To describe and analyze indicators of feeding practices related to breastfeeding and factors associated with exclusive breastfeeding (EBF) in a subnormal urban cluster (slums) in Pernambuco, Brazil.
MethodsFour breastfeeding indicators were used to interview mothers of children under 3 years of age. An inventory of the families’ socioeconomic and environmental factors, maternal obstetric history, and basic health care access was undertaken. The sample consisted of all 310 children under the age of 3 years from Coelhos, PE, Brazil. Spearman's correlation was carried out, as well as crude and adjusted prevalence ratios for a final statistical model that showed associated factors with the main outcome at a level of 0.05.
ResultsThe prevalence of breastfeeding in the first hour of life, exclusive breastfeeding up to 6 months, continued breastfeeding at 1 year, and continued breastfeeding at 2 years were 60.2%, 32.9%, 45.9, and 35.9%, respectively. A correlation was observed between start of pacifier use and duration of either exclusive (rs=0.358 [p<0.001]) or non‐exclusive breastfeeding (rs=0.248 [p=0.006]). Maternal age over 35 years (p<0.001), home visit in the first week after birth (p=0.003), having had a male baby (p=0.029), and not using a pacifier (p<0.001) remained protective factors in the final model.
ConclusionThe prevalence rates of exclusive breastfeeding at 6 months were well above the results obtained by other Brazilian authors. Home visit and maternal age prevailed as protective factors, while pacifier use was shown to be a discouraging practice.
Descrever e analisar indicadores das práticas relacionadas ao aleitamento materno e fatores associados ao aleitamento materno exclusivo em um aglomerado urbano subnormal (favela) em Pernambuco.
MétodosForam usados quatro indicadores do aleitamento materno mediante entrevista com as mães de menores de três anos. Fez‐se um inventário de fatores socioambientais das famílias, antecedentes obstétricos e acesso às ações básicas de saúde. A amostra inclui todas as 310 crianças da Comunidade de Coelhos, PE, Brasil. Feitas correlação de Spearman e razões de prevalências brutas e ajustadas que compuseram um modelo estatístico final que evidenciou os fatores associados ao principal desfecho ao nível de 0,05.
ResultadosA prevalência do aleitamento materno na primeira hora de vida, aleitamento materno exclusivo aos 6 meses, amamentação continuada até um ano e dois anos foram, respectivamente, 60,2%, 32,9%, 45,9% e 35,9%. Na correlação entre o início do uso de chupeta e a duração do aleitamento, exclusivo ou não, obtiveram‐se respectivamente os coeficientes rs = 0,358 (p < 0,001) e rs = 0,248 (p = 0,006). No modelo final permaneceram como fatores de proteção: a idade materna acima de 35 anos (p < 0,001), a visita domiciliar na primeira semana de vida (p = 0,003), o sexo masculino (p = 0,029) e o não uso da chupeta (p < 0,001).
ConclusãoOs índices de prevalência do aleitamento materno exclusivo aos 6 meses foram bem superiores aos resultados obtidos por outras pesquisas nacionais. A visita domiciliar e a idade materna prevaleceram como fatores de proteção e o uso de chupeta como uma prática desestimulante.
Mesmo que reconheçamos os grandes progressos nas tecnologias de produção, transformação, conservação e preparação dos alimentos destinados às crianças nos primeiros meses e anos de vida, o consenso é que de fato não existe um sucedâneo ideal para o aleitamento materno (AM).1–6
Nesse sentido, a OMS7 propõe conceitos e indicadores padronizados para o estudo das práticas alimentares de crianças e considera o AM na primeira hora de vida; aleitamento materno exclusivo (AME) em menores de seis meses: amamentação continuada até um ano e amamentação continuada até dois anos.
Provavelmente como respostas aos consensos e às ações de agências internacionais e da adesão de governos e movimentos da própria sociedade em vários países, o Unicef (2016) descreve notáveis avanços nas práticas de aleitamento materno em escala mundial, exemplifica‐se com a ocorrência de 44% de AM na primeira hora de vida, enquanto o AME em menores de seis meses situava‐se em 39% e a continuidade do aleitamento até os dois anos alcançava 49%.8 No Brasil, esse cenário não é diferente, a exceção da amamentação continuada até os dois anos (26%).8 No Nordeste brasileiro, o AME em menores de seis meses seria de 37% e na cidade do Recife (PE) de 38,3%.9
Esses quadros descritivos são muitas vezes discrepantes, dificultam as inferências comparativas para a definição de linhas de base e tendências temporais, geográficas e sociais. Tais inconsistências resultam de diferentes formas de coleta, análise e apresentação de resultados. Assim, a prevalência do AME, isoladamente o indicador mais importante do comportamento da amamentação, ora é medida em menores de seis meses8,9 e em outros casos em crianças com seis meses.10 Essa observação vale, por si só, como justificativa de se aplicarem fundamentos conceituais e construção de indicadores padronizados, confiáveis e comparáveis, no tempo, espaço e em relação às populações avaliadas.
