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Vol. 96. Núm. 5.
Páginas 600-606 (Setembro - Outubro 2020)
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Vol. 96. Núm. 5.
Páginas 600-606 (Setembro - Outubro 2020)
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Evaluation of the measurement properties of the Brazilian version of two quality‐of‐life questionnaires in food allergy – for children and their parents
Avaliação das propriedades de medida da versão brasileira de dois questionários de qualidade de vida em alergia alimentar – para crianças e seus pais
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Raquel Bicudo Mendonçaa, Dirceu Soléb,
Autor para correspondência
sole.dirceu@gmail.com

Autor para correspondência.
, Audrey DunnGalvinc, Claudio Arnaldo Lend, Roseli Oselka Saccardo Sarnie
a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ciências Aplicadas à Pediatria, São Paulo, SP, Brasil
b Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Área de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, São Paulo, SP, Brasil
c University College Cork, School of Applied Psychology, Cork, Irlanda
d Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
e Faculdade de Medicina do ABC, São Paulo, SP, Brasil
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Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Características clínicas e demográficas das crianças incluídas no estudo
Tabela 2. Coeficiente de correlação de Spearman entre os escores de FAQLQ‐PF e PedsQLTM 4.0, de acordo com os domínios, por faixa pediátrica
Tabela 3. Coeficiente de correlação de Spearman entre os escores de FAQL‐PB e PedsQLTM Módulo Impacto na Família, de acordo com os diferentes domínios
Tabela 4. Escore de qualidade de vida, de acordo com o questionário aplicado
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Abstract
Objective

To evaluate the psychometric properties of the Brazilian version of health‐related quality‐of‐life questionnaires of children with food allergy and their parents.

Methods

The translation and cultural adaptation processes were previously performed, according to the method proposed by the World Health Organization. After this stage, the questionnaires were applied to 201 parents of children under 6 years of age with food allergy. The assessment of the psychometric properties included: evaluation of the internal consistency by Cronbach's alpha coefficient; of the reproducibility by the intraclass correlation coefficient between test and retest; and of the construct, using Spearman's correlation coefficient, comparing the obtained scores with those of generic questionnaires that evaluate health‐related quality of life.

Results

The means of the obtained scores were 2.44 and 3.35, for the children and their parents, respectively. Cronbach's alpha coefficients were 0.85 and 0.91, respectively, which showed good internal consistency of the tools. The intraclass correlation coefficients between test and retest were 0.87 and 0.84 for children and their parents, respectively, showing good reproducibility for both questionnaires. The correlation between the specific and the generic questionnaires was significant (−0.27 for the children, −0.64 for their parents, p<0.05).

Conclusions

The specific questionnaires to evaluate the health‐related quality of life of children with food allergy and of their parents were satisfactorily validated to be used in Brazil.

Keywords:
Quality of life
Surveys and questionnaires
Food hypersensitivity
Child health
Caregivers
Family
Resumo
Objetivo

Avaliar as propriedades psicométricas da versão brasileira dos questionários de qualidade de vida relacionada à saúde de crianças com alergia alimentar e de seus pais.

Método

Os processos de tradução e adaptação cultural foram feitos previamente, de acordo com o método proposto pela Organização Mundial da Saúde. Após essa etapa, os questionários foram aplicados a 201 pais de crianças menores de 6 anos com alergia alimentar. A avaliação das propriedades psicométricas incluiu: avaliação da consistência interna, pelo coeficiente alfa de Cronbach; da reprodutibilidade, pelo coeficiente de correlação intraclasse entre teste e reteste; e do constructo, empregou‐se o coeficiente de correlação de Spearman, comparando os escores obtidos com os de questionários genéricos que avaliam a qualidade de vida relacionada à saúde.

Resultados

As médias dos escores obtidos foram 2,44 e 3,35, para as crianças e seus pais, respectivamente. Os coeficientes alfa de Cronbach foram 0,85 e 0,91, respectivamente, o que demonstrou boa consistência interna dos instrumentos. Os coeficientes de correlação intraclasse entre os testes e os retestes foram 0,87 e 0,84, para crianças e seus pais, respectivamente, demonstraram boa reprodutibilidade para ambos os questionários. A correlação entre os questionários específicos e genéricos foi significante (−0,27 para as crianças; −0,64 para os pais; p<0,05).

