O Webster's Dictionary of American English1 define a “chupeta” como um objeto que faz com que alguém fique “quieto ou calmo”, certamente um resultado comportamental desejado que as mães relatam rotineiramente do uso por seus bebês. A forma atual da chupeta (p. ex. uma tetina macia, uma base para a boca e uma alça) remonta a patentes de modelos do início dos anos 1900. Entretanto, é interessante notar que objetos calmantes, com anéis duros e tetinas feitas a partir de panos de linho recheadas com açúcar ou diversos produtos alimentícios, foram documentados na literatura médica do século XV e retratados na arte clássica do século XVI. Tirando proveito da fisiologia de sucção não nutritiva inerente ao bebê, o uso desses objetos aumenta um tipo de atividade do bebê que estabiliza sua respiração, estimula sua função motora oral e modifica seu funcionamento autônomo e seus padrões de sono.2 Assim, não é surpreendente que o valor positivo desse uso rotineiro seja captado pelo uso, em inglês americano, do termo pacifier (pacificador).
Por outro lado, em inglês britânico, esse mesmo objeto é chamado de dummy (mamilo artificial, ou “tonto”), o que deixa implícita uma conotação pejorativa. Nesse contexto, um mamilo artificial é definido como uma imitação ou falsificação, um substituto, um concorrente real do mamilo materno verdadeiro. Como sabemos, o mamilo “da mãe” é o meio para o fornecimento de leite materno, com seus benefícios nutricionais e outros à saúde, e para o ato de amamentar e seus benefícios não nutritivos, que, por definição, dependem da presença física e do contato caloroso e reconfortante da mãe.
A conceitualização da chupeta como “mamilo artificial”, ou seja, um objeto negativo, é reforçada pelos relatos da associação do uso de chupeta com a redução da exclusividade e da duração da amamentação,3 o aumento do risco de desenvolver otite média4 e diversas más oclusões dentárias e anomalias odontológicas.5 Esses supostos efeitos negativos do uso da chupeta nas taxas de amamentação supostamente refletem um fenômeno chamado “confusão de bicos”, que resulta na relutância do bebê em mamar no peito, dar preferência a um mamilo artificial de borracha ou silicone.
Considerando essa preocupação, não é surpresa que Giugliani et al. relataram com alegria nesta edição do Jornal de Pediatria6 seu sucesso na redução do uso de chupeta como resultado de um programa de intervenção inovador voltado tanto para a mãe quanto para a avó materna. O ponto final positivo do estudo foi tanto uma redução na taxa real de uso de chupeta quanto um adiamento da idade de introdução da chupeta ao bebê.
Esses resultados tiveram ostensivamente um efeito positivo no aumento das taxas de amamentação, mas, infelizmente, esses dados não foram incluídos no estudo. Contudo, não há dúvidas de que o propósito secreto dos autores tinha como base o fato de que seria um benefício para o bebê se reduzíssemos ou atrasássemos o uso da chupeta.
Na verdade, fazer uma relação entre a redução do uso de chupeta com o aumento das taxas de amamentação não é apenas especulativo, mas também não foi comprovado nos poucos estudos prospectivos controlados existentes nem na análise qualitativa dos estudos observacionais existentes que analisaram essa relação. O’Connor et al., em 2009,7 analisaram os quatro ensaios clínicos controlados e randomizados então existentes que avaliavam o impacto do uso de chupeta sobre as taxas, a duração e a exclusividade da amamentação. Seus resultados não revelaram diferença no resultado da amamentação. Em contrapartida, eles não notaram que a maioria dos estudos observacionais relatou uma associação entre o uso de chupeta e a duração mais curta da amamentação. Entretanto, eles concluíram que essa associação provavelmente refletia fatores complexos de associação em vez de causalidade, problemas metodológicos como viés de seleção e diferenças inerentes nas práticas, atitudes e finalidade da amamentação. Assim, a conclusão deles foi que “o maior nível de evidência não corrobora uma relação adversa entre a duração ou exclusividade do uso de chupeta e da amamentação”.
Jaafar et al.8 chegaram a uma conclusão semelhante em uma revisão sistemática da base de dados Cochrane em 2016. O foco da revisão foram as mães que haviam iniciado a amamentação com a intenção de amamentar exclusivamente. A revisão incluiu a análise de ensaios clínicos randomizados e semirrandomizados que compararam o uso restrito e irrestrito de chupeta. A conclusão deles nas palavras dessa análise de 2006 foi a seguinte: “O uso de chupeta por bebês saudáveis que foram amamentados desde o nascimento ou após a lactação ser estabelecida não afetou de forma significativa a prevalência ou duração da amamentação exclusiva e parcial até os quatro meses de idade”.
