To examine the associations between socioeconomic and biological factors and infant weight gain.
MethodsAll infants (0‐23 months of age) with available birth and postnatal weight data (n = 1763) were selected from the last nationally representative survey with complex probability sampling conducted in Brazil (2006/07). The outcome variable was conditional weight gain (CWG), which represents how much an individual has deviated from his/her expected weight gain, given the birth weight. Associations were estimated using simple and hierarchical multiple linear regression, considering the survey sampling design, and presented in standard deviations of CWG with their respective 95% of confidence intervals. Hierarchical models were designed considering the Unicef Conceptual Framework for Malnutrition (basic, underlying and immediate causes).
ResultsThe poorest Brazilian regions (–0.14 [–0.25; –0.04]) and rural areas (–0.14 [–0.26; –0.02]) were inversely associated with CWG in the basic causes model. However, this association disappeared after adjusting for maternal and household characteristics. In the final hierarchical model, lower economic status (–0.09 [–0.15; –0.03]), human capital outcomes (maternal education < 4th grade (–0.14 [–0.29; 0.01]), higher maternal height (0.02 [0.01; 0.03])), and fever in the past 2 weeks (–0.13 [–0.26; –0.01]) were associated with postnatal weight gain.
ConclusionThe results showed that poverty and lower human capital are still key factors associated with poor postnatal weight gain. The approach used in these analyses was sensitive to characterize inequalities among different socioeconomic contexts and to identify factors associated with CWG in different levels of determination.
Examinar as associações entre fatores socioeconômicos e biológicos e o ganho de peso de lactentes.
MétodosForam selecionados todos os lactentes (0‐23 meses de idade) com dados de peso ao nascer e pós‐natal avaliados na última pesquisa com representatividade nacional realizada no Brasil (2006/07) por amostragem probabilística complexa. A variável de resultado foi o Evolução Ponderal Condicional (CWG), que representa quanto um indivíduo desviou de seu ganho de peso esperado, considerando o peso ao nascer. As associações foram estimadas utilizando regressão linear simples e múltipla hierárquica, considerando o plano amostal da pesquisa e apresentadas em desvios padrão do CWG com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Os modelos hierárquicos foram estruturados considerando o Modelo Conceitual de Desnutrição da UNICEF (causas básicas, inerentes e imediatas).
ResultadosAs regiões brasileiras mais pobres (–0,14 [–0,25; –0,04]) e a área rural (–0,14 [–0,26; –0,02]) foram inversamente associadas ao CWG no modelo de causas básicas. Contudo, essa associação desapareceu após o ajuste pelas características maternas e do ambiente familiar. No modelo hierárquico final, a baixa condição econômica (–0,09 [–0,15; –0,03]), as variáveis de capital humano (escolaridade materna < 5° ano (–0,14 [–0,29; 0,01])), maior estatura materna (0,02 [0,01; 0,03])) e febre nas duas semanas anteriores à pesquisa (–0,13 [–0,26; –0,01]) foram inversamente associadas ao ganho de peso pós‐natal.
ConclusãoOs resultados mostraram que a pobreza e baixo capital humano ainda são fatores fundamentais associados ao ganho de peso pós‐natal abaixo de esperado. A abordagem utilizada em nossas análises foi sensível ao caracterizar desigualdades entre diferentes contextos socioeconômicos e ao identificar fatores associados ao CWG em diferentes níveis de determinação.
