Nesta edição do Jornal de Pediatria, os autores Drs. Geraldini, Chong Neto, Riedi e Rosario1 tentam fornecer outra peça do quebra-cabeça para apresentar conclusões adicionais sobre sintomas oculares associados a alergias. Os autores utilizaram um instrumento validado com foco na população escolar adolescente, que já apresentaram mais de três casos de prurido ocular, com maior probabilidade de terem causa alérgica que infecciosa, embora também possa incluir uma subpopulação com síndrome do olho seco. Como a superfície frontal do olho não está exposta apenas a alérgenos como esporos de bolor e pólen, mas também a fatores ambientais como temperatura, umidade, fumaça de cigarro e outros poluentes que também podem gerar sinto- mas de prurido, lacrimejamento e vermelhidão são comuns em conjuntivite alérgica e síndrome do olho seco.2
Os autores projetaram seu estudo de forma paralela ao Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC), que apresentou uma visão geral interessante dos sintomas relacionados às alergias, agrupando-as em alergias nasais, respiratórias e oculares. Um dos achados mais incomuns nesse estudo foi a correlação cada vez maior entre alergia ocular e asma (mais que a nasal), uma combinação inco- mum, já que normalmente consideramos a doença um sin- toma associado à rinoconjuntivite. Geralmente, as infor- mações relacionadas a sintomas oculares são encontradas nos estudos sobre rinite alérgica, porém, desde o início da década de 1990, os estudos passaram a reconhecer o domí- nio ocular da rinite alérgica ou quando as queixas oculares excederam os sintomas nasais, como “rinoconjuntivite”.3 Os autores destacaram que os sintomas oculares aumentaram ainda mais com a combinação de asma e alergias nasais, sugerindo que alguns dos sintomas oculares podem ocorrer sozinhos e, assim, refletir tanto uma forma não alérgica de conjuntivite, como o olho seco, quanto a “alergia ocular tipicamente urbana”.4–6 A gravidade associada a sintomas oculares em comparação a sintomas de alergia nasal tem sido normalmente ignorada, porém, com levantamentos recentes, como o Allergies Across America [Alergias na América] e outros, as alergias oculares se classificam quase em segundo lugar e, às vezes, podem superar as principais queixas de congestão nasal.7 Outro estudo com adolescen- tes em idade escolar (de 12 a 13 anos; n = 396), realizado na Suécia por meio de um questionário e uma entrevis- ta subsequente, estimou que a prevalência cumulativa de conjuntivite alérgica era de 19%, ao passo que a preva- lência de rinoconjuntivite alérgica era de 18%, sugerindo uma comorbidade de aproximadamente 92%, bem como o potencial dos sintomas oculares existentes de forma isola- da (8%).8 Outros estudos sobre “conjuntivite alérgica” com base no ISAAC concluíram que, mesmo em países em des- envolvimento como a Uganda, onde a alergia possui uma baixa prevalência, de acordo com o ISAAC, a conjuntivite alérgica foi relatada por 20% da população.9 Embora mais especificamente em jovens adolescentes (de 13 a 14 anos; n = 3.058), os nigerianos selecionados aleatoriamente que demonstraram taxas de prevalência cumulativa de pieira, rinite que não resfriado comum e sintomas de eczema foram 16%, 54% e 26%, respectivamente. Entretanto, a rinite asso- ciada a prurido ocular (rinoconjuntivite alérgica) foi rela- tada por 39% das crianças em idade escolar, ou seja, 80% desses pacientes relataram casos de rinite.10 Contudo, em geral, o Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC) demonstrou que a prevalência de rinite com pru- rido ocular e lacrimejamento (rinoconjuntivite) variou em todos os centros de 1% a 15% em crianças de seis a sete anos, e de 1% a 39% em adolescentes de 13 a 14 anos.11 Entretanto, não está claro se as prevalências de rinite e conjuntivite foram semelhantes ou se um sintoma foi mais comum que o outro. Contudo, esses estudos não observa- ram a associação com a asma, uma constatação destacada apenas neste estudo.
Um estudo examinou a prevalência de alergia ocular com asma. Nesse estudo, a prevalência e gravidade dos sintomas de febre do feno autorrelatados foram avaliadas, na Suíça, em 509 pacientes sintomáticos que não estavam recebendo tratamento no momento em que procuraram assistência médica na temporada de pólen de 1994. A con- juntivite foi diagnosticada em 93% dos casos (isolada em 8%), e a rinite em 92% (isolada em 7%), com 24% de sinto- mas de asma ativa relatados. A gravidade dos sintomas de asma era leve em 44% dos casos, moderada em 48%, e grave em 8%. Quando a principal sintomatologia da febre do feno (excluindo a asma) foi levada em consideração (o diagnós- tico com a sintomatologia mais grave), 22% dos pacientes tinham, predominantemente, conjuntivite, 25% rinite, e 53% as duas doenças.12
Os autores fornecem um parecer mais detalhado para uma faixa etária específica quanto a sintomas oculares que foram previamente relatados no Levantamento e Exame de Saúde e Nutrição Nacional (NHANES, nos Estados Unidos), que também avaliou diversas questões a respeito de queixas oculares, nasais e respiratórias, juntamente com a reali- zação de um teste cutâneo em um subgrupo de participan- tes de todas as faixas etárias. Esse estudo incluiu o teste cutâneo para vários alérgenos sazonais e perenes,13 porém não utilizou as mesmas perguntas do ISAAC. Esse fato leva à questão de que um trabalho adicional é necessário para entender ainda mais a sobreposição de doenças alérgicas e não alérgicas da superfície frontal em diferentes faixas etá- rias. Esse estudo epidemiológico da alergia ocular também fornecerá alguma conclusão quanto à prevalência de sin- tomas oculares relacionados a mudanças no filme lacrimal com concentrações cada vez maiores de vários mediadores e solutos alérgicos que aumentam ainda mais a osmolarida- de lacrimal, utilizada como indicador de síndromes do olho seco. As doenças do olho seco são consideradas incomuns na população adolescente, porém aumentam claramente com a exposição a poluentes e fumaça de cigarro em qual- quer idade.14,15
De maneira interessante, em diversos estudos que ten- taram classificar as várias formas de alergia ocular, sempre pareceu haver um conjunto de pacientes não diagnostica- dos ou não responsivos que não reagiram ao tratamento médico. Alguns autores preveem um entendimento melhor de doenças anteriores da superfície ocular.16
Assim, as peças do quebra-cabeça relacionadas à aler- gia ocular que começaram a se juntar na década de 1990, quando um foco cada vez maior em alergia ocular como uma entidade separada começou a evoluir com a pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica dos Estados Unidos, continuam a se juntar de forma cada vez mais consciente. Esse fato proporciona uma maior oportunida- de de definir a doença com mais detalhes em diferentes populações, faixas etárias e ambientes com exposição a diferentes alérgenos e poluentes e, de fato, dá um sinal a todos nós!
Não se pode tratar adequadamente uma doença se não se considerar, de fato, que ela existe!
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesse.