Compartilhar
Informação da revista
Vol. 91. Núm. 4.
Páginas 366-372 (julho - agosto 2015)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
3078
Vol. 91. Núm. 4.
Páginas 366-372 (julho - agosto 2015)
Artigo original
Open Access
Parental tobacco consumption and child development
Consumo de tabaco parental e desenvolvimento infantil
Visitas
3078
Nadine F. Santosa,
Autor para correspondência
nadifernandessantos@gmail.com

Autor para correspondência.
, Raquel A. Costaa,b
a Universidade de Trás‐os‐Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
b Universidade Europeia Laureate International Universities, Lisboa, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Dados sociodemográficos da amostra
Tabela 2. Associação entre dependência tabagística, consumo de cigarros e fumo matinal da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança
Tabela 3. Dependência tabagística da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança
Tabela 4. Associação entre a dependência tabagística da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento global da criança
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

To analyze the association between parental tobacco consumption and the prevalence of psychomotor development disorders in children between 6 and 22 months of age.

Method

One hundred and nine mothers, fathers, and their babies participated in the study. The sociodemographic and clinical conditions were assessed using questionnaires. Tobacco consumption was assessed using the Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND). Child development was evaluated using the Scale of Psychomotor Development in Early Childhood.

Results

There was a significant negative correlation between the father's morning smoking (FTND) and the child's language development quotient; r=−0.41, p=0.005, r2=0.15. The children of mothers without nicotine dependence had a higher mean language development quotient than children of mothers with nicotine dependence; F(1, 107)=5.51, p=0.021, ηp2=0.05.

Conclusion

Parental smoking appears to have a detrimental effect on child development.

Keywords:
Psychomotor development
Tobacco use
Parenting
Resumo
Objetivo

Analisar a relação entre o consumo de tabaco parental e a prevalência de distúrbios no desenvolvimento psicomotor em crianças entre os seis e os 22 meses.

Método

Participaram do estudo 109 mães e pais e seus bebês. As circunstâncias sociodemográficas e clínicas foram avaliadas com recurso a questionários. O consumo de tabaco foi avaliado com o Teste de Fagerström para a Dependência Tabagística (Heatherton, Kozlowski, Frecker & Fagerström, 1991). O desenvolvimento infantil foi avaliado com a Escala do Desenvolvimento Psicomotor da Primeira Infância (Brunet & Lézine, 1951).

Resultados

Há uma correlação negativa significativa entre o fumo matinal (FTND) do pai e o quociente de desenvolvimento de linguagem da criança, r=−0,41, p=0,005, r2=0,15. As crianças de mães sem dependência tabagística têm em média um quociente de desenvolvimento de linguagem superior às crianças de mães com dependência tabagística, F (1,107)=5,51, p=0,021, ηp2=0,05.

Conclusão

O consumo de tabaco parental parece ter um efeito prejudicial para o desenvolvimento da criança.

Palavras‐chave:
Desenvolvimento psicomotor
Consumo de tabaco
Parentalidade
Texto Completo
Introdução

O desenvolvimento nos primeiros anos de vida é fundamental para a criança. Vários fatores ambientais, como o consumo parental de substâncias, podem aumentar a probabilidade da ocorrência de dificuldades desenvolvimentais na infância,1 sobretudo em nível emocional, escolar,2 social, comportamental e psicológico.3 Especificamente o consumo de tabaco, com elevada prevalência em Portugal (22%),4 constitui um importante problema de saúde pública e tem sido associado a dificuldades de autorregulação, maior excitabilidade e ativação no período neonatal,5 menor peso ao nascer,6,7 dificuldades de aprendizagem,6 menor volume do lobo frontal e cerebelar, responsáveis por funções emocionais, controle de impulsos e atenção,8 menor perímetro cefálico,9 distúrbios neurodesenvolvimentais cognitivos e de linguagem10,11 e emocionais e comportamentais6 infantis. Essa associação pode ser explicada pelo fato de que durante a infância o cérebro continua em desenvolvimento e está particularmente sensível a tóxicos ambientais6 ou a alterações cerebrais decorrentes da exposição à nicotina durante o período gestacional.8