Conclusões

Os questionários específicos para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de crianças com alergia alimentar e de seus pais foram satisfatoriamente validados para uso no Brasil.

Palavras‐chave:
Qualidade de vida
Inquéritos e questionários
Hipersensibilidade alimentar
Saúde da criança
Cuidadores
Família
Texto Completo
Introdução

Qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é definida como uma percepção individual sobre os efeitos de uma doença e as consequências de sua terapia, consideram‐se aspectos físicos, sociais e psicológicos.1

A QVRS pode ser avaliada por instrumentos genéricos ou específicos para cada doença. Os primeiros são úteis por permitir a comparação entre diferentes doenças, enquanto os instrumentos específicos, apesar de não permitir tal comparação, são mais sensíveis e, portanto, mais propensos a detectar pequenas alterações.2

Desde 2003, alguns pesquisadores têm desenvolvido questionários para avaliar a QVRS de indivíduos com alergia alimentar (AA), em diferentes faixas etárias. Um dos instrumentos mais usados, nos últimos anos, têm sido o Food Allergy Quality of Life Questionnaire – Parent Form (FAQLQ‐PF), que já foi traduzido e adaptado para diversos idiomas e demonstrou validação adequada em diferentes culturas.3 Esse questionário os pais respondem pelos seus filhos (proxy). Outro instrumento bastante usado é o Food Allergy Quality of Life – Parental Burden (FAQL‐PB) Questionnaire, que reporta a qualidade de vida dos pais de crianças com AA.4

A identificação dos fatores que afetam a QVRS de indivíduos com AA e seus parentes pode auxiliar na escolha das melhores formas de abordar o diagnóstico e direcionar o tratamento desses pacientes.5

O presente estudo tem por objetivo avaliar as propriedades psicométricas da versão brasileira dos questionários FAQLQ‐PF e FAQL‐PB.3,4

Método

A avaliação das propriedades psicométricas da versão brasileira dos questionários FAQLQ‐PF e FAQL‐PB foi feita de acordo com o método habitualmente empregado para instrumentos de QVRS.6 Os processos de tradução e adaptação cultural dos instrumentos foram anteriormente feitos, de acordo com o método proposto pela Organização Mundial da Saúde, e já estão publicados.7,8

ParticipantesRecrutamento

O presente estudo foi feito em quatro locais: três serviços de saúde de referência e um centro de distribuição gratuita de fórmulas especiais para as crianças com alergia ao leite de vaca, mantido pelo Governo do Estado de São Paulo.

Foram convidados a participar do estudo pais de crianças com até seis anos, com diagnóstico clínico de AA previamente estabelecido (formas mediadas por IgE, não mediadas e mistas) e que estavam em tratamento e/ou acompanhamento nos ambulatórios onde as entrevistas foram feitas.

Os critérios de exclusão foram: história clínica duvidosa sobre AA, como aquelas baseadas apenas em sintomas subjetivos e/ou não reprodutíveis; relatos de que a criança já havia superado a AA; presença de outra doença de base, tais como, diabetes, asma, entre outras doenças crônicas que pudessem interferir na QVRS das crianças e seus pais.

As características clínicas e demográficas das crianças foram obtidas por questionário padronizado, desenvolvido para essa pesquisa.

Cálculo do tamanho da amostra

O FAQLQ‐PF tem 30 questões categorizadas em três domínios: impacto emocional, ansiedade em relação aos alimentos e limitações sociais. Pais de crianças até três anos devem responder apenas as 14 primeiras questões, os de quatro a seis anos respondem até a 26ª pergunta e os de sete a 12 anos devem responder todas as questões.9

Para avaliar as propriedades psicométricas da versão brasileira do FAQLQ‐PF, foi estimado que seria necessário entrevistar pelo menos 102 pais de crianças até três anos e 98 pais de crianças de quatro a seis anos. O tamanho da amostra foi calculado com o software estatístico PASS 2008 (Power Analysis and Sample Size System) – NCS. Considerou‐se detectar, com um poder de 90%, a diferença entre o coeficiente α‐Cronbach tendo como hipótese nula um valor do coeficiente de 0,60 (consistência pobre) contra a hipótese opcional com valor de 0,75 (consistência aceitável).10

O questionário FAQL‐PB foi desenvolvido para pais de crianças e adolescentes até 17 anos. O instrumento contém 17 questões, categorizadas em dois domínios: limitações na vida (seis itens) e estresse emocional (11 itens). Para avaliação das propriedades psicométricas da versão brasileira do FAQL‐PB, o tamanho amostral não foi calculado, admitiu‐se que seria suficiente entrevistar pelo menos 100 pais de crianças com AA.

