To evaluate the association between dietary patterns and cardiometabolic risk factors in children and adolescents.
Data sourceThis article followed the recommendations of PRISMA, which aims to guide review publications in the health area. The article search strategy included searches in the electronic databases MEDLINE via PubMed, Scopus, and LILACS. There was no date limitation for publications. The descriptors were used in English according to MeSH and in Portuguese according to DeCS. Only articles on dietary patterns extracted by the a posteriori methodology were included. The question to be answered was: how much can an “unhealthy” dietary pattern influence biochemical and inflammatory markers in this population?
Data synthesisThe studies showed an association between dietary patterns and cardiometabolic alterations. The patterns were characterized as unhealthy when associated to the consumption of ultraprocessed products, poor in fiber and rich in sodium, fat, and refined carbohydrates. Despite the associations, in several studies, the strength of this association for some risk markers was reduced or lost after adjusting for confounding variables.
ConclusionThere was a positive association between “unhealthy” dietary patterns and cardiometabolic alterations in children and adolescents. Some unconfirmed associations may be related to the difficulty of assessing food consumption. Nevertheless, studies involving dietary patterns and their association with risk factors should be performed in children and adolescents, aiming at interventions and early changes in dietary habits considered to be inadequate.
Avaliar a associação encontrada nos estudos entre padrão alimentar e fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes.
Fonte dos dadosEste artigo seguiu as recomendações do Prisma, que objetiva orientar as publicações de revisão na área da saúde. A estratégia de busca dos artigos incluiu pesquisas nas bases eletrônicas Medline via PubMed, Scopus e Lilacs. Não houve data limite de publicação. Os descritores foram usados em inglês de acordo com MeSH e em português segundo os DeCS. Apenas artigos de padrão alimentar extraídos pela metodologia a posteriori foram incluídos. A pergunta a ser respondida foi: quanto um padrão alimentar “não saudável” pode influenciar nos marcadores bioquímicos e inflamatórios dessa população?
Síntese dos dadosOs estudos demonstraram haver associação entre os padrões alimentares e alterações cardiometabólicas. Os padrões eram caracterizados como não saudáveis marcados pelo consumo de produtos ultraprocessados, pobres em fibras e ricos em sódio, gordura e carboidratos refinados. Apesar das associações, em vários estudos, a força dessa associação para alguns marcadores de risco era reduzida ou perdida após os ajustes para as variáveis de confusão.
ConclusãoHouve associação positiva entre os padrões alimentares “não saudáveis” e as alterações cardiometabólicas em crianças e adolescentes. Algumas associações não confirmadas podem estar relacionadas à própria dificuldade de avaliar o consumo alimentar. Apesar disso, estudos que envolvem padrões alimentares e sua associação com fatores de risco devem ser feitos em crianças e adolescentes com objetivo de intervenções e modificações precoces nos hábitos alimentares tidos como não adequados.
O excesso de peso na infância e adolescência tem sido motivo de grandes preocupações no mundo.1,2 Pouco se sabe sobre as complicações que a obesidade instalada no início da vida pode causar em longo prazo.3,4 Diante das incertezas, muitas associações têm sido feitas para melhor compreensão das consequências do sobrepeso e da obesidade no aparecimento de complicações cardiometabólicas ainda no início da vida.1,5
Algumas conexões estabelecidas entre a gênese da obesidade e a alteração de marcadores de risco cardiovasculares como citocinas inflamatórias, proteína C reativa, parâmetros bioquímicos tradicionais (colesterol total, triglicerídeos, glicose, insulina), dieta e atividade física têm sido avaliados em estudos com adultos e muito já se sabe sobre a direção dessas relações.4,6 No entanto, observa‐se que esses estudos não são muito comuns em crianças e adolescentes e ainda são necessárias mais informações consistentes sobre o comportamento dos fatores de risco cardiometabólicos e inflamatórios nesse período.3,5
A dieta consiste em um fator de risco modificável e importante na etiologia das doenças, visto o crescente número de estudos epidemiológicos que abordam sua relação com o aparecimento das doenças crônicas.7–9 A metodologia de identificação do padrão alimentar de populações específicas tem sino amplamente usada nos estudos observacionais e tem sido útil para identificar a relação entre dieta e fatores de risco cardiometabólicos.8,10,11
Os padrões alimentares podem informar melhor sobre as relações dieta‐doença do que a avaliação dos alimentos ou nutrientes isolados, porque eles consideram a ingestão dietética total e a inter‐relação entre muitos alimentos e nutrientes, bem como os seus efeitos sinérgicos.7,9 Eles têm sido amplamente usados devido ao entendimento de que os nutrientes são raramente consumidos isolados e que as investigações apenas dos nutrientes subestimam as possíveis interações entre nutrientes ou entre alimentos e entre outros componentes da dieta.8
A identificação de padrões alimentares considerados como não saudáveis pode estar relacionada à alteração da composição corporal, dos parâmetros bioquímicos e inflamatórios em crianças e adolescentes.7,10 Considerando que a infância é uma fase de formação dos hábitos alimentares, a adoção de práticas saudáveis de alimentação nesse período pode trazer consequências favoráveis para o resto da vida.