Na medida em que os fatores de risco ambientais parecem estar relacionados com distúrbios desenvolvimentais infantis, sobretudo motores, de linguagem, sociais, cognitivos, comportamentais e psicológicos, o estudo do desenvolvimento psicomotor infantil associado a esses fatores é o foco deste trabalho. Apesar de haver muita literatura associada ao desenvolvimento infantil, a relação entre o consumo de tabaco por parte de ambos os progenitores e o desenvolvimento psicomotor da criança permanece ainda pouco conhecida. Desse modo, este estudo diverge das pesquisas anteriores pelo fato de (1) analisar vários aspetos do desenvolvimento infantil – postural, linguagem, coordenação visual, motora e social – e não se limitar ao desenvolvimento global; (2) a maioria dos estudos se centrar nos efeitos desse consumo na saúde infantil e/ou durante a gestação, e não a posteriori; (3) ter considerado ambos os progenitores.

MétodoParticipantes

Os participantes foram recrutados em quatro creches da cidade do Funchal, Madeira, Portugal, após autorização da Direção Regional de Educação. A maioria dos participantes é de origem portuguesa (94,3%) e de etnia branca (98%).

Foi proposta a participação no estudo a 124 mães e 124 pais. Desses 87,9% aceitaram participar, 9,3% recusaram participar sob a alegação de falta de tempo e 2,8% não estiveram interessados em participar. Assim, a amostra é constituída por 109 mães, 109 pais e 109 bebês. Os critérios de inclusão da amostra incluem: (1) ser mãe/pai de uma criança com idade compreendida entre os seis e os 22 meses; e de exclusão: (1) iliteracia e (2) existência de patologias nos bebês. O estudo foi feito em 2011 e a fase de coleta de dados durou três meses.

InstrumentosDados sociodemográficos e clínicos

Foi usado um questionário para recolher informação social e demográfica (idade, sexo, estado civil, anos completos de estudo, status profissional, doenças físicas e psicológicas, tratamentos médicos ou psicológicos, número de gestações, número de abortos, número de filhos, idade dos filhos, doenças físicas e psicológicas dos filhos), como também dados clínicos relativos à gestação e ao recém‐nascido (planejamento de gravidez, cuidados pré‐natais, gravidez de risco, idade gestacional, tipo de parto, tipo de anestesia, índice de Apgar, peso e altura, perímetro cefálico, reanimação, problemas de saúde ao nascimento, padrão de sono atual – monofásico [longos períodos de sono continuados] vs. bifásico [alternância entre períodos de sono e vigília] e tipo de aleitamento).

Dependência tabagísticaTeste de Fagerström para a Dependência Tabagística (FTND)12,13

Esse teste foi desenvolvido para compensar as limitações psicométricas do Fagerström Tolerance Questionnaire12 e visa a medir a dependência tabagística de um indivíduo.13 É constituído por seis itens relativos a hábitos e comportamentos tabagísticos, classificados numa escala de likert que vai do 0 aos 3 pontos. Os resultados mais elevados indicam uma maior dependência tabagística.14 Uma pontuação entre 0 e 3 indica ausência de dependência tabagística, entre 4 e 6 indica dependência tabagística moderada e ≥ 7 indica dependência tabagística severa. A versão portuguesa tem características psicométricas aceitáveis, com Cronbach's α=0,66.13 A fiabilidade teste‐reteste foi garantida por valores de correlação da escala original de 0,99. A análise fatorial feita revelou a existência de dois fatores: (1) consumo de cigarros – padrões de consumo diários – e (2) fumo matinal – grau de urgência em repor o nível de nicotina após o período noturno de abstinência.13 Neste estudo esse instrumento apresenta uma consistência interna aceitável, com Cronbach's α=0,73.

