To analyze the factors associated with neonatal mortality related to health services accessibility and use.
MethodsCase–control study of live births in 2008 in small‐ and medium‐sized municipalities in the North, Northeast, and Vale do Jequitinhonha regions, Brazil. A probabilistic sample stratified by region, population size, and information adequacy was generated for the choice of municipalities. Of these, all municipalities with 20,000 inhabitants or less were included in the study (36 municipalities), whereas the remainder were selected according to the probability method proportional to population size, totaling 20 cities with 20,001–50,000 inhabitants and 19 municipalities with 50,001–200,000 inhabitants. All deaths of live births in these cities were included. Controls were randomly sampled, considered as four times the number of cases. The sample size comprised 412 cases and 1772 controls. Hierarchical multiple logistic regression was used for data analysis.
ResultsThe risk factors for neonatal death were socioeconomic class D and E (OR=1.28), history of child death (OR=1.74), high‐risk pregnancy (OR=4.03), peregrination in antepartum (OR=1.46), lack of prenatal care (OR=2.81), absence of professional for the monitoring of labor (OR=3.34), excessive time waiting for delivery (OR=1.97), borderline preterm birth (OR=4.09) and malformation (OR=13.66).
ConclusionThese results suggest multiple causes of neonatal mortality, as well as the need to improve access to good quality maternal‐child health care services in the assessed places of study.
Analisar fatores associados à mortalidade neonatal referentes ao acesso e à utilização dos serviços de saúde.
MétodosEstudo caso‐controle de nascidos vivos em 2008 nos municípios de pequeno e médio porte nas regiões Norte, Nordeste e Vale do Jequitinhonha do Brasil. Uma amostra probabilística e estratificada por região, tamanho da população e adequação da informação foi gerada para escolha das cidades. Foram selecionados municípios com até 200.000 habitantes. Desses, todos os municípios com até 20.000 habitantes foram incluídos no estudo (36 municípios), os demais foram selecionados de acordo com o método de probabilidade proporcional ao tamanho populacional, totalizando 20 cidades com 20.001 a 50.000 habitantes e 19 municípios com 50.001 a 200.000 habitantes. Foram incluídos todos os óbitos de nascidos vivos nessas cidades, nesse período. Os controles foram amostrados aleatoriamente quatro vezes mais o número de casos. A amostra foi de 412 casos e 1.772 controles. Foi utilizada regressão logística múltipla hierarquizada para análise dos dados.
ResultadosOs fatores de risco para o óbito neonatal foram classe socioeconômica D e E (OR=1,28), história de óbito infantil (OR=1,74), gestação de risco (OR=4,03), peregrinação para o parto (OR=1,46), não realização de pré‐natal (OR=2,81), ausência de profissional para o acompanhamento do trabalho de parto (OR=3,34), tempo de espera para o atendimento ao parto (OR=1,97), malformação (OR=13,66) e prematuridade moderada/limítrofe (OR=4,09).
ConclusãoTais resultados sugerem a multicausalidade da mortalidade neonatal e apontam para necessidade de melhoria ao acesso de serviços voltados à atenção materno‐infantil, de qualidade, nos locais do estudo.
O coeficiente de mortalidade infantil, que é mais impactado pelo componente neonatal, é considerado um indicador sensível de qualidade de vida, nível de desenvolvimento e acesso aos serviços de saúde de dada população.1
Apesar da queda na mortalidade neonatal, o Brasil apresentou, na última década, desigualdade desse indicador nas regiões do país. Em 2014, ambos os coeficientes de mortalidade neonatal (CMN) das regiões Norte e Nordeste foram de 10,3/1000 nascidos vivos (NV). Já na região Sul foi de 7,6/1.000 NV, no Sudeste 8,1/1.000 NV e no Brasil 8,9/1.000 NV, evidenciaram as disparidades socioeconômicas existentes entre as diferentes regiões do nosso país, no qual apenas as regiões Norte e Nordeste se mantêm com dois dígitos à esquerda da vírgula, segundo os dados mais recentes disponíveis.2 Apenas em 2014 o Norte e o Nordeste apresentavam CMN compatíveis com o da Região Sudeste em 2005 (10,2/1.000 NV), porém ainda superiores ao coeficiente do Sul, que em 2005 era de 9,4/1.000NV.2
Além de apresentar os maiores coeficientes de mortalidade neonatal no país, as regiões Norte, Nordeste e do Vale do Jequitinhonha têm excesso de subnotificação nos sistemas nacionais. Foi identificado que 30% dos municípios tinham menos de 80% de cobertura do Sistema de Informação da Mortalidade (SIM), a maioria deles no Nordeste e no Norte do país. Os menores municípios, com até 200.000 habitantes, apresentaram pior qualidade de informação dos dados vitais.3 Os municípios de médio e pequeno porte das regiões Norte, Nordeste e Vale do Jequitinhonha têm características diferenciadas das cidades maiores nessas mesmas localidades.
