Compartilhar
Informação da revista
Vol. 89. Núm. 4.
Páginas 354-360 (julho - agosto 2013)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
3317
Vol. 89. Núm. 4.
Páginas 354-360 (julho - agosto 2013)
ARTIGO ORIGINAL
Open Access
Epidemiology of ocular allergy and co-morbidities in adolescents
Epidemiologia da alergia ocular e comorbidades em adolescentes
Visitas
3317
Marcos Geraldinia,
Autor para correspondência
marcos.geraldini@hotmail.com

Corresponding author.
, Herberto Jose Chong Netob, Carlos Antonio Riedib, Nelson Augusto Rosáriob
a Mestre. Médico. Serviço de Alergia e Imunologia Pediátrica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
b Doutor. Médico. Serviço de Alergia e Imunologia Pediátrica, Hospital de Clínicas, UFPR, Curitiba, PR, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Tabelas (3)
Tabela 1. Prevalência de sintomas de alergia ocular em adolescentes (n=3.120).
Tabela 2. Prevalência de doenças alérgicas e características entre aqueles que apresentaram mais de três episódios de prurido ocular.
Tabela 3. Comorbidades da alergia ocular em crianças (n=647).
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Objective

The prevalence of allergic conjunctivitis (AC) has not been established. Estimates suggest that ocular allergies affect 15% to 20% of the worldwide population, yet most epidemiological studies encompass nasal and ocular allergy symptoms and have not been specific to AC. The aim of this study was to verify the prevalence of ocular allergy symptoms, co-morbidities, and their impact on adolescents.

Methods

Adolescents were selected from a sample of schools, and completed in classrooms a previously validated questionnaire on symptoms of AC. AC diagnosis was considered when more than three episodes of ocular itching were reported in the past 12 months. Related symptoms such as tearing, photophobia, foreign body sensation, impact on daily activities, and diagnosis of AC were analyzed.

Results

Questionnaires were obtained from 3,120 adolescents (mean age 13.3±1.1 years). Ocular itching in the past 12 months occurred in 1,592 (51%). The most frequently associated symptom was tearing (74%), followed by photophobia (50.1%) and foreign body sensation (37.1%). The prevalence of AC was 20.7%, affecting more females than males (56.1% versus 45.9%; p=0.01). The risks of an adolescent with ocular allergy to present asthma, rhinitis, and atopic eczema were (OR=5.7; 95% CI: 4.5 to 7.1), (OR=3.6; 95% CI: 3.0 to 4.3), and (OR=2.6; 95% CI: 2.0 to 3.5), respectively. Severe interference in daily activities was reported by 30.5%.

Conclusions

Symptoms of ocular allergy are common, frequently associated to other allergic diseases, and impact the daily activities of adolescents.

Keywords:
Allergic conjunctivitis
Children
Epidemiology
Resumo
Objetivo

A prevalência de conjuntivite alérgica (CA) não foi estabelecida. Estimativas sugerem que alergias oculares afetam de 15 a 20% da população mundial, ainda que a maioria dos estudos epidemiológicos abranjam sintomas de alergia nasal e ocular e não sejam específicos a respeito da CA. O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de sintomas, comorbidades e o impacto da alergia ocular em adolescentes.

Métodos

Os adolescentes foram selecionados de uma amostra de escolas e preencheram, em sala de aula, um questionário previamente validado sobre os sintomas da CA. O seu diagnóstico foi considerado quando mais de três episódios de prurido ocular foram relatados nos últimos 12 meses. Sintomas relacionados, como lacrimejamento, fotofobia, sensação de corpo estranho, impacto sobre as atividades diárias e diagnóstico de conjuntivite alérgica, foram analisados.