Sob o aspecto analítico, vários fatores podem exercer efeitos diferenciados na prática do AM, como a cultura da população, a organização social e política e suas condições econômicas e ambientais, entre outros.4,9,11–17 Relata‐se que países mais ricos têm menor duração do AME.8 Uma melhor condição de renda geralmente se associa a um nível materno educacional mais elevado, condição que pode facilitar o acesso às informações sobre a prática da amamentação. Por outro lado, mães com renda familiar mais baixa e/ou ocupação informal necessitam contribuir para o orçamento familiar, o que dificulta a amamentação4,13
Ademais, em ambientes socioeconômicos mais pobres, como as favelas, as crianças são mais expostas a agentes causadores de doenças8 Nesse contexto, o AM, principalmente o exclusivo, com suas propriedades protetoras, torna‐se fundamental para o desenvolvimento saudável dessas crianças1–5
É pertinente considerar que, pela expressão demográfica dos aglomerados urbanos subnormais no Brasil (mais de 11 milhões de pessoas),18 e pela escassez e inconsistência de estudos aplicados para esses ecossistemas urbanos, torna‐se importante estimar a prevalência dos indicadores para as práticas alimentares relacionadas ao AM e identificar fatores associados ao AME aos seis meses de vida.
Considerando o interesse analítico, a pesquisa propõe verificar a hipótese de que mães e crianças que atendem ao requisito do AME aos seis meses se diferenciam por fatores diversos, a exemplo do sexo da criança, da idade e escolaridade materna, tipo de moradia, assistência pré‐natal, tipo de parto, visita domiciliar e o uso de chupeta dos casos que não conseguem chegar à meta proposta pelas Nações Unidas.
MétodosEstudo transversal, analítico, baseado no banco de dados da pesquisa “Desenvolvimento infantil em um aglomerado urbano subnormal (favela) do Recife, PE”.19 Esta pesquisa foi feita como extensão e atualização de um inquérito baseline em uma população favelada, na qual se implantou pioneiramente no Brasil a proposta de instituição formal de Atenção Primária de Saúde (APS), na já tradicional comunidade dos Coelhos. O estudo foi de caráter censitário, com a coleta de dados de todas as crianças de 0 a 36 meses cadastradas nas duas unidades de saúde vinculadas à ESF. Foi instrumentalizado mediante entrevista nos domicílios com as mães das crianças ou seus responsáveis legais. Excepcionalmente, algumas mães foram entrevistadas nas unidades básicas de saúde seja por situações de risco ou por motivo de trabalho.
Embora o estudo tenha sido censitário, uma análise a posteriori foi feita para calcular se a amostra coletada teve poder suficiente para identificar associação entre as variáveis “recebeu visita domiciliar na primeira semana de vida” (poder de 93,3%), do “uso da chupeta” (poder de 99,9%), “idade maternal”, na comparação da faixa etária de > 36 anos com 13‐19 anos (poder de 74%), e o “sexo”, com poder de 36,7%.
Para caracterização dos indicadores e cálculo de suas prevalências para o estudo das práticas alimentares relacionadas ao AME aos seis meses de crianças menores de três anos, foram consideradas as recomendações da OMS.20 Assim, a iniciação precoce da amamentação corresponde à proporção de crianças nascidas nos últimos 24 meses anteriores à entrevista que foram amamentadas na primeira hora de vida; o AME em menores de seis meses, representa a proporção de crianças de 0‐5 meses que estavam no momento da entrevista em AME, baseada na alimentação da criança durante as 24 horas anteriores à entrevista; amamentação continuada até um ano, definida como a proporção de crianças de 12‐15 meses que era, amamentadas; e amamentação continuada até os dois anos, entendida como a proporção de crianças de 20‐23 meses que eram amamentadas no tempo demarcado para a entrevista.