Em sua maioria, os menores municípios apresentam piores condições socioeconômicas e principalmente dificuldade no acesso a serviços de saúde, o que pode contribuir para o óbito infantil. Dessa maneira, o presente estudo traçou o seguinte objetivo: analisar a associação da mortalidade neonatal com variáveis de acesso e uso dos serviços de saúde nas regiões Norte, Nordeste e no Vale do Jequitinhonha, em 2008.
Tem como aspecto diferencial informações de populações residentes em menores municípios brasileiros, que dificilmente são estudadas com alto poder estatístico, devido ao quantitativo populacional reduzido. Tem sua representatividade garantida, pois não se baseia apenas nas estatísticas oficiais, que são prejudicadas pela subnotificação.
MétodosTrata‐se de um estudo caso‐controle com população de nascidos vivos em 2008, de mães residentes nas regiões Norte e Nordeste e Vale do Jequitinhonha.
Com base em uma avaliação da cobertura do Sistema de Informação sobre Mortalidade e Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc) entre 2007 e 2009 nos municípios pertencentes à Amazônia Legal e ao Nordeste, Andrade e Szwarcwald4 elegeram critérios para classificação dos municípios com até 200.000 habitantes das regiões supracitadas de acordo com a adequação do sistema de informação. Os municípios com até 200.000 habitantes foram categorizados com base na avaliação de indicadores relacionados às estatísticas vitais (mortalidade e nascimento). Essa avaliação classificou tais indicadores como “satisfatório”, “não satisfatório” e “deficiente” em cada município e a partir daí chegou‐se à seguinte categorização: “Informações vitais consolidadas” (todos os indicadores classificados como adequados), “Informações vitais em fase de consolidação” (pelo menos um indicador não satisfatório mas nenhum deficiente) e “Informações vitais não consolidadas” (ao menos um indicador classificado como deficiente). A amostragem aleatória selecionou municípios de cada estado e garantiu a representatividade dessas diferentes categorizações.
Assim, uma amostra probabilística e estratificada por região, tamanho da população e adequação da informação foi gerada para seleção das cidades. Todos os municípios com até 20.000 habitantes foram incluídos no estudo (36), os outros foram selecionados de acordo com o método de probabilidade proporcional ao tamanho populacional, total de 20 cidades com 20.001 a 50.000 habitantes e 19 municípios com 50.001 a 200.000 habitantes.
Foram considerados casos todos os nascidos‐vivos que foram a óbito com menos de 28 dias de 1° de janeiro a 31 de dezembro de 2008, de mães residentes nesses municípios amostrados. Os controles foram crianças, menores de um ano, nascidas em 2008 no mesmo local dos casos, amostradas aleatoriamente das listagens completas de nascidos vivos de cada município amostrado, juntamente com todos os nascidos vivos encontrados que não tinham registro em qualquer sistema de informação.
Casos e controles foram selecionados do SIM, Sinasc e pela busca ativa em diferentes locais como cartórios, cemitérios, parteiras tradicionais, dentre outros. Entre 2010 e 2011 entrevistadoras treinadas e supervisionadas, guiadas por um roteiro estruturado previamente, coletaram dados no domicílio mediante entrevistas aos responsáveis pelas crianças selecionadas, o que constituiu a fonte de dados. Foram selecionados 1.951 controles e 530 casos (3,6 controles por caso). Após a retirada dos indivíduos com perdas de informação em algumas variáveis de interesse, ficamos com 1.772 controles e 412 casos.