Nesse sentido, o objetivo desse artigo de revisão sistemática foi avaliar a associação encontrada nos estudos entre padrão alimentar e fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes. Nossa hipótese é que os padrões alimentares não saudáveis estão associados às alterações desses marcadores de risco no grupo avaliado.
MétodosA revisão sistemática foi feita de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐Analyses (Prisma) que objetiva orientar as publicações de revisão sistemática e metanálises na área da saúde.12 A estratégia de busca dos artigos incluiu pesquisas nas bases eletrônicas Medline (National Library of Medicine, Estados Unidos) via PubMed, Scopus, Lilacs (Literatura Latino‐Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online) sem data limite de publicação.
A identificação e a seleção dos artigos em todas as bases de dados foram feitas simultaneamente por dois pesquisadores no período de três meses, entre fevereiro e abril de 2016. As palavras usadas como descritores foram: diet, diettary, patterns, risk, cardiovascular, biomarkers, children, adolescent, health. Os descritores foram usados em inglês de acordo com Medical Subject Headings (MeSH) e em português segundo os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).
As buscas nas bases de dados foram feitas com as palavras‐chave com os operadores booleanos representados pelos termos conectores AND, OR e NOT. Dessa forma foram usadas as seguintes combinações: dietary patterns AND risk AND cardiovascular AND adolescent; dietary patterns AND risk AND cardiovascular AND children; dietary patterns AND biomarkers AND cardiovascular AND adolescent; dietary patterns AND biomarkers AND cardiovascular AND children; dietary patterns AND health AND cardiovascular AND adolescent; dietary patterns AND health AND cardiovascular AND children; diet AND risk AND cardiovascular AND adolescent; diet AND risk AND cardiovascular AND children. Essas combinações foram usadas para os termos OR e NOT respectivamente em todas as bases de dados pesquisadas.
A revisão buscou estudos que avaliaram padrão alimentar apenas pela metodologia a posteriori, que consiste no uso de técnicas de análise multivariada para extrair os padrões13 e que associaram o padrão encontrado com fatores de risco cardiometabólicos em crianças e/ou adolescentes. Os artigos que contemplavam apenas a identificação do padrão alimentar ou que somente associavam o padrão às medidas antropométricas não foram inclusos, visto que nosso objetivo era detectar o quanto um padrão alimentar classificado como “não saudável” poderia influenciar nos marcadores bioquímicos e inflamatórios dessa população.
Como critérios de não inclusão, destacam‐se estudos feitos com adultos, gestantes, crianças menores de dois anos, artigos de revisão, comentários de especialistas e publicados em idiomas que não o português e o inglês.
A identificação e a seleção dos artigos nas bases de dados foram feitas por dois pesquisadores de forma independente e sistemática, que fizeram a identificação inicial pelos títulos das publicações encontradas pelos descritores e, posteriormente, pelos resumos obtidos por busca eletrônica. Após a seleção das publicações pelos títulos e resumos, uma nova avaliação foi feita pelos dois pesquisadores, que determinaram de forma consensual os estudos a serem lidos na integra e incluídos na revisão. As referências dos estudos selecionados foram rastreadas, com vistas à inclusão de outros artigos de potencial interesse.
ResultadosForam identificados 364 artigos sobre o tema. Das 50 publicações selecionadas para leitura do resumo e leitura completa, apenas sete artigos apresentaram os critérios estabelecidos para essa revisão sistemática, dois foram encontrados por meio das referências dos artigos primeiramente selecionados (fig. 1).