Tamanho da amostra

Participaram deste estudo 201 pais de crianças com AA, 183 de crianças menores de quatro anos e 18 de crianças entre quatro e seis anos. Todos responderam a versão brasileira do FAQLQ‐PF e 148 responderam a versão brasileira do FAQL‐PB.

Considerações éticas

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da universidade ao qual estava vinculado (CAAE: 19515413.8.1001.5505). A participação dos entrevistados se deu apenas após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Medidas

Os escores dos questionários foram obtidos pela média dos valores das respostas, tanto por domínios como totais. Para o cálculo do escore total do FAQLQ‐PF foram considerados apenas os primeiros 14 itens.

Os questionários FAQLQ‐PF e FAQL‐PB têm uma escala de avaliação de 0 a 6 pontos. Para esses questionários, quanto menor o escore obtido, melhor a QVRS do indivíduo.

Para o FAQLQ‐PF, os escores reportados na escala de 0 a 6 foram convertidos para a escala mais tipicamente usada de 1 a 7 pontos (dessa forma as respostas de valor zero, passaram a valer 1, respostas de valor 1 passaram a valer 2 e assim por diante), para ser mais facilmente comparados com publicações de outros autores que empregaram esse instrumento.

Os questionários PedsQLTM 4.0 e o PedsQL – Módulo Impacto na Família têm uma escala de avaliação de 0 a 4 pontos (0=nunca; 4=sempre). Para a determinação dos escores de QVRS segundo esses questionários, os resultados obtidos a partir da escala de 0 a 4 pontos foram transformados em uma escala de 0 a 100, na qual 0=100, 1=75, 2=50, 3=25, 4=0. Após essa transformação, interpreta‐se que quanto menor o escore obtido, pior a QVRS do indivíduo entrevistado. A transformação da escala foi feita de acordo com a orientação Scaling and Scoring of the Pediatric Quality of Life Inventory™ PedsQL TM, disponível em http://www.pedsql.org/PedsQL‐Scoring.pdf.

Análise estatística

Para analisar a distribuição dos dados usamos estatísticas descritivas e gráficos (histogramas e Box‐plots). Como as distribuições eram assimétricas, os dados foram apresentados em medianas e intervalos interquartis (percentil 25–percentil 75).

Avaliação das propriedades psicométricas

A consistência interna dos dois questionários foi avaliada pelo coeficiente α‐Cronbach, consideraram‐se como aceitáveis valores ≥ 0,75.11

Para avaliar a reprodutibilidade dos questionários foi feito o teste‐reteste, ou seja, os questionários foram aplicados num primeiro momento e reaplicados após sete a 30 dias. Essa segunda aplicação foi feita por meio de questionário eletrônico, enviado por e‐mail, ou por questionário impresso, devolvido pelo correio, conforme escolha do participante. Para facilitar a devolução via correio, foram entregues envelopes já com selo e endereço preenchido.

Para análise estatística foi usado o coeficiente de correlação intraclasse (CCI), foram selecionados apenas aqueles questionários cujos pais disseram não ter notado mudança na qualidade de vida deles e de seus filhos, desde a primeira aplicação dos questionários. Para a interpretação da magnitude das correlações foi adotada a seguinte classificação: valores ≤ 0,40 correlação fraca; 0,41–0,60, correlação moderada; 0,61–0,80 boa correlação; e 0,81–1,00 excelente correlação.11

Para validação do constructo, os participantes responderam aos questionários genéricos de QVRS PedsQLTM 4.0 e PedsQL ‐ Módulo Impacto na Família.12–14 Para análise da correlação entre os escores dos questionários genéricos e específicos empregou‐se o cálculo do coeficiente de correlação de Spearman. As correlações foram feitas tanto por domínio quanto por escore total. Para a interpretação da magnitude das correlações foi adotada a classificação proposta por Hulley et al.: coeficientes de correlação<0,3 (correlação de fraca magnitude), ≥ 0,3 a<0,6 (moderada magnitude) e ≥ 0,6 (forte magnitude).15 Correlações fracas a moderadas eram esperadas.