Resultados

Foram obtidos questionários de 3.120 adolescentes (média de 13,3±1,1 ano). Nos últimos 12 meses, 1.592 (51%) adolescentes tiveram prurido ocular. O sintoma relacionado mais frequente foi lacrimejamento (74%), seguido de fotofobia (50,1%) e sensação de corpo estranho (37,1%). A prevalência de conjuntivite alérgica foi de 20,7%, afetando mais pessoas do sexo feminino do que do masculino (56,1% em comparação a 45,9%; p=0,01). O risco de um adolescente com alergia ocular apresentar asma, rinite e eczema atópico foi (RC=5,7; IC de 95%: 4,5 a 7,1); (RC=3,6; IC de 95%: 3,0 a 4,3) e (RC=2,6; IC de 95%: 2,0 a 3,5), respectivamente. Uma interferência grave nas atividades diárias foi relatada por 30,5%.

Conclusões

Sintomas de alergia ocular são comuns, frequentemente relacionados a outras doenças alérgicas, e causam impacto sobre as atividades diárias de adolescentes.

Palavras-chave:
Conjuntivite alérgica
Crianças
Epidemiologia
Texto Completo
1Introdução

Alergia ocular (AO) é um termo geral para descrever diferentes fenótipos, com conjuntivite alérgica sazonal e perene representando a maioria dos diagnósticos. Várias doenças, como ceratoconjuntivite atópica e ceratoconjuntivite primaveril, afetam um pequeno número de pacientes.1

Existem poucos dados sobre a epidemiologia da AO. As alergias são consideravelmente subnotificadas e a incidência possui uma grande variação, dependendo da localização geográfica, que interfere nas estimativas da prevalência de AO. Uma pesquisa realizada pelo Colégio Americano de Alergia, Asma e Imunologia mostrou que 35% das famílias entrevistadas apresentaram alergias, das quais mais de 50% relataram sintomas oculares associados.2 A importância dos resultados da AO são principalmente em virtude de sua frequência, que varia de 5 a 22% da população.3

Alguns estudos sugeriram o conceito de “uma única doença” para asma e rinite alérgica (RA). Dados recentes também sugeriram que a conjuntivite alérgica pode ser parte desse grupo com base no fato de que a maioria dos pacientes que sofre de rinite alérgica também se queixa de sintomas oculares.4 Em contrapartida, foi mostrado que os sintomas de alergia ocular foram a única manifestação em aproximadamente 25% dos adultos alérgicos.5 A AO é cada vez mais reconhecida como um conjunto de sintomas distintos que impõe sua própria carga e consequente redução na qualidade de vida do paciente.6

Em adolescentes, a maior parte dos dados epidemiológicos, incluindo aqueles de diferentes fases do Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC), associam os sintomas oculares aos nasais, sendo difícil separar a prevalência de conjuntivite alérgica da prevalência de rinite alérgica. Este estudo tem como objetivo determinar a prevalência e as comorbidades da AO em crianças em idade escolar.

2Métodos

Estudo transversal realizado entre abril e maio de 2009, em Curitiba. A pesquisa abrangeu alunos de sétima e oitava séries para incluir, principalmente, alunos de 13 e 14 anos de idade, até um mínimo de 3.000 participantes. As informações com relação às escolas foram fornecidas pelo Departamento Estadual de Educação. Em 2009 havia 253 escolas em nossa cidade, que foram ordenadas de forma alfabética e randomizadas por computador. Esse tamanho da amostra é 90% capaz de detectar diferenças de 2% na prevalência em um nível de significância de 1%. As técnicas de administração da pesquisa seguiram o método padronizado da fase I do ISAAC.7

Os indivíduos preencheram um questionário validado incluindo oito itens sobre sintomas de alergia ocular (Fig. 1)8 e 11 itens relevantes sobre sintomas de asma, rinite e eczema atópico (EA) do principal questionário do ISAAC na faixa etária de 13 e 14 anos de idade.7

Figura 1.

Questionário sobre os sintomas de alergia ocular, asma, rinoconjuntivite e dermatite atópica.

(0.93MB).