Distúrbios nutricionais são determinados de forma cíclica por fatores culturais, sociais, econômicos e biológicos em diferentes níveis, desde o mais proximal, como disponibilidade de alimentos e ocorrência de doenças, a fatores distais, como acesso a informações e superestrutura cultural.1,2
Os dois primeiros anos de vida são caracterizados pelo crescimento e desenvolvimento acelerados, o que requer ingestão nutricional elevada e define neonatos como um grupo com elevada vulnerabilidade biológica, principalmente considerando que, nessa época, o crescimento e o desenvolvimento são determinados mais fortemente por fatores ambientais do que por características genéticas.3,4 Os distúrbios nutricionais com início nesse período estão associados ao aumento da mortalidade, aumento da susceptibilidade a doenças infecciosas, desenvolvimento psicomotor prejudicado, baixo rendimento acadêmico e à menor capacidade produtiva na vida adulta.1,4‐6 No Brasil, as políticas e os programas predominantes de nutrição e saúde, como a campanha de amamentação exclusiva, os programas de imunização e suplementação e a iniciativa de fortificação de alimentos, são direcionados a crianças e suas mães. Os principais programas brasileiros de assistência social são denominados Fome Zero e Plano Brasil Sem Miséria, que visam a promover a segurança e a autonomia alimentares no ambiente familiar para famílias de baixa renda por meio de transferências monetárias condicionadas, do financiamento da agricultura familiar e do auxílio para a aquisição de produtos e serviços.7,8
As pesquisas nacionais sobre a saúde são ferramentas importantes para avaliar essas políticas públicas, pois descrevem o perfil da saúde e da nutrição da população e identificam fatores de risco para permitir comparações entre regiões e países, bem como estabelecer tendências ao longo do tempo.9,10 Portanto, considerando o significado do crescimento de crianças nos primeiros dois anos de vida3 e com o uso de dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS‐2006/07), nosso objetivo foi examinar as associações entre as condições socioeconômicas e biológicas e o ganho de peso de crianças no período pós‐natal.
Material e métodosProjeto e ambientes de estudoA PNDS de 2006/07 foi uma pesquisa nacional feita entre novembro de 2006 e maio de 2007 e teve como foco a saúde e a nutrição de mulheres na idade fértil (15‐49 anos) e crianças com menos de cinco anos, incluindo fatores sociais, econômicos e culturais. A PNDS de 2006/07 usou amostragem de probabilidade complexa em duas etapas: a principal unidade amostral era a área do censo e a unidade amostral secundária era a residência. O grupo de estudo incluiu apenas residências privadas (incluindo favelas). As residências elegíveis foram escolhidas aleatoriamente, considerando a quantidade de áreas do censo em cada região e as áreas urbanas/rurais. Outras informações sobre os métodos, incluindo o projeto de amostragem e a coleta de dados, foram relatadas em outro lugar.11
Critérios de elegibilidade e seleçãoAs residências consideradas elegíveis incluíam pelo menos uma mulher em idade fértil. Foram coletados dados de todas as crianças com menos de 59 meses por cada mãe elegível. Para fins deste estudo, foi selecionado o subgrupo de crianças (de 0‐23 meses) que moravam na mesma casa que suas mães.
Coleta de dados e definição de variáveisForam coletados dados por pares de trabalhadoras de campo treinadas na residência das crianças. As crianças foram pesadas com uma balança eletrônica portátil (Y60) com precisão de 100g (Dayhome®, São Paulo, SP, Brasil).11 O peso ao nascer foi obtido do registro da maternidade da criança e, quando não disponível, pela lembrança da mãe. O escore Z de peso para a idade (ZPI) foi calculado com macros da versão 3.2.2 do software Anthro da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Stata (StataCorp. 2011. Stata Statistical Software: Release 12. College Station, TX: StataCorp LP, EUA) e os Padrões de Crescimento Infantil da OMS para a classificação antropométrica.12
O Ganho de Peso Condicional (CWG) – nossa variável de resultado – representa o desvio de uma criança de seu ganho de peso esperado, considerando o peso ao nascer, e é expresso em desvios padrão (DP). O CWG é o resíduo padronizado obtido de uma regressão linear específica do sexo, ajustada pelo ZPI no nascimento e pela idade na pesquisa, em que o ZPI na pesquisa é a variável dependente.
