A constipação infantil é uma das disfunções gastrointestinais mais frequentes, com média de prevalência de 14%.1 Na América do Norte e na do Sul a prevalência em neonatos a adolescentes varia entre 10 e 23%, ao passo que na Europa são relatados números entre 0,7 e 12% em crianças.2 Na Ásia (inclusive neonatos‐adolescentes), a prevalência é estimada entre 0,5 e 29,6%.2 Apesar de a constipação ocorrer em todos os continentes, atualmente há uma falta de dados sobre prevalência em crianças da África e da Oceania. Muitos fatores contribuem para a grande variação na prevalência relatada de constipação em crianças. Os diferentes critérios usados para a definição de constipação funcional em estudos tornam as estimativas e comparações de prevalência complicadas.
A fisiopatologia da constipação funcional em crianças continua incerta, porém é multifatorial. Recentemente foram divulgados os novos critérios de Roma IV.3 O mecanismo mais comum de desenvolvimento da constipação funcional, principalmente em crianças pequenas, é o comportamento de retenção, que se inicia após uma evacuação dolorosa e assustadora. O mecanismo mais comum de desenvolvimento da constipação funcional é o comportamento de retenção. Em crianças pequenas esse comportamento se inicia após uma evacuação dolorosa e assustadora e em crianças mais velhas se inicia devido ao estilo de vida muito ativo e ao sistema escolar no qual elas não têm o tempo para uma evacuação adequada.
As fezes continuam no reto, a mucosa retal absorve água das fezes retidas, o que torna a evacuação mais difícil. Esse círculo vicioso pode levar à impactação fecal, às vezes à incontinência fecal por transbordamento, perda da sensação retal e, por fim, perda da vontade normal de defecar. Em um subgrupo de crianças, a constipação funcional pode ocorrer devido a trânsito lento.
Em 2014, as Sociedades Norte‐Americana e Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria publicaram novas diretrizes clínicas para avaliação e tratamento de constipação funcional em crianças.4 As recomendações para manejo da constipação funcional incluem “ingestão normal de fibras e líquidos, atividade física normal e tratamento farmacológico adicional para desimpactação fecal retal seguido de terapia de manutenção farmacológica”.4 A baixa ingestão de água e fibras faz parte da lista de fatores de risco alimentar para desenvolvimento de constipação.2,4 Portanto, as recomendações são aumentar o volume de água e fibras para um nível normal, considerado adequado para a idade da criança.4 Com relação à terapia de manutenção, as diretrizes da NASPGHAN/ESPGHAN recomendam o uso do polietilenoglicol (PEG) com ou sem eletrólitos (0,2 – 0,8g/kg).4
Cassettari et al. relatam essa questão na eficácia de duas colheres de sopa de biomassa de banana verde (30g/dia) durante oito semanas como terapia adjuvante para laxantes em crianças entre 5‐15 anos.5 A conclusão de que acrescentar fibra alimentar ao manejo da constipação funcional é eficaz e contribui para reduzir o uso de laxantes parece ser muito atrativa. Os pacientes foram selecionados em uma clínica ambulatorial terciária e os resultados em um nível primário de saúde, nos quais a maior parte das crianças com constipação não complicada é atendida, ainda precisam ser demonstrados. As crianças foram orientadas a continuar sua dieta e ingestão de líquidos habituais, porém isso não foi controlado. Não há também informação sobre sua ingestão de líquidos e fibras; talvez sua ingestão tenha sido muito abaixo das recomendações. Apesar de o número total de pacientes incluídos ser 80, há somente 15 a 17 pacientes em cada tipo de tratamento.5 Foram estudados cinco grupos de pacientes: picossulfato de sódio, polietilenoglicol (PEG), biomassa de banana verde, picossulfato e banana, PEG e banana. A maior parte dos sintomas de constipação funcional apresentou melhoria significativa em todos os grupos.5 A frequência de defecação não melhorou no grupo com biomassa de banana verde como única intervenção, ao passo que o aumento foi estatisticamente significativo em todos os outros grupos. Isso sugere que os laxantes são necessários para aumentar a frequência de defecação. A dor abdominal melhorou em todos os grupos, exceto no grupo tratado somente com picossulfato de sódio. Contudo, a aceitabilidade e a tolerância foram relatadas como significativamente maiores com picossulfato de sódio do que com PEG.6 O picossulfato de sódio é hidrolisado por bactérias colônicas para formar um metabólito ativo: bis‐(p‐hidroxifenil)‐piridil‐2‐metano, que atua diretamente na mucosa colônica para estimular a peristalse colônica. A dor abdominal persistente pode ser explicada pelo fato de que o picossulfato estimula peristalse e, assim, pode aumentar as cólicas e dor. Contudo, a incontinência fecal, uma das consequências de isolamento social e mais inconvenientes da constipação funcional, apresentou melhoria somente nos grupos “combinados”: biomassa de banana verde e laxantes.
