To verify whether the occurrence of acute viral bronchiolitis (AVB) in the first year of life constitutes a risk factor for asthma at age 6 considering a parental history of asthma.
MethodsCross‐sectional study in a cohort of live births. A standardized questionnaire of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) was applied to the mothers to identify asthma in children at the age of 6 years. AVB diagnosis was performed by maternal report of a medical diagnosis and/or presence of symptoms of coryza accompanied by cough, tachypnea, and dyspnea when participants were 3, 6, 9, and 12 months. Socioeconomic, environmental data, parental history of asthma, and data related to pregnancy were collected in the first 72hours of life of the newborn and in prospective home visits by trained interviewers. The association between AVB and asthma was evaluated by logistic regression analysis and potential modifier effect of parental history was verified by introducing an interaction term into the adjusted logistic regression model.
ResultsPrevalence of AVB in the first year of life was 68.6% (461). The occurrence of AVB was a risk factor for asthma at 6 years of age in children with parental history of asthma OR: 2.66, 95% CI (1.10‐6.40), modifier effect p=0.002. Parental history of asthma OR: 2.07, 95% CI (1.29‐3.30) and male gender OR: 1.69, 95% CI, (1.06‐2.69) were other identified risk factors for asthma.
ConclusionAVB in the first year of life is a risk factor for asthma in children with parental history of asthma.
Verificar se a ocorrência de bronquiolite viral aguda (BVA) no primeiro ano de vida constitui fator de risco para asma aos seis anos considerando a história parental de asma.
MétodosEstudo de corte transversal aninhado a uma coorte de nascidos vivos. O questionário padronizado do International Study of Asthma and Allergies in Children (ISAAC) foi aplicado às mães para identificar asma nas crianças de seis anos. O diagnóstico de BVA foi feito por relato materno de diagnóstico médico e/ou presença de sintomas de coriza acompanhados de tosse, taquipneia e dispneia quando os participantes tinham três, seis, nove e 12 meses. Dados socioeconômicos, ambientais, história parental de asma e referentes à gestação foram coletados nas primeiras 72 horas de vida do recém‐nascido e em visitas domiciliares prospectivas por entrevistadores treinados. Associação entre BVA e asma foi avaliada por análise de regressão logística e potencial efeito modificador da história parental verificado pela introdução do termo de interação no modelo de regressão logística ajustada.
ResultadosA prevalência de BVA no primeiro ano de vida foi 68,6% (461). A ocorrência de BVA foi fator de risco para asma aos seis anos em crianças com história parental de asma OR: 2,66 (1,10‐6,40), efeito modificador p=0,002. História parental de asma OR: 2,07 IC95% (1,29‐3,30) e sexo masculino OR: 1,69 IC95% (1,06‐2,69) foram outros fatores de risco identificados para asma.
ConclusãoBVA no primeiro ano de vida é fator de risco para asma em crianças com história parental de asma.
A asma é a doença crônica de maior prevalência em crianças e ocasiona elevada demanda por atendimentos em serviços de emergência e hospitalizações1,2 com impacto negativo na qualidade de vida de crianças e adultos.3
Vários estudos têm demonstrado associação entre bronquiolite, sibilância recorrente e asma.4,5 Bronquiolite viral aguda (BVA) é a doença viral mais comum das vias aéreas inferiores em lactentes, caracterizada por inflamação, edema e necrose de células epiteliais de pequenas vias aéreas, com aumento de produção de muco e broncoespasmo, cujo diagnóstico é eminentemente clínico.6
A BVA tem como patógenos o vírus sincicial respiratório (VSR), rinovírus, influenza A e B, parainfluenza, metapneumovírus, adenovírus, papilomavírus e bocavírus.7 O VSR é o patógeno mais comum, responsável por 70% dos episódios de bronquiolite em crianças menores de dois anos. Alterações na resposta imune das crianças com história parental de asma acometidas por BVA causada pelos VSR e rinovírus estão implicadas nessa associação vírus/asma.8–10 Reinfecções são comuns durante os dois primeiros anos de vida da criança.11 No Brasil, o VSR é responsável por 31,9 a 64% das internações por BVA12,13 e coinfecções ocorrem em 40% dos casos, o rinovírus é o agente mais comum.14
Apesar das evidências da associação entre BVA e manifestações clínicas da asma, são escassos os estudos que avaliem a ação da predisposição genética nessa associação. Assim, o papel da BVA como marcador de asma em crianças com história parental de asma para desenvolver asma em médio e longo prazo não é conhecido com exatidão.