As variáveis de interesse foram aquelas que poderiam influenciar de alguma forma o acesso e o uso dos serviços de saúde. Após relacionadas essas variáveis, foi feita análise descritiva, excluíram‐se aquelas que apresentaram 10% ou mais de ausência de informação (local do pré‐natal, locomoção ao local do pré‐natal, tempo para chegar à unidade do pré‐natal, feitura de exames, pesagem, aferição da pressão arterial, mensuração da altura uterina, ausculta de batimento cardiofetais, orientação prévia quanto a maternidade do parto, momento de ruptura da bolsa amniótica, APGAR e peso ao nascer).
Posteriormente foi feita regressão logística bivariada e aquelas que apresentaram p‐valor igual ou superior a 20% foram excluídas: tratamento de esgoto, sexo do bebê e tabagismo na gestação. Por sua vez, as variáveis que apresentaram p‐valor abaixo de 20% foram organizadas em um modelo teórico hierarquizado (fig. 1) segundo proposta adaptada de Lima, Carvalho e Vasconcelos.5 Na regressão logística hierarquizada adotou‐se a proposta de Victora6 segundo a qual as variáveis são introduzidas por nível de proximidade em relação ao desfecho, iniciou‐se com as do nível distal. Para a manutenção das variáveis em cada nível hierárquico foi definido o critério de p‐valor inferior a 5%. Variáveis de um determinado nível que perderam significância com a inclusão de variáveis do nível seguinte permaneceram no modelo.
Variáveis inseridas a cada nível durante a modelagem hierarquizada para o óbito neonatal. Adaptado de Lima et al.5
Os modelos de cada nível foram comparados pelo critério de informação de Akaike (AIC). Foram usados os softwares SPSS (IBM Corp. Released 2012. IBM SPSS Statistics para Windows, versão 21.0, NY, EUA) e R versão 3.3.0 para análise estatística dos dados.
A mortalidade neonatal foi considerada quando houve óbito de nascidos vivos entre 0 e 27 dias de vida, subdividida em neonatal precoce, quando o óbito ocorre até o sexto dia de vida, e em neonatal tardia, quando o óbito acontece a partir do sétimo dia de vida. Para garantir a independência dos eventos, foi escolhido apenas o primeiro gemelar listado, foram excluídos os outros.
O escore Abipeme é uma proxis do nível socioeconômico medido com base no consumo familiar, de acordo com a Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado, considerados como melhor nível o “A” e pior o “E”.
O risco gestacional foi definido quando a gestante apresentava ao menos uma destas morbidades: soropositividade ao HIV e/ou sífilis, RH negativo, doença arterial crônica, ameaça de parto prematuro, convulsão, internação por causa obstétrica, uso de medicação para hipertensão ou uso de medicação para diabetes.
A classificação da prematuridade foi definida conforme Marcondes, Vaz e Ramos7 e considerada extrema com menos de 31 semanas de idade gestacional, moderada entre 31 e 34 semanas, limítrofe de 35 a 36 semanas e a termo a partir de 37 semanas. A prematuridade moderada e a limítrofe foram agregadas para evitar caselas com números pequenos.
Na adequação do pré‐natal foi usado o critério de Kotelchuck,8 que considera como adequado quando a gestante faz ao menos 80% das consultas esperadas em relação à idade gestacional do início do pré‐natal e do nascimento da criança. O critério de Kotelchuck foi adaptado, considerou‐se o número de consultas esperadas pelo Ministério da Saúde (seis). Peregrinação até a maternidade foi considerada quando a gestante procurou mais de uma unidade de saúde antes do nascimento da criança.
O presente estudo foi submetido ao e aprovado em outubro de 2013 pelo Comitê de Ética de Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), com parecer consubstanciado de numeração 434.401.
ResultadosA população do recente estudo constou de 412 casos e 1.772 controles. Considerando somente o período neonatal precoce foram 319 óbitos, ou seja, mais de dois terços do total de óbitos.
Conforme apresentado na figura 1, inicialmente foram introduzidas simultaneamente as cinco variáveis do nível distal e apenas o escore Abipeme apresentou p‐valor menor do que 5%, manteve‐se na regressão logística hierarquizada. Em seguida foram incluídas as variáveis no nível intermediário I, permaneceram apenas história de perda e risco gestacional (p‐valor < 5%). Na sequência foram incluídas as variáveis dos níveis seguintes, um por vez, e o mesmo procedimento foi adotado, permaneceram as variáveis apresentadas na tabela 1.
Fatores associados ao óbito neonatal pela Regressão Logística Hierarquizada. Norte, Nordeste e Vale do Jequitinhonha, Brasil, 2008. (Casos = 412, Controles = 1.772)
Variáveis | Modelo I | Modelo II | Modelo III | Modelo IV |
---|---|---|---|---|
OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | OR (IC 95%) | |
Escore Abipeme | ||||
Classes A, B e C | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 |
Classes D e E | 1,28 (1,02‐1,62) | 1,33 (1,05‐1,68) | 1,27 (1,00‐1,61) | 1,41 (1,04‐1,91) |
História de perda fetal e partos | ||||
Nenhum parto | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Um parto ou mais sem perda | 0,86 (0,67‐1,11) | 0,75 (0,59‐0,96) | 0,81 (0,59‐1,11) | |
Um parto ou mais com perda | 1,74 (1, 14‐2,63) | 1,49 (0,99‐2,24) | 1,22 (0,71‐2,08) | |
Risco gestacional | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
Sim | 4,03 (3,21‐5,05) | 3,61 (2,86‐4,57) | 1,44 (1,04‐1,97) | |
Peregrinação antes do parto | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,46 (1,07‐1,99) | 1, 04(0,68‐1,59) | ||
Adequação do pré‐natal | ||||
Adequado | 1,00 | 1,00 | ||
Não fez pré‐natal | 2,81 (1,57‐5,04) | 1,65 (0,68‐4,04) | ||
Inadequado ou parcialmente adequado | 1,09 (0,83‐1,44) | 1,24 (0,89‐1,74) | ||
Assistência ao parto | ||||
Profissional de saúde | 1,00 | 1,00 | ||
Parteira | 0,66 (0,34‐1,30) | 0,63 (0,27‐1,50) | ||
Sem profissional ou parteira | 3,34 (1,56‐7,17) | 3,92 (1,52‐10,01) | ||
Tempo de espera para atendimento (horas) | ||||
Menos de 0,5 | 1,00 | 1,00 | ||
0,5 < 2 | 1,15 (0,85‐1,56) | 0,90 (0,60‐1,36) | ||
2‐4 | 0,77 (0,43‐1,39) | 0,62 (0,29‐1,32) | ||
> 4 | 1,97 (1,13‐3,44) | 2,30 (1,16‐4,54) | ||
Parto extra‐hospitar | 0,94 (0,34‐2,57) | 0,85 (0,22‐3,27) | ||
Malformação | ||||
Não | 1,00 | |||
Sim | 13,66 (8,95‐20,85) | |||
Idade gestacional (semanas) | ||||
37 ou mais | 1,00 | |||
31‐36 | 4,09 (2,74‐6,08) | |||
73,32 (44,67‐120,34) | ||||
AIC | 2113.3 | 1952.5 | 1930.4 | 1336 |
Abipeme, Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado; AIC, critérios de informação de Akaike.
O nível socioeconômico demonstrou importância na contribuição para o óbito neonatal em todos os modelos.
O risco de morte em recém‐nascidos foi maior quando a mãe tinha história de perda fetal anterior, perdeu significância com a introdução das variáveis do nível seguinte. A gestação de risco apresentou maior chance de óbito neonatal até quando ajustada para todas as outras variáveis.
No modelo III, a peregrinação por procura de serviços de saúde antes do parto indicou aumento de risco para o óbito, o mesmo ocorreu com a adequação do pré‐natal. A ausência de pré‐natal aparece como fator de risco ao óbito neonatal, seu efeito provavelmente passa a ser indireto no modelo IV. Já a ausência de profissional na assistência ao parto apresenta efeito direto até no modelo IV, aumenta o risco de óbito em quase quatro vezes. Bebês de mães que esperaram mais de quatro horas para o atendimento antes do parto apresentaram mais do que o dobro de risco de óbito quando comparados com os de mães que aguardaram menos de meia hora (modelo IV).
A malformação congênita apresentou forte associação com o desfecho. A prematuridade apresentou grande aumento ao risco de óbito neonatal, quatro vezes mais entre os prematuros moderados e limítrofes em relação aos nascidos a termo e 73 vezes mais entre os prematuros extremos, apesar de sua imprecisão devido à extensa amplitude do intervalo de confiança.
Pela análise do critério de Akaike percebe‐se que a inclusão das variáveis em cada nível do modelo melhora o ajuste, o modelo IV é o mais completo na explicação do óbito neonatal, nessa população.
