To analyze the profile of blood transfusion reactions in children and to identify the involved factors.
MethodsThis was a cross-sectional study in a tertiary pediatric teaching hospital from the public healthcare system, involving all children admitted from January to July of 2011 (5,437), of which 1,226 received blood transfusions, constituting the sample. A documental study was performed by analyzing files from the hemovigilance service and notification forms of transfusion reactions. The variables investigated were: number and type of blood components transfused, transfusion site, reaction site, age, gender, type of blood components involved, type of incident, and previous history of multiple transfusions. A descriptive and inferential analysis was performed, using statistical tests to establish the association between the variables.
ResultsThere were 57 transfusion incidents involving 47 children and 72 different blood products, thus constituting a prevalence of reactions of 3.8%. At the inferential analysis, the chi-squared test showed that the following variables were significantly associated (p < 0.05) with the type of reaction: age range and type of blood component. Similarly, the patient's underlying disease was associated with previous history of transfusion incident and type of blood component.
ConclusionsThe prevalence of transfusion reactions in children is high, and the intervening factors are: type of blood component, age, patient comorbidity, and multiple transfusions; type of blood component and age are also associated with type of reaction.
Analisar o perfil das reações transfusionais em crianças e identificar os fatores intervenientes.
MétodosEstudo transversal realizado em um hospital-escola pediátrico terciário da rede pública, envolvendo todas as crianças internadas de janeiro a julho de 2011 (5437), das quais 1.226 foram hemotransfundidas, constituindo, assim, a amostra. Realizado estudo documental dos relatórios do serviço de hemovigilância e das fichas de notificação de reações transfusionais. As variáveis investigadas foram: número e tipo de hemocomponente transfundido, local de transfusão, local da reação, idade, sexo, tipo de hemocomponente envolvido, tipo de incidente e história prévia de politransfusão. Realizada análise descritiva e inferencial, utilizando-se testes estatísticos para estabelecer associação entre as variáveis.
ResultadosVerificou-se 57 incidentes transfusionais envolvendo 47 crianças distintas e 72 hemocomponentes, constituindo uma prevalência de reações de 3,8%. Na análise inferencial, pelo teste do Qui-quadrado, as seguintes variáveis apresentaram associação estatisticamente significativa (p < 0,05) com o tipo de reação: faixa etária e tipo de hemocomponente envolvido. Analogamente, a doença de base do paciente associou-se com a história prévia de incidente transfusional e o tipo de hemocomponente.
ConclusõesA prevalência de reações transfusionais em crianças é elevada, e os fatores intervenientes são o tipo de hemocomponente, a faixa etária, comorbidade do paciente e politransfusão, sendo que os dois primeiros associam-se, também, com tipo de reação ocorrida.
Define-se por reação transfusional qualquer intercorrência originada como consequência da transfusão de hemocomponentes, durante ou após sua administração. Esses eventos adversos podem variar de anafilaxia leve a quadros de hepatite grave, sepse e morte. Portanto, uma investigação rigorosa dos casos de reação transfusional é essencial à prática médica.1–3
De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a cada 1.065 transfusões, há notificação de uma reação transfusional, sendo 85% leves, 12,7% moderadas e 2,2% graves.4 Estes dados referem-se a todos os hospitais brasileiros pertencentes à Rede de Hospitais Sentinela, independentemente da categoria e da faixa etária dos pacientes. Um estudo multicêntrico envolvendo 35 hospitais-escola pediátricos nos Estados Unidos mostrou que cerca de 0,95% dos pacientes hemotransfundidos apresentaram reação, sendo as crianças acima de dois anos as mais vulneráveis a esse incidente e à maioria dos eventos tipo leves.5
A população pediátrica, por apresentar reações alérgicas mais frequentemente que os adultos,5 pode ter reações transfusionais alérgicas muitas vezes subdiagnosticadas, daí sua importância em ser analisada. De modo idêntico, é necessária atenção especial à população oncológica, que realiza muitas hemotransfusões e, por conseguinte, está mais exposta às reações, que podem ser graves, pois muitos desses enfermos apresentam-se com estado geral comprometido. Ressalta-se, também, a pouca disponibilidade de publicações online sobre o tema, envolvendo população pediátrica, verificada após busca nos seguintes bancos de dados: Scielo, Bireme, PubMed, Medline, Cochrane e Up to Date. Esse estudo em um hospital-escola beneficiou a formação de profissionais de saúde, que poderão atuar com mais segurança diante de uma reação transfusional, com conduta baseada em evidência. Espera-se, pois, que esta pesquisa auxilie na tomada de conduta, bem como, fomente novos estudos.