A variável desfecho do estudo foi o AME aos seis meses, enquanto as variáveis explanatórias foram agrupadas em: sociodemográficas, obstétricas e biológicas das crianças; visita domiciliar da enfermeira junto com agente comunitário de saúde na primeira semana de vida e informações sobre o uso de chupeta (hábito de sucção não nutritiva oferecido à criança todo tempo ou para acalmar o bebê). Foram comparadas crianças que nunca usaram chupeta com crianças que haviam usado. A condição social foi avaliada segundo o modelo da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – Abep, 2014.21
Para a análise estatística dos dados, foi usado o programa Stata 12.1. Foram calculados valores absolutos e relativos da população avaliada, suas características e distribuições das variáveis de interesse mediante medidas de tendência central e de dispersão. Foi usada a Correlação de Spearman para avaliar a relação entre o início do uso da chupeta e a duração do AM. Para identificar os fatores associados ao AME aos seis meses foi feita inicialmente a regressão univariada de Poisson, estimaram‐se as razões de prevalência (RP) brutas e os respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Nessa etapa, as variáveis que apresentaram valor p < 0,20 foram selecionadas para ingressar na análise multivariada, estimaram‐se as RP ajustadas e IC de 95%. Para as análises da significância estatística no modelo final foi considerado o valor p < 5%. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, formalizado no protocolo CAEE: 54705416.0.00005220.
ResultadosForam estudadas 310 crianças em duas unidades básicas de saúde vinculadas à ESF: Coelhos I, com 111 crianças (35,8%) e Coelhos II, com 199 crianças (64,2%), a mediana de duração total da amamentação nas duas unidades foi de 182 dias, com uma variação interquartil de 89‐464 dias, enquanto a mediana de AME foi de 91 dias limitados pelo primeiro e terceiro quartis P25 e P75 (45‐182 dias). Foi referido o uso de chupeta em 147 crianças (47,4%).
Quanto à prevalência dos indicadores de amamentação, o AM na primeira hora de vida foi de 60,2%, AME em menores de seis meses correspondeu a 46,3%, a continuidade da amamentação até um ano de vida foi de 45,9% e até os dois anos de 35,9%.
A figura 1 apresenta a relação entre o início do uso da chupeta e a duração do AM. Observa‐se na figura 1A uma relação monotônica crescente e significante entre o tempo de início da chupeta e duração do AME (Coeficiente de Correlação de Spearman: r = 0,51; p < 0,001). Na figura 1B observa‐se também uma relação monotônica crescente significante entre o tempo do início do uso da chupeta e duração do aleitamento, independentemente do tipo de amamentação (Coeficiente de Correlação de Spearman: r = 0,35; p < 0,001).
Das 310 crianças do estudo, 236 (76,1%) tinham idade maior ou igual a seis meses e dessas, exclusive as que nunca mamaram (12) e cinco das quais não existiam informações sobre o AME, 219 finalizaram o inquérito, com prevalência do AME aos seis meses de 32,9% (72/219 crianças). Foi nesse contingente amostral que se estudou a possível associação de fatores com o AME.
A tabela 1 apresenta as análises univariadas para a condição do AME aos seis meses, segundo variáveis sociodemográficas maternas e condições de moradia das famílias e crianças de seis meses ou mais, totalizaram 11 variáveis (tempo de moradia na comunidade, idade materna, etnia, situação conjugal, trabalho materno, instrução materna, classe social, casa própria, tipo de moradia, abastecimento de água pela rede geral com canalização interna e destino dos dejetos). Verifica‐se que apenas a idade materna (36 anos e mais) se relacionou estatisticamente (p < 0,0033) com o AME.