As principais características dos estudos como local, ano de publicação, delineamento, idade dos participantes, análise estatística usada para derivação do padrão alimentar e as demais variáveis avaliadas encontram‐se descritos na tabela 1. Os artigos diferem quanto ao tipo de delineamento e quanto à idade da amostra, a maior parte (78%) é do tipo transversal.
Características dos estudos avaliados
Autor/ano | País | Delineamento | Idade (n) | Método de referência | Análise estatísticaa | Antropometria | Exames |
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Appannah et al., 201510 | Austrália | Coorte | 14 (n=1611) e 17 anos (n=1009) | QFA semiquantitativo referentes há 12 meses anteriores | Regressão por redução de postosb | Altura, peso, IMC, PC | Insulina, glicose, TG, HDL‐c, LDL‐c e HOMA‐ir |
Karatzi et al., 20148 | Grécia | Transversal | 9 a 13 anos (n=1912) | Recordatório de 24 horas (2 dias da semana e 1 fim de semana) | Análise por componentes principaisc | Peso, altura, PC | Insulina, glicose e HOMA‐ir |
Biblioni et al., 201316 | Espanha | Transversal | 12 a 17 anos (n=219) | QFA semiquantitativo validado referente a 12 meses anteriores | Análise por componentes principais | Peso, altura PC, RCE | Adiponectina, leptina, TNF‐α, PAI‐1, IL‐6 |
Park et al., 201314 | Coreia | Transversal | 8 e 9 anos (n=1008) | Recordatórios de 24 horas (feito em 3 dias) | Análise por componentes principais | PC, IMC, pressão arterial | Glicose, CT, TG, HDL‐c, ALT, AST e CT/HDL‐c e TG/HDL‐c |
Shang et al., 201217 | China | Transversal | 6 a 13 anos (n=5267) | Recordatório de 24 horas (2 dias da semana e 1 fim de semana) | Análise de agrupamento | Peso, altura, IMC, pressão arterial e PC | Glicose, CT, TG, HDL‐c, LDL‐c |
Romero‐Polvo et al., 201215 | México | Transversal. | 7 a 18 anos (n=916) | QFA semiquantitativo referente a 12 meses anteriores | Análise por componentes principais | Peso, altura, IMC, PC, %gordura corporal (DEXA) | Glicose, insulina, HOMA‐ir |
Dishchekenian et al., 20119 | Brasil | Transversal | 14 a 19 anos (n=76) | Registro alimentar de 4 dias (3 dias da semana e 1 fim de semana) | Análise por componentes principais | Peso, altura, pressão arterial | CT, LDL‐c, HDL‐c, TG, glicemia e insulina |
Ambrosini et al., 20107 | Austrália | Corte transversal de coorte | 14 anos (n=1139) | QFA semiquantitativo referente a 12 meses anteriores | Análise por componentes principais | Peso, altura, PC, pressão arterial | CT, LDL‐c, HDL‐c TG, glicemia, insulina e HOMA‐ir |
Mikkilä et al., 200718 | Finlândia | Coorte | 3 a 39 anos (n=1200) | Recordatório de 48 horas | Análise por componentes principais | Altura, peso, IMC e pressão arterial | PCR, CT, LDL‐c, HDL‐c, VLDL‐c, Apo A1s, Apo B, triacilglicerol, insulina e homocisteína |
ALT, alanina aminotransferase; Apo A1, apolipoproteína A1; ApoB, apolipoproteína; AST, aspartatoaminotransferase; CT, colesterol total; DEXA, absorciometria de raios‐x de dupla energia; HDL‐c, lipoproteína de alta densidade‐colesterol; HOMA‐IR, homeostasis model assessment – insulin resistance; IL‐6, Interleucina 6; IMC, índice de massa corporal; LDL‐c, lipoproteína de baixa densidade‐colesterol; PAI‐1, inibidor do fator ativador de plasminogênio 1; PC, perímetro da cintura; PCR, proteina C reativa; QFA, Questionário de Frequência Alimentar; RCE, relação cintura estatura; TG, triglicerídeos;
A tabela 2 apresenta os fatores de confusão identificados e incluídos nos modelos de regressão, os padrões alimentares identificados e classificados de acordo com a definição de cada autor e os principais resultados dos artigos. Os fatores de confusão foram descritos porque são importantes para os ajustes necessários nas análises estatísticas de forma a aumentar a precisão da força de associação. Na maior parte das publicações os autores fizeram as análises divididas em modelos ajustados primeiramente pelo sexo e idade e, posteriormente, por outras variáveis que poderiam influenciar nas características do padrão alimentar e na associação com os marcadores de risco cardiometabólicos, tais como escolaridade dos pais, nível de atividade física, renda, estágio puberal e ingestão energética total.10,14,15