Diante do exposto, teve-se como objetivos analisar o perfil das reações transfusionais e identificar os fatores intervenientes em um hospital pediátrico terciário.
2MétodosTrata-se de um estudo transversal, quantitativo, com abordagem descritiva e analítica, realizado em um hospital pediátrico terciário de Fortaleza-CE, no período de janeiro a julho de 2011. O período foi escolhido por conveniência dos autores.
O hospital em questão é um órgão da administração pública estadual, caracterizado por assistir apenas crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, oferecendo serviços de pequena, média e grande complexidade. Anexo à instituição há um centro especializado em Oncopediatria, sendo, pois, considerados pacientes da instituição todos os enfermos ali tratados. Este hispital-escola é referência nacional no atendimento pediátrico, sendo credenciado pelo Ministério da Educação. Integra a rede brasileira de Hospitais Sentinela, que constitui uma estratégia para vigilância de serviços e produtos de saúde pós-comercialização, coordenada pela ANVISA e o Ministério da Saúde. Desse modo, a Gerência de Risco Sanitário Hospitalar (GRSH) é responsável, entre outros serviços, pela Hemovigilância: sistema para recolher e avaliar informações sobre efeitos indesejáveis ou inesperados da utilização de hemocomponentes. Este serviço realiza análise dos registros de hemotransfusões da Agência Transfusional do hospital e buscas ativas de reações transfusionais na instituição, descrevendo tais ocorrências em relatório mensal arquivado na GRSH e enviado à ANVISA.
As variáveis estudadas se encontram assim definidas:
- 1.
Número de hemocomponentes transfundidos: corresponde ao total de transfusões realizadas pelo serviço.
- 2.
Tipo de hemocomponente transfundido: classificado de forma genérica, similarmente à classificação utilizada pela ANVISA, em concentrado de plaquetas, concentrado de hemácias, plasma fresco congelado, crioprecipitado e sangue total. A fim de manter o padrão utilizado pela ANVISA, não consideramos a utilização de filtros ou irradiação na classificação dos hemocomponentes, mas descrevemos a proporção de hemocomponentes transfundidos com esses tratamentos. Pela rotina do serviço, todos os pacientes oncológicos recebem unidades filtradas e pacientes com diagnóstico de leucemia mieloide aguda, aplasia medular e candidatos a transplante de medula óssea recebem unidades filtradas e irradiadas de concentrados de hemácias ou plaquetas, de acordo com a literatura.6 De acordo com a rotina do Hemocentro, recém-nascidos prematuros, peso < 1.200g ao nascimento ou com ate 28 dias também recebem unidades irradiadas. As demais indicações de filtro ou irradiação ficam a critério médico.
- 3.
Local de transfusão: a instituição possui leitos de quimioterapia; quatro unidades de terapia intensiva (UTI) – neonatal (CTI), pediátrica geral, cirúrgica e oncológica; reanimação; observação e enfermaria, sendo os últimos distribuídos, segundo a especialidade, em Pediatria Geral, Neurologia, Genética, Pneumologia, Cardiologia, Gastroenterologia, Cirurgia, Nefrologia e Oncologia. A fim de contemplar os locais cujo número de transfusão foi mais significativo, agrupamo-los em: Oncologia (correspondendo a todos os leitos de enfermaria e UTI oncológica e quimioterapia), Pediatria Geral (correspondendo aos leitos de enfermaria da respectiva especialidade) e Outros (correspondendo aos demais leitos, posto que, isoladamente, apresentaram um número menor de transfusões, conforme verificado nos relatórios produzidos pelo serviço de Hemovigilância da instituição). Assim, esta variável é uma maneira indireta de expressar a comorbidade pela qual o enfermo está acometido.
- 4.