Análises univariadas para a condição do aleitamento materno exclusivo aos seis meses de vida, segundo variáveis sociodemográficas maternas e familiares das crianças residentes em área favelada do Nordeste brasileiro e assistidas pela Estratégia Saúde da Família (ESF). Recife‐PE, 2015
Variáveis | Amostraa N = 219 | AME > 6 meses N = 72 (%) | RP bruta (IC 95%) | Valor pb |
---|---|---|---|---|
Tempo de moradia na Comunidade | 0,0724 | |||
< 10 anos | 44 | 9(20,4) | 0,57(0,31‐1,05) | |
10 anos ou mais | 175 | 63(36,0) | 1 | |
Idade materna | 0,0033 | |||
13 a 19 anos | 33 | 7(21,0) | 0,36(0,17‐0,76) | |
20 a 35 anos | 164 | 52(31,7) | 0,54(0,35‐0,81) | |
> 36 anos | 22 | 13(59,1) | 1 | |
Raça | 0,6938 | |||
Branca | 44 | 12(27,3) | 0,79(0,43‐1,45) | |
Preta | 55 | 19(34,5) | 1 | |
Parda/Amarela | 120 | 41(34,2) | 0,99(0,64‐1,54) | |
Situação conjugal | 0,3162 | |||
Solteira | 71 | 20(28,2) | 0,80(0,52‐1,23) | |
Casada/companheiro | 148 | 52(35,1) | 1 | |
Trabalho materno | 0,4661 | |||
Trabalho doméstico | 91 | 34(37,4) | 1 | |
Carteira assinada/Autônomo | 57 | 16(28,1) | 0,75(0,46‐1,23) | |
Outrosc | 71 | 22(31,0) | 0,83(0,53‐1,28) | |
Instrução materna | 0,3202 | |||
< 8 anos de estudo | 135 | 48(35,6) | 1 | |
> 8 anos de estudo | 83 | 24(28,9) | 0,81(0,54‐1,22) | |
Classe Sociald | 0,3424 | |||
B1 e B2 | 11 | 2(18,2) | 0,54(0,15‐1,92) | |
C1, C2, DE | 208 | 70(33,7) | 1 | |
Casa própria | 0,4127 | |||
Sim | 145 | 45(31,0) | 0,85(0,58‐1,25) | |
Não | 74 | 27(36,5) | 1 | |
Tipo de Moradia | 0,1878 | |||
Casa/Apartamento | 175 | 54(30,9) | 0,75(0,49‐1,15) | |
Cômodo/Barraco/Palafita | 44 | 18(40,9) | 1 | |
Abastecimento de água pela rede geral com canalização interna | 0,3303 | |||
Sim | 161 | 50(31,1) | 0,82(0,55‐1,22) | |
Não | 58 | 22(37,9) | 1 | |
Destino de dejetos (rede condominial) | 0,1112 | |||
Sim | 132 | 38(28,8) | 0,74(0,50‐1,07) | |
Não | 87 | 34(39,1) | 1 |
AME, aleitamento materno exclusivo; RP, razão de prevalência.
A tabela 2 apresenta as análises univariadas para a condição do AME aos seis meses, segundo antecedentes obstétricos e outras variáveis maternas, biológicas da criança, visita domiciliar na primeira semana de vida, informações sobre o AM e uso de chupeta nas crianças com seis meses ou mais, total de 11 variáveis devidamente especificadas. Demonstra‐se na tabela que apenas a visita domiciliar na primeira semana de vida (p = 0,0043) foi estatisticamente associada como fator de proteção do AME, enquanto o uso de chupeta comportou‐se como fator de risco para a menor prevalência do AME.
Análises univariadas para a condição do aleitamento materno exclusivo aos seis meses, segundo antecedentes obstétricos, biológicos da criança e ações/atitudes de saúde de possível interesse para a prática do AME em crianças residentes em área favelada do Nordeste brasileiro, Recife‐PE, 2015
Variáveis | Amostraa N = 219 | AME > 6 meses N (%) | RP bruta (IC 95%) | Valor pb |
---|---|---|---|---|
Inicio do pré‐natal no 1° trimestre | 0,1701 | |||
Sim | 144 | 43(29,9) | 0,75(0,50‐1,13) | |
Não | 58 | 23(39,7) | 1 | |
Número de consultas do pré‐natal | 0,4453 | |||
< 3 | 11 | 2(18,2) | 0,44(0,11‐1,72) | |
4 a 5 consultas | 22 | 9(40,9) | 1 | |
6 ou mais | 168 | 54(32,1) | 0,78(0,45‐1,36) | |
No pré‐natal examinou a mama | 0,5632 | |||
Sim | 181 | 58(32,0) | 0,84(0,47‐1,51) | |
Não | 21 | 8(38,1) | 1 | |
No pré‐natal recebeu orientação sobre o aleitamento materno | 0,3464 | |||
Sim | 191 | 64(33,5) | 1 | |
Não | 11 | 2(18,2) | 0,54(1,15‐1,94) | |
Tipo de parto | 0,1551 | |||
Vaginal | 134 | 49(36,6) | 1 | |
Cesáreo | 85 | 23(27,1) | 0,74(0,49‐1,12) | |
Prematuridade | 0,2795 | |||
Sim | 12 | 2(16,7) | 0,49(1,37‐1,78) | |
Não | 207 | 70(33,8) | 1 | |
Sexo | 0,1178 | |||
Masculino | 111 | 42(37,8) | 1 | |
Feminino | 108 | 30(27,8) | 0,73(0,50‐1,08) | |
Peso ao nascimento | 0,9058 | |||
< 2500 | 20 | 7(35,0) | 1 | |
> 2500 | 187 | 63(33,7) | 0,96(0,51‐1,81) | |
Contato pele a pele na sala de parto | 0,4395 | |||
Sim | 172 | 55(33,0) | 0,84(0,54‐1,31) | |
Não | 42 | 16(38,0) | 1 | |
Recebeu visita domiciliar pós‐alta da maternidade | 0,0043 | |||
Sim | 128 | 52(40,6) | 1 | |
Não | 87 | 18(20,7) | 0,51(0,32‐0,81) | |
Uso de chupeta | < 0,0001 | |||
Sim | 102 | 16(15,7) | 0,33(0,20‐0,53) | |
Não | 117 | 56(47,9) | 1 |
AME, aleitamento materno exclusivo; RP, razão de prevalência.