Fatores de confusão/interação, padrões identificados e resultados principais dos artigos avaliados
Autor/ano | Fatores de confusão/interação | Padrões identificados | Resultados principais |
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Appannah et al., 201510 | Atividade física, fumo, sexo, idade, subnotificação dietética, | 1. Denso energeticamente. 2. Rico em gordura. 3. Pobre em fibra. | Elevada pontuação dos padrões alimentares esteve associada a maior chance de pertencer ao grupo de elevado risco metabólico para os meninos (OR: 1,20, IC95%: 1,01‐1,41), mas não nas meninas (OR: 1,03, IC95%: 0,87‐1,22) quando ajustados pela atividade física e fumo. Elevada pontuação dos padrões alimentares esteve associada a maior concentração de insulina (F e M‐ß: 3,0; IC95%:1%‐7%) e HOMA‐IR (F e M‐ß: 4,0; IC95%: 1%‐7%) em ambos os sexos. |
Karatzi et al., 20148 | Sexo, consumo do desjejum, estágio puberal, perímetro da cintura, IMC dos pais, situação socioeconômica, peso ao nascer e atividade física. | 1. Batata frita, carne vermelha e bebidas adoçadas. 2. Carnes processadas e queijo. 3. Margarina, doces e lanches salgados. 4. Legumes e frutas. 5. Maior consumo de ovo e menor consumo de peixe. | O padrão alimentar contendo margarinas, doces e lanches salgados esteve positivamente associado ao HOMA‐IR (ß=0,08; p=0,02) após ajuste para os fatores de confusão. As crianças que apresentaram maior adesão a esse padrão alimentar (consumo no maior tercil) tiveram 2,51vezes mais probabilidade de ter resistência à insulina em comparação com as crianças no primeiro tercil, (IC95%: 1,30‐4,90). |
Bibiloni et al., 201316 | Idade, atividade física, tabagismo, ingestão energética, IMC e RCE. | 1‐ Dieta do mediterrâneo. 2‐ Dieta ocidental. | A pontuação da dieta ocidental foi inversamente relacionada com as concentrações plasmáticas de adiponectina e IL‐6 após controle para possíveis fatores de confusão (ß=‐0,177; p<0,050 e ß=0,183; p<0,050, respectivamente) e com ajuste adicional para o IMC e RCE (ß=‐0,168; p=0,050 e ß=0,177; p<0,050, respectivamente). |
Park et al., 201314 | Idade, sexo, ingestão energética, altura, pressão arterial. | 1. Padrão balanceado. 2. Padrão ocidental. | Nas meninas, a concentração média dos triglicerídeos reduziu no maior quintil de consumo do padrão balanceado (Média: 72,6; DP: 8,27; p=0,032). A maior pontuação no padrão ocidental esteve presente nas meninas, que apresentaram mais de um fator de risco para SM (Média: 29,5; DP: 1,37; p=0,026). Nenhuma associação foi encontrada para o sexo masculino. |
Shang et al., 201217 | Sexo, idade, peso ao nascer, perfil alimentar no 4° mês ao nascimento, ingestão energética total, atividade física, peso dos pais, anos de escolaridade e renda dos pais. | 1. Padrão dietético saudável. 2. Padrão de transição. 3. Padrão ocidental. | A concentração de glicose em jejum esteve mais elevada na amostra com padrão alimentar ocidental do que com padrão saudável (4,53mmol/L vs. 4.46mmol/L, p=0,0082). Crianças com o padrão ocidental tiveram maiores concentrações de LDL‐c (2,156mmol/L vs. 2.07mmol/L, p=0.0023) e menores concentrações de HDL‐c (p<0,001) comparadas com as que apresentaram o padrão saudável. Crianças com o perfil do padrão ocidental tiveram 1,80 vez (IC95%: 1,15‐2,81) mais chances de serem obesas do que as do padrão saudável. O padrão alimentar de transição (OR: 1,31, IC95%: 1,09‐1,56) e ocidental (OR: 1,71; IC95%: 1,13‐2,56) estiveram associados a obesidade abdominal. |
Romero‐Polvo et al., 201215 | Sexo, idade, maturação sexual, IMC, atividade física, tempo de tela, ingestão energética, uso de medicação, suplementos e multivitamínicos. | 1. Padrão ocidental. 2. Padrão prudente. 3. Padrão elevado consumo de proteína/gordura. | A resistência à insulina esteve associada aos maiores quintis de consumo do padrão alimentar ocidental (OR: 1,92; IC95%: 1,08‐3,43). Os outros padrões identificados não tiveram associação significativa. |
