A cada ano, um em cada 10 bebês, em todo o mundo, nasce prematuro, e mais de 90% deles nascem em países de baixa e média rendas, como o Brasil.1 Melhorias no cuidado intensivo neonatal e aumento da sobrevida de neonatos prematuros levaram a um aumento nos impactos de longo prazo sobre nascimentos prematuros, especificamente a respeito dos resultados metabólicos, como densidade mineral óssea (DMO) e época e extensão do crescimento de recuperação (“catch‐up”).
Doença óssea metabólica da prematuridadeOs neonatos prematuros são particularmente suscetíveis à doença óssea metabólica por dois motivos principais: primeiro, 80% do acúmulo mineral ósseo fetal ocorrem durante o último trimestre de gravidez, com um aumento da transferência placentária de cálcio, magnésio e fósforo para o neonato.2 Um neonato prematuro fora do útero deve fazer o acúmulo mineral ósseo durante esse período sem o auxílio do ambiente placentário normal, e quase todos esses neonatos terão conteúdo mineral ósseo (CMO) significativamente menor que aqueles nascidos a termo. Segundo, as condições de vida fora do útero tornam a movimentação e o fortalecimento de seus ossos mais difíceis para os neonatos, o que seria feito por eles dentro do útero.3 Bem como a deficiência mineral, a DMO reduzida também é consequência de outros fatores, como medicação (p. ex. esteroides, diuréticos etc.), comprometimento respiratório4 e infecção,5 que podem prejudicar o trabeculado ósseo. Apesar de a doença óssea metabólica da prematuridade normalmente ser assintomática e descrita como autolimitante,6 a contínua preocupação é de que a submineralização durante esse período crítico possa aumentar o risco de fratura na infância. Talvez ainda mais importante, de que ela possa resultar em redução do pico de massa óssea,7 que é um fator relevante de predição do risco de osteoporose na vida adulta.
Impacto do nascimento prematuro sobre resultados ósseos metabólicos tardiosNesta edição do Jornal de Pediatria, Quintal et al.8 realizaram um estudo longitudinal abrangente, examinando a mineralização óssea e a composição corporal utilizando a absorciometria com Raios‐X de Dupla Energia (DXA) em 14 neonatos prematuros durante os primeiros seis meses após o nascimento, e os compararam a neonatos a termo. Isso é importante, já que estudos de pesquisas anteriores produziram dados conflitantes a respeito do efeito da prematuridade sobre o DMO posteriormente. Compatível com os dados deste estudo, os realizados anteriormente em neonatos prematuros mostraram uma menor massa óssea,9 CMO7 e DMO4 na idade de termo corrigida, bem como peso e índice ponderal mais baixos.7 Contudo, vários deles não conseguiram demonstrar uma associação entre nascimento prematuro e resistência óssea tardia,5,10,11 enquanto outros mostraram maior CMO e DMO em crianças nascidas a termo, em comparação às prematuras, no acompanhamento.4,12 Uma possível explicação para a variação nos resultados dos estudos pode ser o tempo de acompanhamento, pois a recuperação na mineralização óssea pode ocorrer durante toda a infância e adolescência.13 Vale notar, contudo, que no estudo de Quintal et al.8 a mineralização óssea da recuperação parece ter ocorrido no início da infância, de forma que os dados dos neonatos prematuros e a termo foram comparáveis até os seis meses de idade. Isso pode ser atribuível aos benefícios persistentes dos fatores de crescimento presentes no leite materno, já que, na a coorte de Quintal et al., todos foram amamentados, em comparação a muitos dos dados publicados sobre bebês alimentados por fórmula. O acompanhamento contínuo dessa coorte com exames adicionais de DXA na infância e na vida adulta tardia forneceria informações adicionais sobre seu pico de massa óssea.
A influência exata do peso ao nascer sobre a DMO posterior continua incerta. Alguns estudos encontraram que, apesar de neonatos prematuros serem mais leves durante a infância que seus pares nascidos a termo, sua DMO era adequada para a estatura. Adultos que nasceram prematuros continuam, em média, ligeiramente mais baixos que seus pares nascidos a termo. Como alguns estudos podem não ter feito ajustes adequados à estatura atual, pode ser difícil determinar se a DMO é adequada ou não à estatura. Também existe uma comprovação de que neonatos com muito baixo peso ao nascer (MBPN), prematuros ou não, atingem um pico de massa óssea abaixo do ideal devido à sua baixa estatura, mas também sua mineralização esquelética subnormal.5 O estudo de coorte de Hertfordshire (que formou a base de vários estudos de Barker) mostrou que o peso ao nascer estava independentemente associado à densidade óssea aos 60‐75 anos de idade. Apesar de nenhum outro estudo ter encontrado associação a nascimento prematuro e pico de massa óssea,14 estava claro o efeito de ser pequeno para a idade gestacional, sugerindo que a proporção de massa óssea posterior é determinada por eventos que ocorrem dentro do útero, como crescimento fetal.