Do agrupamento de 22 variáveis, nove apresentaram valores de p < 20 nas análises univariadas (tempo de moradia na comunidade, idade materna, tipo de moradia, destino de dejetos, início do pré‐natal no 1° trimestre, tipo de parto, sexo, visita domiciliar na primeira semana de vida e uso da chupeta), habilitaram‐se, assim, a ingressar na análise multivariada. Nessa etapa da análise, permaneceram no modelo final a idade materna (p = 0,0005), o sexo da criança (p = 0,029), a visita domiciliar na primeira semana de vida (p = 0,003) e o uso de chupeta (p < 0,0001) (tabela 3).
Análises multivariadas para a condição do AME aos seis meses, segundo variáveis sociodemográficas maternas e familiares, antecedentes obstétricos, e outros fatores hipoteticamente relacionados com a prática do AME aos seis meses de idade numa área favelada do Nordeste brasileiro, Recife ‐ PE, 2015
Variáveis | RP ajustada (IC 95%) | Valor pa |
---|---|---|
Tempo de moradia na Comunidade | 0,095 | |
< 10 anos | 0,61(0,34‐1,09) | |
10 anos ou mais | 1 | |
Idade materna (anos) | < 0,001 | |
13 a 19 | 0,35(0,17‐0,74) | |
20 a 35 | 0,52(0,36‐0,75) | |
>36 | 1 | |
Tipo de Moradia | 0,887 | |
Casa/Apartamento | 1,04(0,62‐1,73) | |
Cômodo/Barraco/Palafita | 1 | |
Destino de dejetos (rede condominial) | 0,320 | |
Sim | 0,84(0,60‐1,18) | |
Não | 1 | |
Inicio do pré‐natal no 1°.Trimestre | 0,833 | |
Sim | 1,05(0,68‐1,62) | |
Não | 1 | |
Tipo de parto | 0,191 | |
Vaginal | 1 | |
Cesáreo | 0,77(0,52‐1,38) | |
Sexo | 0,029 | |
Masculino | 1 | |
Feminino | 0,67(0,47‐0,96) | |
Recebeu visita domiciliar pós‐alta da maternidade | 0,003 | |
Sim | 1 | |
Não | 0,52(0,34‐0,80) | |
Uso de chupeta | < 0,001 | |
Sim | 0,37(0,23‐0,60) | |
Não | 1 |
RP, razão de prevalência.