O termo alergia ocular foi definido como mais de três episódios de prurido ocular relatados nos últimos 12 meses. Os indivíduos com sintomas ocorrendo apenas entre setembro e dezembro e a temporada de pólen de gramíneas em nossa região foram classificados como apresentando sin-tomas sazonais, ao passo que os pacientes com sintomas ocorrendo na/fora da temporada de pólen de gramíneas foram classificados como apresentando sintomas perenes. Para investigar a carga da alergia ocular, perguntamos às crianças o quanto o problema com os olhos interferiu nas atividades diárias nos últimos 12 meses. Aqueles que responderam “nada” ou “um pouco” foram classificados como “leve”, ao passo os que responderam “de forma moderada” ou “muito” foram classificados como “grave”.

Asma foi considerado o caso de respostas positivas para pieira nos últimos 12 meses. Os sintomas foram reputados como frequentes quando relatadas mais de três crises de pieira e sintomas graves de asma quando as crianças apresentavam perturbações do sono devido à pieira. Rinite foi definida quando existiram sintomas, espirros ou nariz escorrendo ou entupido, sem resfriado ou gripe. Eczema atópico foi considerado na ocorrência de erupção cutânea pruriginosa recorrente afetando as dobras cutâneas por pelo menos seis meses. Para reduzir erros relacionados a viés de memória, foram considerados apenas os sintomas que ocorreram nos últimos 12 meses.

O pacote estatístico StatCalc-7® foi utilizado para analisar os dados. A taxa de resposta foi calculada considerando-se o número de questionários escritos concluídos dividido pelo número de participantes. A proporção de adolescentes com sintomas alérgicos foi calculada com intervalo de confiança (IC) de 95%. O teste Qui-quadrado de Pearson foi utilizado para comparar variáveis categóricas. O nível de significância foi de 0,05. A razão de chance (RC) e o IC de 95% foram utilizados para verificar a força da associação entre AO e outras doenças atópicas (asma, rinite e EA). O estudo foi aprovado pelo Conselho de Revisão Institucional e o consentimento informado foi obtido de todos os participantes.

3Resultados

Foram abordados 3.468 indivíduos; 68 não consentiram e 280 não preencheram o questionário corretamente. Foram incluídas 3.120 crianças; a taxa de resposta foi de 91,8% (51,2% do sexo feminino). A idade média ficou entre 12 e 18 anos (média 13,3±1,1 ano de idade). A prevalência de sintomas de alergia ocular foi de 20,7% (Tabela 1). Entre aqueles apresentando AO, 30,5% apresentaram sintomas graves, 79% apresentaram alergia perene e 47% relataram um diagnóstico anterior de conjuntivite alérgica (Tabela 2).

Tabela 1.

Prevalência de sintomas de alergia ocular em adolescentes (n=3.120).

  n (%)  IC 95% 
Lacrimejamento     
1 a 3 episódios  892 (28,6)  27,0-30,2 
> 3 episódios  479 (15,3)  14,1-16,7 
Dificuldade de olhar para a luz     
1 a 3 episódios  488 (15,6)  14,4-17,0 
> 3  324 (10,4)  9,4-11,5 
Sensação de corpo estranho     
1 a 3 episódios  505 (16,2)  14,9-17,5 
> 3 episódios  240 (7,7)  6,8-8,9 
Prurido ocular     
1 a 3 episódios  945 (30,3)  28,7-31,9 
> 3 episódios  647 (20,7)  19,3-22,2 
Prurido ocular + lacrimejamento  1.378 (44,2)  42,4-45,9 
Prurido ocular + dificuldade de olhar para a luz  725 (23,2)  21,8-24,7 
Prurido ocular + sensação de corpo estranho  793 (25,4)  23,9-27,0 

IC, intervalo de confiança.

Tabela 2.

Prevalência de doenças alérgicas e características entre aqueles que apresentaram mais de três episódios de prurido ocular.

  n (%)  IC 95% 
Prevalência de doenças alérgicas (n=3.120) Alergia ocular  647 (20,7)  (19,3-22,2) 
Asma  636 (20,4)  (19,0-21,8) 
Rinite  1.246 (39,9)  (38,2-41,7) 
Eczema atópico  221 (7,1)  (6,2-8,0) 
Características entre aqueles que apresentaram mais de três episódios de prurido ocular (n=647)     
Interferência na vida diáriaa     
Leve  450 (69,5)  (65,9-80,0) 
Grave  197 (30,5)  (27,0-34,1) 
Sazonalidadeb     
Sazonal  137 (21,2)  (18,2-25,0) 
Perene  510 (78,8)  (75,5-81,8) 
Já teve conjuntivite alérgicac  305 (47,1)  (43,3-81,0) 

