiores e superiores, de problemas gastrointestinais, como ocorrência de RGE. Esses fatores podem contribuir para o aumento da sensibilidade oral, o qual resulta na aversão a novas texturas alimentares.5,18,20,22,27,40 A imaturidade e a desorganização neurológica também podem explicar essa questão, em decorrência da falta de controle e organização da musculatura oral, necessária para a mastigação.40
Oferecer oportunidades para que as crianças prematuras adquiram o aprendizado e as experiências adequadas nos estágios iniciais da alimentação contribui de fato para prevenir os distúrbios alimentares. Crianças que são mais estimuladas com o meio ambiente, capazes de interagir com os seus pais, têm maior facilidade para adequação nas mudanças de organização das habilidades necessárias para o sucesso da alimentação.42,43
O seguimento de crianças prematuras com vistas a acompanhar todas as fases da transição alimentar, com avaliações objetivas e diretas da alimentação feitas por um fonoaudiólogo especializado, é estritamente recomendável. Tal conduta conduz à orientação adequada para as mães, em relação aos utensílios e às consistências alimentares apropriadas de acordo com a faixa etária da criança, de forma a favorecer o modo correto de ofertar o alimento e torna‐las capazes de usar todas as HMO necessárias para alimentação. Consequentemente, a criança terá a experiência e o aprendizado, os quais contribuirão para o sucesso e o adequado desenvolvimento do SMO e do vínculo mãe‐criança. Quanto mais precoce forem diagnosticados os transtornos alimentares das crianças, maiores serão as chances de obter êxito na intervenção.12,13,19,21,40,42,43
ConclusãoA partir dos artigos analisados nesta revisão de literatura é possível afirmar que as crianças prematuras, principalmente aquelas nascidas com muito baixo peso, são mais propensas a apresentar problemas de alimentação nos estágios iniciais de vida e durante a infância, quando comparadas com crianças nascidas a termo. O monitoramento da alimentação dessas crianças é estritamente recomendado em um programa de intervenção precoce, com profissionais especializados, com vistas a promover o adequado desenvolvimento alimentar, assim como garantir um adequado crescimento.
FinanciamentoEssa pesquisa obteve financiamento subsidiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 2013/13734‐2.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento desta pesquisa.
Como citar este artigo: Pagliaro CL, Bühler KE, Ibidi SM, Limongi SC. Dietary transition difficulties in preterm infants: critical literature review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:7–14.