Desenvolvimento psicomotorEscala do Desenvolvimento Psicomotor da Primeira Infância15

Permite a avaliação do nível de desenvolvimento da criança (1‐30 meses) em cada uma das seguintes áreas: postural – movimentos da criança, tais como rolar, sentar e andar; coordenação visual e motora – manipulação dos objetos, coordenação visual e manual e solução de problemas; linguagem – expressiva e compreensiva; e social – relações sociais e pessoais, sobretudo a adaptação às situações sociais, aos jogos e à relação com os outros.15

É constituída por 150 itens que se encontram distribuídos por níveis (1‐30). Essa escala possibilita a obtenção do Quociente de Desenvolvimento (QD=ID×100/IC). Um Quociente de Desenvolvimento inferior ou igual a 75 indica desenvolvimento inferior, entre 76 a 100 indica desenvolvimento normal e superior a 100 indica desenvolvimento superior.15

A validade de critério da escala é de 0,68 e um coeficiente de correlação teste‐reteste de 0,85.15

Procedimentos

Todos os procedimentos da avaliação foram feitos e aprovados pelo comitê de ética em pesquisa da instituição. Às mães e aos pais foram explicados o objetivo e os procedimentos do estudo e após assinado o consentimento informado foi solicitado o preenchimento de um questionário sociodemográfico/clínico e o FTND12,13 (duração aproximada de 20 a 25 minutos).

Para observar o desenvolvimento psicomotor do bebê foi usada a Escala do Desenvolvimento Psicomotor da Primeira Infância.15 Essa avaliação foi conduzida sempre pela mesma investigadora devidamente treinada e familiarizada com os procedimentos de aplicação da escala. Cada bebê foi observado individualmente e num só dado momento (duração aproximada de 30 a 40 minutos). A professora de educação infantil se encontrava presente, mas afastada do foco de visão do bebê. As questões pertencentes a cada subteste foram respondidas pela professora de educação infantil responsável, no fim de cada observação.

Procedimentos estatísticos

Para analisar se existe uma correlação entre o grau de dependência tabagística (FTND) da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento postural, visual e motor, linguagem, social e global da criança recorreu‐se ao Teste de Correlação de Pearson.16

A significância do fator dependência tabagística (FTND ≥ 7) da mãe e do pai sobre o compósito das variáveis quociente de desenvolvimento postural, visual e motor, linguagem e social da criança foi avaliada por meio de várias análises multivariadas da variância (MANOVAs).17 A significância da diferença entre o quociente de desenvolvimento global da criança de acordo com a dependência tabagística da mãe e do pai (FTND ≥ 7) foi avaliada com recurso ao Teste T para Amostras Independentes.16

Para avaliar se existe uma associação entre o quociente de desenvolvimento global (inferior, normal, superior) da criança e a dependência tabagística (FTND ≥ 7) da mãe e do pai recorreu‐se ao Teste de Qui‐Quadrado.16

Foram analisados os tamanhos do efeito de cada uma das análises efetuadas e interpretados com base na classificação proposta por Maroco,17 Kinnear e Gray18 e Cohen.19

Resultados

A maioria das gestações foi planejada (65,1%) e desejada (97,2%). A maioria das mães revela ter tido cuidados pré‐natais (98,2%) e uma gravidez normal (79,8%), com uma duração igual ou superior a 37 semanas (94,7%; M=39,34, DP=1,70). A maioria dos bebês nasceu por parto normal (62,3%), embora alguns tenham nascido por cesariana (37,7%); foi usada majoritariamente anestesia epidural (73,4%). Os valores do índice de Apgar oscilaram entre os 3 e os 10 (M=8,96, DP=1,06) ao primeiro minuto de vida (97.2% ≥ 7) e entre os 7 e os 10 (M=9,74, DP=0,57) ao quinto minuto de vida. Ao nascimento, o peso dos bebês oscilou entre os 1.990kg e os 4.530kg (M=3.31, DP=0,45). A maioria teve um peso igual ou superior a 2.500kg (99,1%), a altura oscilou entre os 36cm e os 59,05cm (M=48,85, DP=3,06) e o perímetro cefálico oscilou entre os 30cm e os 37cm (M=34,64, DP=1,22). A maioria dos bebês não necessitou de reanimação ao nascimento (97,2%) e não teve problemas de saúde (95,4%). A maioria tem um padrão de sono bifásico (59,6%). A maioria das mães amamentou (81,7%) por um período de tempo que oscilou entre um mês e os 22 meses (M=7,29, DP=5,29).