Idade: a idade dos pacientes foi considerada em anos, com exceção dos menores de um ano, cuja idade foi mensurada em meses. Posteriormente, os pacientes foram classificados, de acordo com a faixa etária, em menores de um ano (aqueles com mensuração de idade em meses), de um a dois anos e maiores de dois anos. A escolha dessas faixas etárias foi baseada na literatura sobre hemotransfusão do Ministério da Saúde.
- 5.
Local da reação: corresponde ao local onde a criança apresentou a reação transfusional, sendo classificado de forma similar ao local de transfusão.
- 6.
Sexo: corresponde à classificação quanto ao gênero.
- 7.
Tipo de hemocomponente envolvido: corresponde ao tipo de hemocomponente relacionado à reação transfusional notificada, sendo classificado similarmente ao tipo de hemocomponente transfundido.
- 8.
Tipo de incidente: corresponde ao tipo de reação transfusional ocorrida. A classificação utilizada seguiu o Guia Para Uso de Hemocomponentes1. Ressalta-se que, para investigação das reações febris, material da bolsa e amostra do paciente foram enviados para análise no Hemocentro da cidade, sendo consideradas reações não hemolíticas aquelas cuja análise demonstrou ausência de hemólise.
- 9.
História prévia de transfusões: corresponde ao histórico transfusional do paciente, sendo classificada de acordo com o número de hemocomponentes transfundidos antes do incidente em questão, em: não houve; até cinco; entre cinco e 10; entre 10 e 20; mais de 20 e ignorado. Esta classificação segue o mesmo padrão utilizado na ficha de notificação de reação transfusional utilizada pela ANVISA. Para possibilitar a análise inferencial, agruparam-se os dados em aquelas que realizaram alguma transfusão prévia (até cinco, entre cinco e 10, entre 10 e 20, mais de 20) e aquelas que não realizaram transfusão ou não sabem (não houve e ignorado).
- 10.
História prévia de reações: corresponde à ocorrência de reações prévias ao evento estudado.
A população constituiu-se de todos os pacientes internados em leitos de enfermarias, quimioterapia, unidades de terapia intensiva (UTI), reanimação ou observação da instituição, totalizando 5.437 crianças, de acordo com dados do Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) do hospital. A amostra foi composta por todos os enfermos, inclusive neonatos, que receberam transfusão de um ou mais hemocomponentes, de janeiro a junho de 2011, totalizando 1.226 crianças, de acordo com dados da Agência Transfusional da instituição. Não se realizou análise isolada dos neonatos (aproximadamente 10% da amostra), a fim de seguir o padrão utilizado pelo Ministério da Saúde em publicações sobre hemovigilância.1
Optou-se por trabalhar com a amostra total de 1.226 pacientes, visto que, com a prevalência esperada de reações transfusionais em população pediátrica de aproximadamente 1%,5 teríamos um número insuficiente de reações a serem estudadas se calculássemos uma amostra menor.7,8 Como a pesquisa objetiva as reações, para ampliar a segurança da mesma e, considerando a disponibilidade de tempo, optouse por trabalhar com todos os pacientes transfundidos.
Foi utilizada como técnica de coleta de dados a análise documental dos relatórios do serviço de hemovigilância e das fichas de notificação de reações transfusionais. Como instrumento, foi utilizado um formulário semiestruturado elaborado pelos autores do projeto e baseado na ficha de notificação de incidentes transfusionais utilizada na instituição.
Os dados foram armazenados no programa Excel, e o processamento realizado por meio do programa PASW (Predictive Analytics Software for Windows), versão 17.0. Na análise descritiva, os dados foram interpretados por meio das frequências (absoluta e percentual) e a análise inferencial envolveu a associação entre as variáveis desfecho (transfusões) e as explanatórias (dados sociodemográficos). As transfusões foram representadas pelas variáveis tipo de hemocomponente, história prévia de transfusões e história prévia de incidente transfusional. Os dados sociodemográficos considerados foram idade, sexo e local de transfusão. Na análise bivariada, utilizou-se o teste Quiquadrado ou o de máxima verossimilhança, quando na impossibilidade daquele, para medir a associação entre as variáveis, ao nível de significância de 5%. Além disso, foi verificada a associação entre a variável tipo de reação e as seguintes variáveis explanatórias: faixa etária, tipo de hemocomponente mais transfundido e história prévia de transfusões.9,10
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Albert Sabin (CAAE: 1707.0.000.035-11/Protocolo aprovado no CEP: 076/2011).
3ResultadosAs características gerais das transfusões e dos pacientes que apresentaram reação no período estudado encontramse na tabela 1. Assim, obteve-se uma proporção de transfusões por paciente de aproximadamente 4,25 (5212/1226). Verificou-se, também, que as transfusões ocorreram principalmente em pacientes internados em leitos de Oncologia, isto é, portadores de neoplasias (46,5% das transfusões).
Características gerais das hemotransfusões e dos pacientes que apresentaram reação transfusional notificada no Hospital Infantil Albert Sabin, 2011.
Transfusões (em número de hemocomponentes) | Hemocomponentes mais transfundidos | Hemocomponentes transfundidos com algum tratamento (filtro ou irradiação) |
---|---|---|
5.212 | Concentrado de hemácias 50,46% | Total - 61,34% |
Concentrado de plaquetas 28,22% | Filtrados 41,71% | |
Irradiados 1,25% | ||
Filtrado e irradiado 18,38% | ||
Faixa etária | Sexo | Local da reação (unidade de internação do paciente) |
<1 ano – 15,8% | Masculino – 52,6% | Oncologia – 64,9% |
De 1 a 2 anos – 33,3% | Feminino – 47,4% | Pediatria Geral – 15,8% |
>2 anos – 50,9% | Outrosa – 19,3% |
Foram notificadas 57 reações envolvendo 47 pacientes, dentre os 1.226 estudados, e 72 hemocomponentes. Pelo Princípio de Dirichlet, mais conhecido como Princípio da Casa dos Pombos, pelo menos um destes pacientes apresentou recorrência do evento estudado. Neste ínterim, verificou-se que cerca de 12,3% das reações envolveram mais de um hemocomponente, e aproximadamente 10,6% dos pacientes apresentaram mais de uma reação transfusional. A prevalência das reações transfusionais encontrada foi de 3,8% dos pacientes e envolveu 1,3% do total de hemocomponentes transfundidos no hospital. Ressalta-se que nenhuma das crianças que apresentou reação era neonato.
Quanto aos hemocomponentes envolvidos nas reações, o concentrado de plaquetas foi o que mais esteve relacionado a esses eventos, correspondendo a 50,9% dasreações, seguido pelo concentrado de hemácias (33,3%) e plasma fresco congelado (5,3%). Em relação ao total de transfusões, ocorreram eventos adversos, envolvendo 1,1% dos concentrados de hemácias, 2,4% dos concentrados de plaquetas e 0,8% dos plasmas. Além disso, 79,17% desses hemocomponentes eram filtrados e/ou irradiados (65,28% filtrados, 1,39% irradiado, 12,5% filtrados e irradiados).
A maioria das reações (56,1%) ocorreu em pacientes que não haviam tido reação transfusional prévia, sendo que em 14% dos casos não existia informação precisa sobre a existência de reação anterior ao evento estudado. Verificou-se que 64,9% desses incidentes envolveram pacientes politransfundidos (24,6% receberam até cinco unidades, 17,5% entre cinco5 e 10, 15,8% de 10 a 20, 7% mais de 20), sendo que 21,1% nunca haviam sido transfundidos, em 14% dos casos, não se dispunha de informações sobre politransfusão.
Quanto ao tipo de reação transfusional, 77,2% foram do tipo alérgicas (leve, moderada e grave) e 14% do tipo febril não hemolítica, conforme detalha a Fig. 1. A relação entre tipo de reação e de hemocomponente envolvido está expressa na Fig. 2, destacando-se que a maioria das reações alérgicas (leve, moderada ou grave) envolveu concentrado de plaquetas (68,4%).
Verificou-se, também, que a maioria das reações ocorridas na Oncologia e Pediatria Geral envolveu concentrado de plaquetas (73,0% e 88,9%, respectivamente). Nas demais enfermarias foi encontrado o concentrado de hemácias (54,5%).
Relacionando tipo de incidente transfusional com faixa etária, observou-se que 77,2% das reações em todas as faixas etárias foram do tipo alérgicas, sendo este tipo assim distribuído: 100% dos menores de um1 ano, 68,4% de um a dois anos, e 75,9% nos maiores de dois anos. As reações febris não hemolíticas corresponderam a 10,5% do total, sendo todas realizadas em crianças de um a dois anos de idade.
