To evaluate the initial Dornic acidity in raw human milk, after pasteurization and after heating and dilution of a dietary supplement for preterm infants.
MethodsA quantitative, descriptive, and experimental study was carried out with a convenience sample at the human milk bank at a Brazilian public maternity, with specialized care for pregnant women and newborns at risk. The eligibility criteria for the study sample included 93 frozen raw human milk in suitable containers with volumes ≥100mL and initial Dornic acidity ≤8° Dornic (°D). Milk acidity of human milk was measured in four stages: in raw human milk (initial); after pasteurization; after the heating of pasteurized milk and dilution of the supplement; and after thirty minutes of supplementation.
ResultsThe initial acidity was 3.8°D±1.3 (95% CI: 3.56–4.09) with no significant difference in Dornic acidity in pasteurized milk, which was 3.6°D±1.2 (95% CI: 3.36–3.87). The dilution of the supplement in pasteurized milk that was heated significantly increased mean Dornic acidity to 18.6°D±2.2 (95% CI: 18.18–19.11), which remained high after thirty minutes of supplementation at 17.8°D±2.2 (95% CI: 17.36–18.27), considering p<0.05.
ConclusionsThe study observed no significant differences in Dornic acidity of raw human milk and pasteurized human milk; however, the dilution of a human milk supplementation caused a significant increase in acidity. Further investigations are necessary on the influence of this finding on the quality of supplemented milk and its consequences on the health of preterm infants.
Avaliar a acidez Dornic inicial no leite humano cru, após pasteurização, e aquecimento e diluição de um suplemento nutricional para recém‐nascidos prematuros.
MétodosEstudo quantitativo, descritivo, experimental, com amostragem por conveniência, feito no Banco de Leite Humano de uma maternidade pública brasileira, com assistência especializada às gestantes e recém‐nascidos de risco. Os critérios de elegibilidade das 93 amostras do estudo incluíram leites humanos crus congelados em embalagens apropriadas, com volumes≥100mL e acidez Dornic inicial≤8°Dornic (°D). A acidez Dornic dos leites humanos foi mensurada em quatro momentos: no leite humano cru (inicial); após pasteurização; após aquecimento do leite pasteurizado e diluição do suplemento; e após transcorridos 30 minutos de suplementação.
ResultadosA acidez inicial foi de 3,8°D±1,3 (IC 3,56‐4,09) e não apresentou diferença significativa em relação à acidez Dornic no leite pasteurizado, que foi de 3,6°D±1,2 (IC 3,36‐3,87). A diluição do suplemento no leite pasteurizado e aquecido aumentou significativamente a média da acidez Dornic a 18,6°D±2,2 (IC 18,18‐19,11), a qual se manteve elevada em 17,8°D±2,2 (IC 17,36‐18,27) após 30 minutos da diluição, considerando p<0,05.
ConclusõesO estudo demonstrou que a acidez Dornic do leite humano cru e a do leite humano pasteurizado não apresentaram diferenças significativas, porém a diluição do suplemento de leite humano promoveu elevação significativa da acidez. Maiores investigações da influência desse achado sobre a qualidade do leite suplementado e suas consequências na saúde de prematuros são necessárias.
Avanços tecnológicos do século XX permitiram, na área da neonatologia, a criação das Unidades de Tratamentos Intensivos Neonatais (UTIN) e favoreceram a sobrevida de recém‐nascidos prematuros (RNPT) e de muito baixo peso.1 Realidade que impôs inúmeros desafios ao cuidado dessa população, que requer maior atenção em relação ao seu crescimento, desenvolvimento e nutrição.2
No tocante aos aspectos dietéticos, a Organização Mundial de Saúde aconselha o uso de leite da própria mãe também para prematuros, pois, além de ser mais bem tolerado por sua fácil digestibilidade, tem elevada qualidade nutricional e promove benefícios ao binômio mãe‐filho pela prática do aleitamento materno.3 Ainda, auxilia na proteção imunológica contra infecções, sepse e enterocolite necrosante, favorece o desenvolvimento mental do prematuro4 e, em longo prazo, parece modular fatores de risco para doenças cardiovasculares,4 constitui‐se uma opção de impacto dentre as estratégias para redução da mortalidade infantil.5
Quanto à composição nutricional, o leite materno (LM) de prematuro é inicialmente mais concentrado em proteínas, lipídios, minerais (como sódio, cálcio e fósforo), eletrólitos e propriedades imunológicas, comparado ao leite de mãe de recém‐nascido termo; porém, no fim do primeiro mês, as diferenças decrescem, fazem‐no assemelhar‐se ao leite de mães de recém‐nascido termo.6,7 E, sendo reduzidas as reservas nutricionais de prematuros, em contraposição às suas elevadas demandas metabólicas, um suporte nutricional inadequado pode levar a efeitos adversos e permanentes em seu crescimento e desenvolvimento.3
Por isso, tem sido indicada a suplementação do leite humano a fim de corresponder aos requerimentos nutricionais dessa população e prevenir ou tratar doenças ósseas metabólicas nesses indivíduos,3,8 prática nutricional já difundida na neonatologia.9 Dentre os suplementos de leite humano mais usados no Brasil, destacam‐se aqueles à base de hidrolisados de proteína do soro de leite bovino, acrescidos de vitaminas e minerais diversos, especialmente de cálcio, fósforo e potássio.10
Apesar de recomendações para a suplementação do leite da própria mãe do prematuro, se a nutriz não consegue suprir a demanda do bebê, propõe‐se a administração de leite de Banco de Leite Humano (BLH).5,11 Nesse caso, o alimento passa por rigoroso controle de qualidade antes de ser distribuído. Dentre as análises feitas, está a mensuração da acidez Dornic (AD). Variações dentro da faixa de 1 a 8 graus Dornic (°D) classificam o alimento ao consumo; enquanto valores maiores desqualificam‐no do ponto de vista microbiológico e também podem influenciar a disponibilidade biológica de seus nutrientes, a exemplo do cálcio,12,13 imprescindível na mineralização óssea de recém‐nascidos prematuros.14,15
A acidez Dornic inicial do leite humano é determinada por sua composição química, com contribuição especial das proteínas, dos fosfatos, citratos e do dióxido de carbono,16,17 além de ácidos orgânicos;17 a adição de suplemento com esses componentes, ao alterar suas concentrações no leite humano, pode causar modificações nessa acidez.16 Porém, ainda não existem estudos sobre a avaliação da acidez Dornic no leite humano suplementado, além de que aspectos sobre a eficácia e segurança dos suplementos nutricionais para leite humano destinados a prematuros ainda não estão totalmente esclarecidos,9 o que justifica este estudo.
Diante dessa problemática, o presente estudo objetivou avaliar a acidez Dornic inicial no leite humano cru, após pasteurização e após aquecimento e diluição de um suplemento usado para complementar a nutrição de prematuros de muito baixo peso e/ou em tratamento de doenças ósseas metabólicas, a fim de verificar se há flutuações no comportamento da variável acidez Dornic frente tais etapas de manipulação do alimento.
MétodosO estudo foi do tipo quantitativo, descritivo, experimental, com amostragem por conveniência, desenvolvido no BLH de referência estadual na Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal, Rio Grande do Norte, que integra o Sistema Único de Saúde e presta assistência especializada a gestantes, parturientes e recém‐nascidos de risco. Os principais beneficiados com o LH coletado e pasteurizado no local são os prematuros internados na UTIN do hospital e nas enfermarias de alojamento conjunto.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da maternidade‐escola e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, do complexo hospitalar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A coleta de amostras foi precedida da assinatura do Termo de Autorização Institucional e ocorreu durante 24 dias, durante turno vespertino, entre agosto e outubro de 2014.
A determinação do número de amostras ocorreu por meio da simulação de tamanhos amostrais em relação ao tamanho do efeito investigado, tomaram‐se por base dois parâmetros fixos: alpha=0,05 (5% de probabilidade estatística para rejeitar a hipótese nula) e poder estatístico=0,8 (poder do teste de detectar um efeito genuíno, verdadeiro, caso ele exista). E, sem prever direção, investigou‐se a diferença entre as médias a partir de análise bicaudal. Encontrou‐se que para um efeito esperado de 0,5 (efeito médio segundo Cohen) haveria a necessidade de coletar um número amostral mínimo de 34 elementos.
Os critérios de elegibilidade do estudo incluíram 104 amostras de LH crus de nutrizes que fizeram a ordenha em domicílio, na sala de coleta de LH da maternidade‐escola ou no próprio BLH; recebidos para pasteurização congelados em frascos de vidro com tampas plásticas, com volumes >100 mL e AD inicial<8 °D. Já os critérios de exclusão foram a ocorrência de repetição de amostras (provenientes de uma mesma doadora) e o não cumprimento das etapas previstas pela metodologia do estudo com uma dada amostra. Ocorreram 11 perdas amostrais e foi de 93 o total estudado.
Para a determinação da acidez Dornic do LH foi usada como solução titulante o hidróxido de sódio N/9 (NaOH N/9 – solução Dornic). Cada 0,01 mL gasto para neutralizar 1mL de LH correspondeu a 1° D (um grau Dornic). Para a detecção do ponto de viragem foi adicionada uma gota da solução indicadora de fenolftaleína em solução hidroalcóolica a 1%, que se apresentava inicialmente como solução translúcida e, após a viragem do pH do meio, assumiu coloração rosa‐clara, o que indicou a mudança. Em seguida, procedeu‐se à leitura do volume de titulante gasto no acidímetro.12,13
O suplemento nutricional adicionado ao LH foi uma fórmula comercial em pó de nutrientes para recém‐nascidos de risco, à base de proteína extensamente hidrolisada do soro de leite bovino, maltodextrina, vitaminas e minerais, de um tipo único, para todas as avaliações feitas no estudo. Conforme o protocolo do serviço de nutrição e dietética da maternidade, o LH foi aquecido a 37°C antes da diluição do suplemento multicomponente. Seguiu‐se a recomendação do fabricante de diluição do produto (1g/ 20mL de LH), porém na quantidade proporcional de 0,05g para 1mL de LH usado nas mensurações.
Quando se trata de RNPT de muito baixo peso, cujos reflexos de sucção e deglutição são retardados devido à imaturidade do sistema neurológico, inviabiliza‐se a contínua e rápida administração da dieta, o leite suplementado não é inteiramente consumido de imediato. Pequenas pausas durante a administração da dieta são requeridas como medidas para evitar refluxo e/ou broncoaspiração, tanto no caso de oferecimento por copo dosador direto na boca do prematuro quanto por meio de sonda gástrica para aqueles que não apresentam condições de alimentar‐se via oral.
Contemplando a consequência desse tempo em que o leite suplementado está à espera da finalização da administração e as etapas de sua manipulação prévia, a AD dos leites humanos inclusos na pesquisa foi mensurada em quatro momentos, a fim de caracterizar de suas possíveis flutuações: no leite humano cru (acidez inicial); após pasteurização; após aquecimento do leite humano pasteurizado e diluição do suplemento nutricional; e após transcorridos 30 minutos de suplementação do LH.
O primeiro momento (obtenção da AD do LH cru) baseou‐se na coleta de dados das amostras por meio de consulta aos documentos do BLH, já que a atividade é desenvolvida e registrada cotidianamente pelos profissionais do local. As pesquisadoras foram responsáveis pela execução das mensurações referentes ao segundo, terceiro e quarto momentos do estudo.
Os dados coletados das amostras foram transcritos para um formulário específico e armazenados em planilhas do programa Microsoft Excel® (Microsoft Excel®, V 2010. Microsoft®, WA, EUA). A AD das amostras nos respectivos momentos da pesquisa foi aferida em triplicata, adotou‐se a média aritmética dos valores obtidos a partir da análise individual de cada alíquota. Para os testes estatísticos foram usadas as médias da AD nos devidos momentos estudados.
O teste estatístico Anova, de um critério, foi aplicado para averiguar a variabilidade entre as médias de cada etapa da pesquisa, e, em seguida, foi feito o pós‐teste de Tukey para comparações múltiplas. O nível de significância foi estabelecido em 5%.