Desafios da otimização da nutricional neonatalO uso de leite materno enriquecido neste estudo e aleitamento materno exclusivo após alta é recomendável. O leite materno está associado a vários benefícios no curto (p. ex. redução da incidência de enterocolite necrosante) e longo prazo (p. ex. melhoria no resultado cognitivo). Um estudo por Fewtrell et al.15 mostrou que a variável com o maior efeito sobre a DMO em adultos foi a proporção da ingestão de leite materno. Considerando que o leite materno possui um conteúdo mineral muito inferior à fórmula, exigindo fortificação para atender às exigências nutricionais, os dados de Fewtrell et al. sugerem um possível papel benéfico para os componentes não nutricionais, como os fatores de crescimento. A coorte de Quintal et al.8 destaca os desafios de fornecer uma nutrição adequada para promover o crescimento em neonatos prematuros. Apesar de, atualmente, muitas unidades se esforçarem para incentivar a amamentação precoce, hoje, a nutrição parenteral (NP) é comum em grande parte das UTINs e fornecem nutrientes enquanto a tolerância enteral é atingida: neste estudo, apesar de a nutrição enteral ter sido iniciada logo após o nascimento, grande parte recebeu auxílio de NP com uma duração média de NP de 12 dias.
Os neonatos prematuros perdem a importante fase de acúmulo mineral no terceiro trimestre e, portanto, são ainda mais vulneráveis aos efeitos do fornecimento mineral inadequado no período após o nascimento. Apesar de as soluções da NP terem melhorado drasticamente desde os primeiros relatos de uso neonatal no final dos anos 60, os problemas relacionados ao fornecimento mineral existem porque cálcio e fosfato são insolúveis em concentrações elevadas. O aumento da disponibilidade de sais orgânicos, como glicerofosfato de sódio, melhorou a solubilidade (e, portanto, o fornecimento mineral) e o aumento da ingestão de aminoácidos resultam, provavelmente, em maior massa magra e acúmulo de massa óssea que no passado, porém o fornecimento de NP ainda não fornece uma base comprovatória e ainda existem muitas preocupações.16 Em especial, a contaminação por alumínio continua a ser um problema comum e está independentemente associada a CMO reduzido na infância tardia.15
A deficiência mineral óssea e outros problemas de crescimento acumulados enquanto a nutrição enteral é estabelecida normalmente aumentam durante a permanência na UTIN. A absorção de minerais fica comprometida devido ao baixo conteúdo no leite materno não enriquecido (principalmente fosfato) e a absorção ineficiente deve‐se a um trato gastrointestinal subdesenvolvido.6 Isso resulta em uma maior perda de densidade óssea que a observada em neonatos a termo e aumenta ainda mais o risco de doença óssea metabólica. Existe uma comprovação atrativa de que a otimização de crescimento precoce por meio de intervenções nutricionais gera efeitos positivos e duradouros sobre a mineralização óssea,10 o que pode parcialmente neutralizar as deficiências ósseas dos prematuros. Em 2009, uma análise sistemática feita por Kusckel e Harding mostrou que a fortificação da nutrição de bebês prematuros melhora o crescimento e o acúmulo mineral ósseo.17 As orientações internacionais de grupos como ESPGHAN recomendam que aqueles que recebem leite materno não enriquecido devem receber suplementação de vitaminas, ferro, ácido fólico, fosfato e sódio.18
Vários estudos têm enfatizado a importância do crescimento precoce sobre a saúde óssea tardia,2 então é encorajador ver, neste estudo, que os neonatos prematuros apresentaram crescimento de recuperação significativo, com aumento no escore z do peso médio, passando de –2,58 às 40 semanas para 0,49 aos seis meses, e aumento no escore z do comprimento médio, passando de –2,22 para –0,59 no sexto mês de acompanhamento. Em um estudo de Cooper et al., os mais leves no primeiro ano de idade apresentaram menor CMO.2 Em um estudo adicional, o ganho de peso durante os dois primeiros anos de vida foi preditivo de DMO aos 9‐14 anos de idade.19 Fewtrell et al. sugeriram que neonatos prematuros com aumento mais substancial no peso (comprimento) entre o nascimento e o acompanhamento apresentaram a maior massa óssea no acompanhamento.12 Eles também comprovaram que somente o comprimento ao nascer foi um forte preditivo de massa óssea tardia, sugerindo que a otimização do crescimento linear precoce pode ser benéfica à saúde óssea tardia. Contudo, o escore z do peso médio a termo de ‐2,58 no estudo de Quintal et al.8 destaca os grandes desafios de promover crescimento adequado durante a permanência na UTIN. Apesar de os neonatos apresentarem crescimento de recuperação expressivo até os seis meses de idade, a drástica queda nos percentis de crescimento durante a permanência na UTIN, seguida de um período de rápida aceleração no crescimento, representa um padrão muito diferente do visto no acompanhamento de gravidezes normais. Independentemente de esse tipo de trajetória de crescimento representar um risco independente de resultado metabólico adverso tardio, ele exige estudo adicional, porém destaca que o crescimento, em vez de tamanho absoluto, é a principal variável que determina saúde de prazos mais longos.