As mães têm idades compreendidas entre os 19 e os 45 anos (M=33,17, DP=5,88) e os pais têm idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos (M=36,29, DP=6,03). As características sociodemográficas podem ser consultadas na tabela 1.

Tabela 1.

Dados sociodemográficos da amostra

  Mãe (n=109)  Pai (n=109) 
 
Idade
< 36  58,7  45 
≥ 36  41,3  55 
Anos completos de estudo
< 9  20,2  31,2 
≥ 9  79,8  68,8 
Estado civil
Casado(a)/União de fato  82,6  82,6 
Solteiro(a)  11,9  11,9 
Separado(a)/Divorciado(a)  5,5  5,5 
Status profissional
Estudante  1,8  ‐ 
Empregado(a)  74,3  82,6 
Desempregado(a)  19,3  17,4 
Doméstico(a)  4,6  ‐ 
Doenças físicas
Sim  1,8  7,3 
Não  98,2  92,7 
Doenças psicológicas
Sim  0,9  ‐ 
Não  99,1  100 
Tratamento médico/psicológico
Sim  7,3  5,5 
Não  92,7  94,5 
Número de filhos
40,4  40,4 
35,8  38,5 
3 ou mais  23,8  21,1 
  M (DP 
Número de gestações anteriores  2,23 (1,27)   
Número de abortos anteriores  0,27 (0,63)   

Os bebês têm idades compreendidas entre os seis e os vinte e dois meses, sendo que a maioria tem idade igual ou superior a 12 meses (M=14.50, DP=4.62). Cerca de metade é do gênero masculino (50.5%; tabela 1).

Associação entre a dependência tabagística (FTND) da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança

Não há uma correlação estatisticamente significativa entre a dependência tabagística e o consumo de cigarros (FTND) da mãe e o quociente de desenvolvimento postural, visual e motor, linguagem, social e global da criança, com tamanho de efeito de pequena dimensão (r2 ≤ 0,1). Não há uma correlação estatisticamente significativa entre o fumo matinal (FTND) da mãe e o quociente de desenvolvimento postural, visual e motor, social e global da criança,com tamanho de efeito de pequena dimensão (r2 ≤ 0,1). No entanto, há uma correlação negativa e marginalmente significativa entre o fumo matinal (FTND) da mãe e o quociente de desenvolvimento de linguagem da criança com tamanho de efeito de média dimensão (r2=0,11) (tabela 2). Assim, um maior fumo matinal da mãe está associado a um menor quociente de desenvolvimento de linguagem da criança.

Tabela 2.

Associação entre dependência tabagística, consumo de cigarros e fumo matinal da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança

  MÃE (n=109)
Quociente desenvolvimento  Dependência tabagísticaConsumo de cigarrosFumo matinal
  r2  r2  r2 
Postural  −0,17  0,399  −0,01  −0,13  0,514  −0,02  −0,26  0,196  0,03 
Visual e motora  −0,09  0,650  −0,03  −0,06  0,785  −0,04  −0,18  0,382  −0,01 
Linguagem  −0,29  0,143  0,05  −0,25  0,215  0,02  −0,37  0,055  0,11 
Social  −0,10  0,621  −0,03  −0,05  0,792  −0,04  −0,23  0,241  0,02 
Global  −0,14  0,486  −0,02  −0,09  0,661  −0,03  −0,27  0,176  0,04 
  PAI (n=109)
  Dependência tabagísticaConsumo de cigarrosFumo matinal
  r2  r2  r2 
Postural  0,02  0,896  −0,02  0,01  0,943  −0,02  −0,02  0,899  −0,02 
Visual e motora  0,03  0,841  −0,02  0,01  0,955  −0,02  0,04  0,808  −0,02 
Linguagem  −0,31  0,035  0,08  −0,30  0,043  0,07  −0,41  0,005  0,15 
Social  −0,22  0,144  0,03  −0,27  0,072  0,05  −0,16  0,298 
Global  −0,13  0,389  −0,01  −0,15  0,305  −0,15  0,320 

r2, coeficiente de determinação do tamanho do efeito.