Os dados obtidos com o preenchimento das versões brasileiras dos questionários FAQLQ‐PF e FAQL‐PB foram digitados em banco de dados e a seguir foram feitas as análises estatísticas. As avaliações das propriedades psicométricas foram feitas com o software STATISTICA (StatSoft® South America), versão 12.7. Em todos os testes empregou‐se 5% como o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

ResultadosCaracterísticas da população estudada

Entre os 201 indivíduos incluídos na pesquisa, 75,6% (152) eram mães. A média de idade dos entrevistados foi de 33,5 anos. Em relação às crianças, 52,2% (n=105) eram meninos. As idades variaram de dois meses a 5,9 anos (mediana de 17 meses). A mediana de idade para o estabelecimento do diagnóstico de AA foi de quatro meses. Trinta entrevistados (14,9%) relataram que seus filhos já haviam tido anafilaxia, em 15 casos (7,5%) as crianças apresentaram reações sistêmicas e o uso de epinefrina autoinjetável foi prescrito para cinco crianças (2,5%). A maioria das crianças (98,5%; n=198) apresentava alergia ao leite de vaca e 76,1% (n=153) eram alérgicas a apenas um alimento. As características clínicas e demográficas estão na tabela 1.

Tabela 1.

Características clínicas e demográficas das crianças incluídas no estudo

Características (n=201)  n (%) 
Faixa etária
<6 meses  29 (14,4) 
≥ 6 meses ‐<2 anos  117 (58,2) 
≥ 2 anos ‐<4 anos  37 (18,4) 
≥ 4 anos ‐<6 anos  18 (9,0) 
História de anafilaxia (reportada pelos pais)
Sim  30 (14,9) 
Não  171 (85,1) 
Início dos sintomas
Imediato  131 (65,2) 
Tardio  70 (34,8) 
Sintomas
Gastrointestinal  154 (76,6) 
Cutâneos  125 (62,2) 
Respiratório  88 (43,8) 
Número de alimentos evitados
153 (76,1) 
2‐9  43 (21,4) 
105 (2,5) 
Alimento alergênico
Leite  198 (98,5) 
Ovo  33 (16,4) 
Soja  24 (11,9) 
Frutas  13 (6,5) 
Trigo  6 (3,0) 
Amendoim  6 (3,0) 
Peixe  6 (3,0) 
Frutos do mar  4 (2,0) 
Castanhas  5 (2,5) 
Outroa  12 (6,0) 
a

Outro, carne, frango, porco, mandioca, milho, tomate, ketchup e cacau.

O tempo para responder cada um dos questionários específicos para AA oscilou entre dois e quatro minutos.

Avaliação da confiabilidade e validade dos instrumentos

Para análise da consistência interna da versão brasileira do FAQLQ‐PF foram considerados apenas os dados de crianças menores de quatro anos (n=183). Ao empregar o coeficiente α‐Cronbach, observamos α=0,85, o que demonstrou boa consistência interna entre os 14 itens que compõem o questionário, para essa faixa etária.

Para a análise da consistência interna da versão brasileira do FAQL‐PB foram considerados os dados dos 148 entrevistados que completaram esse questionário. A determinação do coeficiente α‐Cronbach o revelou ser α=0,91, o que demonstrou excelente consistência interna entre os 17 itens do instrumento.

Para avaliação da reprodutibilidade 84 indivíduos participaram do reteste dos questionários. Retornaram o reteste impresso via correio 28 (1/3) e 56 (2/3) responderam o reteste em formato eletrônico. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC) entre o teste e reteste do FAQLQ‐PF foi de 0,874 (intervalo de confiança 95% [IC95%]: 0,793–0,923) e entre o teste e reteste do FAQL‐PB foi de 0,836 (IC95%: 0,734–0,899).