DiscussãoA grande vantagem da análise hierarquizada é permitir analisar a influência das variáveis distais, valorizar sua importância e força de associação mesmo com a inclusão das variáveis de outros níveis, mais proximais, que costumam trazer para si a força de associação com o desfecho. Para, além disso, é possível observar o efeito de cada variável ao longo dos diferentes níveis de hierarquia no modelo teórico.
O nível socioeconômico, importante marcador da condição de vida, fez parte do modelo de explicação do óbito neonatal. Outros estudos também encontraram associação do óbito neonatal com variáveis socioeconômicas.9–11
Uma pesquisa nacional entre 2000 a 2007 observou que o acesso geográfico à maternidade tinha associação significativa com a renda e, mesmo controlado por outras variáveis, exercia influência na mortalidade infantil.12
Idade materna e cor da pele materna não permaneceram na regressão logística múltipla hierarquizada, diferentemente dos resultados de alguns estudos anteriores.10,13 Essas mesmas variáveis não apresentaram significância estatística no estudo de uma coorte nacional.14
A escolaridade materna não apareceu como variável associada ao óbito infantil. Em contraposição, um outro estudo encontrou associação entre essa variável e o óbito neonatal.14 O sexo do bebê não demonstrou associação com o óbito neonatal nem mesmo na análise bivariada, de maneira divergente dois estudos encontraram o sexo masculino como fator de risco de morte em recém‐nascidos.13,14
No atual estudo, a análise hierarquizada identificou a peregrinação durante o parto como variável associada à mortalidade neonatal, de maneira consonante a uma coorte nacional de nascidos vivos.14
A história de perda anterior e o pré‐natal inadequado foram considerados fatores de risco no atual estudo, concordou com outros estudos.13–15 A variável adequação do pré‐natal foi associada ao óbito neonatal em um estudo, apresentou gradiente, a categoria “Inadequado” foi a de maior risco.14 Outros estudos apresentaram a não feitura e inadequação do pré‐natal como fatores de risco à mortalidade neonatal e neonatal precoce.13,16
A categoria de tempo de espera maior do que quatro horas para atendimento ao parto apareceu como fator de risco ao óbito neonatal, mesmo após inclusão das variáveis no nível proximal. Tal evidência aponta a importância do acesso ao atendimento ao parto em tempo oportuno. Lansky et al.14 consideram a parturiente como uma urgência, deve receber atendimento imediato no serviço de saúde.
De forma similar, quando o parto não foi acompanhado por profissional de saúde nem parteira, houve aumento do risco de óbito neonatal, inclusive no modelo IV, demonstrou a importância do acesso da parturiente ao profissional de saúde para acompanhamento do trabalho de parto.
As variáveis mais associadas com o óbito neonatal foram malformação congênita e prematuridade. O mais provável é que essas malformações se tratassem, em sua maioria, dos tipos mais graves, observado o risco de mortalidade. Uma coorte brasileira apresentou risco maior de óbito neonatal entre os nascidos com malformação congênita.14 Outra coorte apontou a prematuridade como a principal causa do óbito neonatal.17
Vale destacar que mesmo os prematuros moderados e limítrofes, que em sua maioria têm boa chance de sobrevivência, quando atendidos por profissionais qualificados, apresentaram quase quatro vezes maior risco de óbito em comparação com os nascidos a termo. A chance de sobrevivência de um bebê pré‐termo está associada com o local onde nasce, com a qualidade assistencial prestada.18 Países ricos têm aumentado a chance de sobrevivência de prematuros extremos enquanto os países de baixa renda têm dificuldade de aumentar a chance de sobrevivência dos prematuros moderados.18 O investimento no cuidado pré‐natal e no parto melhoram o desfecho dos recém‐nascidos prematuros.18 O perfil de óbito neonatal causado principalmente pela prematuridade, encontrado no atual estudo, segue a tendência dos países de alta e média renda. A prematuridade tem sido a principal causa de óbito neonatal no mundo.18
Lansky et al.14 alertam que 23% dos óbitos, em seu estudo, eram evitáveis principalmente por asfixia e prematuridade limítrofe, o que aponta para a necessidade não apenas de melhoria do acesso à assistência, mas à assistência qualificada, que seja capaz de evitar a asfixia durante o nascimento e de assistir recém‐nascidos com prematuridade limítrofe, que são viáveis em sua maioria.