É importante considerar essa abordagem em uma análise longitudinal do crescimento dos indivíduos, já que: 1) supera o fenômeno estatístico de regressão à média, em que valores extremos tendem a se aproximar da média da amostra; 2) incorpora as diferentes idades na data da pesquisa e 3) lida com a colinearidade de medidas de peso dependentes.13,14 Por exemplo, caso uma criança com grande peso ao nascer reduza seu ZPI, como o resto das crianças da amostra que nasceram com grande peso, o CWG será DP ∼0; porém, sob um ponto de vista contrafactual, caso essa criança mantenha o mesmo ZPI quando o ZPI do resto da amostra tende a reduzir, seu CWG será maior do que DP zero.
A lógica da seleção das variáveis de exposição teve como base o Modelo Conceitual de Desnutrição do Unicef, que considera os determinantes básicos, inerentes e imediatos. O Modelo Conceitual de Desnutrição do Unicef é uma ferramenta útil que ajuda a organizar as possíveis causas dos distúrbios nutricionais e identificar situações em que investigações ou intervenções são necessárias.2
Foram incluídas duas variáveis como causas básicas: área e regiões de residência das crianças (urbana/rural), dicotomizadas em Sul e Sudeste/Norte, Nordeste e Centro‐Oeste; essa abordagem foi usada para contrastar diferenças socioeconômicas. As últimas regiões são as mais carentes.
Como causas inerentes, foram considerados alguns fatores maternos e do ambiente familiar. A condição econômica foi avaliada por um questionário validado com base nos bens, que classifica residências em oito categorias de renda média familiar,15 que foram reduzidas a quatro categorias (A1‐C1/C2/D/E); as categorias A1‐C1 (mais ricas) foram combinadas para gerar tamanhos equilibrados nas células em cada categoria. A insegurança alimentar na residência foi avaliada com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) – uma versão traduzida e validada do Módulo de Segurança Alimentar do USDA, conhecido atualmente como Módulo de Pesquisa de Segurança Alimentar de Residências dos EUA – que classifica a segurança alimentar das residências em insegurança alimentar leve, moderada ou severa.16,17 Os resultados de capital humano (nível de escolaridade maternal [< 5° ano] e altura [cm], idade ao nascer (< 18 anos), paridade (número de partos), cuidado pré‐natal (número de visitas) e tipo de parto (normal/cesáreo) também foram incluídos.
Por fim, a criança com febre ou diarreia nas duas semanas anteriores ou internada por diarreia, pneumonia e bronquite nos 12 meses anteriores, a duração da amamentação exclusiva (< 1 mês/1‐4 meses/>4 meses), a idade e o sexo foram considerados causas básicas.
Análise de dadosOs dados foram incorporados e analisados com o software Stata (StataCorp. 2011. Stata Statistical Software: Release 12. College Station, TX: StataCorp LP, EUA) e levou‐se em consideração os efeitos de estratificação e agrupamento do modelo complexo de amostragem. As amostras de peso foram aplicadas às estatísticas descritivas somente para evitar subgrupos superestimados.10
Na abordagem analítica, foram feitas análises de regressão linear simples e multivariadas. A regressão multivariada foi feita com a aplicação de uma estrutura hierárquica à análise,18 considerando o Modelo de Desnutrição do Unicef.2 Inicialmente, todas as variáveis foram testadas por uma simples regressão linear e aquelas com valor de p<0,20 foram consideradas elegíveis para análises multivariadas, dentro de cada nível de determinação. Então, a análise multivariada foi feita para as variáveis consideradas nas causas básicas (Modelo 1), ajustadas por idade e sexo. Esse procedimento foi repetido para o conjunto de causas inerentes (Modelo 2) e imediatas (Modelo 3).