O objetivo deste estudo foi verificar a associação entre BVA no primeiro ano de vida e asma na criança aos seis anos, conforme a história parental de asma e outras variáveis de confundimento, em uma coorte de nascidos vivos no Nordeste do Brasil.
MétodosO estudo de corte transversal foi feito em uma cidade de grande porte do Nordeste do Brasil a partir de dados de uma coorte de nascidos vivos. A coorte foi constituída entre abril de 2004 e março de 2005 com inclusão consecutiva de nascidos vivos de todos os 10 hospitais de Feira de Santana, filhos de mães residentes na cidade. Os dados usados foram relativos aos coletados na maternidade e em quatro visitas domiciliares feitas no primeiro ano de vida (três, seis, nove e 12 meses) e aos seis anos.
Os critérios de inclusão foram mães e filhos residentes na referida cidade; mães de recém‐nascidos que não tiveram complicações perinatais; recém‐nascidos que não foram internados no berçário por período maior do que 24h.
Os critérios de não inclusão foram crianças nascidas de mães que apresentaram problemas de saúde que contraindicassem a amamentação ao seio materno e mães que foram separadas judicialmente de seus filhos.
Instrumento de coleta de dadosAs crianças que deram entrada na coorte ao nascimento foram seguidas mensalmente, por profissionais de saúde previamente treinados, mediante entrevistas domiciliares mensais nos primeiros seis meses de vida e seguidas a cada três meses até o fim do primeiro ano e em idades programadas e no sexto ano de vida.
AmostraO cálculo do tamanho amostral foi feito em duas etapas, a saber, o cálculo da amostra para estimar a prevalência de asma em escolares e em seguida o cálculo da amostra para identificar os preditores independentes de asma.
O cálculo da amostra da prevalência de asma foi feito pelo programa Pepi Sample (Winpepi Computer Programs) com os seguintes parâmetros: prevalência estimada de asma em escolares de 20%, intervalo de confiança de 95% e precisão de 1,25% em torno da prevalência estimada da população. O resultado final revelou a necessidade de se estudarem 202 crianças, acresceu‐se a esse total uma perda presumível de 10%, total de 223 sujeitos.
Para identificar bronquiolite como preditor de asma, o cálculo da amostra foi feito com o programa OpenEpi (Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health, versão 2.3.1). Adotaram‐se os seguintes parâmetros: prevalência de BVA de 27%, intervalo de confiança de 95%, poder estatístico de 80%, estimativa de risco relativo de 2, considerou‐se a prevalência de asma em não expostos de 10% e expostos a infecções respiratórias de 20%. Nesse último cálculo o número da amostra mínimo encontrado foi de 438.
Entre os dois cálculos, optou‐se por aquele que indicou maior número de participantes (438 indivíduos). Entretanto, foram incluídas no estudo todas as 684 crianças com seis anos em acompanhamento na coorte.
VariáveisA definição de asma ativa aos seis anos foi obtida mediante a aplicação do questionário padronizado do estudo ISAAC15 às mães conforme resposta afirmativa à pergunta: “Seu filho teve ‘chiado no peito’ nos últimos 12 meses?”
O critério de diagnóstico clínico de BVA seguiu a definição da Academia Americana de Pediatria,16 ou seja, coriza acompanhada por taquipneia, tosse, dispneia e intensificação das manifestações respiratórias, como batimentos de asa do nariz e tiragem intercostal e ou subcostal. Assim, essa afecção foi considerada quando a mãe da criança respondeu afirmativamente que seu filho teve uma doença respiratória e o médico informou como diagnóstico BVA ou relatou os sintomas de coriza, acompanhados de tosse, taquipneia, dispneia nos últimos 15 dias, nas entrevistas aos três, seis, nove e 12 meses de vida.