Considerando estudos levantados para comparação com o atual, que em sua maioria se trata de estudos feitos em capitais ou municípios de maior porte, encontramos muitas semelhanças, já que a iniquidade social prejudica o acesso aos serviços de saúde, independentemente da localidade. Entretanto, é necessário enfatizar que mesmo em situações semelhantes de pobreza o contexto pode dificultar ainda mais o acesso, quando se considera, por exemplo, a geografia onde vivem as populações ribeirinhas no Norte, bem como a dificuldade de alocação de médicos no Norte e no Nordeste. Tais situações podem influenciar no aumento da magnitude das razões de chance no atual estudo quando comparado com outros, como demonstrado na prematuridade. O estudo se diferencia dos demais por apontar a ausência do profissional de saúde na assistência ao parto como um fator associado à mortalidade neonatal, demonstra a precariedade dos serviços de saúde oferecidos à população das cidades estudadas.
Algumas limitações precisam ser consideradas no presente estudo, como a possibilidade de viés de memória, já que os dados foram coletados dois a três anos após o desfecho, e algumas informações poderiam ser mais lembradas pelos casos, gerariam viés diferencial. Além disso, houve maior perda de informação entre os casos quando comparados aos seus controles, causou possivelmente distorções na mensuração das razões de chance, sem previsão da sua tendência. Essa perda também ocorreu devido à coleta de dados feita pelo menos dois anos após o nascimento ou óbito; se houvesse ausência do controle ainda era possível sua substituição, entretanto isso não pode ser aplicado ao caso não encontrado, que, apesar de contabilizado, não tinha boa parte das informações. Apesar dos indivíduos excluídos devido aos dados faltantes, não foram encontrados resultados contraditórios com as evidências científicas atuais.
Outra limitação deste estudo é que os dados não são recentes. Contudo, a situação de desigualdade entre as regiões do Brasil se mantém atual, conforme evidenciam os coeficientes de mortalidade neonatal recentes. Além disso, as cidades menores, localizadas no interior dos estados, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, continuam a apresentar dificuldades na organização dos serviços de saúde, na contratação de profissionais, principalmente médicos, e na oferta de serviços de maior complexidade.
Os resultados encontrados reafirmam que os fatores que afetam ou representam o acesso e o uso dos serviços de saúde ainda são determinantes para o óbito neonatal, ao menos nas regiões estudadas.
É necessário superar aspectos básicos da atenção à saúde, como a adequada e qualificada atenção pré‐natal, a garantia de acesso à maternidade antes do parto, o tempo oportuno para atendimento da parturiente, a garantia de profissional qualificado à mãe e ao bebê no momento do nascimento.
A política pública de saúde no Brasil precisa garantir o investimento na organização dos serviços de saúde e na melhoria e qualificação da estrutura e dos profissionais de saúde nesses serviços, ampliar até leitos de UTI e UI neonatal para atenção adequada aos pré‐termos que nascem nos municípios menores, afinal houve risco significativo de óbito em prematuros limítrofes e moderados, provavelmente devido à inadequação da atenção oferecida diante da necessidade apresentada. É importante que sejam estudadas, desenhadas e implantadas redes de atenção à saúde em regiões que contemplem os municípios de pequeno e médio porte nas necessidades em saúde primordiais ao nascimento.
Fatores de risco marcantes no estudo foram prematuridade e malformação. Tais aspectos demonstram que o Brasil tem apresentado perfil de óbito neonatal de países desenvolvidos, mas, além disso, levantam a necessidade de estudos detalhados para que seja possível um melhor entendimento dos óbitos ocorridos em bebês prematuros e com malformação, entretanto viáveis.
Políticas públicas que facilitem o acesso a serviços qualificados nos menores municípios das regiões Norte, Nordeste e do Vale do Jequitinhonha e que melhorem a qualidade da assistência a prematuros precisam ser incentivadas e implantadas, para que o Brasil alcance os coeficientes de mortalidade neonatal encontrados nos países mais ricos.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Batista CB, de Carvalho ML, Vasconcelos AG. Access to and use of health services as factors associated with neonatal mortality in the North, Northeast, and Vale do Jequitinhonha regions, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2018;94:293–9.
O atual estudo foi conduzido em parceria com a equipe da área materno‐infantil da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),Rio de Janeiro, RJ, Brasil.