IC, intervalo de confiança.

a

Sintomas leves nos últimos 12 meses: caso a resposta tenha sido ‘nada’ ou ‘um pouco’ para a interferência na vida diária; sintomas graves: caso a resposta tenha sido ‘de forma moderada’ ou ‘muito’.

b

Conjuntivite alérgica sazonal: sintomas ocorrem apenas entre setembro e dezembro; conjuntivite alérgica perene: sintomas ocorrem dentro e fora do período de setembro a dezembro.

c Resposta afirmativa à pergunta: ‘Você já teve conjuntivite alérgica?’

As comorbidades relacionadas à alergia ocular são mostradas na Tabela 3. Pelo menos uma comorbidade (asma, rinite ou EA) foi relatada por 75,3% das crianças com AO. Rinite foi a comorbidade mais frequente (64,4%). 31,4% dos indivíduos apresentaram asma e 13,1% apresentaram EA. O número de crianças sem, com uma, duas ou três alergias relacionadas a comorbidades é mostrado na Fig. 2. As comorbidades de AO perene em comparação à sazonal, comparadas por meio do teste χ2, mostraram que a rinite foi a mais comum entre os indivíduos com sintomas perenes (66,7% em comparação a 56,9%; p=0,034), enquanto asma e eczema atópico não apresentaram diferenças entre os dois grupos: (33,1% em comparação a 24,8%; p=0,062) e (12,3% em comparação a 16%; p=0,25), respectivamente. A interferência na vida diária foi maior nos indivíduos com sintomas perenes (22,7% em comparação a 13,1%; p<0,01).

Tabela 3.

Comorbidades da alergia ocular em crianças (n=647).

Alergia ocular
  n (%)  RC (IC 95%) 
Rinite  418 (64,6)  3,6 (3,0-4,3)  < 0,01 
Asma  203 (31,4)  5,7 (4,5-7,1)  < 0,01 
Sintomas frequentesa  79 (12,2)  3,6 (2,7-5,0)  < 0,01 
Sintomas gravesb  109 (16,9)  2,6 (2,1-3,3)  < 0,01 
Eczema atópico  85 (13,1)  2,6 (2,0-3,5)  < 0,01 

IC, intervalo de confiança; RC, razão de chances.

a

Mais de três episódios de pieira nos últimos 12 meses.

b

Perturbações do sono devido à pieira nos últimos 12 meses.

Figura 2.

Número de crianças com nenhuma, uma, duas ou três comorbidades relacionadas (asma, rinite e eczema atópico) à alergia ocular (percentual fornecido acima das barras).

(0.08MB).

A probabilidade de um adolescente com alergia ocular apresentar asma, rinite e eczema atópico foi (RC=5,7; IC de 95%: 4,5 a 7,1); (RC=3,6; IC de 95%: 3,0 a 4,3); e (RC=2,6; IC de 95%: 2,0 a 3,5), respectivamente. A associação entre asma e alergia ocular foi maior entre aqueles com alergia ocular e rinite do que entre aqueles com apenas AO (36,8% em comparação a 20,5%; p<0,01).

4Discussão

Questionários escritos são amplamente utilizados em estudos epidemiológicos de doenças alérgicas. A prevalência de asma, rinoconjuntivite e eczema atópico tem sido verificada e comparada em todo o mundo. Contudo, os sintomas da alergia ocular são menos estudados, e a maior parte dos estudos epidemiológicos avaliou a associação de sintomas oculares e nasais, sendo difícil analisar a prevalência de alergia ocular e sua relação com outras doenças alérgicas.

Existem poucos questionários validados para estudar a alergia ocular. Em um estudo caso-controle envolvendo 102 indivíduos, mais de três episódios de prurido ocular nos últimos 12 meses foram preditivos de alergia ocular com sensibilidade de 85,4% e especificidade de 85,1%.8 Apesar de não patognomônico, prurido ocular recorrente é o sintoma mais frequente da alergia ocular,9 sendo o primeiro observado na questão da conjuntivite alérgica.10 Os pacientes com blefarite, eczema, síndrome do olho seco e outros tipos de conjuntivite poderão, ocasionalmente, apresentar prurido ocular.11

O questionário foi criado especificamente para avaliar a prevalência dos sintomas de alergia ocular, e havia uma taxa de resposta elevada.8 Prurido ocular foi identificado em 51% dos participantes. A prevalência de alergia ocular foi de 20,7%, considerando os critérios de mais de três episódios de prurido ocular nos últimos 12 meses. Nos Estados Unidos, prurido ocular e lacrimejamento foram identificados em 40% dos 20.010 participantes da Pesquisa Nacional de Avaliação da Saúde e Nutrição.5 Na Suécia, a resposta a um questionário escrito após uma entrevista subsequente de 396 crianças em idade escolar entre 12 e 13 anos estimou a prevalência acumulada de conjuntivite alérgica de 19,1%,12 ao passo que, na Turquia, a prevalência geral de conjuntivite alérgica em crianças entre 6 e 14 anos de idade foi de 7,1%.13 Em Karachi, 818 crianças com idades entre 5 e 19 anos de idade foram submetidas a exame da visão e biomicroscopia por um oftalmologista. O diagnóstico de conjuntivite alérgica foi confirmado em 19,2%, considerando a presença de papilas na conjuntiva tarsal superior, vermelhidão dos olhos e histórico de prurido e queimação.14

A prevalência de alergia ocular possui uma grande variação entre as áreas geográficas não apenas devido às diferenças genéticas e aos fatores ambientais, mas também devido à falta de padronização na avaliação dos sintomas oculares por meio de métodos validados. A fase III do Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC) envolveu 304.679 adolescentes com idades de 13 e 14 anos de idade de 56 países e demonstrou que a prevalência de sintomas nasais associada a olhos coçando e lacrimejando foi de 4,5% a 45,1% entre os adolescentes.15 No ISAAC, não houve perguntas com relação a sintomas isolados de conjuntivite alérgica, perdendo-se a oportunidade de verificar sua prevalência. Caso perguntas validadas sobre sintomas oculares tivessem sido incluídas, a identificação da prevalência de conjuntivite alérgica e sua relação com outras doenças alérgicas teria se tornado mais fácil.16

Neste estudo, o lacrimejamento foi associado em 73,9% dos adolescentes com AO. Após exposição da superfície ocular a alérgenos, existe uma reação tardia com infiltrado celular que pode levar à obstrução do canal nasolacrimal. Além disso, o lacrimejamento causado por reflexo neuronal foi observado após testes de provocação nasal.17

“Dificuldade em olhar para a luz” foi relatada por 45,7% dos participantes com AO. É importante diferenciar esse sintoma da fotofobia, que, quando detectada, sugere um diagnóstico alternativo, como irite e uveíte.18 Ocorre sensação de corpo estranho quando há uma ruptura no epitélio da córnea, expondo os nervos sensíveis da mesma à abertura e ao fechamento das pálpebras.19 Esse sintoma foi relatado por 20% dos indivíduos com AO.

Hiperemia conjuntival é um sintoma comum de alergia ocular, porém não específico. Nos últimos anos ocorreu um aumento na prevalência de olhos vermelhos devido ao aumento no uso de lentes de contato e exposição a agentes irritantes, como fumaça de cigarro e poluentes.20