Dishchekenian et al., 20119 | Sexo, idade, cor, renda, escolaridade materna, IMC. | 1. Padrão tradicional. 2. Padrão em transição. 3. Padrão fastfood. | O padrão tradicional teve associação positiva com a insulina (ß=0,156; p<0,001), glicemia (ß=0,329; p=0,027) e TG (ß=0,513; p<0,001) e associação negativa com o HDL‐c (ß=‐0,297; p=0,020) após ajustes aos fatores de confusão. O padrão fastfood apresentou associação com insulina (ß=0,176; p<0,001) quando ajustado apenas por sexo e cor. Quando ajustado por renda, escolaridade materna e IMC, esse padrão apresentou associação positiva com LDL‐c (ß=0,334; p<0,001), PAS (ß=0,469; p<0,001) e PAD (ß=0,615; p<0,001) e negativa com o HDL‐c (ß = ‐0,250; p<0,001). |
Ambrosini et al., 20107 | Sexo, ingestão energética, atividade física, tempo de tela, escolaridade materna, estado civil dos pais, IMC e PC. | 1. Padrão ocidental. 2. Padrão saudável. | A média do IMC e PC não variou de acordo com os quartis para cada padrão alimentar. Para as meninas, as chances de risco metabólico eram aproximadamente 2,5 vezes maiores (p < 0,05; IC95%: 1,05‐5,98) no quartil mais alto do padrão “ocidental” em comparação com o menor. |
Mikkilä et al., 200718 | Idade, fumo, consumo energético total, fumo, atividade física e anos de seguimento no estudo. | 1. Padrão tradicional. 2. Padrão saúde consciente. | O padrão saúde consciente foi associado a menores fatores de risco, mas principalmente, entre as mulheres. A concentração de CT (ß: ‐0,06; p=0,02), LDL‐c (ß: ‐0,07; p=0,01), Apo B (ß: ‐0,07; p=0,03) e PCR (ß: ‐0,09; p=0,04) tiveram relação negativa com a pontuação do padrão saúde consciente em mulheres, todos afetados pela inserção do IMC no modelo final. Além disso, a pontuação do padrão saúde consciente apresentou associação inversa independentemente das concentrações de homocisteína (F‐ ß: ‐0,11; p=0,03 e M‐ ß: ‐0,14; p<0,01) em ambos os sexos. |
Apo B, apolipoproteína B; ß, coeficiente de regressão ß; CT, colesterol total; IC95%, intervalo de confiança de 95%; F, feminino; HDL‐c, lipoproteína de alta densidade‐colesterol; IMC, índice de massa corporal; LDL‐c, lipoproteína de baixa densidade‐colesterol; M, masculino; OR, odds ratio; PAD, pressão arterial diastólica; PAS, pressão arterial sistólica; PC, perímetro da cintura; PCR, proteína C reativa; TG, triglicerídeos.
Durante a leitura dos artigos, os autores descreveram a dificuldade de abordar a associação entre padrão alimentar e fatores de risco cardiometabólicos no grupo de crianças e adolescentes, uma vez que há pouca informação disponível sobre os efeitos dos padrões alimentares nas alterações cardiometabólicas no grupo pediátrico.9,10,16 Entretanto, é importante avaliar a associação entre padrão alimentar e doenças crônicas não transmissíveis na infância e adolescência, visto que as alterações cardiometabólicas podem influenciar na saúde atual e futura desse grupo.17
A identificação do padrão alimentar variou pouco em relação à análise estatística usada. A análise por componentes principais (ACP) foi a mais predominante (78%) e representa uma abordagem alternativa para a avaliação do consumo de alimentos e nutrientes, é útil para avaliação da relação dieta‐doença.7 Os padrões alimentares não saudáveis foram definidos como “ocidental” pela maior parte dos estudos (55%), foram também usados os termos fast food,9 “elevado consumo de proteína e gordura”15 e “rico em gordura”.10 Apenas um trabalho não relacionou os padrões identificados, manteve apenas os nomes dos alimentos que pertenciam a cada grupo.8
Na metodologia de quatro estudos, houve auxílio dos pais ou responsáveis para a avaliação do consumo alimentar das crianças.10,14,15,18 O estudo de Park et al. (2013)14 fez a avaliação dietética em um subgrupo da sua amostra (503 participantes), os autores explicaram que essa prática foi adotada devido a dificuldades práticas na coleta dos dados.