Na avaliação do constructo, como esperado, foi encontrada uma correlação baixa entre os escores totais de FAQLQ‐PF e PedsQLTM 4.0, r=−0,27 (p<0,05; baixa correlação) (tabela 2). Já a correlação entre os escores de FAQL‐PB e PedsQl – Módulo Impacto na Família mostrou r=−0,64 (p<0,05; correlação forte) (tabela 3). A correlação entre os questionários específicos e genéricos também foi feita para cada um dos domínios que compunham os instrumentos (tabelas 2 e 3). A relação inversa entre os escores pode ser explicada pelo fato de que, para os questionários específicos, valores menores são associados com melhor QVRS, enquanto para os genéricos a escala é oposta, ou seja, valores menores representam pior QVRS.

Tabela 2.

Coeficiente de correlação de Spearman entre os escores de FAQLQ‐PF e PedsQLTM 4.0, de acordo com os domínios, por faixa pediátrica

  PedsQLTM 4.0 ‐ 0 a 23 mesesPedsQLTM 4.0 ‐ 2 a 6 anosEscore total 
  Capacidade física  Sintomas físicos  Aspecto emocional  Aspecto social  Aspecto cognitivo  Capacidade física  Aspecto emocional  Aspecto social  Atividade escolar   
FAQLQ‐PF
Ansiedade em relação aos alimentos  0,17  −0,11  −0,27a  −0,01  −0,02  −0,43a  −0,47a  −0,19  −0,53a  −0,29a 
Impacto emocional  −0,30a  −0,07  −0,23  −0,32a  −0,27a  −0,46a  −0,44a  −0,31  −0,70a  −0,32a 
Limitações sociais e dietéticas  −0,16  0,06  −0,18  −0,15  −0,17  −0,47a  −0,37a  −0,31  −0,36  −0,19 
Escore total  −0,25  −0,01  −0,25  −0,23  −0,23  −0,52a  −0,43a  −0,34a  −0,61a  −0,27a 
a

Correlações estatisticamente significantes (p<0.05).

Tabela 3.

Coeficiente de correlação de Spearman entre os escores de FAQL‐PB e PedsQLTM Módulo Impacto na Família, de acordo com os diferentes domínios

PedsQLTMModo Impacto na Família  Aspecto físico  Aspecto emocional  Aspecto social  Aspecto cognitivo  Comunicação  Preocupação  Atividades diárias  Relacionamento familiar  Escore total 
FAQLQ‐PB
Limitações na vida  −0,43a  −0,55a  −0,53a  −0,32a  −0,53a  −0,52a  −0,44a  −0,52a  −0,62a 
Estresse emocional  −0,33a  −0,57a  −0,46a  −0,28a  −0,56a  −0,59a  −0,38a  −0,43a  −0,59a 
Escore total  −0,39a  −0,59a  −0,51a  −0,31a  −0,58a  −0,61a  −0,43a  −0,50a  −0,64a 
a

Correlações estatisticamente significantes (p<0,05).

Escores de QVRS

A mediana dos escores dos questionários sobre a QVRS das crianças com AA foi de 1,21 (1,5–3,1) (na escala de 1 a 7) e a mediana dos escores dos questionários que avaliaram a qualidade de vida dos pais foi de 3,6 (2,0–4,5) (na escala de 0 a 6) (tabela 4).

Tabela 4.

Escore de qualidade de vida, de acordo com o questionário aplicado

QuestionáriosEscore total
    Média  (DP)  Mediana  (25 – 75) 
Específicos  FAQLQ‐PF (n=183)  2,44  (2,15)  2,21  (1,5–3,1) 
  FAQL‐PB (n=148)  3,35  (1,42)  3,62  (2,0–4,5) 
Genéricos  PedsQLTM 4.0 (n=93)  90,29  (9,93)  93,33  (86,1–98,6) 
  PedsQLTM Módulo Impacto na Família (n=139)  72,51  (20,33)  74,31  (58,7–91,0) 

FAQLQ‐PF escala de 1 a 7. FAQL‐PB escala de 0 a 6.