A conjuntivite alérgica sazonal (CAS) e a conjuntivite alérgica perene (CAP) são os tipos mais prevalentes de alergia ocular. A CAS é mais comumente relatada que a CAP em países de clima temperado.11 Contudo, em países de clima tropical, os sintomas perenes parecem ser mais comuns. Um estudo realizado na Tailândia com 445 pacientes com conjuntivite alérgica mostrou que 81,8% apresentaram conjuntivite alérgica perene. A maior parte deles foi acometida por Dermatophagoides pteronyssinus (Dp) (70,2%) e poeira doméstica (67,5%).21 Neste estudo, 78,8% dos indivíduos com alergia ocular apresentaram sintomas perenes. Além disso, quando os sintomas eram perenes, houve uma forte associação com rinite e maior impacto sobre as atividades da vida diária se comparado aos sintomas sazonais. Em 1999, um estudo para avaliar a sensibilização atópica em nossa população demonstrou que a sensibilização cutânea a Dp e Lolium multiflorum (Lm) em 3.271 crianças em idade escolar entre 13 e 14 anos foi de 31,3% e 4,7%, respectivamente, ao passo que em 3.041 adultos, o teste cutâneo de puntura positivo foi 38,9% para Dp e 15,4% para Lm.22 Esses achados sugerem que os alérgenos perenes são importantes agentes desencadeantes em nossa população.

Cerca de um quinto dos estudantes com AO relataram que os sintomas oculares causaram interferência moderada ou severa nas atividades diárias, apesar de questões mais específicas relacionadas à qualidade de vida não terem sido incluídas nessa avaliação. Sobre a rinite, estudos mostram que essa questão foi bem correlacionada com outros indicadores de morbidez, inclusive gravidade do sintoma relatado, interferência em atividades específicas da vida diária e utilização de serviços médicos.7 Na Pesquisa “Alergias na América Latina”, 23% dos pacientes com RA apresentaram olhos vermelhos, com prurido e extremamente incômodos, e 20% disseram o mesmo para olhos lacrimejantes.23 Dos pacientes pesquisados, 10% disseram que olhos vermelhos e coceira eram seus sintomas mais incômodos.

Apesar da alta prevalência de AO e da importante morbidez que ela impõe, a doença normalmente é subdiagnosticada. Metade dos indivíduos que apresentam alergia ocular respondeu “sim” para a pergunta “Você já teve conjuntivite alérgica?”, sugerindo que a AO é sub-reconhecida. Sabese que os sintomas de alergia ocular podem não se tornar graves o suficiente para levar os pacientes aos consultórios médicos. Em um estudo realizado em Portugal com 220 pacientes com conjuntivite alérgica, mostrou-se que, apesar de uma redução significativa na qualidade de vida ter sido observada durante episódios agudos de AO, como primeira ação, apenas 19,4% marcavam uma consulta com um oftalmologista e 37,2% já haviam realizado teste de alergia.24

A alergia ocular também é sub-reconhecida por médicos. Em uma análise de prontuários médicos de 1.549 pacientes com asma de um hospital de referência terciária, 681 (44%) apresentaram pelo menos um sintoma sugestivo de alergia ocular. Contudo, conjuntivite alérgica foi diagnosticada pelo médico responsável em apenas 16%.25

É normal encontrar associações entre as doenças alérgicas. Contudo, poucos estudos avaliaram as comorbidades da alergia ocular. Neste estudo, a AO foi normalmente associada a, pelo menos, uma doença alérgica. Rinite foi a mais comum, seguida de asma e eczema atópico. Rinoconjuntivite foi identificada como um fator de risco para asma. A taxa de prevalência da RCA (rinoconjuntivite alérgica) entre indivíduos com asma pode chegar a 90%.26 Para os indivíduos estudados em Curitiba, a razão de chance de um adolescente com alergia ocular apresentar asma, rinite e eczema atópico foi seis, quatro e três vezes, respectivamente. A associação entre asma e alergia ocular foi maior entre aqueles com alergia ocular e rinite. O motivo de a combinação de sintomas variar entre os pacientes com alergias é conhecido. Em um estudo de coorte de nascimento com 404 crianças de seis anos de idade não selecionadas, foi sugerido que o vínculo entre as doenças alérgicas tende a ser mais forte naquelas com reação mediada por IgE.27

Esse estudo forneceu informações de epidemiologia sobre a alergia ocular isolada. Do ponto de vista da saúde pública, é importante diagnosticar, tratar e avaliar as comorbidades dos pacientes com alergia ocular, considerando sua alta prevalência e frequente associação a outras doenças alérgicas. Avaliar os fatores de risco e a condição alérgica desses pacientes deve ser o foco de estudos epidemiológicos futuros sobre CA.