ResultadosNo primeiro momento, o teste estatístico demonstrou que pelo menos um dos grupos apresentou diferença estatisticamente significante dos demais (p<0,0001).
Já o pós‐teste revelou que não houve diferença significante (p>0,05) entre AD no LH cru e AD pós‐pasteurização. No entanto, as médias de acidez Dornic no LH cru apresentaram diferença estatisticamente significante (p<0,05) das médias das etapas de AD pós‐aquecimento do leite humano pasteurizado e adicionado do suplemento nutricional e da AD após transcorridos 30 minutos da suplementação.
Ainda, encontrou‐se diferença entre as médias da AD pós‐pasteurização, da AD pós‐aquecimento do leite humano pasteurizado e adicionado do suplemento e da AD após transcorridos 30 minutos de suplementação, como se observa na tabela 1.
Média, desvio padrão, erro padrão da média e variações acima e abaixo de intervalo de confiança 95% da acidez Dornic dos leites humanos em cada etapa do estudo
Grupos | Média | Desvio padrão | Erro padrão de média | 95% abaixo do intervalo de confiança | 95% acima do intervalo de confiança |
---|---|---|---|---|---|
Acidez Dornic no leite cru (inicial) | 3,8a | 1,3 | 0,14 | 3,56 | 4,09 |
Acidez Dornic pós‐pasteurização | 3,6a | 1,2 | 0,13 | 3,36 | 3,87 |
Acidez Dornic pós‐aquecimento e adição de suplemento | 18,6b | 2,2 | 0,23 | 18,18 | 19,11 |
Acidez Dornic após 30 minutos de suplementação | 17,8c | 2,2 | 0,23 | 17,36 | 18,27 |
a,b,c Letras desiguais representam diferença estatisticamente significante (p<0,05).
O leite é um sistema tamponante com baixa concentração de íon hidrogênio livre (H+). Em virtude do tampão decorrente da sua composição intrínseca, pequenas mudanças detectadas nos valores de pH são precedidas de elevações consideráveis na acidez Dornic.12,18
Acerca da relação entre esses dois parâmetros químicos, de modo geral, avalia‐se que a AD é mais sensível ao conteúdo total de solutos no LH e que quanto mais baixo o pH, maior é a acidez Dornic do alimento. Sendo o pH variável de acordo com teor energético do LH, sugere‐se que a AD também é influenciada diretamente pelo conteúdo lipídico do alimento. Leites com maiores concentrações de gordura têm chance aumentada de desenvolver uma acidez elevada.18
A pasteurização do LH com elevada acidez não objetiva melhorar sua qualidade.18 Por isso, é importante conhecer se houve crescimento bacteriano prévio a esse processamento, uma vez que aquele produz fermentação e acidificação do leite, leva à redução dos componentes nutricionais e imunológicos inerentes ao alimento e desqualificando seu uso.12,13,19
O LH acidificado pode não suprir as necessidades nutricionais específicas dos prematuros de muito baixo peso ou imunologicamente vulneráveis. A elevação da acidez e a liberação de prótons advindos da ionização do ácido lático em meio aquoso provocam a desestabilização das proteínas solúveis e micelas de caseína e favorecem sua coagulação; aumentam a osmolaridade; alteram o flavor (sabor e odor) e reduzem o valor imunológico do alimento. Esse ataque catiônico, ao desestabilizar a caseína em suspensão no LH, dificulta a disponibilização do conteúdo de cálcio e fósforo que se encontra associado quimicamente àquela e compõe as micelas estáveis, fica a absorção desses minerais dependente do processo de digestão das proteínas.19–21
Neste estudo, a AD encontrada no leite cru (3,8°D±1,3) não apresentou diferença estatística com a AD no leite pasteurizado (3,6°D±1,2). Isso sugere que os leites analisados apresentavam‐se aptos ao consumo dos recém‐nascidos, sem maiores interferências dos valores da AD inicial sobre o conteúdo nutricional do alimento.