Teste de Correlação de Pearson.

Não há uma correlação estatisticamente significativa entre a dependência tabagística, o fumo matinal e o consumo de cigarros (FTND) do pai e o quociente de desenvolvimento postural, visual e motor, social e global da criança com tamanho de efeito de pequena dimensão (r2 ≤ 0,1). No entanto, há uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre a dependência tabagística, o consumo de cigarros e o fumo matinal (FTND) do pai e o quociente de desenvolvimento de linguagem da criança com tamanho de efeito de pequena dimensão (r2 ≤ 0,1), para a dependência tabagística e consumo de cigarros, e de média dimensão (r2=0,15), para o fumo matinal (tabela 2). Assim, uma maior dependência tabagística, um maior consumo de cigarros e um maior fumo matinal por parte do pai estão associados a um menor quociente de desenvolvimento de linguagem da criança.

Significância da dependência tabágística (FTND) da mãe e do pai sobre o quociente de desenvolvimento da criança

O fator dependência tabagística (FTND<7 vs. FTNP ≥ 7) da mãe teve um efeito estatisticamente significativo sobre o compósito multivariado do quociente de desenvolvimento da criança, λ=0,91, F (4,104)=2,59, p=0,041, ηp2=0,09, com o valor de eta sugerindo um efeito de média dimensão. A análise univariada mostra que as crianças de mães sem dependência tabagística têm em média um quociente de desenvolvimento visual e motor, F (1,107)=4,61, p=0,034, e de linguagem, F (1,107)=5,51, p=0,021, superior às crianças de mães com dependência tabagística, com o valor de eta sugerindo um efeito de pequena dimensão (tabela 3). Não há diferenças significativas entre as crianças de mães com dependência tabagística vs. crianças de mães sem dependência tabagística no nível do quociente de desenvolvimento global, t (107)=1,16, p=0,248. No entanto, o valor de d de Cohen sugere um efeito de média dimensão (tabela 3). As crianças de mães sem dependência tabagística têm em média um quociente de desenvolvimento global superior ao das às crianças de mães com dependência tabagística.

Tabela 3.

Dependência tabagística da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança

Quociente desenvolvimento  MÃEPAI
  Sem dependênciatabagística(FTND < 7)(n=82)M (DP)  Com dependênciatabagística(FTND ≥ 7)(n=27)M (DP)  p  ηp2  Sem dependênciatabagística(FTND < 7)(n=82)M (DP)  Com dependênciatabagística(FTND ≥ 7)(n=27)M (DP)  p  ηp2 
Posturala  97,61 (16,54)  98,04 (17,49)  0,909  98,79 (17,36)  96,24 (15,81)  0,433  0,01 
Visual e motoraa  91,29 (12,20)  85,59 (11,19)  0,034  0,04  90,71 (12,71)  88,74 (12,19)  0,405  0,01 
Linguagema  84,55 (16,36)  76,07 (15,96)  0,021  0,05  83,16 (15,94)  81,48 (17,60)  0,604  0,00 
Sociala  92,20 (12,96)  88 (12,67)  0,145  0,02  92,33 (13,42)  89,54 (12,55)  0,269  0,01 
        d        d 
Globalb  91,50 (14,27)  88 (11,14)  0,248  0,27  90,81 (15,24)  90,39 (11,12)  0,875  0,03 

FTND, Teste de Fagerström para a Dependência Tabagística; M, média; DP, desvio padrão; ηp2, eta square – tamanho do efeito para a MANOVA; d, d de Cohen – tamanho do efeito para o t‐test.

a

MANOVA.

b

Teste T para amostras independentes.

O fator dependência tabagística (FTND<7 vs. FTNP ≥ 7) do pai não teve um efeito estatisticamente significativo sobre o compósito multivariado do quociente de desenvolvimento da criança, λ=0,99, F (4,104)=0,32, p=0,865, ηp2=0,01, com o valor de eta sugerindo um efeito de pequena dimensão. Não há diferenças significativas entre as crianças de pais com dependência tabagística vs. crianças de pais sem dependência tabagística no nível do quociente de desenvolvimento global, t (107)=0,16, p=0,875, com o valor de d de Cohen a sugerir um efeito de pequena dimensão (tabela 3).