Financiamento

Universidade Federal do Paraná.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Somos gratos aos seguintes estudantes de medicina, participantes do Grupo de Estudo GEA: Bruna Bozelli Leopoldino, Cristine Secco Rosário, Fernanda Barkema, Fernanda Gasparin Palermo, Giseli Macedo, Larissa Dalla Costa Kusano, Natalia Oliveira de Eiras, Renata Robl, Ricardo Parolin Schnekenber, Thieri Drage Costa e Vitor Guimarães de Macedo. Gostaríamos de agradecer, também, à Dra. Elizabeth Maria Mercer Mourão por suas contribuições valiosas, aos diretores da escola, alunos e pais participantes que colaboraram com a pesquisa.

Referências
[1]
S.J. Ono, M.B. Abelson.
Allergic conjunctivitis: update on pathophysiology and prospects for future treatment.
J Allergy Clin Immunol, 115 (2005), pp. 118-122
[2]
J.L. Stahl, N.P. Barney.
Ocular allergic disease.
Curr Opin Allergy Clin Immunol, 4 (2004), pp. 455-459
[3]
E.R. Weeke.
Epidemiology of hay fever and perennial allergic rhinitis.
Monogr Allergy, 21 (1987), pp. 1-20
[4]
J.L. Brozek, J. Bousquet, C.E. Baena-Cagnani, S. Bonini, G.W. Canonica, T.B. Casale, et al.
Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA) guidelines: 2010 revision.
J Allergy Clin Immunol, 126 (2010), pp. 466-476
[5]
K. Singh, S. Axelrod, L. Bielory.
The epidemiology of ocular and nasal allergy in the United States, 1988-1994.
J Allergy Clin Immunol, 126 (2010), pp. 778-783
[6]
L. Bielory.
Allergic conjunctivitis and the impact of allergic rhinitis.
Curr Allergy Asthma Rep, 10 (2010), pp. 122-134
[7]
M.I. Asher, U. Keil, H.R. Anderson, R. Beasley, J. Crane, F. Martinez, et al.
International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC): rationale and methods.
Eur Respir J, 8 (1995), pp. 483-491
[8]
D.A. Goulart, M.A. Tacla, P.M. Marback, D. Solé, A. Paranhos Junior, H.B. Perez, et al.
Artificial neural networks applied to study allergic conjunctivitis screening questionnaire.
Arq Bras Oftalmol, 69 (2006), pp. 707-713
[9]
L. Bielory, M.H. Friedlaender.
Allergic conjunctivitis.
Immunol Allergy Clin North Am, 28 (2008), pp. 43-58
[10]
E.M. Mourão, N.A. Rosário, L. Silva, S.E. Shimakura.
Ocular symptoms in nonspecific conjunctival hyperreactivity.
Ann Allergy Asthma Immunol, 107 (2011), pp. 29-34
[11]
L. Bielory.
Ocular allergy overview.
Immunol Allergy Clin North Am, 28 (2008), pp. 1-23
[12]
B. Hesselmar, B. Aberg, B. Eriksson, N. Aberg.
Allergic rhinoconjunctivitis, eczema, and sensitization in two areas with differing climates.
Pediatr Allergy Immunol, 12 (2001), pp. 208-215
[13]
S. Küçüködük, M. Aydin, F. Cetinkaya, H. Dinç, N. Gürses, Y. Saraçlar.
The prevalence of asthma and other allergic diseases in a province of Turkey.
Turk J Pediatr, 38 (1996), pp. 149-153
[14]
R. Baig, A.W. Ali, T. Ali, A. Ali, M.N. Shah, A. Sarfaraz, et al.
Prevalence of allergic conjunctivitis in school children of Karachi.
J Pak Med Assoc, 60 (2010), pp. 371-373
[15]
B. Björkstén, T. Clayton, P. Ellwood, A. Stewart, D. Strachan.
SAAC Phase III Study Group. Worldwide time trends for symptoms of rhinitis and conjunctivitis: Phase III of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood.
Pediatr Allergy Immunol, 19 (2008), pp. 110-124
[16]
C.A. Riedi, N.A. Rosario.
Prevalence of allergic conjunctivitis: a missed opportunity?.
[17]