Ao associar as variáveis desfecho e explanatórias ao nível de significância de 5%, foram obtidos os resultados organizados na tabela 2. Analogamente, realizaram-se associações estatísticas entre o tipo de reação e as variáveis faixa etária, tipo de hemocomponente e história prévia de transfusões. Verificou-se que, pelo teste da máxima verossimilhança, existe associação estatística significati-
Associação entre as variáveis desfecho e explanatórias, ao nível de significância de 5%.
Variável explanatória | Variável desfecho | p-valor |
---|---|---|
Sexo | História prévia de reação transfusional | 0,409a |
História prévia de transfusões | 0,413a | |
Tipo de hemocomponente transfundido | 0,597a | |
Local de transfusão (comorbidade do paciente) | História prévia de reação transfusional | 0,012b |
História prévia de transfusões | 0,369a | |
Tipo de hemocomponente transfundido | <0,001b | |
Faixa etária | História prévia de reação transfusional | 0,079a |
História prévia de transfusões | 0,183a | |
Tipo de hemocomponente transfundido | <0,001a |
va entre faixa etária e tipo de reação (p-valor = 0,025). Similarmente, verificou-se que tipo de reação e história prévia de transfusões não são estatisticamente associáveis (p-valor = 0,391), no entanto, existe relação entre o tipo de reação transfusional e o tipo de hemocomponente transfundido (p-valor = 0,024). Dessa forma, destaca-se, nesta pesquisa, que o local de internação é uma forma indireta de citar a comorbidfigade do enfermo. Portanto, não podemos afirmar que nossa amostra é politransfundida por ser composta, principalmente, de pacientes oncológicos, pois, por esse estudo, a doença não interfere na história prévia de transfusões (tabela 2).
4DiscussãoDe acordo com estudo multicêntrico, em hospitaisescola pediátricos nos Estados Unidos, cerca de 0,95% dos pacientes hemotransfundidos apresentou reação.5 No presente estudo, encontrou-se uma prevalência de 3,8%. No entanto, o perfil desses pacientes quanto às comorbidades e politransfusões é diferente dos enfermos relacionados no estudo norte-americano. Aquele possui maior amostra (51.720) de doentes, os quais são menos politransfundidos e mais heterogêneos quanto às comorbidades acometidas, não possuindo, proporcionalmente, tantos pacientes oncológicos envolvidos no estudo. Portanto, pode haver um viés ao tentar comparar os dois estudos. Quanto ao uso de filtros ou irradiação nas unidades transfundidas, ambos os estudos empregaram algum desses tratamentos na maioria das transfusões. Assim, a maior prevalência justifica-se pelo perfil da população estudada, mas é necessário estudo transversal com amostra maior para ampliar a segurança quanto a essa informação.
A maioria dos eventos adversos ocorreu em maiores de dois anos, conforme esperado pela literatura.5 Entretanto, de acordo com a análise inferencial, não é possível associar a idade das crianças à recorrência desses eventos, posto que a faixa etária não mostrou associação estatística significativa com a história prévia de reação transfusional. Aliás, a maioria das crianças que apresentou reação transfusional não teve qualquer incidente prévio. Isso pode relacionar-se com a intervenção do Comitê Transfusional da instituição, o qual promove medidas preventivas à ocorrência dessas reações, especialmente entre os pacientes que já apresentaram algum incidente.