Aborda‐se a questão relevante e universal do AM sob três aspectos em grande parte inovadores: o enfoque holístico, a aplicação dessa abordagem num ecossistema socioambiental bem peculiar e, por fim, a sistematização de conceitos e indicadores padronizados pela OMS.20
Ao envolver o universo de crianças de até 36 meses residentes numa área favelada do Nordeste, o estudo possibilita, pioneiramente no país, descrever e analisar a prevalência e as tipologias do AM em um ecossistema de marcante vulnerabilidade socioambiental, agora formalmente chamado de aglomerado urbano subnormal.18
Face à escassez e limitação de outros estudos, este trabalho pode ser considerado como baseline para um projeto de coorte na comunidade analisada e como um possível referencial para eventuais investigações epidemiológicas em áreas suburbanas semelhantes, consolida e aperfeiçoa a APS em novas bases, com compreensão integral do processo saúde/doença como expressão do desenvolvimento humano.22
Se deslocarmos a perspectiva de comparação para outras instâncias de avaliação, é interessante observar que a prevalência de 60,2% de amamentação na primeira hora de vida já é bem superior aos níveis mundiais de 44% divulgados pelo Unicef (2016),8 acha‐se bem próxima aos dados do Brasil (68%) e da cidade do Recife (67%), o mesmo acontece em relação ao AME em menores de seis meses no Nordeste (37,0% e Recife (38,3%),8 enquanto na Comunidade dos Coelhos foi de 46,3%. Pode‐se interpretar como surpreendente a prevalência elevada do AME aos seis meses (32%), quando no Brasil a II Pesquisa de Prevalência do AM nas Capitais encontrou uma prevalência de 9,3% para o país, 8,4% para o Nordeste e 6,1% para o Recife.9
É muito provável que diferenças de resultados, como se exemplifica com os valores de medianas do AM nos Coelhos em relação aos dados de capitais brasileiras, possam ser atribuídas à admissão de que seria questionável que resultados de um aglomerado urbano considerado subnormal (ou atípico) sejam comparativamente referenciados com dados nacionais, regionais e mesmo estaduais, quando implicam populações distintas, tempos distintos, métodos distintos de coleta e análise dos dados bem diferenciados10 e, sobretudo, histórico de assistência à saúde, bem característica em relação ao aleitamento materno.23 É bem provável que esse seja o grande foco de diferenças para mais ou para menos entre os estudos. Neste caso, os nossos resultados de 182 dias, cuidadosamente revalidados, parecem robustos e aceitáveis para a população estudada.
É bem possível que a participação intensiva da ESF mediante ações já bem consolidadas na comunidade, o antigo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), depois convertido em Programa de Saúde da Família (PSF) que compreende uma história de 45 anos, quando se fez a avaliação, aqui relatada, já tenha um papel marcante nesses resultados. Trata‐se de uma experiência pioneira no Brasil, implantada na Comunidade dos Coelhos com o apoio das Nações Unidas (Unicef) logo após a Conferência Internacional de Alma Acta (1978) na Rússia,23 com a proposta de universalização da APS como estratégia para expandir a cobertura das ações básicas de saúde para todos os países e espaços territoriais não assistidos pelo modelo tradicional de serviços públicos ou privados.
Ademais, a comunidade dos Coelhos é beneficiária do primeiro Hospital Amigo da Criança do Brasil, com um ambulatório de livre demanda para promoção, proteção e apoio ao AM, bem como atendimento de problemas precoces e tardios da mama puerperal operacionalizado no Banco de Leite Humano do referido hospital e que tem servido de modelo para outros serviços no Brasil e na América Latina.
É evidente que resta ainda um grande espaço a ser conquistado em relação aos indicadores do processo de AM na comunidade avaliada, admite‐se como meta desejável e possível o atingimento de 80% do AME em menores de seis meses.7
A análise de fatores isolados, e sobretudo combinados num evento de natureza complexa que podem se relacionar com o principal desfecho do estudo (o AME aos seis meses), constitui obviamente uma tarefa complicada, notadamente para avaliações quantitativas, quando, muitas vezes, as causas só podem ser entendidas pela análise qualitativa.15,16 É essa uma limitação que já fica explicitada.
No entanto, torna‐se ilustrativo considerar que dos 22 blocos de variáveis avaliadas, nove foram preliminarmente admitidos no screening estatístico (p < 0,20) para ingressar no processo de ajustamento de análise multivariada. Nessa etapa, que define a construção do modelo final, quatro fatores se mantiveram no painel “explicativo”, como prós na determinação das hipóteses estatisticamente validadas: a idade das mães acima de 36 anos, a visita domiciliar na primeira semana de vida dos agentes de saúde junto com a enfermeira, o sexo masculino das crianças e o não uso de chupetas.