Além disso, esses modelos foram ajustados pelo modelo anterior de acordo com a sequência hierárquica – ou seja, o Modelo 2 foi ajustado pelo Modelo 1 e o Modelo 3 foi ajustado pelos Modelos 2 e 1. O Modelo 3 também foi controlado pela fonte dos dados do peso ao nascer (registro da maternidade ou lembrança da mãe). Os coeficientes foram relatados como o DP do CWG com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (entre parênteses ou colchetes ao longo do texto). De acordo com as recomendações da literatura técnica, as estimativas foram interpretadas em termos de sua relevância para o indivíduo, do tamanho do efeito e das incertezas inerentes, representadas aqui como os intervalos de confiança de 95%, para evitar a abordagem comum de aceitação/rejeição com base no valor de corte de p<0,05.19
Aspectos éticosTodos os procedimentos que envolveram seres humanos na PNDS de 2006/07 foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – CEP/Unifesp.
ResultadosDas 6.011 crianças nascidas depois de janeiro de 2001 disponíveis no conjunto de dados, 1.763 eram neonatos (0‐23 meses de idade) que viviam na mesma casa que suas mães, com dados biologicamente plausíveis do ZPI (DP entre –6 e+5) no nascimento e dados da pesquisa (fig. 1). As características da amostra são descritas na tabela 1.
Características dos neonatos brasileiros da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006/07
Características | Na | μ ou Pb | IC de 95% |
---|---|---|---|
Características biológicas | |||
Idade (meses) | 1763 | 11,2 | 10,6; 11,7 |
Sexo (%) | 1763 | ||
Meninos | 928 | 52,4 | 47,8; 57,0 |
Meninas | 835 | 47,6 | 43,0; 52,2 |
Peso ao nascer (kg) | 1763 | 3,25 | 3,21; 3,30 |
ZPI ao nascer | 1763 | –0,13 | –0,22; –0,03 |
ZPI na pesquisa | 1763 | 0,17 | 0,08; 0,25 |
Situação nutricional na pesquisa (%) | 1763 | ||
Baixo peso (ZPI<–2) | 61 | 2,9 | 1,9; 4,5 |
Peso normal (ZPI±2) | 1604 | 93,3 | 91,3; 94,8 |
Sobrepeso (ZPI>2) | 98 | 3,8 | 2,7; 5,2 |
Causas básicas | |||
Região (%) | 1763 | ||
S e SE | 647 | 54,2 | 48,9; 59,4 |
N, NE e CO | 1116 | 45,8 | 40,6; 51,1 |
Área residencial (%) | |||
Urbana | 1200 | 83,2 | 78,4; 87,0 |
Rural | 563 | 16,8 | 12,9; 21,6 |
Causas inerentes | |||
Condição econômica (%) | 1550 | ||
A1‐C1 (mais ricos) | 486 | 34,6 | 29,0; 40,7 |
C2 | 356 | 23,5 | 19,0; 28,6 |
D | 446 | 29,1 | 24,4; 34,2 |
E | 265 | 12,9 | 10,3; 16,0 |
Escolaridade materna (%) | |||
<4° ano | 378 | 17,7 | 14,6; 21,3 |
≥ 4° ano | 1379 | 82,3 | 78,6; 85,4 |
Estatura maternal (cm) | 1754 | 157,7 | 157,1; 158,3 |
Pré‐natal (n° de visitas)e | 1707 | 7 | 6; 9 |
Parto (%) | 1762 | ||
Cesáreo | 772 | 45,3 | 40,1; 50,6 |
Outro | 990 | 54,7 | 49,4; 59,9 |
Paridade (n° partos)e | 1763 | 2 | 1; 3 |
Segurança alimentar e de nutrição (%) | 1710 | ||
Seguro | 879 | 53,8 | 48,7; 58,8 |
Insegurança leve | 473 | 28,4 | 24,1; 33,0 |
Insegurança moderada | 230 | 13,1 | 9,8; 17,3 |
Insegurança severa | 128 | 4,7 | 3,6; 6,2 |
Causas imediatas | |||
Diarreia (%)c | 1760 | ||
Sim | 233 | 12,2 | 9,8; 15,1 |
Não | 1527 | 87,8 | 84,9; 90,2 |
Febre (%)c | 1761 | ||
Sim | 450 | 26,2 | 22,8; 29,8 |
Não | 1311 | 73,8 | 70,2; 77,2 |
Internaçãod | 1763 | ||
Sim | 139 | 7,8 | 5,7; 10,6 |
Não | 1624 | 92,2 | 89,4; 94,3 |
Amamentação exclusiva (%) | 1477 | ||
<1 mês | 502 | 31,8 | 27,2; 36,8 |
1‐4 meses | 484 | 33,6 | 28,9; 38,6 |
>4 meses | 491 | 34,6 | 30,4; 39,1 |
μ, média; P, prevalência; IC, intervalo de confiança; ZPI, escore Z de peso para a idade; S, Sul; SE,Sudeste; N, Norte; NE, Nordeste; CO, Centro‐Oeste.