As reações transfusionais apresentam-se, em sua maioria, como do tipo alérgica, as quais são principalmente leves. Além disso, crianças entre um e dois anos mostram-se mais susceptíveis ao tipo febril não hemolítica, enquanto aquelas maiores de dois anos relacionam-se ao tipo alérgico. Também é possível associar o evento alérgico à transfusão de concentrado de plaquetas, sugerindo que esse componente possa aumentar a susceptibilidade das crianças a esses eventos. Isso, porém, não foi analisado pela literatura levantada,5,11,12 cujos autores apenas ressaltaram a maior prevalência de reações do tipo alérgica em relação às demais em crianças, sem sugerir explicações. Portanto, ressalta-se a importância de mais estudos, classificando quanto ao tipo de reação ocorrida. Justifica-se o grande número de reações do tipo alérgicas pela maior susceptibilidade das crianças a eventos desse tipo.11,13
A recorrência de reações mostra-se associada à comorbidade da criança. Portanto, na população estudada, os pacientes oncológicos apresentam maior susceptibilidade à reincidência de incidentes transfusionais que os demais. Este fato não é citado na literatura levantada e é importante para alertar os cuidados preventivos com esses pacientes uma vez que apresentem uma reação, visto que podem ter um novo evento em transfusões futuras.14
Em conformidade com a literatura,15–17 os hemocomponentes mais transfundidos são concentrados de hemácias e de plaquetas, respectivamente, mas o mais envolvido nas reações transfusionais é o concentrado de plaquetas (50,9%). De acordo com a literatura,5 espera-se mais reações envolvendo o concentrado de hemácias que o de plaquetas, isto talvez se deva por se tratarem de populações distintas.
Verificou-se que, nas crianças que apresentaram reação, faixa etária e comorbidade relacionam-se com o que foi transfundido. Logo, crianças maiores de dois anos estão mais susceptíveis às reações quando recebem concentrado de plaquetas, e aquelas de um e dois anos quando recebem concentrado de hemácias. Além disso, crianças portadoras de neoplasias apresentam mais reações quando transfundidas com concentrado de plaquetas, enquanto aquelas com patologias pediátricas gerais relacionam esses incidentes ao concentrado de hemácias. Isso explica porque, no estudo de Slonin et al.,5 o concentrado de hemácias superou o de plaquetas em relação à ocorrência de reações, pois sua população era composta principalmente por crianças com patologias pediátricas gerais.
As crianças maiores de dois anos que tiveram reação apresentam-se como mais politransfundidas, bem como mais propensas à transfusão de concentrado de plaquetas. Porém, esta pesquisa mostra que pacientes oncológicos também estão mais propensos a serem transfundidos com concentrado de plaquetas. Logo, pode-se ter um viés, visto que essa mesma população é composta de muitos pacientes neoplásicos, sendo difícil discernir qual variável (neoplasia ou idade) teria maior influência. Além disso, percebe-se que as reações alérgicas ocorrem mais em crianças transfundidas com concentrado de plaquetas e maiores de dois anos.
5ConclusõesAssim sendo, nesta população, o perfil das reações transfusionais foi de eventos principalmente alérgicos, envolvendo pacientes politransfundidos, com baixa recorrência e relacionados, principalmente, a concentrado de plaquetas, sendo os maiores de dois anos os mais envolvidos nestes incidentes. Além disso, é possível afirmar que diversos fatores têm relação direta com os incidentes transfusionais: faixa etária, tipo de hemocomponente, comorbidade do paciente e politransfusão. Desses, o tipo de hemocomponente e a faixa etária interferem, inclusive, no tipo de reação ocorrida. Com isso, alerta-se para intervenções envolvendo essas variáveis como medidas profiláticas e para melhoria do prognóstico desses pacientes.
Através desse estudo, não se pode definir qual a variável mais importante para a incidência das reações transfusionais, tendo em vista que a população em questão está exposta, contemporaneamente, a todas elas.
Ressalta-se que existem poucos estudos envolvendo população pediátrica, especialmente no Brasil, dificultando a comparação dos dados. Além disso, a amostra disponível no período em questão ainda é pequena em relação ao universo de todas as crianças transfundidas, limitando, parcialmente, a validade externa da pesquisa.
Sugerem-se estudos de caso-controle, avaliando cada variável isoladamente, numa mesma população, para posterior comparação entre a significância das variáveis, e um estudo de coorte para avaliar a susceptibilidade individual delas à ocorrência de novas reações. Entretanto, isso não se mostra possível de realizar em condições convencionais, pois prejudicaria a efetividade do estudo.
Assim, propõe-se uma nova pesquisa, com uma população similar e com amostra de maior tamanho, interpretada à luz da literatura e da experiência clínica de profissionais qualificados, a fim de consolidar os achados aqui presentes.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Pedrosa AK, Pinto FJ, Lins LD, Deus GM. Blood transfusion reactions in children: associated factors. J Pediatr.