As medianas dos escores dos questionários genéricos foram 93,3 (86,1–98,6) e 74,3 (59,7–91,0) para aqueles que avaliavam a QVRS das crianças e dos pais, respectivamente (tabela 4).

Discussão

O FAQLQ‐PF, um dos questionários mais usados em estudos sobre QVRS de indivíduos com AA, foi traduzido para nove línguas e está validado para uso em mais de 10 países na Europa e EUA e também no Japão. Outros estudos de validação com o FAQLQ‐PF estão ocorrendo na Austrália, Rússia e Noruega.16,17

Couto et al. traduziram e adaptaram culturalmente o FAQLQ‐PF para usá‐lo em Portugal.16 Apesar de esse questionário estar em português (cultura portuguesa), não é culturalmente adaptado para ser usado com a população brasileira, uma vez que há diferenças em relação à grafia de algumas palavras e em relação a algumas expressões.7 Dessa forma, não seria indicado usarmos no Brasil a mesma versão usada em Portugal, mas os resultados das pesquisas feitas com a aplicação de cada uma das versões em seus respectivos países podem ser perfeitamente comparados, assim como com os resultados obtidos nos demais locais onde esse questionário foi aplicado.

As versões brasileiras do FAQLQ‐PF e do FAQL‐PB mostraram ter boa consistência interna e confiabilidade. Resultados semelhantes foram observados por outros pesquisadores ao fazerem a validação desses questionários em diferentes culturas. Por exemplo, na publicação original do FAQLQ‐PF, que envolveu 30 crianças irlandesas e 10 crianças dos Estados Unidos, menores de quatro anos, o coeficiente α‐Cronbach encontrado foi de 0,89 e 0,92, respectivamente.3 Já em estudo japonês, o coeficiente α‐Cronbach encontrado para a mesma faixa etária foi de 0,87 para o escore total, variou de 0,77 a 0,97 entre os diferentes domínios.9 As publicações sobre a validação do questionário FAQL‐PB mostram que o coeficiente α‐Cronbach foi 0,95 ou maior, como se vê no estudo conduzido por Cohen et al., nos Estados Unidos,4 que envolveu 352 pais de crianças e adolescentes com AA, com idades entre dois meses e 17 anos (mediana de 5,8 anos), e no estudo feito por Knibb e Stalker,17 que buscou a validação do mesmo questionário para a população do Reino Unido, a partir das respostas de 699 pais de crianças alérgicas (média de 8,9 anos), e observou α=0,95.18

No presente estudo verificamos boa reprodutibilidade para ambos os questionários testados e não houve diferenças entre os retestes obtidos por correio ou meio eletrônico. Resultados semelhantes foram observados nos estudos originais de validação desses questionários, bem como em estudos de adaptação cultural deles.

No estudo de DunnGalvin et al., o ICC foi de 0,78 para as crianças irlandesas menores de quatro anos (n=30).3 Já em estudo japonês sobre a aplicação dos FAQLQ‐PF, o ICC foi de 0,80 para a mesma faixa etária.9 Na comparação desses resultados, a reprodutibilidade do questionário aplicado no presente estudo foi excelente.

Cohen et al. observaram ICC de 0,93 entre o teste e o reteste do FAQL‐PB. Em nosso estudo o resultado foi menor, mas ainda assim suficiente para considerar que houve boa reprodutibilidade do questionário (ICC>0,7).4

As correlações entre os questionários genéricos e específicos foram estatisticamente significantes (p<0,05), porém fracas (abaixo de 0,3) a moderadas (entre 0,3 e 0,6). Provavelmente porque questionários genéricos não apresentam a mesma sensibilidade para detectar problemas relacionados à AA. Isso ressalta a importância da aplicação de questionários específicos para cada doença.

Resultados semelhantes foram observados por Morou et al., que tiveram por objetivo a tradução, adaptação cultural e validação do FAQLQ‐child form (crianças de 8 a 12 anos) para ser usado na Grécia.19 Na comparação dos escores com os do questionário genérico PedsQlTM 4.0 para avaliação do constructo, a correlação entre os escores totais dos questionários foi fraca e a para a subescala “impacto emocional” foi moderada.