CovariáveisAs demais covariáveis foram: idade gestacional (< 37 semanas, ≥ 37 semanas); paridade (primípara, multípara); renda familiar (< 2 salários mínimos, ≥ 2 salários mínimos); escolaridade materna (< 8 anos de escolaridade, ≥ 8 anos de escolaridade); sexo (masculino, feminino); peso ao nascer (< 2.500g, ≥ 2.500g); número de cômodos no domicílio (< 5 cômodos, ≥ 5 cômodos); número de pessoas que dormem no quarto com a criança (< 4 pessoas, ≥ 4 pessoas); tabagismo materno na gestação (sim, não); presença de cão ou gato no domicílio (sim, não); frequência em creche até os dois anos (sim, não); tráfego de caminhões na rua de residência (sim, não); aleitamento materno exclusivo até o terceiro mês (sim, não); aleitamento materno exclusivo até o quarto mês (sim, não). As informações sobre dados clínicos das mães foram coletadas logo após o nascimento nas maternidades e conferidas por consulta ao respectivo prontuário médico.
A história parental de asma foi considerada por meio da resposta das mães à pergunta: “O pai ou a mãe da criança tem/teve asma?” (sim; não).
Análise estatísticaA frequência das características sociodemográficas foi calculada e o teste x2 usado para comparar proporções, considerou‐se significativo p‐valor<0,05. Modelos de regressão logística multivariada foram usados para avaliar fatores associados à asma aos seis anos e a BVA aos três, seis, nove e 12 meses e no primeiro ano de vida. Consideraram‐se as principais variáveis confundidoras e as que tiveram p‐valor≤0,10 na análise bivariada.
O efeito modificador da história parental de asma na associação entre BVA e asma foi verificado pela inclusão do termo de interação entre história parental de asma e BVA na análise de regressão logística multivariada. As análises estatísticas foram feitas por meio do programa estatístico SPSS (SPSS for Windows, versão 14.0, Chicago, EUA).
Aspectos éticosO projeto e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana.
ResultadosParticiparam do estudo 672 (98,2%) das 684 crianças elegíveis, 12 não foram localizadas por mudança de endereço. Foram avaliados 30 participantes a mais do que a amostra previamente estimada. A prevalência de asma ativa foi de 13,8%.
As características clínicas e demográficas da amostra estão representadas na tabela 1. A maioria das crianças dormia em quartos com menos de quatro pessoas e era filha de pais que não tinham antecedentes de asma.
Características da amostra e associação das variáveis com asma (n=672)
Variáveis | N (%) | OR IC95% | pa |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 336 (50,0) | 1,79 (1,14‐2,81) | 0,010 |
Feminino | 336 (50,0) | ||
Peso ao nascer (gramas) | |||
< 2.500 | 30 (4,5) | 1,25 (0,40‐3,37) | 0,646 |
≥ 2.500 | 642 (95,5) | ||
Idade gestacional (semanas) | |||
< 37 | 28 (4,2) | 0,46 (0,10‐2,00) | 0,295 |
≥ 37 | 644 (95,8) | ||
Renda familiar (salário mínimo) | |||
Até 2 | 477 (71,0) | 1,28 (0,77‐2,12) | 0,326 |
≥ 2 | 195 (29,0) | ||
Escolaridade da mãe (anos de estudo) | |||
Até 8 | 202 (30,1) | 0,88 (0,54‐1,44) | 0,634 |
> 8 | 470 (69,9) | ||
Paridade | |||
Primípara | 336 (50,0) | 0,88 (0,56‐1,36) | 0,576 |
Multípara | 336 (50,0) | ||
Aleitamento materno exclusivo 3° mês | |||
Sim | 248 (36,8) | 0,93 (0,59‐1,47) | 0,760 |
Não | 424 (63) | ||
Aleitamento materno exclusivo 4° mês | |||
Sim | 137 (20,4) | 1,08 (0,63‐1,84) | 0,773 |
Não | 535 (79,6) | ||
Tabagismo materno na gestação | |||
Sim | 20 (3,0) | 2,13 (0,75‐6,02) | 0,142 |
Não | 652 (97,0) | ||
Pessoas que dormem no quarto da criança (pessoas) | |||
< 4 | 641 (95,4) | 2,71 (1,20‐6,09) | 0,012 |
≥ 4 | 31 (4,6) | ||
Cômodos no domicílio (cômodos) | |||
< 5 | 541 (80,5) | 0,74 (0,44‐1,26) | 0,275 |
≥ 5 | 131 (19,5) | ||
Frequentou creche 24m | |||
Sim | 104 (15,5) | 0,69 (0,35‐1,34) | 0,277 |
Não | 568 (84,5) | ||
Cão ou gato em casa | |||
Sim | 297 (44,2) | 0,99 (0,77‐1,27) | 0,982 |
Não | 375 (55,8) | ||
Tráfego de caminhão na rua domicílio | |||
Sim | 341 (50,7) | 1,02 (0,85‐1,22) | 0,814 |
Não | 331 (49,3) | ||
História parental de asma | |||
Sim | 180 (26,8) | 2,01 (1,27‐3,17) | 0,002 |
Não | 492 (73,2) |
IC, intervalo de confiança; N, número; OR, odds ratio.