De uma maneira geral foi observada uma associação positiva entre um padrão alimentar “não saudável” e maior risco cardiometabólico pelos estudos.7–10,14–18
Segundo Apannah et al. (2015),10 o padrão identificado como denso energeticamente, rico em gordura e baixo em fibras esteve associado a alterações cardiometabólicas, como elevada concentração de insulina e resistência à insulina em ambos os sexos. Já Karatzi et al. (2014)8 encontraram que dos cinco padrões alimentares identificados, apenas o padrão caracterizado por “margarina, doces e lanches salgados” esteve associado à resistência a insulina após os ajustes pelos fatores de confusão.
Bibiloni et al. (2013),16 em estudo com 219 meninas de 12 a 19 anos, identificaram que o padrão alimentar ocidental esteve associado a maior concentração de adiponectina e interleucina 6 (IL‐6). No entanto, os autores observaram que a inflamação foi mais influenciada pelo índice de massa corporal (IMC) e pela razão cintura estatura (RCE) do que pelo padrão alimentar identificado.
Park et al. (2013),14 em estudo com crianças pré‐púberes coreanas, identificaram dois padrões alimentares (“balanceado” e “ocidental”), não foi encontrada associação com as alterações metabólicas nos meninos. Nas meninas, a média da concentração dos triglicerídeos reduziu no maior quintil de consumo do padrão balanceado (média: 72,6; DP: 8,27; p=0,032). O padrão “ocidental” demonstrou ter maior pontuação na categoria com mais de um fator de risco para SM no grupo das meninas (média: 29,5; DP: 1,37; p=0,026).
Shang et al. (2012),17 ao avaliar 5.267 crianças e adolescentes de 6 a 13 anos, encontraram que o “padrão ocidental” esteve relacionado a maiores chances de obesidade e que as crianças e adolescentes com maior pontuação nos padrões “ocidental” e de “transição” apresentavam maiores chances de obesidade abdominal. Não houve associação entre os padrões alimentares identificados e hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, dislipidemia e SM. No entanto, o padrão “ocidental” apresentou maiores valores médios de peso, IMC, perímetro da cintura, pressão sistólica e diastólica e maiores concentrações de glicose, LDL‐c e triglicerídeos e esteve inversamente associado à concentração de HDL‐c, quando comparado com o padrão “saudável”.
Romero‐Polvo et al. (2012)15 encontraram que crianças e adolescentes com padrão alimentar “ocidental” apresentaram 1,92 vez maior chance para a resistência à insulina. Dishchekenian et al. (2011)9 encontraram associação positiva entre o padrão “em transição” composto predominantemente pelo consumo de arroz, massas, feijões, óleos, carnes vermelhas, embutidos e doces e o aumento das concentrações de insulina, glicemia, triglicerídeos e os níveis de pressão arterial diastólica. No padrão fast food, os autores encontraram associação positiva com a concentração de LDL‐c, níveis de pressão arterial sistólica e diastólica e negativa com o HDL‐c.
Ambrosini et al. (2010),7 ao estudar os componentes da síndrome metabólica (SM) em adolescentes, dividiram sua amostra em dois grupos: com alto risco metabólico e baixo risco metabólico, com o objetivo de investigar a relação entre padrão alimentar e marcadores de risco para SM e doença cardiovascular. Os autores observaram que o padrão “ocidental” esteve associado ao maior risco de síndrome metabólica e aos seus componentes aumentados, como colesterol sérico total, IMC e perímetro da cintura, entre adolescentes do sexo feminino. O padrão alimentar “saudável” esteve associado a menores concentrações de glicose nos adolescentes do sexo masculino e feminino.
Mikkilä et al. (2007),18 ao avaliar o consumo alimentar de crianças e adolescentes em um estudo de coorte, identificaram os padrões alimentares “tradicional” e “saúde consciente”. O segundo padrão alimentar esteve inversamente associado aos fatores de risco cardiovasculares, entretanto os resultados sugerem que esse padrão alimentar é mais um indicador de um estilo de vida global saudável do que somente escolhas alimentares adequadas.