Associação entre a dependência tabagística (FTND) da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento da criança

Não há uma associação significativa entre o quociente de desenvolvimento global da criança e a dependência tabagística (FTND<7 vs. FTNP ≥ 7) da mãe, χ2(2)=1,56, p=0,459, e do pai, χ2(2)=1,01, p=0,605, com tamanho de efeito de pequena dimensão (tabela 4).

Tabela 4.

Associação entre a dependência tabagística da mãe e do pai e o quociente de desenvolvimento global da criança

  MÃEPAI
Quociente desenvolvimento  Sem dependênciatabagística  Com dependênciatabagística    Sem dependênciatabagística  Com dependênciatabagística   
  (FTND < 7)(n=82)  (FTND ≥ 7)(n=27)    (FTND < 7)(n=63)  (FTND ≥ 7)(n=46)   
  V  V 
      0,12      0,10 
Q.D. inferiora  7,3  7,4    7,9  6,5   
Q.D. normala  70,7  81,5    69,9  78,3   
Q.D. superiora  22  11,1    22,2  15,2   

Q.D., quociente de desenvolvimento; FTND, Teste de Fagerström para a Dependência Tabagística; V, Cramer's V – tamanho do efeito para o Qui‐Quadrado.

a

Teste χ2.

Discussão

Este estudo foi conduzido com o objetivo de analisar a relação entre o consumo de tabaco parental e o desenvolvimento infantil. Os resultados mostram que há uma associação entre o consumo de tabaco parental e o desenvolvimento da criança. O padrão de consumo diário, a dependência tabagística e a urgência de consumo após o período de abstinência noturno dos pais se associam a dificuldades de linguagem e se verifica um efeito especialmente significativo da dependência tabagística da mãe e o desenvolvimento da linguagem, visual e motor e global. Esses resultados são especialmente relevantes porque mostram que o efeito da dependência tabagística parental é prejudicial não só durante a gravidez, tal como haviam já demonstrado outros estudos,10 como também após o parto. De fato, este estudo não permite esclarecer o efeito diferencial da dependência tabagística pré‐natal ou pós‐natal da mãe no desenvolvimento da criança. No entanto, quando consideramos o efeito da dependência tabagística do pai no desenvolvimento da criança, podemos assumir que esse se refere ao período pós‐natal, o que alerta para a vulnerabilidade do recém‐nascido à exposição passiva ao consumo de tabaco dos pais. Os mecanismos que explicam o efeito do consumo durante a gravidez no feto têm sido explorados nos últimos anos e existe alguma evidência que indica que o consumo de nicotina e outros componentes presentes no tabaco influencia o tempo de gestação,20 durante o período de gestação tem efeitos tóxicos sobre o desenvolvimento cerebral do feto10 e está associado a hipoxia fetal, alterações na captação da serotonina, mudanças nos sistemas dopaminérgicos e mudanças na síntese de ADN e ARN no cérebro.17 A nicotina parece ter como alvo os receptores dos neurotransmissores específicos no cérebro do feto, causa anormalidades na proliferação e diferenciação celular, origina déficits no número de células e alterações na atividade sináptica21 e compromete o desenvolvimento e o metabolismo feto‐placentário,22 com implicações desenvolvimentais para o recém‐nascido.23 Como consequência, decorrem mudanças significativas na fisiologia cerebral responsáveis por competências perceptivas básicas,24 perda de células do sistema nervoso central no período pós‐natal, com redução do volume do lobo frontal e cerebelar responsáveis pelas funções da atenção, emoção e controle dos impulsos nos bebês,8 bem como o menor perímetro cefálico do recém‐nascido.9 Essas alterações fisiológicas podem ser responsáveis por distúrbios desenvolvimentais encontrados nessas crianças, como dificuldades de autorregulação, aumento da excitabilidade,5 diminuição das funções cognitivas, déficits de aprendizagem e de memória.10,11 As dificuldades desenvolvimentais globais observadas neste estudo com ênfase na linguagem e capacidade visual e motora são concordantes com estudos anteriores, que indicam uma associação entre o consumo de tabaco parental e distúrbios no desenvolvimento infantil,25 sobretudo psicomotores.26 No que diz respeito ao efeito do consumo de tabaco por parte dos pais, o efeito decorre da exposição após o parto, o que alerta para a especial vulnerabilidade do recém‐nascido à exposição a toxinas libertadas pelo consumo de tabaco.27 Pelas implicações que envolve, o consumo de tabaco parental durante o período perinatal é um importante problema de saúde pública, pelo que o enfoque em programas de intervenção em saúde perinatal que tenham como alvo a cessação tabagística não só das futuras mães como dos futuros pais deveria ser considerado uma prioridade para garantir uma melhor qualidade de vida das famílias.