Essa preocupação de que as chupetas possivelmente teriam um impacto sobre as taxas de amamentação é muito bem refletida na declaração da OMS/Unicef “Dez passos para uma amamentação bem‐sucedida”, publicada pela Organização Mundial de Saúde.9 De grande importância, esses “dez passos” serviram, por sua vez, como base das diretrizes clínicas administrativas que devem ser seguidas por um hospital para ser atestado como um hospital Amigo da Criança. De certa forma, essa declaração estabeleceu uma prática padrão em muitos hospitais ao redor do mundo. O Item 9°, pertinente a nossa discussão, afirma categoricamente: “Não dê tetinas artificiais ou chupetas para bebês em fase de amamentação”.
O fato de que a Academia Americana de Pediatria (AAP) endossou os “dez passos” tem uma relevância particular, porém com exceção do item 9°, pois ela “não apoia a proibição categórica de chupetas devido a seu papel no risco de síndrome da morte súbita do lactente (SMSL)”.10 Embora a AAP não tenha solicitado à OMS e à Unicef que revisem os “dez passos” para incluir uma declaração dos benefícios do uso rotineiro de chupeta, eles indicaram que essa ressalva será incluída em todas as publicações e todos os comentários da AAP a respeito dos “dez passos”. Além disso, em contrapartida, a recente publicação da Força‐Tarefa da AAP sobre a síndrome da morte súbita do lactente recomenda explicitamente o uso rotineiro da chupeta nos momentos de soneca ou sono quando a amamentação estiver estabelecida, ou seja, nas três ou quatro semanas de idade, como um mecanismo para reduzir o risco de SMSL.11
O que comprova que o uso de chupeta reduz o risco de SMSL? Em 2005, Hauck12 fez uma metanálise dos estudos de controle de caso então publicados, destacou a inexistência de ensaios clínicos prospectivos observacionais ou randomizados que avaliassem o papel das chupetas. A conclusão dessa análise foi que, apesar das limitações metodológicas inerentes aos estudos de controle de caso, havia evidências de uma redução significativa do risco de SMSL com o uso de chupeta. Essa conclusão, por sua vez, embasou a recomendação final da Força‐Tarefa da AAP de que a chupeta seja usada até um ano, desde o nascimento, em todos os episódios de sono, desde que, no caso de bebês em fase de amamentação, o uso da chupeta seja introduzido depois que a amamentação tiver sido bem estabelecida; ou seja, de 3‐4 semanas.11 Em 2017, Psaila13 apresentou uma revisão sistemática Cochrane e destacou que, até aquele momento, ainda não existiam ensaios clínicos controlados e randomizados publicados que avaliassem as chupetas como possíveis redutoras do risco de SMSL. Assim, considerando essa realidade, concluiu que não existem evidências de ensaios clínicos controlados para apoiar ou rejeitar o uso de chupetas e, portanto, não seria possível fazer recomendação específica.
O uso contínuo da chupeta durante mais de um ano não é recomendado, visto que é associado ao aumento das taxas de otite média14 e a diferentes graus de más oclusões dentárias.5 Aparentemente, essas complicações ocorrem somente mediante o uso persistente da chupeta durante muito tempo após o primeiro ano. De fato, a Academia Americana de Odontologia Pediátrica declarou15 que os comportamentos de sucção, seja a sucção de dedos ou o uso de chupetas em crianças de até três anos, provavelmente não causarão quaisquer problemas em longo prazo.
Considerando o que foi dito anteriormente, o que podemos aprender com o estudo recém‐publicado de Giugliani? Infelizmente, a ausência de dados sobre as taxas de amamentação, os padrões de sono, o comportamento dos bebês ou a incidência da SMSL, mais ainda dos dados que dizem respeito ao efeito negativo do uso de chupeta em longo prazo, como a maior incidência de otite média ou más oclusões dentárias, minimiza a possibilidade de qualquer conclusão significativa quanto ao valor clínico desse estudo de intervenção. Por outro lado, o que pode ser extraído de seus resultados é a importância de incluir mais membros da família inteira da mãe, principalmente a avó materna, em qualquer programa educacional de apoio à amamentação. Esse fato é especialmente verdadeiro nas comunidades nas quais a dinâmica social inclui um envolvimento dos avós na transmissão de crenças e práticas tradicionais de cuidado infantil à próxima geração.
Quanto ao resultado com relação ao uso de chupeta no primeiro ano de vida, os dados disponíveis confirmam a conclusão de que os benefícios de seu uso na redução do risco de SMSL e seu efeito, em geral, tranquilizante e calmante superam os riscos não comprovados de sua interferência na amamentação. Por outro lado, o uso contínuo por mais de um ano deve ser ativamente desencorajado. De forma simplificada: chupetas são para serem chupadas!
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.