R.M. Naclerio, J. Pinto, M. deTineo, F.M. Baroody.
Elucidating the mechanism underlying the ocular symptoms associated with allergic rhinitis.
Allergy Asthma Proc, 29 (2008), pp. 24-28
[18]
J. Bousquet, N. Khaltaev, A.A. Cruz, J. Denburg, W.J. Fokkens, A. Togias, et al.
Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA) 2008 update (in colla**boration with the World Health Organization.
GA(2)LEN and AllerGen) Allergy, 63 (2008), pp. 8-160
[19]
Kozarsky A. An overview of the ocular system. In: Walker HK, Hall WD, Hurst JW, eds. Clinical methods: the history, physical, and laboratory examinations. 3rd ed. Boston: Butterworths; 1990.
[20]
F. Mantelli, A. Lambiase, S. Bonini.
A simple and rapid diagnostic algorithm for the detection of ocular allergic diseases.
Curr Opin Allergy Clin Immunol, 9 (2009), pp. 471-476
[21]
P. Kosrirukvongs, N. Visitsunthorn, P. Vichyanond, C. Bunnag.
Allergic conjunctivitis.
Asian Pac J Allergy Immunol, 19 (2001), pp. 237-244
[22]
P.C. Esteves, N.A. Rosario, S.G. Trippia, L.G. Caleffe.
Atopic sensitization among schoolchildren and adults in Curitiba.
Paraná Rev Bras Alerg Imunopatol, 22 (1999), pp. 156-160
[23]
R. Nathan, E. Meltzer, J. Selner, W. Storms.
Prevalence of allergic rhinitis in the United States.
J Allergy Clin Immunol, 99 (1997), pp. S808-S814
[24]
J. Palmares, L. Delgado, M. Cidade, M.J. Quadrado, H.P. Filipe.
Season Study Group. Allergic conjunctivitis: a national crosssectional study of clinical characteristics and quality of life.
Eur J Ophthalmol, 20 (2010), pp. 257-264
[25]
H.J. Neto, N.A. Rosário, G.L. Westphal, C.A. Riedi, H.L. Santos.
Allergic conjunctivitis in asthmatic children: as common as underreported.
Ann Allergy Asthma Immunol, 105 (2010), pp. 399-400
[26]
B. Leynaert, F. Neukirch, P. Demoly, J. Bousquet.
Epidemiologic evidence for asthma and rhinitis comorbidity.
J Allergy Clin Immunol, 106 (2000), pp. S201-S205
[27]
S. Marinho, A. Simpson, L. Lowe, P. Kissen, C. Murray, A. Custovic.
Rhinoconjunctivitis in 5-year-old children: a population-based birth cohort study.

Geraldini M, Chong Neto MJ, Riedi CA, Rosário NA. Epidemiology of ocular allergy and co-morbidities in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2013;89:354-60.

Copyright © 2013. Sociedade Brasileira de Pediatria
Baixar PDF
Idiomas
Jornal de Pediatria
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Taxa de publicaçao Publication fee
Os artigos submetidos a partir de 1º de setembro de 2018, que forem aceitos para publicação no Jornal de Pediatria, estarão sujeitos a uma taxa para que tenham sua publicação garantida. O artigo aceito somente será publicado após a comprovação do pagamento da taxa de publicação. Ao submeterem o manuscrito a este jornal, os autores concordam com esses termos. A submissão dos manuscritos continua gratuita. Para mais informações, contate assessoria@jped.com.br. Articles submitted as of September 1, 2018, which are accepted for publication in the Jornal de Pediatria, will be subject to a fee to have their publication guaranteed. The accepted article will only be published after proof of the publication fee payment. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. Manuscript submission remains free of charge. For more information, contact assessoria@jped.com.br.
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.