Indivíduos com diarreia nas duas semanas anteriores, duração de amamentação exclusiva e internação por diarreia, pneumonia e bronquite nos 12 meses anteriores não foram considerados para as análises de múltiplas variáveis (valor de p>0,20). O sexo foi mantido nos modelos para ajuste pela possível variável de confusão relacionada ao sexo. Ocorreram perdas de amostras nos Modelos 2 e 3 devido a valores em falta no conjunto de dados (tabela 2).
Modelos lineares de associação entre fatores ambientais e individuais e o ganho de peso condicional (CWG) entre neonatos brasileiros – PNDS de 2006/07
Variáveis | Referência | Variável dupla | Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
β | IC de 95% | p | β | IC de 95% | p | β | IC de 95% | p | β | IC de 95% | p | ||
Causas básicas | |||||||||||||
Região | N, NE e CO | –0,13 | –0,24; –0,03 | 0,012 | –0,14 | –0,25; –0,04 | 0,007 | ||||||
Área residencial | Rural | –0,13 | –0,25; –0,01 | 0,036 | –0,14 | –0,26; –0,02 | 0,024 | ||||||
Causas inerentes | |||||||||||||
Condição econômicaa | A1‐C1 | –0,18 | –0,23; –0,13 | 0,000 | –0,09 | –0,16; –0,03 | 0,003 | –0,09 | –0,15; –0,03 | 0,004 | |||
Insegurança leveb | Segurança alimentar | –0,11 | –0,16; –0,05 | 0,000 | |||||||||
Escolaridade materna | <5° ano | –0,26 | –0,39; –0,13 | 0,000 | –0,13 | –0,28; 0,02 | 0,090 | –0,14 | –0,29; 0,01 | 0,068 | |||
Estatura maternal | Cm | 0,02 | 0,01; 0,03 | 0,000 | 0,02 | 0,01; 0,03 | 0,000 | 0,02 | 0,01; 0,03 | 0,000 | |||
Pré‐natal | n° de visitas | 0,02 | 0,01; 0,04 | 0,001 | |||||||||
Parto | Cesáreo | 0,18 | 0,08; 0,28 | 0,000 | |||||||||
Paridade | n° de irmãos | –0,07 | –0,11; –0,03 | 0,000 | |||||||||
Causas imediatas | |||||||||||||
Diarreiac | Sim | –0,10 | –0,25; 0,06 | 0,219 | |||||||||
Febrec | Sim | –0,14 | –0,26; –0,03 | 0,013 | –0,13 | –0,26; –0,01 | 0,033 | ||||||
AEd | >1 mês | 0,00 | –0,07; 0,07 | 0,940 | |||||||||
Internaçãoe | Sim | 0,07 | –0,12; 0,25 | 0,466 | |||||||||
Idade | Meses | 0,01 | 0,00; 0,02 | 0,000 | 0,01 | 0,00; 0,02 | 0,000 | 0,01 | 0,00; 0,02 | 0,001 | 0,01 | 0,00; 0,02 | 0,001 |
Sexo | Feminino | 0,01 | –0,08; 0,11 | 0,800 |
Modelo 1: N=1763 – ajustado pela idade e sexo; Modelo 2: N=1448 – ajustado pelo Modelo 1, insegurança alimentar do ambiente familiar, pré‐natal, tipo de parto e paridade; Modelo 3: N=1447 – ajustado pelo Modelo 2 e pela fonte dos dados de peso ao nascer (registro da maternidade/lembrança da mãe).
