Pone et al., em um estudo publicado neste Jornal, tentaram identificar sinais ou sintomas passados ou presentes que previssem de forma confiável a pioria da dengue em crianças.1 Ao fazê‐lo, cunharam um novo termo, “dengue grave”, e adotaram um novo parâmetro de resultado clínico, a “modalidade de tratamento”. As “modalidades de tratamento” escolhidas incluem a administração de “aminas, inotrópicos, coloides, ventilação mecânica, ventilação não invasiva, diálise peritoneal ou hemodiálise”. Letargia, distensão abdominal, derrame pleural e hipoalbuminemia foram os marcadores mais confiáveis da dengue grave identificados em 145 crianças hospitalizadas no Rio de Janeiro em 2007‐8, com evidência direta ou indireta de infecção recente de dengue. Os autores concordariam que uma identificação mais precisa dos preditores da dengue seria mais bem obtida por meio de grandes estudos prospectivos, baseados em protocolos de casos de dengue, caracterizados e confirmados em laboratório.
Há um considerável precedente histórico para essa tentativa. Desde a década de 1950, quando foi reconhecido que o vírus da dengue causava uma doença febril aguda grave e muitas vezes fatal nas crianças, o objetivo dos pesquisadores tem sido descrever a fisiopatologia da dengue para proporcionar melhor tratamento e identificação de marcadores preditivos de alerta de forma precoce.2,3 Essa foi a motivação para a criação das definições de caso, febre hemorrágica da dengue/síndrome do choque da dengue (FHD/SCD) em amplo uso desde sua adoção pela OMS em 1975 e as novas definições de caso apresentadas em 2009.4,5 Nos anos 1960, os programas de pesquisa da dengue no Sudeste Asiático descobriram que as crianças morriam de uma nova entidade clínica, a síndrome da permeabilidade vascular na dengue (SPVD) (fig. 1), caracterizada por um complexo de anomalias fisiológicas que afetam vários sistemas de órgãos, incluindo o fígado, a coagulação do sangue, complemento, hematopoiese, proteínas séricas e o sistema vascular, que atinge a expressão máxima na defervescência.3,6–10 Logo, entendeu‐se que crianças com SPVD eram beneficiadas pela hidratação com solução fisiológica precoce.6 Também foi observado que a perda de fluidos variava em gravidade de criança para criança e que poderia ser irreversível em questão de horas devido à incapacidade de manter um volume de sangue adequado.5,11–13
Os sinais e sintomas da dengue e SPVD variaram diariamente. Aqueles que precederam o choque foram identificados como “sinais de alerta”. Os sinais de alerta das infecções por dengue foram descritos muito tempo atrás. Siler e Simmons, que registravam diariamente características clínicas e laboratoriais de várias centenas de doenças experimentais de dengue em jovens voluntários do exército dos EUA do sexo masculino soronegativos, observaram uma leucopenia na metade dos casos de dengue.14,15 Sobretudo, descobriram que essa leucopenia consistia de dois componentes, uma redução nos linfócitos circulantes e uma destruição de leucócitos polimorfonucleares maduros. Esse último gerou uma “encruzilhada” no diagnóstico, pois havia quantidades maiores de polis imaturos do que maduros em esfregaços de sangue.15 Especulou‐se que a leucopenia e a trombocitopenia podem estar relacionadas a um fenômeno que ocorre regularmente em infecções por dengue antes do acometimento de febre: uma supressão na medula óssea de todos os elementos celulares.16,17 Na Tailândia, três sinais precoces de alerta foram usados na triagem de pacientes: acreditava‐se que a trombocitopenia e um teste de torniquete positivo representavam a permeabilidade vascular na dengue, ao passo que um micro‐hematócrito da ponta do dedo era usado para estabelecer um valor básico para monitorar a hemoconcentração.18 Como os números de plaquetas diminuem e os hematócritos aumentam rapidamente, várias medições devem ser feitas e a gravidade da doença consequentemente é pontuada por meio de valores modais altos ou baixos. Alguns trabalhadores constataram que níveis elevados de aspartato aminotransferase identificaram as crianças que evoluíram para SPVD.18 A caracterização das doenças da dengue em crianças resultou na melhoria significativa no tratamento e reduziu de forma acentuada as taxas de fatalidade.11,19
Houve um desacordo considerável sobre a utilidade da maioria dos sinais de alerta ou testes de laboratório usados amplamente para predizer o resultado das infecções por dengue.20 Uma abordagem para identificar preditores tem sido buscar componentes universais na SCD. Uma metanálise identificou as associações significativas de choque como idade, sexo feminino, sinais neurológicos, náusea/vômito, dor abdominal, hemorragia gastrointestinal, hemoconcentração, ascite, derrame pleural, hipoalbuminemia, hipoproteinemia, hepatomegalia, níveis de alanina transaminase e aspartato transaminase, trombocitopenia, tempo de protrombina, tempo da tromboplastina parcial ativada, nível de fibrinogênio, infecção primária/secundária e dengue vírus 2 (DENV‐2).21 A ampla expansão da infecção por dengue em todo o mundo alertou as clínicas e gerou mais esforços para aprimorar a triagem dos pacientes ao validar sinais precoces de alerta.22–25 Um estudo inscreverá 7‐8000 crianças com doença febril admitidas nos departamentos ambulatoriais em oito países onde a dengue é endêmica.22 Esse grande estudo prospectivo, atualmente em andamento, inclui três locais no Brasil. Em dezembro de 2015, 7.096 participantes haviam sido inscritos; com a confirmação de dengue em 2510/5996 (42%), a inscrição continuará até junho de 2016. Espera‐se que números suficientes de crianças com infecções agudas por dengue evoluam para dengue grave e forneçam preditores laboratoriais ou clínicos inequívocos, especificamente para a SCD.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.