DiscussãoOs resultados dos estudos demonstraram haver associação positiva entre os padrões alimentares não saudáveis e alterações cardiometabólicas.7–10,14–18 Entretanto, é importante compreender que em vários estudos a força dessa associação para alguns marcadores de risco era reduzida, enquanto outros perdiam após os ajustes para as variáveis de confusão ou interação.7,9,10,14–17
Esses resultados chamam a atenção, visto que diversos fatores relacionados ao consumo alimentar e a alterações cardiometabólicas, como renda, sexo, idade, peso ao nascer, escolaridade dos pais, atividade física e disponibilidade de alimentos no domicílio, podem alterar a associação entre dieta e doença, é imprescindível avaliá‐los.
A incapacidade de identificar relações positivas entre alguns fatores de risco e os alimentos não saudáveis em estudos transversais pode ser parcialmente explicada por mudanças nos hábitos alimentares ou restrições alimentares quando já se têm alterações da composição corporal em crianças/adolescentes, como sobrepeso e obesidade, conhecido como causalidade reversa.11,19 Outra incapacidade para identificar associações positivas é que estimar a verdadeira ingestão dietética é muitas vezes complicado, visto que podem ocorre subnotificações nos relatos, quando a informação é esquecida. Essa imprecisão dificulta a análise da ingestão energética, de macro e micronutrientes, e suas associações com as alterações cardiometabólicas.20
A maior parte dos estudos identificou o padrão caracterizado como não saudável marcado pelo consumo de alimentos ultraprocessados, pobres em fibras e ricos em sódio, gordura e carboidratos refinados.7–10,14–18
Observa‐se que o consumo elevado de alimentos com maior densidade energética, rico em gorduras e açúcares refinados está diretamente associado ao aumento da lipogênese, à secreção de lipoproteínas de muito baixa densidade, à oxidação reduzida e ao maior acúmulo de ácidos graxos nos tecidos e no sangue.21 A substituição do consumo de alimentos tradicionais e saudáveis por alimentos e bebidas ultraprocessados e prontos para consumo está associada ao aumento das prevalências de excesso de peso e de doenças crônicas já apresentadas no público pediátrico.22,23 De forma contrária, o consumo adequado de alimentos saudáveis auxilia na redução das carências nutricionais e contribui para a manutenção do peso corporal e na prevenção de doenças crônicas.24 É imprescindível estimular as crianças e os adolescentes não apenas o consumo diário de uma alimentação adequada, mas também a redução do consumo de alimentos ultraprocessados.
Os artigos selecionados para esta revisão foram aqueles que abordaram apenas a metodologia a posteriori. Essa, por sua vez, consiste em um método exploratório que usa técnicas de análise multivariada para extrair os padrões alimentares. Nessa abordagem, os padrões mais relevantes da população avaliada são identificados a partir de correlações entre os dados coletados nos inquéritos alimentares.13,25 Essa metodologia de avaliação do consumo alimentar permite abordar as interações existentes entre os nutrientes, os alimentos e os demais componentes da dieta.
Os padrões alimentares oferecem uma nova abordagem em epidemiologia nutricional, com resultados que podem ser mais facilmente traduzidos em conselhos para a população, visto que orientações voltadas para os alimentos são mais facilmente interpretadas e praticadas pela população do que as relacionadas aos nutrientes.18
Apesar da importância de estudos com padrões alimentares, poucos trabalhos foram feitos com crianças e adolescentes. Algumas dificuldades são relatadas, tais como a necessidade de avaliar a ingestão dos alimentos na presença dos pais e ao fato de as doenças não estarem instaladas ainda nesta fase, o que diminui o interesse de investigar as populações saudáveis.5,10,25 Além disso, muitos fatores de risco cardiometabólicos que podem ser usados para verificar associações entre dieta e doença não têm pontos de corte definidos para crianças e adolescentes.5,6,26 É o que ocorre com a definição de síndrome metabólica, que até o momento não tem critérios bem estabelecidos e, devido a isso, é difícil saber sua real prevalência na população pediátrica.14,27
Observa‐se que alguns marcadores de risco amplamente usados em adultos ainda não são avaliados com frequência em crianças e adolescentes, como é o caso da proteína C reativa, é necessária a definição de pontos de corte e sua relação com alterações cardiometabólicas em fases precoces da vida.5