A preparação da biomassa de banana verde foi descrita em detalhes e muito bem padronizada, aumentou o valor científico do modelo e dos achados do estudo, porém questionou o valor de extrapolação dos achados. O ponto final primário foi estabelecido em oito semanas.5 Consequentemente, não há dados sobre eficácia de longo prazo. As bananas, originadas da região indo‐malaia, são a quarta fruticultura no mundo. Apesar de a banana verde ser simplesmente uma banana amarela não madura, ela tem propriedades diferentes. Enquanto a banana amarela pode ser consumida imediatamente após ser descascada, a banana verde é mais bem consumida se cozida ou frita. O preparo da biomassa usada no estudo, banana verde descascada, parece diferir de como a banana verde normalmente é consumida. Nutricionalmente, a banana verde é uma boa fonte de fibras, vitaminas e minerais. Ela contém, também, amido, que pode contribuir para um melhor controle de açúcar no sangue e do peso e reduzir os níveis de colesterol no sangue.
Contudo, os níveis de taninos nas bananas verdes variam de 122,6mg a 241,4mg. À medida que as bananas amadurecem, o teor de taninos reduz e torna‐se parte da polpa. Os taninos, comumente chamados de ácido tânico, são polifenóis solúveis em água que estão presentes em muitos alimentos vegetais. Eles foram relatados como responsáveis por reduções na ingestão de alimentos, taxa de crescimento, eficiência alimentar, energia metabolizável líquida e digestibilidade de proteínas em animais experimentais.7 Portanto, alimentos ricos em taninos são considerados de baixo valor nutricional. Contudo, os últimos achados indicam que o principal efeito dos taninos não foi devido à sua inibição no consumo alimentos ou digestão, porém, em vez disso, a redução na eficiência na conversão dos nutrientes absorvidos para novas substâncias corporais. As atividades antimicrobianas dos taninos são bem documentadas.8 O crescimento de muitos fungos, leveduras, bactérias e vírus foi inibido por taninos. O ácido tânico e o galato de propilo, porém não ácido gálico, inibem as bactérias de origem alimentar, bactérias aquáticas e micro‐organismos que produzem sabor. Suas propriedades antimicrobianas parecem estar associadas à hidrólise da ligação éster entre ácido gálico e polióis hidrolisados após o amadurecimento de muitas frutas comestíveis. Os taninos em frutas servem, então, como um mecanismo de defesa natural contra infecções microbianas. Foi relatado também que os taninos exercem outros efeitos fisiológicos, como acelerar a coagulação sanguínea, reduzir a pressão arterial, reduzir o nível de lipídios séricos, produzir necrose no fígado e modular as respostas imunológicas.7,8
Uma desvantagem, embora rara, dos taninos é que eles podem causar dores de cabeça em algumas pessoas.9 Os taninos são meio que uma espada de dois gumes, apesar de proporcionar certos benefícios à saúde, podem interferir na digestão e absorção de minerais de nossos alimentos, principalmente ferro.10 Consumir grandes quantidades de taninos pode induzir constipação e dor de estômago, pois esses compostos à base de plantas afetam a mucosa intestinal e impedem o relaxamento dos músculos do aparelho digestivo.
Infelizmente, não há informações sobre o consumo habitual de líquidos e fibras dos pacientes incluídos. Portanto, não sabemos se, com a “biomassa de banana verde” adicional, a ingestão de fibras chegou a níveis normais ou se a ingestão de fibras foi aumentada, acima dos níveis recomendados. Em outras palavras, a questão de se “a ingestão de fibras acima do recomendado” seria benéfica não foi abordada. Sabe‐se que uma ingestão muito baixa de fibras é uma causa bem conhecida de constipação funcional. Mostramos em um pequeno estudo que o consumo diário de banana amarela por neonatos não mudou a composição das fezes, em contrapartida à crença dos pais em geral.11 Pelo contrário, mostrou‐se uma tendência com relação a fezes mais moles, já que 11% apresentaram fezes duras na época da inclusão, em comparação a depois de três semanas de consumo de banana diariamente. As fezes formadas evoluíram de 30% na inclusão para 81% após três semanas.11 A conclusão de nosso ensaio‐piloto foi que o consumo diário de banana amarela mostrou tendência de normalização da composição das fezes em neonatos, bem como naqueles com líquidos e com fezes duras.11
Em tese, as fibras podem ter um efeito negativo sobre a constipação funcional, caso o mecanismo fisiopatológico por trás seja comportamento de retenção e quando o consumo de água é insuficiente. Quando há retenção, o cólon terá mais tempo para absorver a água da massa fecal, aumenta o volume do material seco e, assim, agrava os sintomas de constipação funcional, como dor ao defecar.
Conclusão: a biomassa de banana verde parece ser eficaz no manejo da constipação funcional e na redução da necessidade de laxantes. Como a banana verde está presente em muitos países em desenvolvimento e de forma amplamente disponível e acessível, esse achado é clinicamente interessante e relevante. Os achados devem ser repetidos no nível de saúde primária e em grupos maiores. Ademais, o estado nutricional das crianças em muitos desses países normalmente também é contestado. Como o tratamento da constipação funcional precisará de intervenção de longo prazo, as consequências nutricionais, como absorção de ferro reduzida como consequência do manejo de taninos e fibras, precisam ser avaliadas.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.