Uso do exame de DXA como um complemento para a bioquímica na detecção de doença óssea metabólicaQuintal et al.8 mostraram que o exame de DXA é uma técnica confiável e bem validada para estimar o CMO e a DMO. É muito aceita devido à sua natureza não invasiva e seu curto tempo de duração, e os níveis de radiação envolvidos são inferiores aos de base. Os novos aparelhos de DXA com resolução de imagem aprimorada possibilitam o cálculo preciso dos índices de massa corporal e massa magra, apesar de não conseguirem determinar com fiabilidade a proporção de tecido adiposo. Radiografias simples em neonatos prematuros na UTIN demonstram com mais frequência osteopenia, porém são marcadores pouco sensíveis de DMO. Marcadores bioquímicos podem ajudar a determinar a presença de doença óssea metabólica; por exemplo, níveis elevados de fosfatase alcalina podem ser úteis para verificar os níveis de cálcio e fosfato séricos.20 Contudo, a complexidade dos processos envolvidos na doença óssea metabólica da prematuridade significa que as medidas bioquímicas também são pouco sensíveis. O importante no manejo é concentrar os esforços que minimizem sua ocorrência até se tornar viável em ambientes de UTIN, em vez de aperfeiçoar métodos de detecção sensíveis. Isso pode ser feito incentivando o uso de soluções de NP livres de alumínio e suplementadas com minerais de alta qualidade com quantidades adequadas de aminoácidos, em associação ao uso precoce e mantido do leite materno, complementado pelo uso de rotina de fortificantes que atendam às necessidades nutricionais.
Epigenética e metabolismo ósseoMuitos dos efeitos de longo prazo sobre a saúde óssea podem ser devidos à programação e podem ser modulados pelos mecanismos da epigenética – alterações hereditárias por mitose no potencial de expressão genética que não são causadas por alterações na sequência do DNA. Os exemplos clássicos são metilação do DNA e acetilação das histonas21 e resultam em diferenças na expressão e transcrição de genes, porém também poderão envolver efeitos pós‐transcricionais sobre outros processos, como tradução proteica. O crescimento e as exposições nutricionais no início da vida parecem afetar a ‘memória celular’ e resultam em variação nos fenótipos na vida tardia. Muito deste trabalho é preliminar, porém os dados iniciais sugerem que os mecanismos epigenéticos poderão ser a base do processo de plasticidade do desenvolvimento e de seu efeito sobre o risco da osteoporose. Um dos modelos que foram postulados é o papel da vitamina D da mãe e da transferência de cálcio pós‐natal. Um trabalho anterior sobre metilação e sobre os receptores de vitamina D e transportadores de cálcio placentários sugerem que a regulação epigenética pode explicar como os níveis maternos de vitamina D afetam a mineralização óssea no neonato.21 A maior parte da pesquisa atual é baseada em modelos animais, porém, caso as mudanças possam ser reproduzidas em humanos, os biomarcadores epigenéticos ou outros biomarcadores podem fornecer ferramentas de avaliação de risco para possibilitar uma intervenção direcionada àqueles com maior risco de osteoporose.
Prioridades futuras clínicas e de pesquisaEstudos longitudinais com perdas mínimas de atrito e principalmente aqueles conduzidos em ambientes de ensaio clínico controlado e randomizado são necessários, caso precisemos melhorar os resultados de saúde de neonatos prematuros em todo o mundo. Esta pesquisa precisa ser de alta qualidade e realizada em países de baixa, média e alta rendas, para que a generalização pode ser maximizada. A relação risco‐benefício das intervenções médicas são sensíveis ao indivíduo e ao contexto do setor de saúde. Contudo, a importância do crescimento ósseo e corporal precoce no desenvolvimento de doenças metabólicas, como a osteoporose, significa que a otimização da nutrição antes e depois da alta hospitalar deve continuar uma prioridade clínica. É importante ressaltar que maiores esforços devem ser aplicados para ajudar nas iniciativas de pesquisa e de melhoria de qualidade dentro e entre os países – precisamos melhorar nosso trabalho colaborativo!
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.