A varicela é uma das doenças infecciosas mais comuns, com distribuição mundial. De acordo com um documento da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima‐se que a carga anual global é de 140 milhões de casos.1 Apesar da percepção pública da infecção de varicela como uma doença infantil inofensiva, ela pode ser uma doença muito grave. Como Martino Mota & Carvalho‐Costa destacam em “Óbitos e internações relacionados ao vírus varicela‐zóster no Brasil antes da introdução da vacinação universal com a vacina tetravalente”, a varicela pode causar morte ou levar a complicações potencialmente graves que exigem internação e, consequentemente, causam sequelas de longo prazo.2
As taxas de internações relacionadas à varicela diferem amplamente em todo o mundo. A varicela pode afligir qualquer órgão e as complicações hematológicas, neurológicas, respiratórias, cutâneas, hepáticas, gastrointestinais, urinarias e ósseas são as mais frequentemente relatadas.3
A incidência de complicações por varicela difere entre relatos científicos. Por exemplo, a prevalência em conjunto de complicações neurológicas resultantes de uma análise sistemática da literatura identifica a probabilidade de complicações neurológicas em idade pediátrica na faixa de 13,9‐20,4%.4 Contudo, em alguns relatos, a taxa de complicações neurológicas por varicela é menor do que a incidência relatada na literatura, ao passo que outras complicações, como infecções de pele, são as mais frequentemente detectadas.5,6 Em outros relatos, a taxa de complicações neurológicas e cutâneas é baixa, ao passo que outras complicações são frequentemente detectadas, como as respiratórias.7 Esse achado poderá estar relacionado a diferenças na estrutura sociodemográfica da população, a uma disponibilidade mais ampla de tratamentos ambulatoriais de infecções da pele ou a diferentes políticas de internação.
Pacientes com histórico de malignidade subjacente, uso de esteroides ou terapia imunossupressora, infecção por HIV ou transplante de órgãos sólidos estão suscetíveis a varicela disseminada devido à imunidade celular prejudicada. Hospedeiros imunossuprimidos que desenvolvem a varicela têm morbidez grave e taxas de mortalidade mais altas com mais frequência do que hospedeiros normais. Por exemplo, pacientes com doenças reumatológicas ou gastroenterológicas tratados com antagonistas do fator de necrose tumoral (TNF) continuam com risco seletivamente maior de infecções primárias de varicela mais graves em comparação com a população em geral.8,9
No relato Martino Mota & Carvalho‐Costa, a maioria dos óbitos e complicações associadas à varicela ocorre em crianças de 1 a 4 anos. Também na literatura, a maior frequência de complicações da varicela ocorre em crianças menores de 5 anos.3,6,10
A varicela também pode ser muito grave em idosos, pois pode ser fatal ou levar a uma internação prolongada.8 Grávidas são uma preocupação especial. Caso uma mulher desenvolva varicela em uma idade gestacional nova, a criança pode sofrer síndrome de varicela congênita; caso fique doente no fim da gravidez, o neonato pode ter varicela. Ambas as doenças são muito graves para o recém‐nascido.11
A vacinação pode prevenir a infecção de varicela e suas complicações. Uma vacina contra a varicela, com base na cepa Oka do vírus vivo atenuado varicela‐zóster, foi desenvolvida no Japão em meados da década de 1970. Desde então, foram propostas diferentes formulações das vacinas contra a varicela. Todas elas contêm o vírus vivo atenuado varicela‐zóster e todas, exceto a vacina licenciada na Coreia do Sul, têm como base a cepa Oka isolada no Japão. Atualmente, as vacinas contra varicela são licenciadas como monovalentes ou uma vacina combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela (SCRV). As vacinas SCRV são atualmente usadas com base em uma imunogenicidade comparável e um perfil geral de segurança, em comparação com a administração simultânea de vacinas SCR e contra a varicela.12 Adicionalmente, como consiste em apenas uma injeção, a vacina SCRV deve oferecer diversos benefícios: facilitação da imunização universal contra essas quatro doenças, aumento da imunização e redução dos custos na área da saúde.