Já após a adição do suplemento nutricional no leite pasteurizado e aquecido a 37°C observou‐se um aumento significativo da média da AD (18,6°D±2,2, p<0,05). Tal elevação foi mantida mesmo após transcorridos 30 minutos da diluição (17,8°D±2,2, p<0,05). Ambas as médias superaram o limite de 8°D preconizado para o consumo do LH pelos recém‐nascidos.
Considerando a importância da acidez apresentada pelo LH que influencia em sua qualidade nutricional, deve‐se enfatizar que sobrecargas ácidas ou básicas resultam em acidose ou alcalose metabólica e seu uso pode causar enterocolite necrosante em neonato prematuro e de muito baixo peso ao nascer.18
É importante ressaltar ainda que o LH (seja cru ou pasteurizado e congelado) pode sofrer lipólise, liberar maiores quantidades de ácidos graxos livres e contribuir para a elevação da acidez, como interpretam Novak e Cordeiro.22 Consequentemente, esses componentes em maior concentração no leite, aliados às ofertas elevadas de minerais como o cálcio, por meio dos suplementos, propiciariam a formação de sabões insolúveis, mais um fator contrário à absorção do mineral pelo organismo.6 Ainda, é coerente evidenciar que apesar de ser um mesmo evento [a elevação da acidez Dornic], quando promovido por causas diversas, tal como a ocorrência de lipólise; o incremento de componentes acidificantes pela suplementação do LH; ou o desenvolvimento da acidez por meio da formação do ácido láctico resultante de atividade bacteriana, não é possível afirmar que as consequências sejam as mesmas, especialmente quanto a interferir na biodisponibilidade do cálcio e no metabolismo dos prematuros receptores. Assim, estudos mais aprofundados sobre o assunto são requeridos para esclarecer essas questões.
Ademais, o uso de suplementos multicomponentes de LH pode aumentar o risco de infecção por contaminação secundária à manipulação do pó, provocar alterações na osmolaridade do alimento e repercutir na absorção de seus nutrientes.23 Quanto a isso, reconhecem‐se como limitações do presente estudo a ausência de teste microbiológico para afastar a hipótese de contaminação pelo suplemento e também o desconhecimento prévio da acidez do produto, condições que poderiam influenciar a interpretação dos resultados aqui encontrados.
Por outro lado, estudos destacaram que a elevação da osmolaridade no LH causada pela adição desses suplementos estaria relacionada ao desenvolvimento de enterocolite necrosante em prematuros pelo incremento no conteúdo de solutos, que também é reforçado pela atividade da amilase humana. A enzima, presente e ativa no leite humano pasteurizado, age sobre os carboidratos (dextrinas) constituintes do suplemento, degrada‐os em monossacarídeos e oligossacarídeos, em osmolaridade em maior ou menor tempo, conforme a fonte do carboidrato e modula o aumento da osmolaridade.24,25
Contudo, a suplementação do LH oferecido ao RNPT ganha importância mediante constatações de que o leite materno de suas nutrizes, mesmo que apresente composição diferenciada em relação ao leite de mães de recém‐nascidos a termo, ainda apresenta conteúdo insuficiente de proteína, cálcio e fósforo.23,26
Em revisão sistemática feita pela Cochrane Database of Systematic Reviews, concluiu‐se que a suplementação multicomponente do LH para RNPT estava associada a um ganho ponderal, de comprimento e de perímetro cefálico mais rápido, apesar de não ter observado efeitos sobre a mineralização óssea do grupo em questão.27
Já em estudo feito em 2010 na unidade de terapia intensiva de um hospital em Porto Alegre, Brasil, foram comparados dois grupos de 19 RNPT: um grupo recebeu apenas LH e o outro recebeu o LH suplementado com FM85®fortifier milk (FM 85®, Nestlé, Munique, Alemanha). Ambos os grupos foram acompanhados quanto às avaliações antropométricas individuais e a mineralização óssea foi avaliada por meio da densitometria óssea de corpo inteiro com raios X de dupla energia (DEXA – Dual Energy X‐ray Absorptiometry) e exames laboratoriais de controle da fosfatase alcalina, cálcio, fósforo, além de cálcio e fósforo urinário. Os resultados revelaram nítida melhoria no grupo suplementado em relação ao não suplementado, incluindo também a diminuição da fosfatase alcalina naquele, o que sinaliza melhor homeostase mineral nessa situação.28