Os fatores de risco para asma na análise de regressão logística foram sexo masculino, ter história parental de asma; BVA aos três e 12 meses e no primeiro° ano de vida. (tabela 2).
Fatores associados à asma na análise de regressão logística (n=672)
Variáveis | OR (IC95%) | pa | OR (IC95%) ajustado | pb |
---|---|---|---|---|
Sexo masculino | 1,79 (1,14‐2,81) | 0,010 | 1,69 (1,06‐2,69) | 0,025 |
Bronquiolite aos 3 meses | 1,82 (1,00‐3,38) | 0,047 | 1,76 (0,95‐3,27) | 0,007 |
Bronquiolite aos 6 meses | 1,09 (0,63‐1,86) | 0,749 | 1,08 (0,62‐1,86) | 0,772 |
Bronquiolite aos 9 meses | 1,20 (0,68‐2,10) | 0,513 | 1,02 (0,57‐1,82) | 0,930 |
Bronquiolite aos 12 meses | 2,71 (1,49‐4,91) | 0,011 | 2,42 (1,31‐4,46) | 0,004 |
Bronquiolite no 1° ano de vida | 1,31 (1,00‐1,72) | 0,028 | 1,59 (1,01‐2,53) | 0,040 |
História parental de asma | 2,01 (1,27‐3,17) | 0,002 | 2,07 (1,29‐3,30) | 0,002 |
Número pessoas dormem quarto da criança > 4 | 2,71 (1,20‐6,09) | 0,012 | 2,31 (0,99‐5,40) | 0,051 |
IC, intervalo de confiança; OR, odds ratio.
O número de crianças expostas a BVA no primeiro ano de vida foi de 50,7% (341) e a frequência de BVA de 461 episódios, 75 (11,5%) no primeiro, 136 (20,3%) no segundo, 114 (16,9%) no terceiro e 136 (20,3%) no quarto trimestre de vida. A frequência de BVA/criança no primeiro ano de vida de um episódio foi de 234, dois episódios 83 e três ou mais episódios 15. A frequência de BVA não esteve associada a maior risco de asma aos seis anos (tabela 3).
Frequência de episódios de BVA e associação com asma
Frequência de BVA | % | OR (IC95%) | pa | OR (IC95%) ajustado | pb |
---|---|---|---|---|---|
1 episódio | 34,8 | 1,15 (0,73‐1,81) | 0,540 | 1,19 (0,75‐1,89) | 0,454 |
2 episódios | 12,3 | 1,73 (0,96‐3,12) | 0,610 | 1,58 (0,87‐2,88) | 0,132 |
3 e mais episódios | 2,2 | 1,57 (0,43‐5,69) | 0,485 | 1,27 (0,33‐4,83) | 0,717 |
IC, intervalo de confiança; OR, odds ratio.
A prevalência de aleitamento materno exclusivo até o terceiro mês de vida entre as crianças foi de 36,4% (248) e foi fator de proteção para BVA, OR=0,49 IC95% (0,28‐0,84); p=0,009. O aleitamento materno exclusivo até o quarto mês não conferiu proteção para bronquiolite aos seis meses, OR: 0,76 IC95% (0,42‐1,16), nove meses OR: 1,19 IC95% (0,74‐1,93), 12 meses, OR: 0,08 IC95% (0,94‐2,29) ou no primeiro° ano de vida das crianças, OR: 0,60 IC95% (0,29‐1,24).
Houve efeito modificador da história parental de asma para a associação entre bronquiolite e asma aos três, seis, nove e 12 meses e no primeiro ano de vida; BVA aos 12 meses e no primeiro ano de vida foi risco para asma nas crianças com história parental de asma, OR: 3,90 IC95% (1,36‐11,1) e OR: 2,66 IC95% (1,10‐6,40), efeito modificador p<0,001 e p=0,002, respectivamente. (tabela 4).