Há, evidentemente, uma obviedade básica nestas observações analíticas. É muito provável que às mães de maior idade tenham acumulado uma experiência prévia mais convincente, seja por conta de gestações anteriores seja pela própria receptividade às relações formais dos serviços de saúde nos quais foram assistidas no pré‐natal, parto e puerpério. Já mães adolescentes ou simplesmente jovens, quase sempre com baixa ou nula paridade, enfrentam com maior insegurança as demandas da gestação, inclusive a disposição para a alimentação ao seio. A literatura nacional24 e internacional25 registra esse comportamento, que se torna impactante no caso do Brasil e de muitos países, pela observação de que natalidade está concentrada em mulheres menores de 25 anos, muitas das quais adolescentes.26
A evidência de que o desmame precoce possa variar de acordo com o sexo da criança,9,14,15,17,27 que leva em consideração ser o sexo feminino beneficiado do AME,9,14,15 pode advir do juízo de que, como os meninos são biologicamente “mais fortes”, devem receber um “leite também mais forte”’, percebido erroneamente por algumas mães como o leite de vaca.15 No nosso estudo, sobressaiu‐se o AME para o sexo masculino, o que pode ser explicado pela teoria de Trivers‐Willard27 como princípios na seleção natural, de caráter teleológico, enunciada em 1973.27 Assim, o investimento parental desigual entre filhas e filhos derivaria das condições socioeconômicas maternas e o potencial reprodutivo de sua prole.
Ao contrário da hipótese de Trivers‐Willard, de que as mães de melhores condições sociais investem mais nos filhos, enquanto aquelas em condições mais adversas optariam pelas filhas, e a comprovação de Fujita et al. em 201216 em comunidades agropastoris do Quênia, é possível que as preferências de mães faveladas pela amamentação dos filhos sejam uma conduta mais própria de populações urbanas, que têm características bem peculiares, não valem para comparações com outros estudos. Ademais, pela homogeneidade da condição de pobreza na favela avaliada, não se tem condições de estabelecer contrastes socioeconômicos bem distintos, como no estudo de Fujita et al,16 que tem como referência a hipótese de Trivers‐Willard.27
O uso de chupeta, apesar de ser uma prática já documentada e considerada desestimulante à amamentação,17 no nosso estudo foi amplamente aplivado (47,4%) e consistentemente associado ao desmame. No entanto, revisão sistemática feita em 2016 para avaliar o efeito do uso restrito de chupeta versus uso livre sobre a prática do aleitamento materno em dois estudos com 1.302 crianças saudáveis e que haviam nascido a termo, não encontrou efeito significativo sobre a taxa de crianças em aleitamento materno exclusivo aos três meses e aos quatro meses de vida.28 Vale ressaltar que, diferentemente desta revisão sistemática, em nosso estudo foram comparadas crianças que nunca usaram chupeta com crianças que a haviam usado.
Já outra revisão sistemática com metanálise feita em 2014 para investigar a associação entre o uso da chupeta e a interrupção da amamentação exclusiva nos primeiros seis meses, que totalizou 46 estudos (dois ensaios clínicos, 20 longitudinais e 24 transversais), evidenciou que o uso da chupeta pode ser um fator significativo de risco para a interrupção precoce da amamentação exclusiva.29 Esses resultados, ainda conflitivos, indicam que a questão demanda mais aprofundamento.
Como limitação do nosso estudo, podemos referir a possível falta de poder para algumas das associações avaliadas. Por outro lado, é importante ressaltar que foi um inquérito censitário, e não uma simples amostra que cobrisse a faixa etária mais indicada para se fazerem estudos que requeiram o resgate de dados anteriores sobre o aleitamento materno, por conta do viés recordatório que se acentua em idades mais elevadas das crianças.
Conclusivamente, o estudo possibilitou observar que os diversos indicadores aplicados aos itens de classificação das práticas de amamentação nas crianças estudadas podem ser indicativos do processo recente de avanço vigente no país no campo do aleitamento materno.4,30 Ademais, duas observações analíticas são de considerável importância, uma de caráter positivo: o papel da visita domiciliar na primeira semana de vida, um cuidado que prevalece como fator de proteção do AME, e que, portanto, deve ser valorizado como orientação de forma sistemática.31 Outra condição para sua influência negativa (o uso da chupeta), que compromete a alimentação ao peito, representa uma prática tradicional que deve ser desestimulada.11
FinanciamentoPrograma Nacional de Pós‐Doutorado (PNPD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Silva VA, Caminha MF, Silva SL, Serva VM, Azevedo PT, Batista Filho M. Maternal breastfeeding: indicators and factors associated with exclusive breastfeeding in a subnormal urban cluster assisted by the Family Health Strategy. J Pediatr (Rio J). 2019;95:298–305.