AE, amamentação exclusiva.
As causas básicas foram inversamente associadas ao CWG (tabela 2 – Modelo 1). Contudo, essa relação foi perdida após o ajuste do modelo por causas inerentes (Modelo 2). Quando ajustado pelas causas imediatas (Modelo 3), a condição econômica (–0,09 [–0,15; –0,03]), a escolaridade materna (–0,14 [–0,29; –0,01)] e a febre nas duas semanas anteriores (–0,13 [–0,26; –0,01]) foram inversamente associadas ao ganho de peso das crianças. Por outro lado, cada aumento de 1cm na estatura materna foi associado a um aumento de 0,02 no DP (0,01; 0,03) no ganho de peso pós‐natal das crianças.
DiscussãoCom dados da PNDS de 2006/07, última pesquisa com representatividade nacional feita no Brasil, conseguiu‐se identificar o nível de relação entre um conjunto de fatores – em diferentes níveis hierárquicos de determinação – e o ganho de peso pós‐natal entre neonatos brasileiros. Constatou‐se que a baixa condição econômica e escolaridade materna e a ocorrência de febre nas duas semanas anteriores tiveram um impacto adverso sobre o ganho de peso pós‐natal dos neonatos e a estatura materna foi associada positivamente ao CWG.
Apesar de fatores geográficos serem altamente associados ao CWG no Modelo 1, quando as características maternas e familiares foram introduzidas no modelo hierárquico (Modelo 2), a associação entre fatores geográficos e o CWG desapareceu e foi substituída pela condição econômica e maior estatura materna; o baixo nível de escolaridade materna apresentou apenas uma associação moderada. Contudo, quando o terceiro nível (causas imediatas) foi introduzido na análise, a febre continuou associada ao CWG e o nível de associação entre o baixo nível de escolaridade materna e o CWG aumentou.
A trajetória do crescimento de crianças é mediada por uma complexa rede de fatores não mutuamente exclusivos, age em diferentes níveis de causalidade, desde determinantes sociais, econômicos e políticos, seguidos pelo acesso a serviços de saúde, segurança alimentar, renda e nível de escolaridade, até fatores individuais relacionados ao fardo da doença, práticas de ingestão/alimentação, programação metabólica e fatores genéticos.2,3,20
Os resultados mostraram que baixa renda e baixo nível de escolaridade materna ainda são fatores fundamentais para insuficiência de peso. Entretanto, ao contrário do que esperávamos, as características geográficas não foram fatores independentes associados ao CWG. Essa falta de associação pode ser uma consequência da expansão da abrangência do sistema público de assistência médica básica no Brasil8 e/ou do intenso processo migratório das regiões mais pobres para as mais ricas e das áreas rurais para as urbanas.21 Por outro lado, essa declaração pode não ser verdadeira para as disparidades geográficas em bairros ou cidades.22,23
Além dos fatores geográficos, a falta de associação entre o CWG e a diarreia também pode ser explicada pela melhoria dos sistemas de saúde e saneamento. O aumento do acesso aos serviços de saúde permite o fornecimento de terapia adequada de reidratação e com antibióticos às crianças, o que impede a importante perda aguda de peso e/ou promove uma recuperação mais rápida.8,24,25 Ademais, um dos componentes dos programas sociais no Brasil é levar as crianças mais novas para serem avaliadas periodicamente por médicos. Juntamente com a expansão do sistema de abastecimento de água e da rede de esgoto, o Brasil reduziu substancialmente os casos de distúrbios nutricionais e as taxas de mortalidade por infecções agudas.8,25
As associações aqui encontradas representam uma sociedade em transição, em que características geográficas ou doenças agudas não são mais os principais determinantes de distúrbios nutricionais negativos, porém a situação socioeconômica pobre e o baixo nível de escolaridade ainda são determinantes. Isso contrasta com países de alta renda, em que a insuficiência de peso é, na maioria dos casos, atribuída a uma maior paridade, pouco apetite, dificuldades com desmame/alimentação/ingestão ou falta de interações positivas entre os neonatos e os pais.26 Também foi observada uma associação inversa e significativa entre a paridade e o CWG; contudo, essa observação não foi mantida após o ajuste pelos outros fatores. Isso pode ter ocorrido devido à relação entre maior paridade e menor renda e níveis de escolaridade no Brasil.27