Apesar das limitações deste estudo – sobretudo pelo fato de não ter considerada uma análise detalhada dos comportamentos associados ao consumo de tabaco ou acerca do histórico de consumo parental –, consideramos que constitui uma importante contribuição para o estudo do efeito do consumo de tabaco parental, uma vez que vem ajudar no melhor conhecimento do efeito do consumo não só por parte das mães, mas também por parte dos pais – engloba por isso ambos os progenitores ‐ e a analisar o efeito individual no desenvolvimento psicomotor da criança.

As investigações futuras deveriam aprofundar não só o efeito diferencial do consumo por parte de cada um dos elementos do casal, como também o efeito diferencial do consumo em período pré‐natal e pós‐natal no desenvolvimento das crianças.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Ao diretor regional de educação por ter autorizado a feitura do estudo nos infantários da Região Autônoma da Madeira (RAM). Estamos também muito gratos às direções dos estabelecimentos de educação, às educadoras e auxiliares de infância, bem como aos pais que permitiram a observação do desenvolvimento psicomotor dos seus bebês e dispensaram parte do seu precioso tempo para responder ao questionário.

Este artigo foi feito no âmbito do projeto “The role of genotype‐environment interaction on the resilience and vulnerability to developmental and mental health problems in the first 18 months of life” (PTDC/PSI‐PCL/119152/2010) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Referências
[1]
A. Willrich, C.C. Azevedo, J.O. Fernandes.
Desenvolvimento motor na infância: influência dos fatores de risco e programas de intervenção.
Rev Neurocienc., 17 (2008), pp. 51-56
[2]
K.A. Blanchard, C.C. Sexton, J. Morgenstern, K.H. McVeigh, B.S. McCrady, T.J. Morgan, et al.
Children of substance abusing women on federal welfare: implications for child well‐being and TANF policy.
J Hum Behav in the Social Env., 12 (2005), pp. 89-110
[3]
K. Wells.
Substance abuse and child maltreatment.
Pediatr Clin North Am., 56 (2009), pp. 345-362
[4]
Bridgehead International Europe quitting ‐ progress and pathways. London: Pfizer; 2011March. Report No.USC1184.
[5]
L. Stroud, R. Paster, G. Papandonatos, R. Niaura, A. Salisbury, C. Battle, et al.
Maternal smoking during pregnancy and newborn neurobehavior: effects at 10 to 27 days.
J Pediatr., 154 (2009), pp. 10-16
[6]
A. Agrawal, J. Scherrer, J. Grant, C. Sartor, M. Pergadia, A. Duncan, et al.
The effects of maternal smoking during pregnancy on offspring outcomes.
Prev Med., 50 (2010), pp. 13-18
[7]
I. Chertok, J. Luo, R. Anderson.
Association between changes in smoking habits in subsequent pregnancy and infant birth weight in West Virginia.
Matern Child Health J., 15 (2011), pp. 249-254
[8]
M. Ekblad, J. Korkeila, R. Parkkola, H. Lapinleimu, L. Haataja, L. Lehtonen, et al.
Maternal smoking during pregnancy and regional brain volumes in preterm infants.
J Pediatr., 156 (2010), pp. 85-90
[9]
K. Kallen.
Maternal smoking during pregnancy and infant head circumference at birth.
Early Hum Dev., 58 (2000), pp. 197-204
[10]