Têm‐se ainda as limitações relacionadas à própria investigação do consumo alimentar diante dos métodos usados, da falta de validação dos instrumentos, tabelas de composição alimentares que não contemplam muitas vezes os alimentos analisados, diversidade na composição dos produtos industrializados, dificuldade de mensurar o porcionamento dos alimentos e bebidas pelos entrevistados, além da subnotificação dos dados.9,28
Independentemente da complexidade dessa associação, as avaliações dos padrões alimentares e dos demais fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes devem ser feitas, uma vez que esse público é facilmente influenciado pelo meio em que vive, pela mídia de alimentos, por colegas, família e valores socioculturais adotados.9,17,29 Reconhecendo que as prevalências de sobrepeso e obesidade estão cada vez maiores nos países desenvolvidos e em desenvolvimento e que esse acréscimo do excesso de peso tem elevado os custos econômicos dos países e das próprias famílias acometidas pelo problema, informações acerca do consumo alimentar e alterações de fatores de risco cardiometabólicos devem ser sempre avaliadas.2,17,30
Alguns estudos descreveram que a obesidade infantil pode induzir a alterações precoces do metabolismo, levar a um quadro de dislipidemia e intolerância à glicose, paralelamente às alterações do sistema oxidativo e inflamatório, o início precoce da obesidade pode moldar um fenótipo pró‐inflamatório mais grave do que a obesidade adulta.4,27,31
Bibiloni et al. (2013)16 referem que o processo inflamatório existe no tecido adiposo de crianças obesas, é uma alteração precoce em humanos. Nessa perspectiva, a identificação e a prevenção, de preferência na infância, dos fatores de risco associados a alterações cardiometabólicas podem ser a melhor estratégia para evitar a progressão e o acometimento por demais efeitos indesejáveis à saúde.2
Por ser a dieta um dos fatores de risco modificáveis e importantes na etiologia das doenças crônicas, a identificação de padrões alimentares caracterizados por consumo de alimentos “não saudáveis” no período da infância e adolescência pode ser útil para o desenvolvimento de estratégias que melhorem os hábitos alimentares desse público e, consequentemente, reduzam a prevalência desses fatores de risco ao longo da vida.7
Os autores relatam que os padrões alimentares são específicos para determinadas populações, visto que eles podem variar com o sexo, a idade, cultura, etnia, condição socioeconômica e disponibilidade dos alimentos, é importante analisá‐los em diferentes grupos, para verificar a sua real aplicabilidade.9,11
A especificidade da população quanto ao tipo do padrão alimentar consumido em função das características socioculturais faz com que existam dificuldades nas comparações, mesmo que algumas semelhanças possam ser observadas.11,18 Diante disso, deve‐se ter cautela na comparação dos estudos, visto que muitos diferem quanto ao tamanho amostral, número de acompanhamentos, métodos estatísticos e métodos de avaliação do consumo alimentar.32
ConclusãoHouve associação positiva entre os padrões alimentares “não saudáveis” e as alterações cardiometabólicas pela maior parte dos estudos com crianças e adolescentes. Algumas associações que não puderam ser confirmadas podem estar relacionadas à própria dificuldade de avaliar o consumo alimentar. Alguns pontos devem ser considerados na avaliação da relação dieta‐doença, tais como as limitações do inquérito dietético selecionado, as tabelas de composição de alimentos incompletas, as subnotificações por esquecimentos ou omissão e até mesmo a necessidade de auxílio dos pais ou responsáveis para o fornecimento das informações.
Diante da complexidade dessa associação, é importante a avaliação dos padrões alimentares em diferentes populações de interesse, uma vez que eles podem variar de acordo com sexo, idade, disponibilidade de alimentos no domicílio, diferenças socioculturais, entre outras. Por mais semelhantes que os resultados possam parecer, as comparações e extrapolações dos dados para outras populações são incertas.
Os estudos com padrões alimentares e suas associações com fatores de risco cardiometabólicos devem ser feitos em crianças e adolescentes, dado que as prevalências de obesidade e de comorbidades associadas são cada vez maiores nesse público, para que intervenções precoces sejam feitas com o objetivo de reduzir os danos à saúde em curto e longo prazo, além da redução dos custos implicados nos cuidados das complicações de saúde.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Rocha NP, Milagres LC, Longo GZ, Ribeiro AQ, Novaes JF. Association between dietary pattern and cardiometabolic risk in children and adolescents: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2017;93:214–22.