Apesar de a insegurança alimentar e o nível de renda serem variáveis relacionadas, em nossa análise a condição econômica foi uma variável explicativa mais adequada ao CWG. Atribuiu‐se isso ao fato de as perguntas na Ebia estarem relacionadas a qualquer caso de insegurança alimentar nos três meses anteriores, sem considerar a frequência de casos; por outro lado, o processo para que uma família cresça em sua condição econômica pode levar um bom tempo (até mesmo gerações). O CWG foi sensível a essa diferença e, portanto, é razoável considerar que os neonatos estavam expostos ao mesmo ambiente econômico ou a um ambiente econômico semelhante descrito na pesquisa desde o nascimento. Os neonatos que viviam em ambientes familiares menos privilegiados apresentaram menor ganho de peso no período pós‐natal do que as crianças de famílias ricas.
A variação no tamanho do efeito e no nível de associação entre a baixa escolaridade materna e o CWG nas análises bi e multivariadas foi notável. A mesma lógica descrita anteriormente pode ser usada para explicar essa variação, já que a condição econômica e o nível de escolaridade são variáveis relacionadas. Contudo, houve um efeito sobre o CWG que não foi totalmente explicado pela condição econômica e, após acrescentar a ocorrência de febre nas últimas duas semanas, o nível da associação entre baixa escolaridade materna e baixo ganho de peso aumentou.
A falta de escolaridade materna é um fator de risco reconhecido para resultados28 negativos de saúde e, nesse contexto, esse resultado foi interpretado como a incapacidade maternal de fornecer o cuidado adequado, seja devido à incapacidade de reconhecer o desenvolvimento de um processo de infecção ou ao atraso na busca de serviços médicos. O impacto sobre o ganho de peso é uma consequência do maior gasto de energia e menor consumo de alimentos devido ao efeito anoréxico de citocinas pró‐inflamatórias sobre os hormônios que regulam o apetite (ou seja, leptina) e neuropeptídeos (ou seja, neuropeptídeo Y) durante a resposta da fase aguda.29 Considerando a situação socioeconômica da família nessa equação – ou seja, viver em um ambiente insalubre – esses neonatos podem ter experimentado diversos eventos de infecção em suas vidas.
Por fim, a associação positiva entre a estatura maternal e o ganho de peso das crianças não deve ser interpretada somente como uma consequência das características genéticas compartilhadas, mas também como um meio inadequado de saúde e nutrição durante a infância (que compromete seu crescimento e, consequentemente, o tamanho de seu órgão reprodutor) e a gravidez (fornecimento insuficiente de nutrientes, que prejudica o crescimento intrauterino das crianças) de uma mulher.3 Essa relação destaca a importância de melhorar a saúde e a situação nutricional não só dos neonatos, como também das mulheres, para quebrar esse ciclo.
Com dados da coorte do Estudo Longitudinal Avon de Pais e Filhos (Alspac), Din et al.30 compararam os padrões de ganho de peso entre crianças com “insuficiência de peso precoce” (< 5° centil de ganho de peso nas oito semanas) e “insuficiência de peso tardia” (< 5° centil de ganho de peso nas nove semanas) e um grupo de controle. Como neste estudo, foi observada uma associação positiva entre a idade e o CWG. O padrão de ganho de peso era diferente e dependia de quando ocorreu a insuficiência de peso, porém, até os 13 anos, essas crianças recuperaram o peso substancialmente; contudo, o peso e a estatura médios padrão eram estatisticamente diferentes do grupo de controle.