Como limitação para este estudo pode ser mencionado o fato de o critério de inclusão ter sido baseado em diagnóstico clínico previamente estabelecido de AA, não necessariamente confirmado por teste de provocação oral (TPO). De qualquer forma, todas as famílias participantes seguiam dieta de exclusão e acreditavam que as crianças eram realmente alérgicas e, por essa razão, poderiam ter a QVRS afetada em decorrência da AA. Birdi et al. verificaram que mesmo quando a alergia é diagnosticada pelos próprios pais, há prejuízo na qualidade de vida deles em comparação com a de pais de crianças sem AA. Portanto, é importante fazer estudos que abranjam também esses indivíduos, incentivá‐los a procurar ajuda médica e psicológica, se necessário.20

Outra limitação a ser destacada no presente estudo é o fato de terem sido feitas correlações entre os escores de questionários genéricos e específicos, para avaliação da validade dos instrumentos. Porém, por não haver no Brasil instrumentos específicos validados para uso na população de alérgicos a alimentos, não havia outra opção senão usar os questionários genéricos. Essa limitação justifica as correlações fracas a moderadas encontradas.

O foco direcionado dos instrumentos específicos para doenças torna‐os especialmente relevantes clinicamente. Um instrumento desenvolvido para abordar uma determinada doença deve responder a mudanças clinicamente importantes na saúde e no bem‐estar que resultam de intervenções para essa doença. Os instrumentos específicos de doenças não contêm itens que não sejam relevantes ou que possam introduzir viés na interpretação dos resultados. Em comparação com os instrumentos genéricos, eles são capazes de discriminar melhor e podem ser mais sensíveis na detecção e quantificação de pequenas mudanças que são importantes para os médicos ou pacientes e para os resultados clínicos. Como os instrumentos específicos têm uma relevância clara para os pacientes com a respectiva doença, a aceitação é geralmente muito alta.

Alguns estudos procuraram verificar o impacto da feitura de TPO sobre a QVRS de crianças com suspeita de AA e de seus pais. Foi observado que após a feitura do TPO houve melhoria nos escores de QVRS das crianças e de seus pais, independentemente do resultado do teste.21–23 Com isso em mente, é interessante considerar a empregabilidade dos instrumentos aqui validados em futuros estudos de coorte, que envolvam testes objetivos de diagnóstico e avaliação da aquisição de tolerância, os quais podem esclarecer melhor sobre as manifestações clínicas a serem esperadas e reduzir assim a ansiedade dos pacientes e seus parentes. Além disso, um diagnóstico bem definido permite que a dieta de exclusão seja bem direcionada e que intervenções educativas em relação ao tratamento sejam feitas a fim de ajudar a melhorar a QVRS dos pacientes e seus parentes.

Com a crescente colaboração internacional em pesquisa médica, a disponibilidade de instrumentos culturalmente aplicáveis para a avaliação de QVRS em pesquisas e em ensaios clínicos é importante, particularmente quando o crescimento de grandes estudos multicêntricos, multinacionais e em populações imigrantes é considerado. A comparação transcultural fornece informações importantes, uma vez que os grupos culturais podem variar na expressão da doença e no uso de vários sistemas de saúde.17

Conclusão

De acordo com a avaliação das propriedades psicométricas da versão brasileira do Food Allergy Quality of Life Questionnaire ‐ Parent Form (FAQLQ‐PF)3 e do Food Allergy Quality of Life ‐ Parental Burden (FAQL‐PB),4 os instrumentos apresentaram boa validade, confiabilidade e reprodutibilidade. Foram considerados adequados para ser usados com pais de crianças brasileiras com alergia alimentar, com até quatro anos e até seis anos, respectivamente, para o FAQLQ‐PF e o FAQL‐PB.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Aos pais que participaram deste estudo e aos profissionais que permitiram sua feitura em cada um dos locais onde os questionários foram aplicados. Aos autores da versão original dos instrumentos empregados, por autorizarem a tradução e uso dos questionários por eles elaborados.

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Como citar este artigo: Mendonça RB, Solé D, DunnGalvin A, Len CA, Sarni RO. Evaluation of the measurement properties of the Brazilian version of two quality‐of‐life questionnaires in food allergy – for children and their parents. J Pediatr (Rio J). 2020;96:578–84.

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