Em um estudo com foco na eficácia da vacina contra a varicela após o licenciamento entre crianças saudáveis, os autores analisaram revisões sistemáticas e metanálises das bibliotecas Medline, Embase e Cochrane e da base de dados CINAHL em busca de relatos publicados entre 1995 e 2014. Eles concluíram que uma dose da vacina contra a varicela era moderadamente eficaz na prevenção de varicela (81%) e altamente eficaz na prevenção de manifestações moderadas e graves da varicela (98%). Os autores concluíram que uma segunda dose aumentava a proteção contra a varicela (92%).13
Contudo, as políticas de vacinação diferem de país para país. Em alguns países, como os EUA e a Austrália, a imunização universal foi introduzida há muitos anos. A vacinação em massa levou progressivamente a uma redução substancial na carga de doença.14
Na Europa, não há consenso sobre a política de imunização contra a varicela. Consequentemente, alguns países, como a Alemanha e a Grécia, têm programas nacionais de imunização infantil. Outros adotam recomendações heterogêneas ou não oficiais.15 Na Itália, desde sua venda, algumas regiões oferecem vacinação universal na infância, com consequente redução na incidência da doença.16
Em outras regiões, a cobertura da vacinação contra a varicela depende fortemente da aceitação da vacinação pelos pais e das recomendações dos pediatras. Os pediatras podem subestimar o risco potencial da doença e a carga econômica para a comunidade. Os pais poderão considerar o possível lucro para a comunidade menos importante do que o risco individual de seus filhos sofrerem possíveis efeitos colaterais não intencionais da vacinação. Os pais que recusam a vacinação acreditam que a vacina não é segura e é ineficaz e que a doença a ser prevenida é leve e sem perigo. Além disso, em alguns casos, os pais não confiam nos profissionais da saúde, no governo e em pesquisas sobre a vacina apoiadas oficialmente, porém confiam na imprensa e em fontes de informação não oficiais, que desincentivam as políticas de imunização. Na maioria dos casos, as famílias devem pagar o custo da vacinação caso queiram que seus filhos sejam imunizados. Assim, pode ser difícil atingir altos níveis de cobertura.
As decisões sobre o financiamento da vacina têm como base muitas considerações, incluindo o provável custo‐benefício de diferentes estratégias de imunização. Em países europeus que implantaram a vacinação nacionalmente, a imunização em massa resultou na redução tanto da incidência da doença quanto das taxas de internação. Adicionalmente, os dados também revelaram benefícios para grupos não vacinados, como crianças menores de 1 ano.17 Na verdade, uma alta taxa de imunização contribui para a prevenção da disseminação da infecção de varicela, conceito conhecido como imunidade de grupo. A imunidade de grupo fornece proteção àqueles com maior risco de contraírem infecção grave por varicela, incluindo gestantes, neonatos, pessoas com o vírus da imunodeficiência humana e outras doenças de imunodeficiência, pessoas que receberam quimioterapia e pacientes tratados com altas doses de corticosteroides. Esse é um objetivo muito importante, já que muitas internações hospitalares ocorrem em crianças muito novas para serem vacinadas.3 Portanto, conforme as taxas de recusa de vacina aumentam, a imunidade de grupo diminui e algumas populações vulneráveis terão maior risco de contraírem infecção grave de varicela.
Além disso, uma análise econômica de um programa de vacinação universal indica que provavelmente seria uma economia, devido à redução dos custos médicos e da perda de tempo de trabalho dos pais.18 Por fim, os países também devem considerar a vacinação de trabalhadores soronegativos da área da saúde, principalmente em ambientes em que o risco de varicela grave é alto (ou seja, pacientes imunocomprometidos, bebês prematuros etc.).
Conflitos de interessesOs autores declaram não haver conflitos de interesses.