Associação entre BVA e asma de acordo a história parental de asma
Variáveis | Sem história parental de asma (n=496) | História parental de asma (n=176) | Efeito modificador p‐valorb | ||
---|---|---|---|---|---|
OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | ||
Crua | Ajustada | Crua | Ajustadaa | ||
Bronquiolite aos 3 meses | 1,35 (0,57‐3,17) | 1,37 (0,58‐3,23) | 2,30 (0,93‐5,71) | 2,48 (0,94‐6,52) | 0,003 |
Bronquiolite aos 6 meses | 1,07 (0,54‐2,11) | 1,05 (0,53‐2,09) | 1,14 (0,47‐2,78) | 1,30 (0,51‐3,34) | 0,001 |
Bronquiolite aos 9 meses | 1,31 (0,64‐2,66) | 1,23 (0,60‐2,53) | 0,96 (0,38‐2,43) | 0,76 (0,28‐2,05) | 0,004 |
Bronquiolite aos 12 meses | 2,28 (1,03‐5,06) | 2,00 (0,88‐4,55) | 3,11 (1,21‐8,03) | 3,90 (1,36‐11,11) | < 0,001 |
Bronquiolite no 1° ano | 2,28 (1,03‐5,06) | 1,66 (1,10‐6,40) | 3,11 (1,21‐8,00) | 2,66 (1,10‐6,40) | 0,002 |
IC, intervalo de confiança; n, número; OR, odds ratio.
O presente estudo evidencia que BVA no primeiro ano de vida foi fator de risco de asma em crianças e aumenta consideravelmente quando associada à história parental de asma. A exposição a BVA e entre outros múltiplos fatores ambientais é importante para o desenvolvimento da doença, especialmente em crianças predispostas.17
As infecções respiratórias por vírus e BVA são mais frequentes em lactentes e têm sido associadas a risco de asma por estar relacionadas à sua patogênese e ao desencadeamento de exacerbações.17,18 Embora algumas infecções por vírus influenza e parainfluenza possam inibir o desenvolvimento de asma, a despeito de repetidas infecções respiratórias de vias aéreas superiores nos dois primeiros anos de vida da criança, outras infecções por VSR e rinovírus podem favorecer o aparecimento de asma e atopia.7,19,20
As hipóteses para explicar os mecanismos imunológicos envolvidos na relação entre infecção viral, dispneia persistente e asma são várias: (i) indução da típica inflamação de asma alérgica pela diferenciação do linfócito T em Th2; (ii) ativação pelo vírus sincicial respiratório de células Th17 e produção de IL17, citocina indutora da inflamação neutrófila. As células Th17 induzem a regulação de outras citocinas pró‐inflamatórias como a IL6 e TNF‐α, quimiocinas e metaloproteases com possível papel na patogênese da asma;21,22 (iii) elevação do nível de IL‐4 e redução do IFN‐gama, comprovada pela presença de teste alérgico positivo e anticorpos IGE específicos nas crianças com BVA; (iv) hiperatividade brônquica mediada por células inflamatórias e neuropeptídios de fibras C‐ sensitivas decorrentes do aumento da inflamação brônquica. Outros fatores de risco para asma na criança podem estar relacionados à associação direta entre bronquiolite e asma, tal como a presença de vias aéreas de menor calibre em crianças do sexo masculino, pode predispor à dispneia durante infecções por vírus e desenvolvimento de asma.
O tipo de flora bacteriana que compõe o microbioma da nasofaringe em crianças nos primeiros anos de vida tem se relacionado a risco futuro de asma. A colonização da nasofaringe por S. pneumoniae, M. catarrhalis e H. influenzae com um mês de vida está associada a risco de asma aos cinco anos. A infecção pelo VSR em idade precoce pode alterar o microbioma da nasofaringe e o desequilíbrio dessa microbiota pode levar a infecção do trato respiratório inferior por bactérias patogênicas e inflamação.21
Há poucos estudos que consideram o efeito modificador da história parental de asma na associação entre BVA pelo VSR e rinovírus e desenvolvimento de asma em crianças. Carroll et al. demonstraram que o rinovírus esteve associado a infecção de maior gravidade em crianças de mães com asma atópica.23 Da mesma forma, Jung et al. demonstraram, por meio de genotipagem, que ocorreu efeito modificador de TLR4 (rs1927911), CD14 (rs2569190) e IL‐13 (rs20541) na associação entre asma e BVA em crianças coreanas; o risco de desenvolvimento de asma após BVA foi significativamente mais elevado nas crianças que tinham um dos três polimorfismos descritos acima.24 É bem conhecido que a história parental de asma é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento de asma.25 No atual estudo foi um fator de risco independente para asma e exerceu um importante efeito modificador na associação entre BVA e asma, aumentou o risco de asma em crianças que apresentaram bronquiolite.