Muitos estudos sobre a suplementação do LH para prematuros com déficits na mineralização óssea têm sido desenvolvidos a fim de demonstrar as consequências dessa conduta para essa população específica.6,8,9,19 Porém, os resultados ainda são conflitantes, ora apontam o favorecimento da mineralização, ora não apresentam respostas significativas quando comparados com o LH sem suplementação e/ou fórmulas específicas para prematuros. Todavia, deve‐se ponderar que as metodologias empregadas para avaliar tais desfechos são bem diversificadas – vão desde a investigação “clássica” baseada em dados antropométricos, raios X e análise bioquímica sérica de cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, paratormônio, metabólitos da vitamina D, cálcio e fósforo na urina; ou mais recentemente, por meio do DEXA, dificulta a comparação dos achados. Também, os diferentes tipos de suplementações feitas no LH e o número amostral (geralmente reduzido) são empecilhos para conclusões consistentes a partir dos estudos já feitos.28
Posto isso, destaca‐se a relevância do presente estudo, que propôs a observação das características acidobásicas do LH suplementado in vitro, que diminuem as influências proporcionadas pela atividade metabólica in vivo, que podem se tornar fatores de confusão na interpretação dos resultados acerca das modificações físico‐químicas do alimento após a suplementação. Doutro modo, a metodologia aqui adotada não permitiu a avaliação direta das consequências do aumento da acidez Dornic no leite humano suplementado sobre a biodisponibilidade do cálcio e fósforo, tampouco a compreensão de seus efeitos sobre a saúde e o metabolismo dos prematuros de muito baixo peso e/ou em tratamento de doenças ósseas metabólicas.
Portanto, considerando os resultados apresentados pelo presente estudo, que mostraram inexistência de diferença significativa entre a acidez Dornic inicial do LH cru e do LH pasteurizado e revelaram a significativa acidificação do leite humano suplementado (usado para recém‐nascidos prematuros de muito baixo peso e/ou em casos de doenças ósseas metabólicas), diante das especulações de que essa acidificação apresentada pelo LH suplementado pode dificultar a absorção de nutrientes como o cálcio, ressalta‐se que ainda não há suficiente suporte da literatura científica para consolidar tal afirmação. Por isso, maiores estudos, incluindo metodologias que permitam pesquisar a ocorrência das doenças ósseas metabólicas em prematuros de muito baixo peso receptores de LH suplementado e não suplementado, com e sem elevação da AD do leite consumido, são recomendados, a fim de demonstrar a eficácia e segurança dessa suplementação, ainda não totalmente esclarecidas.
Consequentemente, tais estudos são imprescindíveis também para apontar qual a composição ótima de suplementos para LH usado para alimentar esses prematuros. Como permanecem questionáveis as consequências da suplementação do LH, sua indicação/prescrição requer sempre rigor crítico.
Ainda, frente aos resultados aqui discutidos, vale enfatizar o contraponto entre o descarte inicial de amostras de LH que é feito em BLHs por apresentarem acidez Dornic>8°D, interpretada como aumento na produção de ácido lático devido a contaminação biológica do alimento, e a elevação desse parâmetro no LH causada pela adição do suplemento nutricional. Isso sugere que amostras com acidez Dornic elevada descartadas pelos BLH nem sempre seriam justificadas por elevada contaminação, podem antes ser provenientes de alterações da composição química do próprio alimento, como já proposto por estudo anterior. Portanto, maiores discussões parecem ser necessárias, a fim de propor saídas para minimizar o descarte nos BLHs de LHs supostamente próprios para consumo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Pereira CI, Dametto JF, Oliveira JC. Evaluation of human milk titratable acidity before and after addition of a nutritional supplement for preterm newborns. J Pediatr (Rio J). 2016;92:499–504.
Trabalho desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, Brasil.