U. Kiechl-Kohlendorfer, E. Ralser, U. Pupp, G. Reiter, E. Griesmaier, R. Trawöger.
Smoking in pregnancy: a risk factor for adverse neurodevelopmental outcome in preterm infants?.
Acta Paediatr., 99 (2010), pp. 1016-1019
[11]
G. Wehby, K. Prater, A. McCarthy, E. Castilla, J. Murray.
The impact of maternal smoking during pregnancy on early child neurodevelopment.
J Hum Cap., 5 (2011), pp. 207-254
[12]
T.F. Heatherton, L.T. Kozlowski, R.C. Frecker, K.O. Fagerström.
The Fagerström Test for Nicotine Dependence: a revision of the Fagerström Tolerance Questionnaire.
British Journal of Addiction., 86 (1991), pp. 1119-1127
[13]
P.L. Ferreira, C. Quintal, I. Lopes, N. Taveira.
Teste de dependência à nicotina: validação linguística e psicométrica do teste de Fagerström.
Dependência Tabagística., 27 (2009), pp. 37-56
[14]
K.O. Fagerström, M. Kunze, R. Schoberberger, N. Breslau, J.R. Hughes, R.D. Hurt, et al.
Nicotine dependence versus smoking prevalence: comparisons among countries and categories of smokers.
Tobacco Control., 5 (1996), pp. 52-56
[15]
O. Brunet, I. Lézine.
Le development psychologique de la première enfance.
Presses Universitaires de France, (1951),
[16]
C. Martins.
Manual de análise de dados quantitativos com recurso ao IBM SPSS: saber decidir, fazer, interpretar e redigir.
Psiquilibrios, (2011),
[17]
J. Maroco.
Análise estatística com utilização do SPSS.
Edições Sílabo, (2007),
[18]
P.R. Kinnear, C.D. Gray.
PASW statistics 17 made simple.
Psychology Press, (2010),
[19]
J. Cohen.
Statistical power analysis for the behavioral sciences.
Lawrence Erlbaum Associates, Inc, (1988),
[20]
P.R. Mello, G.R. Pinto, C. Botelho.
Influência do tabagismo na fertilidade, gestação e lactação.
J. Pediatr. (Rio J.)., 77 (2001), pp. 257-264
[21]
T.A. Slotkin.
Fetal nicotine or cocaine exposure: which one is worse?.
JPET., 285 (1998), pp. 931-945
[22]
E. Jauniaux, V. Biernaux, E. Gerlo, B. Gulbis.
Chronic maternal smoking and cord blood amino acid and enzyme levels at term.
Obstet Gynecol., 97 (2001), pp. 57-61
[23]
M. Cornelius, N. Day.
Developmental consequences of prenatal tobacco exposure.
Curr Opin Neurol., 22 (2009), pp. 121-125
[24]
A. Key, M. Ferguson, F. Molfese, K. Peach, C. Lehman, V. Molfese.
Smoking during pregnancy affects speech‐processing ability in newborn infants.
Environ Health Perspect., 115 (2007), pp. 623-629
[25]
E. Poole-Di Salvo, Y.H. Liu, S. Brenner, M. Weitzman.
Adult household smoking is associated with increased child emotional and behavioral problems.
J Dev Behav Pediatr., 31 (2010), pp. 107-115
[26]
I. Andraca, P. Pino, A. La Parra, F. Rivera, M. Castillo.
Factores de riesgo para el desarrollo psicomotor em lactentes nacidos em óptimas condiciones biológicas.
Rev Saude Publica., 32 (1998), pp. 138-147
[27]
H.A. Lando, B.J. Hipple, M. Muramoto, J.D. Klein, A.V. Prokhorov, D.J. Ossip, et al.
Tobacco is a global paediatric concern.
Bull World Health Organ., 88 (2010), pp. 2

Como citar este artigo: Santos NF, Costa RA. Parental tobacco consumption and child development. J Pediatr (Rio J). 2015;91:366–72.

Copyright © 2015. Sociedade Brasileira de Pediatria
Baixar PDF
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.