Estudo feito em Salvador (BA) para verificar a relação entre infecções por vírus e asma entre crianças de quatro a 13 anos não evidenciou associação entre asma atópica e não atópica e os vírus herpes simples, varicela zoster, Epstein‐Barr e hepatite A,26 vírus não relacionados a infecções do trato respiratório inferior. As infecções por vírus herpes simples e Epstein‐Barr em crianças ocasionaram atenuação da resposta de hipersensibilidade imediata verificada pelo teste cutâneo de hipersensibilidade imediata por punctura para aeroalérgenos. O resultado do referido estudo demonstrou que infecções virais comuns na criança estiveram associadas à atenuação da resposta de hipersensibilidade imediata, mas não a doença clínica.
No atual estudo tivemos frequência de amamentação exclusiva no quarto mês de vida de 20,4% compatível com a média nacional e esse fato pode ter contribuído para proteger crianças de BVA e de asma aos três meses em aleitamento materno exclusivo, pela presença de fatores imunológicos, anti‐infecciosos e imunomoduladores presente no leite humano, de acordo com o demonstrado no estudo de Kull et al.27
A prevalência de asma no atual estudo foi menor quando comparada com estudo prévio de prevalência feito em Feira de Santana.28 As possíveis justificativas são a elevada taxa de aleitamento materno exclusivo nos primeiros quatro meses de vida das crianças e as ações do programa de controle de asma e rinite alérgica implantado na cidade em 2004, com a distribuição gratuita de medicamentos de controle da asma.1,2 Nos estudos planejados para o futuro iremos acrescentar outros critérios para a identificação da doença, tal como uso regular de medicações para a asma, que podem manter os paciente sem sintomas.
O sexo masculino e a hereditariedade também representaram fatores de risco para asma no estudo atual. O maior risco de asma no sexo masculino de 2,4 vezes comparado com o sexo feminino em escolares foi também encontrado no estudo de Casagrande et al. e pode ser justificado pelo menor calibre das vias aéreas de meninos comparados com meninas, nessa faixa etária, e que desaparece na adolescência.29,30 Estudos têm demonstrado que ter pais com asma é o principal fator de risco para asma.25
Algumas limitações inerentes a estudo de corte transversal, como o viés de memória, foram minimizadas no nosso estudo por ter sido feito em uma coorte prospectiva de crianças. O diagnóstico de asma, com o questionário do estudo ISAAC, foi padronizado e validado no Brasil, é usado para medir a prevalência mundial de sintomas de asma e doenças alérgicas em crianças em idade escolar, com perguntas limitadas a sintomas no último ano, o que reduz o viés de memória. O diagnóstico de BVA feito por meio de informações das mães sobre o diagnóstico médico e a presença de sintomas do trato respiratório é passível de erros e pode ter superestimado o diagnóstico de BVA. A taquipneia febril e coriza são comuns em infecções virais. Em percentual significativo da amostra os sintomas respiratórios não foram acompanhados de febre. A não feitura de exames sorológicos para identificação de vírus constituiu também uma limitação do atual estudo.
A BVA no primeiro ano de vida foi fator de risco para asma em crianças no Nordeste do Brasil. A história parental de asma aumenta ainda mais o risco de asma em crianças expostas a bronquiolite. A adoção de medidas de prevenção e controle de infecções respiratórias pelo VSR e rinovírus, tais como a vacinação para VSR e evitar o contágio com lavagem das mãos e locais de aglomeração de pessoas, deve ser ampliada e intensificada pelos órgãos públicos de saúde, sobretudo para crianças com história parental de asma, com o objetivo de obter redução na morbimortalidade por bronquiolite e da prevalência de asma.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Paulo Camargos é depositário de Grants provenientes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Grant #303396/2012‐1) e FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Grant # PPM0065‐14)
Como citar este artigo: Brandão HV, Vieira GO, Vieira TO, Cruz ÁA, Guimarães AC, Teles C, et al. Acute viral bronchiolitis and risk of asthma in schoolchildren: analysis of a Brazilian newborn cohort. J Pediatr (Rio J). 2017;93:223–9.
Estudo vinculado à Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA, Brasil.