Esses achados ressaltam a importância da prevenção de distúrbios nutricionais nos primeiros mil dias de vida – desde a concepção até os dois anos– pois os danos ocorridos nesse período serão refletidos nos resultados de saúde e de capital humano de longo prazo.3
Os principais pontos fortes deste trabalho são: a base na última amostra representativa da população brasileira, projetada e feita por uma equipe de pesquisadores experientes, e o uso do CWG para avaliar o crescimento das crianças; assim, seus resultados não só têm validade interna, mas também podem ser generalizados a todos os neonatos brasileiros e, embora a PNDS seja de 2006/07, podem‐se considerar seus achados ainda válidos, já que nenhuma grande alteração política ou estrutural ocorreu na sociedade brasileira nos últimos anos. Contudo, é necessária uma nova PNDS para atualizar o conhecimento sobre a atual situação nutricional e de saúde das crianças no Brasil e permitir comparações com pesquisas de saúde nacionais e internacionais anteriores.
É importante considerar duas limitações na interpretação deste estudo. Primeiro, embora a PNDS de 2006/07 incluísse favelas na amostra de residências, não considerou crianças institucionalizadas (ou seja, em hospitais ou orfanatos), crianças sem teto ou que morassem em assentamentos; segundo, o viés de mortalidade, relacionado à morte de crianças que nasceram em condições inadequadas ou foram expostas a condições adversas durante o período gestacional. Portanto, não só seus achados não podem ser generalizados a crianças nas circunstâncias descritas, mas essas limitações também podem ter subestimado a magnitude e o nível de associação desses resultados.
Ao contrário da situação nutricional obtida (ou seja, o ZPI), o CWG é gerado ao se considerar o peso da criança ao nascer, o que permite a análise sobre o quanto uma criança desviou de seu ganho de peso esperado, a se considerar seus pares, e proporciona melhor mensuração das influências ambientais sobre o crescimento das crianças. No entanto, essa é uma medida exclusiva para a pesquisa acadêmica e não pode ser usada de forma viável em um ambiente clínico.
Contudo, sua interpretação tem importantes implicações clínicas e de saúde pública. A interpretação destaca a importância do monitoramento do ganho de peso de neonatos, especialmente entre os que vivem em ambientes mais pobres e cujas mães têm nível de escolaridade mais baixo. Para interromper o ciclo de efeitos negativos intergeracionais sobre o crescimento das crianças, deve‐se dar atenção especial a respeito da saúde e da educação de garotas e mulheres. Em termos de saúde pública, essa abordagem foi sensível ao identificar fatores associados ao ganho de peso pós‐natal de neonatos e ao quantificar o tamanho e a direção das associações, o que poderá ser uma ferramenta útil para avaliar os programas direcionados a melhorar a situação nutricional e de saúde e o capital humano de crianças e mulheres.
Nossos resultados mostraram que a pobreza e um menor capital humano ainda são fatores fundamentais associados ao pouco ganho de peso pós‐natal. A abordagem usada em nossas análises foi sensível ao caracterizar desigualdades entre diferentes contextos socioeconômicos e ao identificar fatores em diferentes níveis de determinação associados ao CWG.
FinanciamentoA Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança – 2006/07 foi financiada pelo Ministério da Saúde e executada pelo Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap). O autor JS é bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), protocolo n° 2011/17736‐4. A autora AP é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O autor JT é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Silveira JA, Colugnati FA, Poblacion AP, Taddei JA. Association between socioeconomic and biological factors and infant weight gain: Brazilian Demographic and Health Survey – PNDS‐2006/07. J Pediatr (Rio J). 2015;91:284–91.
Estudo conduzido no Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.